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4. ORIGEM E ESTRUTURA DA CARTA AFRICANA DOS DIREITOS

5.4 DAS DELIBERAÇÕES DA COMISSÃO

A deliberação da Comissão é resultante de um processo que se inicia com a reunião de todas as informações colhidas pelas partes, dando assim como resultado um relatório sobre a questão em litígio. Isto é implementado a partir do assessoramento dado por três comissários, na forma prevista no nº1 do artigo 120º do Regulamento Interno (RI). Em outras palavras, estas pessoas têm a mesma função do relator na arte judicial interna. A eles competirá estruturar um projeto que apresente os elementos essenciais de um processo, no sentido pleno do termo, e que, posteriormente, levará ao conhecimento da Comissão para efeito de apreciação, em vista das razões essenciais do próprio relatório e para deliberação final, que pressupõe uma aprovação de uma maioria simples dos membros da Comissão, conforme o conteúdo do nº1 do art.62º do Regulamento Interno (RI).

Em outras palavras, pode-se dizer que, chegando o processo à Comissão, a providência inicial a ser tomada é elaboração de um relatório que apresentará uma descrição minuciosa dos fatos e ocorrências, visando a apreensão plena da realidade dos fatos, dando-se, em seguida, o veredito final sobre a questão.

Existe a possibilidade de que a deliberação final possa ser considerada passível de alteração e, para tal, propõe-se de que as alterações sofram divisões em partes também, consideradas como exigências de uma das partes, podendo ser rejeitada a proposta na sua totalidade (art.66º do Regulamento Interno (RI)).

Variável é a essência ou conteúdo das deliberações da Comissão, em vista do que foi proposto pelo texto da Carta, havendo certa arbitrariedade por parte da Comissão sobre suas deliberações. É contestada esta postura por não se respaldar no conteúdo da Carta.

Aos comissários é dado o direito de desistência perante a deliberação da Comissão, bastando- lhe um voto, por escrito, fundamentando suas razões da opção, respeitando assim, um costume judicial em esferas de poder nacional e internacional em matéria de julgamento dos casos concretos.

O período de confidencialidade de todas as matérias tratadas pela Comissão, prevista na Carta, compreende desde o início da investigação até que seja deliberada, independentemente do que foi decidido pela Comissão, pela Conferência dos Chefes de Estado e de Governo - órgão como autoridade máxima na deliberação da Comissão, como se verá em frente. É o que prevê os § 1º e 2º do art.59º da Carta. Declarada a sua decisão final, ela é remetida à

Comissão que procederá a sua publicação, conforme o previsto no §3º desse artigo em discussão.

Portanto, todo e qualquer documento que tenha subsidiado a cominação da decisão final deve ser publicado com o intuito de fazer ciente toda e qualquer pessoa que tenha interesse sobre o fato e que também sirva como referencialidade para julgamentos futuros.

5.4.1 Natureza jurídica das deliberações da Comissão

Tanto no âmbito promocional, quanto no âmbito de proteção, a Comissão revela um caráter de órgão com funcionalidade mista, considerando ter uma natureza política enquanto órgão de divulgação da Carta, e natureza judicial verificável pela tomada de decisões relacionadas à proteção dos Direitos Humanos. Porém, na atividade promocional, ela é semelhante a um órgão administrativo, ao promover a simples divulgação dos Direitos Humanos previstos na Carta, ao apoiar os Estados-membros na elaboração de legislação, ao cooperar com outras entidades que tenham como finalidade a promoção e proteção dos Direitos Humanos.

Enquanto função protetiva, a Comissão realiza a justiça material porque utiliza, consequentemente, critérios materiais de justiça nas suas deliberações, em atividades relacionadas à proteção dos Direitos Humanos, especificamente em contexto de comunicações de particulares ou individuais.

Percebe-se que a Comissão exerce o papel intermediador, nos casos de processos entre os Estados, ao elaborar a descrição de fatos e conclusões dando sugestões de conciliação entre os Estados em questão. Apesar disto, a Carta, em seu art.53º, reza que os relatórios da Comissão são desprovidos de força obrigatória, sendo uma simples constatação, manifesta através de descrição de fatos e conclusões chegadas ou simples recomendações, caso obedeçam aos termos previstos na Carta através do art.53º parte final.

A grosso modo, pode-se afirmar que a Comissão faz constatação dos fatos, produz relatórios em formas de recomendações a serem submetidos à Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da OUA, enquanto órgão político da Carta, com força de exigir dos Estados membros o cumprimento das recomendações, como também aplicar sanções legais, com o objetivo de corrigir a violação da Carta, ou como o pagamento de uma compensação ou realização de uma restituição.

5.4.2 Mecanismos de execução das deliberações da Comissão

As deliberações da Comissão são executadas a partir do mecanismo de aprovação do seu relatório pela Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da OUA, que emite o parecer final e em seguida é retomado o processo à Comissão, que providenciará a divulgação do resultado final, fazendo cumprir os ditames da lei que prevê alternativa, podendo ser o pagamento de uma compensação ou restituição de uma situação, conforme o caso.

Não existindo, inicialmente, o Tribunal Africano de Direitos Humanos - que só veio a ser instituído pelo Protocolo de Adisa-Beba (Etiópia) de 2004 -, as deliberações eram executadas via Comissão e, posteriormente, pela autoridade da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo, como órgão com mecanismos capazes de exigir dos Estados o cumprimento das decisões da Comissão. O papel da Conferência no processo das deliberações da Comissão será analisado no próximo item.

5.4.2.1 O papel da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo na execução das deliberações da Comissão

A descrição feita acima sobre os mecanismos de execução das deliberações da Comissão demonstra que, em princípio, devem ser aprovadas pela Conferência de Chefes de Estado e de Governo para poderem receber um cunho de força para efeito de execução, dado que o sistema africano, previsto na Carta, não tem nenhum mecanismo de execução com força obrigatória das deliberações da Comissão. Sendo assim, a única alternativa encontrada é o envio do relatório à Conferência dos Chefes de Estado e de Governo para efeito de aprovação e de exercício de pressão aos Estados-membros, no sentido de obrigá-los a cumprir essas deliberações. Portanto, as deliberações são inseridas nos relatórios das atividades da Comissão, submetidos à Conferência nas suas sessões ordinárias, conforme previsto nos artigos 53º e 54º da Carta.

Percebe-se que os relatórios enviados, com as deliberações, à Conferência dos Chefes de Estado e de Governo para efeito da aprovação não mudam de natureza; elas mantêm a mesma natureza de meras recomendações ou exortações, visto que a Conferência de Chefes de Estado e de Governo não é um tribunal e nem é órgão de execução capaz ou com poder de

transformar as deliberações da Comissão numa sentença. Apenas verifica-se que, depois de aprovadas, recebem uma força política derivada da autoridade política da Conferência, capaz de fazer com que os Estados cumpram essas recomendações, sendo, também, que ela é o último órgão responsável pelo cumprimento das recomendações da Comissão.

Perante esta situação de ausência de um órgão de monitoramento das recomendações da Comissão e da falta de um meio processual de execução no seio do sistema africano, a dificuldade aumenta ainda mais quando, um ou outro Estado se recusa, voluntariamente, a cumprir essas recomendações. Portanto, a alternativa possível é de a Conferência exercer pressão, chamando atenção aos Estados sobre a necessidade de cumprir as deliberações da Comissão, como forma de manter estável a efetividade da Carta na defesa dos Direitos Humanos.

Portanto, considerando a situação de dependência política e econômica dos países africanos face à comunidade internacional, no que concerne ao fornecimento das ajudas para a reconstrução das economias nacionais, os países africanos sentem-se constrangidos perante uma condenação internacional, fato este que os obriga a acatar uma deliberação desta natureza. Por outro lado também, considerando a cultura africana de não recurso aos tribunais para efeito de resolução de conflitos, gera-se uma sensibilidade em matéria de condenação. Deste modo, abre-se o caminho a um possível cumprimento dessas deliberações da Comissão. Outra dificuldade de cumprimento das deliberações da Comissão prende-se ao fato de não ser a própria Comissão a publicar suas deliberações logo que são produzidas, pois que o ato de aprovação e publicação pela Conferência de Chefes de Estado e de Governo e de eventual pressão sobre o Estado condenado é muito frouxo. Este lapso temporal acaba fazendo com que uma decisão perca sua força obrigatória. Mas, ao contrário disso, a Comissão tem desenvolvido uma prática própria em matéria de execução das suas deliberações. Logo que é aprovado seu relatório de atividade pela Conferência dos Chefes de Estado e de Governo, no que respeita as matérias dos Direitos Humanos previstos na Carta, a Comissão envia imediatamente um aviso ao Estado condenado, alertando-lhe sobre a necessidade de cumprir com as suas obrigações assumidas nos termos do art.1º da Carta, que reza o seguinte: “Os Estados-membros da Organização da Unidade Africana (OUA), partes na presente Carta, reconhecem os direitos, deveres e liberdades enunciados nesta Carta e comprometem-se a adotar medidas legislativas ou outras para os aplicar”.

Apesar desta técnica, é ciente que a cultura tradicional184

É preciso também a reestruturação dos regimes políticos democráticos instituídos na África, visto que estes modelos importados do ocidente não correspondem às estruturas de poder tradicionais, que agora existem na África. É preciso moldar a democracia ao modelo social tradicional africano e não àquele das estruturas da sociedade europeia. Só assim a África pode

africana de resolução de conflitos por via amigável, através do conselho de anciões da comunidade, da etnia, do clã, é refletida na concepção africana dos Direitos do Homem adotada na Carta, o que demonstra que deve imperar o princípio de boa fé entre os Estados no cumprimento das suas obrigações. Portanto, deve-se entender que a África de hoje está muito distante da África tradicional de ontem, e que os valores atualmente existentes são frutos da assimilação da cultura europeia deixada durante a colonização, o que leva o africano a litigar como se litiga no ocidente, deixando aquela forma tradicional de conciliação amigável.

As questões dos Direitos Humanos são muitos sensíveis, mexem com a dignidade da pessoa humana e devem ser tomadas decisões convenientes e justas com força obrigatória para levar os grandes violadores (Estados) a cumprirem as suas obrigações.

Pelo exposto, evidencia-se a fragilidade do sistema africano de proteção dos Direitos Humanos e, consequentemente, sua incapacidade de cumprir com os objetivos de promoção e proteção dos direitos humanos na África. Tanto a Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da OUA, como a Comissão Africana não têm poderes para fazerem vincar as suas decisões, visto que são órgãos políticos e não judiciais em matéria dos Direitos Humanos no sistema africano. Esta lacuna de falta de um órgão jurisdicional no seio da Carta levou à criação do tribunal africano em 2004, como forma de dar mais “garras” e “dentes” ao sistema africano.

Apesar destes constrangimentos, acredita-se que a boa vontade e o bom senso vão permitir que os africanos e, principalmente, os dirigentes se conscientizem sobre a problemática dos Direitos Humanos, só com a proteção da pessoa humana pode-se levar a África ao desenvolvimento. Por outro lado também, é preciso o apoio da comunidade internacional, dos países ex-colonizadores, porque continuaram a ter influência sobre políticas das suas ex- colônias e, muitas vezes, não contribuíram para a estabilidade e paz dentro dos territórios africanos.

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A ideia de que na cultura africana os problemas se resolvem de forma amigável, e que não era preciso criar um órgão jurisdicional, porque o africano tradicional não litiga judicialmente, justificam o caráter não obrigatório das deliberações da Comissão, e a ausência de um meio de execução forçada (ROSA CÓ, Pedro.

livrar-se das amarras do subdesenvolvimento.

Os conflitos políticos militares, que assolam quase todos os países africanos, devem-se à falta de estruturas políticas sólidas capazes de permitirem a alternância de poder através do sufrágio universal (voto) democrático, que é a única forma de atender à vontade do povo expressa nas urnas.