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4. ORIGEM E ESTRUTURA DA CARTA AFRICANA DOS DIREITOS

4.3 A ADOÇÃO DA CARTA NA CONFERÊNCIA DOS CHEFES DE

4.3.2 Condições Políticas ou ambiente político

A democracia e a economia de mercado parecem se impor como únicos valores universais na luta para a estabilidade política e desenvolvimento econômico e como condições para a efetividade dos Direitos Humanos, uma vez que a promoção e proteção dos Direitos Humanos impõem a existência dessas condições políticas, aceitáveis para o exercício da cidadania. Isto é, só em regimes políticos democráticos é possível usufruir os direitos, liberdades e garantias fundamentais plasmados, quer nos intrumentos internos, quer como nos internacionais.

Após a independência, os países africanos viveram em conflitos internos que resultaram em guerras até os anos noventa. A multiplicidade dos conflitos provém de problemas estruturais123

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Exemplos de guerras estruturais é o genocídio em Ruanda entre hutus e tutsis resultante da divisão de trabalho assistido durante a colonização. Os tutsis foram privilegiados no acesso ao alto clero ou no exercício de funções no exercito e na administração pública. A contradição agravou-se com a introdução da democracia formal de tipo europeia... (KI-ZERBO. Para quando a África? Entrevista com René Holenstein. Rio de Janeiro: pallas, 2006, p.52-53).

que não foram resolvidos pela independência, problemas estes resultantes da condição africana legada por séculos de história.

As causas dos conflitos na África remontam desde a segunda metade do século XIX, pois os africanos não se sentem bem por razões do tráfico de escravos e da colonização e, desde esta época perduraram elementos de contradição, que se traduzem pelo estado de medo e de complexo provenientes do fato de os africanos terem sido muito atingidos durante quatro ou cinco gerações.

A partir da colonização, hierarquizaram-se as etnias na África, tal como as raças humanas: brancos em cima e negros embaixo. Tudo isso agravou-se com a introdução de democracia formal de tipo europeu, o que se explica também no fato de que, com a partida dos europeus, cada um dizia no bom crioulo da Guiné-Bissau “ami que dibidi manda” (eu é que devo mandar ou governar). Essa disputa de poder não permitiu resolver as questões do Estado e muito menos as da Nação, o que dificultou o estabelecimento de princípios fundamentais e estratégicos de um Estado Democrático de Direito, como assevera N’Diaye124

É verdade que não se pode falar da democracia se os Direitos Humanos não são respeitados pelos órgãos detentores do poder, se os princípios democráticos não são verificados, e os administrados não gozam dos direitos que a lei lhes atribui. Como sustenta Wilson Alves

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La démocratie ne peut exister si elle ne pratique pás la reconnaissance,la mise em oeuvre et lê respect dês droits de l’Homme. Ils constituent une forme de patrimoine juridique commun de l’humanite. Il doit s’agir de veleurs universellement reconues dans tous lês pays du monde. Dans lê cãs contraire, on peut douter du caractere démocratique du regime polique concerné.

N’Diaye disse: “A democracia não pode existir se não pratica o reconhecimento, a implementação e o respeito dos Direitos Humanos / Direitos do Homem. Eles constituem uma forma do patrimônio jurídico comum da humanidade. Devem ser valores universais reconhecidos em todos os países do mundo. Caso contrário, podemos duvidar do caráter democrático do regime político concernente”.

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NDIAYE, Birame. “Lugar dos Direitos do Homem na Carta da Organização de Unidade Africana”. In As

Dimensões Internacionais dos Direitos do Homem, Manual Unesco, Lisboa, 1983, p.1.

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SOUZA, Wilson Alves de. Sentença Civil Imotivada. Salvador- Bahia. Editora JusPODIVM, 2008, p.46.

, quanto maior for a atuação do povo no sentido de fiscalizar os governantes cobrandro-lhes providências constantes que não se limitando ao momento do voto, mais forte revela-se a democracia.

Neste sentido, os princípios fundamentais de um Estado Democrático de Direito permitem a participação política das diferentes categorias da população na tomada das principais decisões, a limitação e a partilha do poder, bem como a solidariedade entre os seus órgãos. São, no entanto, as referências universais do regime democrático que permitem a estabilidade do poder, o exercício da cidadania e o respeito pelos direitos fundamentais. Apesar destas estruturas serem variáveis conforme os países e de acordo com o tecido social existente revelam-se condições essenciais para o estabelecimento do Estado Democrático.

Estas estruturas não foram encontradas nos países africanos após a independência e muito menos com a instituição dos regimes democráticos na África, tornando-se difícil o respeito pelos direitos fundamentais plasmados nos principais instrumentos de cada Estado.

Segundo Ki-Zerbo (2006), estas estruturas existiam na África pré-colonial, quer se tratasse de reinos, impérios, sistemas de tipo patrimonial e clânico ou democracia de tipo aldeão126. Nessas sociedades tradicionais em suas diversas formas de organização de poder político, com ou sem Estado, havia um esforço de limitação do poder, sua partilha pelas diferentes esferas da sociedade e solidariedade entre os membros da comunidade. Havia todo um cuidado pela gestão da coisa pública, porque os dirigentes127

Todas estas estruturas do poder tradicional africano

sabiam que estavam a serviço do povo e não dos seus interesses próprios.

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[...], A democracia de base existia ao abrigo de estruturas aldeãs, com a representação das diferentes famílias. Estas reuniam-se regularmente, quer através do grupo dos dirigentes destas famílias-os anciãos ou os decanos-, a fim de discutir todos os problemas relativos à aldeia, quer sob a direção de um chefatura importante ou de um reino. No nível superior, os chefes e os reis estavam rodeados por conselhos de anciãos, que representavam os diferentes clãs ou diferentes etnias presentes na aldeia ou na cidade (KI-ZERBO. Op.cit., 2006, p.63).

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Um ditado africano dizia: “não é o rei que tem o reino, é o reino que tem o rei”. O poder na África era amplamente partilhado entre diferentes grupos que rodeavam o chefe ou o rei. (KI-ZERBO. Op.cit., 2006, p.63). 128

[...], O poder na África tradicional era comparado com um ovo: quando apertado com muita força, parte-se nas mãos; mas quando não é assegurado com firmeza, pode deslizar da mão e partir-se também. (KI-ZERBO.

Op.cit., 2006, p.64).

foram destruídas e esmagadas, primeiro pela colonização e, atualmente, foram substituídas por novas formas de regimes democráticos que não se adaptaram a essas velhas estruturas. Os novos regimes democráticos instituídos na África não foram adaptados ou assimilados pelos africanos e, sendo assim, não foram reconhecidos e nem moldados como na Europa. Como resultado de tudo isso, instalou- se o caos.

Os atuais Chefes de Estados Africanos têm as tendências de quererem dirigir sem serem responsabilizados pelos seus atos de governação; ou seja, ignoram por completo o princípio da responsabilidade pela gestão da coisa pública. A título de exemplo, na Guiné-Bissau, desde a independência em 1973 até hoje, nenhum governante foi responsabilizado pela sua má gestão. Todos terminam o mandato sem prestar contas da sua atuação, o que incentiva a corrupção e encoraja a repetição do mesmo comportamento pelos sucessivos governantes que nunca aceitam ser autuados às suas contas de gestão, reclamando sempre de não serem os primeiros a prestar contas dos seus mandatos.

Perante este cenário político é difícil pensar na promoção e, muito menos, na proteção dos Direitos Humanos, pois não existem estruturas dignas de garantia real de efetivação dos direitos, o que vem proporcionando constantes abusos de poder por parte dos chefes africanos e, consequentemente, consolidação dos regimes ditatoriais com implantação de terror sobre as populações civis.