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CAPÍTULO I – SOBRE A ANÁLISE DE DISCURSO

1.6 Paráfrase e polissemia

Para a realização de nossa pesquisa, construímos recortes discursivos de diferentes fontes, dentre as quais, as Propostas Curriculares para a EJA - primeiro segmento do Ensino Fundamental (1º ao 5º Ano), os Cadernos Trabalhando com a Educação de Jovens e Adultos, especificamente, o fascículo número um, cujo título é Alunos e alunas da EJA e o vídeo da Campanha Publicitária - Educação de Jovens e Adultos, do ano de 2016. Todas essas materialidades foram elaboradas pelo Ministério da Educação (MEC).

Tendo como fio condutor a importância da interpretação para a construção de novos sentidos e, principalmente, a noção de que os sentidos são instáveis e nunca se revelam por meio do que está dito e explícito, construímos sequências discursivas compostas por recortes discursivos textuais e capturas de tela do vídeo, sem ser de forma linear, mas a partir de processos de interpretação.

Ao tratarmos sobre a materialidade, vale ressaltar que:

quanto ao discurso e sua relação com a ideologia, a melhor maneira de compreendê-la, [...], é a afirmação de que a materialidade específica da ideologia é o discurso, e a materialidade específica do discurso é a língua. Processo e movimento, matéria (substância suscetível de receber uma forma). (ORLANDI, 2016, p. 13).

Primeiramente, procedemos à leitura das Propostas Curriculares, em seguida, à leitura dos Cadernos com orientações metodológicas e com abordagens sobre o cotidiano de vida dos alunos jovens e adultos, por último, recorremos às redes sociais, dentre as quais, destacamos as duas mais populares, o YouTube e o Facebook, pois foi por meio desses dois espaços virtuais que o MEC publicou o vídeo destinado à Campanha Publicitária da EJA para o ano de 2016.

Contudo, conforme as informações disponibilizadas sobre essa Campanha, é destacado que a sua veiculação também ocorreu na televisão e no rádio, por meio da publicação de um spot7

para rádio com o áudio que foi produzido para o vídeo.

Vejamos, a seguir, a imagem da página inicial do canal do MEC no YouTube e o seu perfil na rede social Facebook, em outubro de 2017:

Figura 2 - Captura de tela: Página inicial do canal do MEC no YouTube

Fonte: https://www.youtube.com/user/ministeriodaeducacao/featured

Figura 3 - Captura de tela: Perfil do MEC no Facebook

7 Trata-se de uma publicidade para rádio. “Texto comercial para transmissão radiofônica.” (HOUAISS,

Fonte:

https://www.facebook.com/ministeriodaeducacao/?hc_ref=ARSQHfjMP5QClQVl6qtORC2o 1LNbE77yETur2auaYUH18PEw9HA7rApKyyPqFx2zO04

Destacamos que o nosso corpus de análise constitui materialidades que estão disponíveis na internet, na página oficial do Ministério da Educação, no canal oficial do MEC no YouTube e no perfil desse Ministério no Facebook. Nesse sentido, as Propostas Curriculares e os Cadernos Trabalhando com a EJA estão disponibilizados no site do MEC, especificamente na aba “Secretarias”, na seção destinada à SECADI (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade), na guia “Publicações”, no item destinado aos Materiais Didáticos são apresentados os endereços eletrônicos que, respectivamente, correspondem às publicações que utilizamos. Portanto, os usuários podem baixar esses materiais em mídias digitais e utilizá- los posteriormente. Sobre o vídeo, conforme já explicitado, anteriormente, no item 2.3, os principais espaços da internet onde foram divulgados são as redes sociais, primeiramente, o YouTube e, logo depois, o Facebook.

Nesse sentido, elaboramos Sequências Discursivas que são constituídas por recortes discursivos de enunciados das Propostas, dos Cadernos e da Campanha Publicitária. Essas sequências podem ser constituídas pelos recortes textuais e pelas imagens obtidas por meio das capturas de tela.

As Sequências Discursivas que construímos foram elaboradas em um jogo parafrástico de regularidades. Para tanto, inserimos as sequências discursivas em subtítulos dentro do

Capítulo IV. Ainda em relação à Campanha Publicitária, procedemos às capturas de telas desse filme que resultou em imagens que foram analisadas. Em conformidade com o movimento de sentidos, dividimos o Capítulo IV em duas partes: 4.1 A não escolarização e a EJA e 4.2 O poder público e as consequências sociais dos alunos da EJA.

Conforme Orlandi (2007a), há uma relação entre a memória e o interdiscurso, pois em conformidade com tal perspectiva, ela é tratada como o próprio interdiscurso. Nesse sentido,

é o que chamamos memória discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra. O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada. (ORLANDI, 2007a, p. 31).

Ao propormos as análises por meio da Análise de Discurso de vertente pecheutiana, consideramos que existem distinções entre o gesto de interpretação do analista do discurso, que se dá com o apoio a um dispositivo teórico, em oposição ao gesto de interpretação do sujeito comum, que se dá por meio de um dispositivo ideológico com seu efeito de evidência, como bem afirma Orlandi:

o gesto do analista é determinado pelo dispositivo teórico enquanto o gesto do sujeito comum é determinado pelo dispositivo ideológico. Sem esquecer que determinar significa ser constitutivo e não relação de causa / efeito, muito menos mecânica. Nos dois gestos temos mediação. Mas a mediação da posição construída pelo analista não reflete, ao contrário, trabalha a questão da alteridade. Na mediação do dispositivo ideológico, o sujeito está sob o efeito do apagamento da alteridade (exterioridade, historicidade): daí a ilusão do sentido lá, de sua evidência (ORLANDI, 2012, p. 84).

Em relação à mediação instaurada pelo dispositivo teórico, espera-se que ela produza um deslocamento que permita ao analista trabalhar as fronteiras das formações discursivas, e por meio da intepretação, deslocar os sentidos já cristalizados e promover a abertura aos efeitos de sentido que foram produzidos em determinadas condições. Assim, é por meio dos vestígios que o analista elabora a sua interpretação. “São pistas que ele aprende a seguir para compreender os sentidos aí produzidos, pondo em relação o dizer com sua exterioridade, suas condições de produção.” (OLANDI, 2007a, p. 30). Esse movimento mostra que a emergência de sentidos está relacionada com o que foi dito, mas também, com o que não foi dito e com outros lugares, “assim como com o que não é dito, e com o que poderia ser dito e não foi. Desse modo, as margens do dizer, do texto também faz parte dele.” (p. 31).

Nesse sentido, Orlandi (2012) mostra que não há a suposição da neutralidade do analista em relação aos sentidos, mas sim, que não é somente ele que está afetado pela interpretação, como um dispositivo analítico, marca uma posição em relação a outras. Assim, o dispositivo é capaz de deslocar a posição do analista, trabalhando o que é opaco na linguagem, a sua não- evidência, não relativizando e mediando a relação do sujeito com o gesto interpretativo.

Conforme Orlandi (2007a), enfatizamos que a Análise de Discurso não busca o sentido verdadeiro dos enunciados, mas o real sentido de sua materialidade linguística e histórica, pois a ideologia não pode ser aprendida e o inconsciente não pode ser controlado com o saber. O próprio funcionamento da língua é ideológico e a sua materialidade é colocada em jogo, pois todos os enunciados são passíveis de descrição e, consequentemente, de interpretação.

O dispositivo, a escuta discursiva, deve explicitar os gestos de interpretação que se liga aos processos de identificação dos sujeitos, suas filiações de sentidos: descrever a relação do sujeito com sua memória. Nessa empreitada, descrição e interpretação se inter-relacionam. E é também tarefa do analista distingui-las em seu propósito de compreensão. (ORLANDI, 2007a, p. 60).

Conforme Léon e Pêcheux (2012), existem três condições fundamentais para a Análise de Discurso que remetem às seguintes posições teórico-metodológicas: A primeira condição trata da noção de leitura, e mostra o fato de que quando o sujeito lê um texto ou frase, as palavras não constituem somente uma tomada de informação, pois o sentido da palavra, da frase ou do texto, só existe em relação a outros textos, frases ou palavras que constituem seu contexto, onde as modalidades de acessibilidade são variáveis. Deste modo, “a análise de discurso se contenta em cercar o sentido de uma sequência (de extensão indeterminada) por meio de suas possibilidades de substituição, comutação e paráfrase.” (LÉON; PÊCHEUX, 2012, p. 165).

A segunda condição remete à estrutura dos dados, pois a análise da materialidade discursiva admite a estruturação dos arquivos submetidos à análise, ou seja, a construção do corpus. Assim, “um corpus é um sistema diversificado, estratificado, disjunto, laminado, internamente contraditório, e não um reservatório homogêneo de informações ou uma justaposição de homogeneidades contrastadas [...], um corpus de arquivo textual não é um banco de dados.” (LÉON; PÊCHEUX, 2012, p. 165).

A terceira condição refere-se ao estatuto de enunciado, pois o historiador não possui contato com a informação factual, mas sim, com enunciados opacos e ambíguos, cuja leitura só pode ser efetuada em relação a outros textos, pois segundo Léon e Pêcheux (2012), a sequência discursiva não pode ser considerada como a articulação de informações, mas como uma série de mudanças de níveis que podem ser, sintaticamente, recuperados. “Isso nos faz afirmar a

inevitabilidade da análise sintática das sequências discursivas, fundada sobre o conhecimento de um real próprio à língua e determinado a possibilidade de mudanças de níveis.” (LÉON; PÊCHEUX, 2012, p. 166.)

Segundo Orlandi (2012), é por meio da noção de discurso que a AD alinha-se na relação do mundo com a linguagem, na noção constitutiva que é a condição para essa relação, não relação entre as coisas e a linguagem, pois pertencem a ordens diferentes, a do mundo e a da linguagem que, por sua vez, são incompatíveis. Nesse sentido,

a possibilidade mesma da relação mundo-linguagem se assenta na ideologia. Por outro lado, pela noção de ideologia, pela ideia de prática e de mediação, introduz-se a ideia da incompletude da linguagem, da falha. E por aí o lugar do possível. Se a linguagem e a ideologia fossem estruturas fechadas, acabadas, não haveria sujeito, não haveria sentido.

A nível da língua como sistema (absolutamente) autônomo, o funcionamento só nos permitiria atingir o repetível formal, ou seja, nesse nível só poderíamos explicitar as regularidades que comandam formalmente o funcionamento da linguagem: as sistematicidades sintáticas, morfofonológicas. (ORLANDI, 2012, p. 28-29).

Conforme a autora, a compreensão do funcionamento discursivo, ou seja, para a explicação das suas regularidades, faz-se necessário “fazer intervir a relação com a exterioridade, ou seja, compreendermos a sua historicidade, pois o repetível a nível do discurso é histórico e não formal.” (p. 29). Sobre as noções de sujeito e do sentido na linguagem, é necessária a interferência da filosofia, das ciências das formações sociais, o simbólico é “uma questão aberta, uma questão de interpretação.” (p. 29).

Ainda segundo Orlandi (2012), sobre a regularidade na AD, “é função da relação contraditória da linguagem com a exterioridade.” (p. 29). O movimento da AD não é como na análise de conteúdo, do exterior ao texto, mas parte do conhecimento da exterioridade pelo modo como os sentidos emergem da discursividade do texto. Na AD, a noção de exterioridade transforma a noção de linguagem em relação à sua forma material, desloca a noção do que é social, histórico e ideológico no domínio das ciências humanas e sociais.

Em relação ao gesto de ler do analista do discurso no interior da discursividade que será analisada, Petri (2013) mostra que tal postura está relacionada à noção do “pêndulo no ponto zero e daí começa o movimento”. (p. 47). Essa analogia mostra que:

por um instante, então, o analista suspende o pêndulo e, imediatamente depois, passa a acompanha-lo nas idas e vindas da teoria para a análise, perpassando de diferentes maneiras os elementos constitutivos do corpus, com suas opacidades, com suas resistências, com suas porosidades, com sua densidade,

com sua incompletude constitutiva. É por tudo isso que o movimento é imperfeito, e, na maioria das vezes, imprescindível também. Há uma disposição inicial das posições, mas não uma garantia de chegada. As relações simbólicas podem ser compreendidas a partir do funcionamento do dispositivo analítico, mas isso não ocorre em plenitude, pois o dispositivo analítico pode dar conta de algumas relações de diferentes facetas dessas relações; enfim, o dispositivo analítico é desafiado a explicitar processos ou partes do processo. (PETRI, 2013, p. 47).

Conforme Petri, o movimento realizado pelo pêndulo cria um espaço de jogo, trabalha com as questões que foram, inicialmente, propostas, reiterando-as ou descartando-as. É esse movimento pendular que remete ao trabalho do analista em relação aos instrumentos científicos, pois, as práticas científicas necessitam de instrumentos, mas o uso de instrumentos científicos, não garantem que as práticas científicas ocorram. Deste modo, o analista de discurso constrói o seu dispositivo analítico, lança o olhar crítico sobre o seu trabalho retoma questões e passa a lidar com o efeito de fim, uma vez que “num determinado momento, deve colocar um ponto final, mesmo não acreditando na existência do fim.” (p. 47). Por fim, Petri (2013) mostra que a metáfora do pêndulo também é útil para ilustrar esse movimento, pois uma vez instaurado o pêndulo, a sua natureza é oscilar. Assim, o funcionamento teórico-analítico da análise de discurso mostra que: “os instrumentos científicos não são feitos para dar respostas, mas para colocar questões.” (HENRY, 1993, p. 36, apud PETRI, 2013, p. 47).

É nesse sentido que desdobramos a nossa pesquisa rumo à interpretação por meio da metodologia da Análise de Discurso de vertente pecheutiana e mergulhamos em meio a diferentes discursos produzidos por esse Ministério para mostrarmos as possíveis representações construídas pelo MEC por meio do fio discursivo e que, por sua vez, se manifestam em diferentes condições de produção e nos interdiscursos. Tal movimento teórico e analítico permitiu correlacionarmos a porosidade, a instabilidade e a mudança de sentidos que são comuns às mais diversas manifestações discursivas humanas, à mesma porosidade, instabilidade e mudança de sentidos que invade a profusão discursiva tida como estável e que é legitimada pelo discurso do Ministério da Educação, especialmente, em relação à EJA.

Para a análise e a interpretação dos dados, contemplamos os pressupostos teóricos da Análise de Discurso de vertente pecheutiana para problematizarmos sobre as representações contidas nos discursos do Ministério da Educação em relação à EJA e que se manifestam nos documentos oficiais por meio das Propostas e dos Cadernos, e também, por meio do filme da Campanha Publicitária para que pudéssemos buscar a construção dos sentidos.