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CAPÍTULO I – SOBRE A ANÁLISE DE DISCURSO

1.2 Condições de Produção

Pêcheux (1990) mostra que um discurso é sempre produzido em meio a condições de produção dadas, em meio a relação de forças existentes entre os elementos opostos de um campo político. Conforme tais postulados, um discurso pode ser um ato político direto ou um gesto vazio.

Sobre as condições de produção do discurso, Pêcheux (1990) mostra que existem elementos estruturais que pertencem a duas famílias de esquemas que estão em competição, pois

“há um esquema ‘reacional’, derivado das teorias psicofisiológicas e psicológicas do comportamento (esquema ‘estímulo-resposta’ ou ‘estímulo- organismo-resposta’; um esquema ‘informacional’ derivado das teorias sociológicas e psicossociológicas da comunicação (esquema ‘emissor- mensagem-receptor’). (PÊCHEUX, 1990, p. 79).

Deste modo, a mensagem passa a ser considerada como discurso com efeitos de sentidos entre o destinador e o destinatário. Para o linguista, no processo discursivo, o emissor antecipa respostas, representações do receptor, uma vez que há representações imaginárias das diferentes instâncias do processo discursivo.

Pêcheux (1990) mostra que para Ducrot, as formações imaginárias são caracterizadas pela pressuposição, implicação e situação de discurso, esta última remete às pressuposições, e corresponde à imagem que os participantes de um diálogo constroem uns dos outros.

Para Pêcheux (1990), uma descrição formal dos processos discursivos é incompleta e provisória, sendo que de acordo com a regra I, os domínios semânticos e as dependências de sentidos entre esses domínios ocorrem em níveis hierarquizados. Para a regra II, a recepção da sequência discursiva ocorre por meio de codificação e decodificação, sendo que o discurso dos protagonistas é modificado. Em relação ao discurso monólogo, o destinatário só se encontra presente na situação pela imagem que o destinador faz dele.

Ao abordar o efeito metafórico, Pêcheux (1990) mostra que dois termos pertencentes a uma mesma categoria gramatical em uma língua formam uma sinonímia local ou contextual, e também a sinonímia não-contextual. Deste modo, o efeito metafórico é o fenômeno semântico produzido por uma substituição contextual. Ao tratar da superfície discursiva à estrutura do processo de produção, o linguista mostra que para Jakobson, do fonema ao discurso há a presença de signos linguísticos cuja dimensão mostra que permanecem ligados à mesma regra de combinação.

Pêcheux (1990) mostra que Benveniste emprega o termo enunciado para distinguir a frase como algo único, em que o discurso opera. Os enunciados possuem uma relação de dependência funcional, que é a contiguidade sintagmática entre os elementos. Portanto, o efeito de dominância no interior de uma sequência discursiva evidencia que se as condições de produção do discurso são dominantes, os recortes definidos pelos efeitos metafóricos permitem a verificação de domínios semânticos determinados pelo processo dominante.

O texto de Pêcheux (1990) salienta que em um discurso não há uma única unidade orgânica, pois é possível verificar que há várias formas possíveis que apresentam as superfícies do discurso, e que serão desvendadas após uma operação de análise em que os sintomas pertinentes justapostos são evidenciados, e, que, por sua vez, revelam que a produção dominante subjaz ao discurso analisado.

Pêcheux (1988) mostra que em relação às condições ideológicas da reprodução/transformação das relações de produção, a ideologia não é o único elemento para a realização da reprodução ou a transformação das relações de produção de uma formação social, pois as determinações econômicas são os últimos fatores que propiciam a reprodução ou transformação no interior da produção econômica. Ao abordar a reprodução ou transformação, o linguista mostra o caráter contraditório “de todo modo de produção que se baseia numa divisão em classes, isto é, cujo princípio é a luta de classes”. (PÊCHEUX, 1988, p. 144).

A luta de classes perpassa o modo de produção, que na área da ideologia corresponde ao fato da luta de classes passarem pelos aparelhos ideológicos de Estado. Deste modo, o termo aparelho ideológico de Estado evidencia que as ideologias não são feitas de ideias, mas sim de práticas, pois a ideologia não é reproduzida de modo igual na sociedade, pois os aparelhos ideológicos de Estado não garantem por si só a realização da ideologia.

É por meio do aparelho ideológico de Estado que é eternizada a reprodução dos conhecimentos que devem ser ensinados na escola por meio dos conteúdos que estão inseridos nas disciplinas escolares e, que, por sua vez, acabam por remeter aos sujeitos que aprenderão e àqueles que não aprenderão. Assim, no regime capitalista, a reprodução da qualificação da força de trabalho no interior do capitalismo tende “a dar-se não mais no ‘local de trabalho’ (a aprendizagem na própria produção) porém, cada vez mais, fora da produção, através do sistema escolar capitalista e de outras instâncias e instituições.” (ALTHUSSER, 2003, p. 57).

Dessa forma, o sujeito analfabeto é obrigado a firmar documentos por meio da impressão digital, cujo ato diferencia, na sociedade, os sujeitos alfabetizados dos sujeitos não-alfabetizados, e representa a ação do Estado enquanto forma de governar o mundo e as pessoas. Em relação à resistência, o fato de retornar à escola, na idade adulta representa a resistência do sujeito- aluno em relação aos mecanismos de controle e relações de poder do Estado, uma vez que deseja ser visto pelo outro como cidadão, como alguém singular que não está sob o domínio do Estado. (TEIXEIRA, 2010, p. 65).

Essa realidade determina o que os sujeitos devem aprender ou não e, sobretudo, é essa ideologia que, por sua vez, acaba por selecionar os que têm acesso à escolarização, salientando cada vez mais a demarcação imposta pela sociedade aos que podem ser escolarizados e os que são excluídos. Assim, no caso da EJA, o retorno à escola não garante o aprendizado dos conteúdos que não foram aprendidos na escolarização regular, dadas as condições de agilização dos estudos que são estabelecidas pelas características da própria EJA.

Pêcheux (1988) destaca que não é possível atribuir a cada classe social a sua ideologia específica, como se cada uma delas fosse anterior à luta de classes no seu próprio campo, com as suas condições de existência e as suas instituições. Nesse sentido, a luta de classes ideológica remete ao encontro de dois mundos diferentes e pré-existentes, cada um com as suas práticas e com as suas próprias concepções de mundo, de modo que a classe mais forte, ou classe dominante, imporia sua ideologia à outra classe.

A ideologia da classe dominante não se torna dominante, uma vez que “os aparelhos ideológicos de Estado não são a expressão da dominação da ideologia dominante, isto é, da ideologia da classe dominante [...], mas sim que eles são seu lugar e meio de realização”

(PÊCHEUX, 1988, p. 145), pois é com o funcionamento dos aparelhos ideológicos de Estado, que a ideologia da classe dominante realiza-se e torna-se dominante. Contudo, os aparelhos ideológicos de Estado não são somente os instrumentos da classe dominante, que reproduzem as relações de produção, mas também, o lugar da contínua luta de classe, ou seja, os aparelhos ideológicos de Estado são, de modo simultâneo e contraditório, o lugar e as condições ideológicas da transformação e da reprodução das relações de produção.

Para Pêcheux (1988), as condições ideológicas da reprodução e transformação das relações de produção são condições contrárias e são formadas em um determinado momento histórico, e para uma formação social pelo conjunto complexo dos aparelhos ideológicos de Estado. Este complexo conjunto é formado por relações de contradição, desigualdade e subordinação dos seus elementos, de modo que cada aparelho ideológico de Estado não contribui de mesmo modo para a reprodução das relações de produção e para sua transformação. Deste modo, as especificidades de cada aparelho ideológico condicionam sua importância no interior do conjunto dos aparelhos ideológicos de Estado, devido à função da luta de classes em uma dada formação social.

As formações ideológicas presentes nos aparelhos ideológicos de Estado são caracterizadas e comportam posições de classe, pois “os objetos ideológicos são sempre fornecidos ao mesmo tempo em que a maneira de se servir deles – seu sentido, isto é, sua orientação, ou seja, os interesses de classe aos quais eles servem” (PÊCHEUX, 1988, p. 146), sendo que as ideologias práticas são práticas de lutas de classes na ideologia. Dessa forma, os objetos ideológicos regionais, são desmembrados em regiões como: Deus, Moral, Lei, Justiça, Família, Saber, etc., e as relações de desigualdade e subordinação dessas regiões formam a cena da luta ideológica de classes.

A luta ideológica de classes ocorre conforme uma formação social devido à contradição da reprodução e transformação que a constitui. Assim, a forma de contradição que é comum na luta ideológica entre duas classes opostas não é simétrica, pois a relação de classes é ocultada no funcionamento do aparelho de Estado pelo mecanismo que a realiza, de modo que a sociedade, o estado e os cidadãos, que possuem direitos e são livres e iguais no modo de produção capitalista, são produzidos e reproduzidos como evidências naturais.

Pêcheux (1988) mostra que tanto a reprodução, quanto a transformação das relações de produção constituem um processo em que a ideologia interpela os indivíduos em sujeitos, uma vez que para desvendar esse enigma, deve-se recorrer a “uma teoria materialista dos processos discursivos ideológicos de reprodução/transformação das relações de produção.” (PÊCHEUX,

1988, p. 148). Segundas tais concepções, só há prática por meio de uma ideologia e sob uma ideologia, e só há ideologia pelo sujeito e para os sujeitos.