• Nenhum resultado encontrado

Sabe-se que uma amostra macroscópica de um cristal tem da ordem de 1023 moléculas.

Uma amostra real é limitada por uma superfície que exerce forte inuência sobre as moléculas que estão próximas a ela devido à quebra de simetria e também devido ao rompimento de liga- ções das moléculas presentes na superfície. No entanto, as moléculas que estão bem afastadas

4.5 Condições periódicas de contorno 93

da superfície em uma região, comumente conhecida como região de bulk, estão tão distantes da superfície que não sofrem inuência dela. Uma simulação que pretende descrever o comporta- mento das moléculas presentes na região de bulk do material tem que ser capaz de reproduzir condições semelhantes à encontrada em um cristal real, ou seja, deve ser capaz de minimi- zar ou até mesmo eliminar os efeitos de superfície. Por uma razão de limitação de recursos computacionais é impraticável realizar uma simulação que tenha da ordem de 1023 moléculas.

Quando se trata de cálculos de primeiros princípios uma simulação com 103 [121, 127, 128]

já é extremamente cara. Atualmente, para realizar simulações de primeiros princípios desta ordem de grandeza é obrigatório o uso de um super-computador. Obviamente, um sistema desta ordem de grandeza é tão pequeno que a fração das moléculas presentes na superfície já não pode mais ser desprezada e o sistema passaria a ser dominado por efeitos de superfície. Uma alternativa para resolver este problema é o método conhecido como condições periódicas de contorno (pbc). Este método consiste na repetição da caixa de simulação innitas vezes simulando desta forma um cristal innito, ou seja, sem superfície [141].

Por motivos didáticos usaremos um modelo de um cristal bidimensional. Primeiramente imagine um conjunto de N moléculas numa caixa bidimensional. O uso das condições perió- dicas de contorno implica que a caixa central será repetida innitas vezes, preenchendo todo o espaço bidimensional. Todas as imagens da caixa contém as imagens das moléculas nas mesmas posições relativas da caixa central. Além disso, se uma molécula realizar um deslo- camento na caixa original então, todas as suas imagens se moverão de maneira exatamente igual. Desta forma, quando uma molécula deixar a caixa central, uma imagem dela entrará pela face oposta. Este método está ilustrado na Figura (4.2). Observe que, quando a molécula 1 se move em uma direção todas as suas imagens 1A, 1B e etc.(os índices indicam em qual

caixa as imagens estão) se movem da mesma maneira.

4.5 Condições periódicas de contorno 94

Figura 4.2: Mostra o funcionamento das condições periódicas de contorno para um cristal bidimen- sional. Observe que quando a molécula 1 sai da caixa original mostrada no centro da Figura uma imagem desta molécula entra na face oposta. Figura retirada da referência [141]

caixa não depende somente das moléculas presentes na caixa original mas também depende das imagens. A Figura (4.3) mostra a vizinhança da molécula 1 observe que as moléculas 3, 4 e 5 na caixa original não fazem parte da vinhaça da molécula 1, ou seja, cada uma desta moléculas é substituída por suas respectivas imagens 3E, 4E e 5C. Esta convenção na escolha das imagens

é conhecida também como convenção de mínima imagem [141]. Apesar de ser muito útil para eliminar os efeitos de superfície, possibilitando obter resultados satisfatórios para a região de bulk, o método das condições periódicas de contorno impõe algumas consequências indesejadas. O exemplo mais comum é a interação entre as imagens, ou seja, uma mesma molécula poderá contribuir mais de uma vez para o cálculo das interações [142144]. Em algumas simulações esta interação indesejada pode ser eliminada estabelecendo uma raio de corte para a interação [141].

O método das condições periódicas de contorno também diculta a simulação de defeitos extensos. Como foi visto no Capítulo 3, as discordâncias e as falhas de empilhamento são

4.5 Condições periódicas de contorno 95

Figura 4.3: Mostra que a vizinhança das moléculas na borda da caixa não depende somente das moléculas originais mas também das imagens mais próximas. Figura retirada da referência [141]

defeitos cristalinos extensos que são criados a partir de deslocamentos relativos entre os átomos. A simulação deste tipo de defeito sob condições periódicas de contorno é um grande desao para qualquer estrutura cristalina, pois um deslocamento relativo entre duas partes da caixa de simulação também produz um deslocamento relativo entre duas imagens da caixa, criando interações indesejadas [63].

A simulação deste tipo defeito na estrutura do gelo Ih é mais complicada ainda pois esta

estrutura apresenta uma desordem protônica. Depois de um deslocamento relativo entre duas partes do cristal as ligações de hidrogênio entre as partes deslocadas não se encaixam mais. Uma alternativa para a simulação de falha de empilhamento seria a criação de uma falha e uma anti-falha em uma mesma caixa de simulação, ou seja, criando duas falhas de empilhamento com deslocamentos relativos opostos. Tal procedimento impossibilita o cálculo da energia de formação de uma única falha de empilhamento e por isso que neste trabalho foi usado um método que será chamado de condições periódicas de contorno modicadas para simular as falhas de empilhamento. Para exemplicar o uso das condições periódicas de contorno

4.5 Condições periódicas de contorno 96

Figura 4.4: Mostra a diferença entre a pbc convencional e a pbc modificada. O lado esquerdo mostra duas imagens separadas por uma linha tracejada horizontal sob pbc convencional tal que não há criação de falha de empilhamento. Já o lado direito mostra duas imagens separadas pela mesma linha tracejada de uma caixa que está sob pbc modificada tal que há a criação de uma falha de empilhamento entre as imagens [131].

modicadas será utilizado a caixa de simulação que foi usada para simular uma das falhas de empilhamento no gelo Ih. A Figura (4.4) do lado esquerdo mostra uma caixa de simulação que

foi repetida na direção ~c, que está no plano da página na direção vertical. A linha tracejada separa a caixa original da primeira imagem ao longo da direção ~c. Observe que a imagem foi reproduzida no mesmo alinhamento da caixa original, ou seja, neste caso a caixa está sob condições periódicas de contorno regular e não há criação de falha de empilhamento. Neste caso os vetores de repetição da caixa são dados por ~a = (Lx, 0, 0), ~b = (0, Ly, 0)e ~c = (0, 0, Lz)

onde Lx, Ly e Lz são os lados da caixa ortorrômbica original. Agora considere a Figura (4.4)

do lado direito. Note que a imagem não foi repetida obedecendo o aliamento original como foi feito na caixa do lado direito. Houve uma mudança no vetor de repetição da caixa de ~c para ~c0

onde ~c0 é dado por ~c0 = (0, −b

4.5 Condições periódicas de contorno 97

Este procedimento cria uma falha de empilhamento entre a imagem e a caixa original. Observe que esta mudança nas condições periódicas de contorno realiza um deslocamento relativo entre as imagens da caixa que leva as camadas B para posições C e as camadas originalmente em A para posições B. É importante observar que, apesar das condições periódicas de contorno realizar este deslocamento relativo entre as imagens, as posições absolutas das moléculas em cada imagem não são alteradas. Este procedimento descrito acima garante uma única falha de empilhamento por imagem, facilitando o cálculo da energia de formação da falha.

No caso da simulação das discordâncias parciais não é possível simular uma única discor- dância em um cristal submetido à condições periódicas de contorno [63]. A alternativa usada foi a criação de duas discordâncias com vetores de Burgers em sentidos opostos assim como mostra a Figura (4.5) [145]. Nesta Figura pode-se observar que há duas discordâncias com

Figura 4.5: Mostra um dipolo de discordância separadas por uma distância a procedimento necessá- rio para simulação de discordâncias em um cristal submetido a condições periódicas de contorno. Os vetores −~b e ~b mostram que os vetores de Burgers de cada discordância estão em direções opostas. Figura retirada da referência [63].

seus respectivos vetores de Burgers em sentidos opostos separadas por uma distância a. Esta caixa está submetida a condições periódicas de contorno e com o vetores de repetição dados