• Nenhum resultado encontrado

Condições de produção do discurso jornalístico

CAPÍTULO II O DISCURSO JORNALÍSTICO

2.3. Condições de produção do discurso jornalístico

O dizer de todo indivíduo é afetado pelo sistema – formado pela língua, ideologia e imaginário – de significação em que se inscreve o sujeito. Assim, seu dizer é intepretação afetada por esse sistema de significações (BENETTI, 2010). De igual maneira, o discurso jornalístico é também interpretações. A atividade jornalística, pelas suas várias intervenções ao longo do seu processo de produção, diante dos fatos, vai construindo sentidos sobre a realidade. Discursos são sempre pronunciados a partir de certas condições de produção (PÊCHEUX, 2014a). As condições de produção do discurso envolvem o sujeito e a situação –

contexto sócio histórico, contexto ideológico e as circunstâncias da enunciação, do imediato (ORLANDI, 2006, p.17).

Até que chegue ao produto final (notícia, reportagem, editorial, nota, etc.), a linha de produção jornalística percorre vários caminhos, conduzidos pelas formações ideológicas, que vão configurando o discurso jornalístico, produzindo, como denominou Mariani (1999), leituras de mundo.

O contexto sócio histórico das condições de produção do jornalismo é o da ideologia e das relações sociais. No contexto imediato (no momento do dizer), fazem parte das condições de produção do discurso jornalístico a linha editorial, a ideologia, as políticas comerciais, a valorização da notícia na construção do lead – primeiro parágrafo dos gêneros informativos que responde a seis perguntas (que, quem, quando, como, onde e por que) –, o deadline, a pauta, as diferentes posições-sujeitos (jornalista, editor, chefe de redação, público, dono da empresa, da fonte entrevistada).

Além dos critérios de noticialibilidade, discutidos anteriormente, outros procedimentos acontecem até a finalização de uma matéria. As diferentes interpretações para o acontecimento, o espaço de destaque (nota, primeira página, reportagem, entrevista, etc.) no veículo, a escolha da editoria onde se irá noticiar, os interesses financeiros e políticos. Isso, se na redação, os atores envolvidos na seleção do fato (jornalista, editores, chefe de redação, diretor de redação e até mesmo o proprietário da empresa) considerarem que o acontecimento merece cobertura jornalística.

A linha editorial e o sujeito editor, inscritos em suas formações discursivas, limitam, padronizam e silenciam o uso de certas palavras, e expressões. No não dizer, ocultar e silenciar, há também discurso. Sujeito e sentido se constituem mutuamente pelas múltiplas formações discursivas, estas refletem as diferenças ideológicas, as posições-sujeitos do discurso, seus lugares sociais (ORLANDI, 2007a). Como bem lembra Fonseca (2010, n.p),

“As formações discursivas, em suas regularidades, em seus rituais da palavra e do palavrear, necessariamente trabalham silêncios e interdições, deixando de lado saberes que poderiam ameaçar sua coerência e unidade, saberes que poderiam ser sintagmatizados, linearizados, formulados, mas não o são”.

Sendo assim, no dizer acontece o silenciamento de ideias, de ideologias, porque o sentido do silêncio não está nas palavras, ele significa (ORLANDI, 2007a). Quando certas fontes de informação são vetadas, quando se escolhe diferentes fontes – enquanto sujeito de seus discursos –, as quais se inscrevem na mesma formação discursiva do veículo; quando

alguns acontecimentos não ganham notoriedade no veículo de comunicação, quando certos assuntos não podem ser publicados no veículo (e se for assunto de grande repercussão ou importância, terá que ser publicado de outra maneira), quando a menção ao acontecimento apaga outros sentidos possíveis, essas práticas são exemplos de situações em que o sujeito jornalista silencia.

Fonseca (2010, n.p) afirma que a formação discursiva não é o único elemento a indicar o que pode e não pode ser dito. O autor atenta para a necessidade de pensar nas pressões das condições de produção do discurso, desse modo, sendo possível observar a dupla coerção: “a pressão das relações de força sobre a enunciação e a pressão das relações de sentido sobre o discurso”. Trazendo para as rotinas jornalísticas, nas circunstâncias da enunciação do discurso jornalístico, o jornalista está inserido num ambiente empresarial (de ordem hierárquica) e de pressões para publicar acerca de um fato, um ambiente de confronto da sua ideologia com a ideologia do veículo.

Na relação hierárquica pela qual nossa sociedade é constituída, dependendo do lugar social do sujeito, seu dizer qualifica o discurso perante a sociedade. Assim, se o sujeito se pronuncia a partir de uma instituição específica (institutos de pesquisa, meios de comunicação, organizações governamentais e não-governamentais, universidade, comunidade, etc.) e de determinada localização (regional, nacional e internacional), também terá diferentes modos discursivos e status diferenciado perante o interlocutor.

O lugar social do jornalista legitima seu discurso perante a sociedade. É comum ouvirmos cidadãos afirmarem: “é verdade, saiu até no jornal...”. Essa afirmação representa as formações imaginárias da população sobre o jornalista, a ideia de que ele fala a verdade. É importante mencionar de onde o jornalista fala, pois se ele fala do veículo de comunicação X, Y, Z, pode, para o público, ter mais legitimidade do que o discurso publicado em outros veículos de comunicação.

O que se diz de um modo também pode ser dito de outro, principalmente se envolve patrocinadores ou grupos políticos ligados à empresa jornalística, ou pelo discurso dominante atribuído a determinado grupo social, o próprio silêncio do jornalista se exime do uso de certos termos para seguir regras e padrões jornalísticos.

Um outro item importante na produção do discurso jornalístico é o deadline. A cobrança de apuração, produção e finalização dos acontecimentos pressiona diariamente o jornalista para que o produto final (material jornalístico) esteja disponível ao público o mais rápido possível. Os reflexos desse ritmo da linha de produção incansável são, por vezes, “barrigada” (jargão

jornalístico para notícia falsa), visão única (ou oficial) do fato, informações superficiais sem aprofundamento e debates.

“O ritmo veloz de produção gera ainda outras consequências importantes: obriga o repórter a divulgar informações sobre as quais não tem certeza; reduz, quando não anula, a possibilidade de reflexão no processo de produção de notícia, o que não apenas aumenta a probabilidade de erro como, principalmente e mais grave, limita a possibilidade de matérias com ângulos diferenciados de abordagem, capazes de provocar questionamentos no leitor; e, talvez mais importante, praticamente impossibilita a ampliação do repertório de fontes, que poderiam proporcionar diversidade (MORETZSOHN, 2002, p. 70).

A pauta contém orientações para direcionar o jornalista na produção do texto. Esta atua na forma de apresentação do fato que ganhará atenção do veículo de comunicação. Quando a pauta é algo relacionado à Amazônia, antes do jornalista iniciar seu trabalho, o imaginário sobre a região já está influenciando o modo de construção do seu discurso, por meio da seleção das fontes. A Amazônia chega até nós pelos já ditos (interdiscurso) que nos ajudam a construir outros discursos. Este discurso não é novo, pois nenhum discurso é, se constituiu de outros discursos já existentes.

É no interdiscurso que o sujeito designa sentidos já existentes sobre a Amazônia por meio de formulações já ditas e esquecidas, determinando o que dizemos (intradiscurso, a atualidade), fazendo-nos acreditar termos discursos originais (esquecimentos), quando na verdade eles se concretizaram a partir de dizeres já ditos em outros momentos, resgatados em forma de imaginários e pré-construídos. Assim, conforme diz Orlandi (2012), para as palavras fazerem sentido, é preciso que já signifiquem. Segundo ela,

"não temos o controle de como os sentidos se formam em nós, sujeitos. Assim, todo dizer se acompanha de um dizer já dito e esquecido que o constitui em sua memória. A esse conjunto de enunciações já ditas e esquecidas e que são irrepresentáveis é que damos o nome de interdiscurso" (ORLANDI, 2006, p.22).

De acordo com Courtine,

“O interdiscurso é o lugar no qual se constituem, para um sujeito falante, produzindo uma sequência discursiva dominada por uma FD determinada, os objetos de que esse sujeito enunciador se apropria para deles fazer objetos de seu discurso” (COURTINE, 2009, p.74).

A memória a qual nos referimos não é de lembranças, de impressões adquiridas no passado e guardadas. Nos referimos à memória discursiva que possibilita fazer circular enunciados anteriores, tornando possível circular esses enunciados na formação discursiva. A

memória discursiva é constituída pelo esquecimento (ORLANDI, 2006). “Toda formação discursiva é associada a uma memória discursiva, constituída de formulações que repetem, recursam e transformam outras formulações” (MAINGUENEAU, 1997, p. 115).

Esquecemos de quando e como certos sentidos significaram em nós, mas que continuamos a dizer. Ao se mencionar a Amazônia, independente do gênero textual, não se trata de um discurso novo sobre a região, mas algo já dito antes (e apagado). Já se formam na memória (memória discursiva) as imagens que se têm sobre a região. É na memória discursiva que se guardam os já ditos e internalizados em nós sobre a região em forma de pré-construídos.