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Discordâncias parciais e falhas de empilhamento

3.5

Discordâncias parciais e falhas de empilhamento

Como vimos na Seção 3.2.1, os dois tipos básicos de discordâncias, classicados como edge e screw, respectivamente possuem vetor de Burgers igual a um múltiplo do vetor de rede. Vimos também que reações entre discordâncias podem ocorrer, ou seja, que duas discordâncias podem se juntar e formar uma discordância só. Da mesma forma, uma discordância pode se dissociar em duas outras discordâncias. Nestas reações o vetor de Burgers deve ser conservado como descrito na equação (3.1). Na seção anterior vimos que a energia por unidade de comprimento de uma discordância retilínea é proporcional ao quadrado do módulo do vetor de Burgers. A partir disso podemos identicar do ponto de vista energético se uma reação entre discordâncias é favorável ou não. Veremos a partir daqui que discordâncias com vetores de Burgers diferentes de um vetor de rede podem existir. Estas discordâncias são classicadas como discordâncias parciais. Para diferenciar uma discordância parcial de uma discordância regular denimos como discordância perfeita aquela que tem vetor de Burgers igual a um vetor de rede.

Nesta seção estamos interessados em determinar quando uma dissociação de uma discor- dância perfeita em duas parciais é favorável. Para isso consideremos a energética da dissociação de uma discordância perfeita com vetor de Burgers ~b1 em duas outras parciais com vetores de

Burgers ~b2 e ~b3. De acordo com a conservação do vetor de Burgers a equação ~b1 = ~b2+~b3 deve

ser satisfeita. A Figura (3.24) ilustra de maneira qualitativa esta reação de dissociação. Do lado esquerdo temos uma discordância perfeita com vetor de Burgers ~b1. O lado direito mostra

que esta discordância foi dissociada em duas discordâncias parciais com vetores de Burgers ~b2

e ~b3. A condição de conservação ~b1 = ~b2 + ~b3 está ilustrada no diagrama ao lado direito da

Figura. Do ponto de vista energético esta reação somente será favorável se:

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=

+

Perfect dislocation Partial Partial

Figura 3.24: Mostra a reação de uma discordância perfeita se dissociando em duas parciais.

então

b22+ b23+ 2b2b3cosφ > b22+ b 2

3 (3.28)

isto nos leva a condição de que a reação será favorável quando

cosφ > 0. (3.29)

Esta condição será satisfeita quando

0 < φ < π

2 (3.30)

onde φ é o menor ângulo entre ~b2 e ~b3 como mostra a Figura (3.24). Esta condição implica

que, do ponto de vista de energia elástica das discordâncias, a dissociação é favorável quando b2 < b1 e b3 < b1.

No entanto, devido à estrutura cristalina com a sua periodicidade, nem todos os vetores ~b2 e ~b3 são permitidos. Uma vez que ~b2 e ~b3 descrevem deslocamentos de átomos em relação

aos seus sítios de origem, estes deslocamentos devem produzir estruturas que são pelo menos metaestáveis, mesmo sendo menores que um vetor de rede. Em cristais baseados na estru- tura fcc e hexagonal tais deslocamentos produzem um outro defeito conhecido como falha de empilhamento. Agora devemos observar que apesar de uma discordância perfeita causar uma pertubação grande na rede cristalina, os átomos que não fazem parte do caroço da dis- cordância estão em um sítios regulares da rede cristalina. Em discordâncias parciais o vetor

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de Burgers não é um múltiplo do vetor de rede, ou seja, os átomos envolvidos na criação de uma discordância parcial são deslocados para uma posição que não é um sítio regular da rede. Este deslocamento resulta em outro defeito cristalino conhecido como falha de empilhamento. A dissociação de uma discordância perfeita em duas parciais está ilustrada na Figura (3.25)

Figura 3.25: Dissociação de uma discordância perfeita em duas discordâncias parciais criando uma falha de empilhamento.

observe que do lado esquerdo temos uma discordância perfeita e que os átomos fora do caroço da discordância se encontram em seus sítios regulares da rede portanto temos cristal perfeito. A partir de um certo ponto a discordância perfeita se divide em duas discordâncias parciais. Os átomos envolvidos na criação das duas discordâncias parciais não são deslocados por um múltiplo do vetor de rede isto produz uma falha de empilhamento que está limitada pelas linhas das duas discordâncias parciais. Esta nova conguração formada pelas duas discordân- cias parciais limitando uma falha de empilhamento pode ser vista como uma discordância com o caroço estendido. Observe na Figura (3.25) que o cristal fora do caroço estendido também tem a conguração de um cristal perfeito assim como ocorre ao redor de uma discordância perfeita. Devemos observar que a criação da falha de empilhamento tem um custo energético e por ser um defeito planar a energia de falha de empilhamento é escalada com a área, ou seja,

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quanto maior a área da falha maior é a energia. A energia de formação da falha de empilha- mento está representada pela letra γ na Figura (3.25). E agora é fácil ver que a dissociação de uma discordância perfeita em duas discordâncias parciais passa a depender também da energia da falha de empilhamento e que quanto maior for a distância d que separa as duas discordâncias parciais maior será a energia da discordância estendida. Assim temos que para uma dissociação ser favorável além de satisfazer a condição (3.27) deve também levar em conta o custo para a criação da falha de empilhamento. A dissociação de uma discordância perfeita cria duas discordâncias parciais que tem interação repulsiva entre elas, e se não fosse o custo para criar a falha de empilhamento, a separação d entre elas tenderia ao innito. Desta forma, a falha de empilhamento funciona como um fator ligante entre as duas discordâncias parciais. Isto possibilita estimar uma distância de equilíbrio para a separação entre as duas discordân- cias parciais, desde que seja conhecida a interação entre as discordâncias parciais e a energia de falha de empilhamento. Sabendo que a energia de interação entre as discordâncias parciais é inversamente proporcional a distância d entre elas e que a energia da falha de empilhamento limitada por elas é diretamente proporcional a d podemos escrever a energia por unidade de comprimento da discordância estendida como [64,65]:

Eestendida∼ G(b22 + b 2

3) + γd +

A

d (3.31)

onde γd é a contribuição da falha de empilhamento e A

d é a contribuição da interação entre as

discordâncias parciais. A distância de equilíbrio será alcançada quando a soma dos dois últimos termos for mínima. Esta situação está ilustrada de maneira qualitativa na Figura (3.26) que mostra como a energia por unidade de comprimento da discordância estendida varia com a distância de separação entre as parciais. A reta na cor preta mostra a energia da falha de empilhamento a curva em vermelho mostra a variação da energia de interação entre as parciais e a curva em verde mostra a soma resultante das duas. Observe que quando d é muito grande a energia da falha de empilhamento se torna dominante. Desta forma a falha de empilhamento

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E

n

e

rg

ia

/

L

Distância entre as parciais

F1 γ (SFE) F2 F3 γd (SFE) A/d γd+A/d

Figura 3.26: Distância de equilíbrio entre as parciais.

funciona como um fator ligante entre as duas parciais produzindo uma distância de equilíbrio entre as parciais [65, 110]. Esta condição de equilíbrio permite determinar a energia de falha de empilhamento γ medindo a distância de separação entre as parciais [65].

Até aqui a abordagem de discordâncias parciais e falhas de empilhamento ainda não levou em conta a estrutura cristalina do material. Usaremos como exemplo uma estrutura cristalina cúbica de face centrada (fcc). Esta escolha é puramente didática, pois a visualização da formação de falhas de empilhamento na fcc é mais fácil. Além disso, os conceitos aplicados à fcc podem facilmente ser transportados para outras estruturas cristalinas.

Primeiramente vamos observar que a estrutura cristalina da fcc é formada por empilha- mento de planos {111} assim como mostra a Figura (3.27). Observe que ao empilhar os planos na estrutura existem 3 posições possíveis para encaixa-los uns sobre os outros, assim como mostrado na Figura (3.27(d)). Se nomearmos cada uma destas posições por A, B e C teremos que o empilhamento correto da fcc é dado pela sequência:

· · · ABCABCABC · · ·

A falha de empilhamento recebe este nome porque ela carateriza por uma quebra desta sequên- cia. Uma das maneiras de criar uma falha de empilhamento é a partir de escorregamento de

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Figura 3.27: Estrutura cristalina cúbica de face centrada: (a) célula unitária, (b) mostra o plano (111) e as direções principais, (c) arranjo dos átomos no plano (111) e (d) mostra como os planos são empilhados uns sobre os outros, cada plano forma uma camada resultando em um empilhamento ABC. Figura retirada da referência [65]

planos atômicos por um vetor deslocamento com magnitude menor que um vetor de rede. De fato, é exatamente este tipo de escorregamento que ocorre na dissociação de uma discordância perfeita em duas discordâncias parciais. Para ilustrar esta situação na estrutura fcc consi- dere a Figura (3.28). Considere um escorregamento de uma camada B sobre uma camada A. Observe que se este escorregamento fosse provocado por uma discordância perfeita os átomos na posição B teriam que se deslocar pelo vetor de Burgers ~b1, terminando novamente em po-

sições do tipo B. Observe que tal deslocamento obrigaria os átomos da camada B a passarem muito próximos dos topos dos átomos da camada A. Do ponto de vista energético é mais

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Figura 3.28: Escorregamento de planos {111} da fcc. Figura retirada da referência [65]

fácil que os átomos da camada B se desloquem passando primeiramente pelas posições da camada C e só depois para a posição B. Note que para executar tal movimento de zig-zag os átomos da camada B devem se movimentar nas direções dos vetores parciais ~b2 e ~b3. Como a

energia elástica por unidade de comprimento de uma discordância é proporcional ao quadrado do módulo do vetor de Burgers vamos comparar o módulo b1 com o módulo b2 e b3 em uma

estrutura fcc. A dissociação na fcc é dada pela seguinte reação [64]:

~b1 → ~b2+ ~b3 (3.32) a 2[10¯2] → a 6[2¯1¯1] + a 6[11¯2] (3.33)

Calculando o módulo ao quadrado do vetor de Burgers ~b1, temos

b21 = a 2 4(1 2 + 12+ 0) = a 2 2. (3.34)

Agora calculando a soma dos módulos dos vetores parciais obtemos: b22+ b23 = a 2 36(2 2 + 12+ 12) + a 2 36(1 2 + 12+ 22) = a 2 3. (3.35)