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4. ORIGEM E ESTRUTURA DA CARTA AFRICANA DOS DIREITOS

5.5. A CORTE AFRICANA DOS DIREITOS DO HOMEM E DOS POVOS

O sistema africano de proteção dos Direitos Humanos e dos povos, previsto na Carta Africana, não estabeleceu, no seu texto original185

A ideia da criação de uma Corte Africana de direitos humanos foi fortemente influênciada de 1981, uma Corte Africana como órgão judicial encarregado de funções jurisdicionais em nível do continente africano. Esta missão tinha sido confiada à Comissão Africana enquanto órgão político e ‘quase judicial’(supra), que desde sempre se ressentiu do apoio de uma Corte para poder cumprir as suas tarefas de promoção e de proteção dos Direitos Humanos na África. Esse vazio de um órgão tão importante na resolução dos conflitos criou dificuldades no seio do sistema africano, que sem “garras” e “dentes” não podia responder às exigências de constantes e graves violações de Direitos Humanos dentro do continente.

O argumento de não constar a Corte no texto original da Carta prendia-se à forma tradicional de resolução dos conflitos na África - por via de mediação e conciliação, e não pela via de recurso aos tribunais -, função essa que podia ser exercida pela Comissão Africana. Um outro argumento apontava também que a criação de uma Corte supranacional poderia ser vista como uma ameaça à soberania dos novos Estados Africanos independentes.

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Diversamente da Convenção européia e da Convenção Americana, a Carta Africana não estabeleceu, em sua redação original de 1981, uma Corte Africana, mas tão-somente a Comissão Africana, sem o poder de adotar decisões juridicamente vinculantes (PIOVESAN, Flavia. Op.cit., 2006, p.128).

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PIOVESAN, Flavia. Op.cit., 2006, p.128.

pelas ONGs do continente, que sempre tiveram um papel importante nos trabalhos da Comissão, bem como da Anistia Internacional e da Comissão Internacional de Juristas. Essas instituições imprimiram uma dinâmica, no sentido de dotar o sistema africano de uma Corte, capaz de proteger os direitos dos cidadãos e coadjuvar a Comissão nas suas funções. Como

sustenta Julia Harrington187

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HARRINGTON, Júlia. «The African Court on Human and People’s Rights», in The African Charter on Human Rights and Peoples’ Rights. The system in pratice, 1986 – 2000, Edited by Malcolm D. Evans and Rachel Murray, Cambridge University Press, Cambridge/New York/Melbourne/Cape Town/Singapore/São Paulo/, 2004, P.305.

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[…], que os lideres africanos ao concordarem em princípio com o estabelecimento da Corte, eles aceitaram que o sistema de direitos humanos necessitava da maior formalidade, maior legalismo, mais força, mais ‘dentes’. Daí a criação da Corte Africana, como órgão jurisdicional supranacional aprimorar e fortalecer os mecanismos de proteção dos direitos previstos na Carta, uma vez que a Comissão tem sido vista mais como órgão de promoção, mediação e reconciliação e, no máximo, como órgão ‘quase judicial.

Após os trabalhos preparatórios em 1998, foi adotado um Protocolo adicional à Carta Africana visando à criação da Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, em Addis- Abeba (Etiópia). O Protocolo entrou em vigor em Janeiro de 2004, com a ratificação do seu instrumento de depósito, nos termos do artigo 34º do referido Protocolo. Vale salientar que dos 53 Estados-partes da Carta Africana apenas 21 haviam ratificado o mesmo Protocolo em 2005.

O preâmbulo do referido Protocolo estabeleceu que a Corte tem, por finalidade, fortalecer a proteção dos Direitos Humanos e dos povos, consagrados na Carta Africana, de forma a conferir maior eficácia à atuação da Comissão Africana. Textualmente, a missão da Corte é “complementar e fortalecer as funções da Comissão Africana dos Direitos do Homem”.

A Corte Africana de Direitos Humanos é composta por 11 membros entre juristas de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de Direitos Humanos e dos povos. Estes membros devem ser naturais dos Estados Africanos, não devendo haver dois juízes da mesma localidade, situação igual à da composição da Comissão Africana. Devem atuar a título pessoal e não governamental, com independência em relação aos Estados, ter um mandato de seis anos e possibilidade de apenas uma renovação, trabalhar em tempo parcial, exceto o presidente, que trabalha em tempo integral, sendo eleitos em escrutínio secreto pela Assembléia dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana.

Ainda quanto à composição da Corte Africana, o Protocolo estabelece que deve ser levada em conta a representação das principais regiões da África e de suas tradições legais, bem como a questão de gêneros (art. 14º, §2º e 3º, do Protocolo).

5.5.1 Competências da Corte Africana dos Direitos Humanos

Quanto às suas competências, tal como as Cortes Europeia e Americana, a Corte Africana comporta duas ações: consultiva e contenciosa. A competência consultiva da Corte Africana consiste na emissão de opiniões consultivas a respeito da interpretação das disposições da Carta ou de qualquer outro instrumento relevante de Direitos Humanos, seja por solicitação dos Estados da União Africana, da própria União Africana e de seus órgãos ou de qualquer organização africana por ela reconhecida (art.4º do Protocolo).

Em relação à competência contenciosa, esta poderá apreciar casos submetidos pela Comissão Africana, por Estados ou por organizações intergovernamentais africanas nos termos do artigo 5º do Protocolo. No que concerne aos indivíduos e ONGs, existe uma cláusula que reza o seguinte: que só podem ter acesso à Corte quando houver uma declaração formal por parte do Estado de onde pertencem para este fim nos termos do( artigo 5º §3º e 34º,§6º do Protocolo); caso contrário, não têm acesso direito à Corte. Essa situação é pouco semelhante à da Corte Americana, que não dá acesso a indivíduos e organizações não governamentais. Nesse domínio, a maior parte dos países africanos signatários da Carta não elaboraram essa declaração; apenas Burkina Faso o fez em 2005.

Quanto à solução dos conflitos, a Corte Africana tem privilegiado soluções amistosas entre os peticionários. Ao contrário das outras Cortes, ela admite provas escritas e orais, bem como a realização de audiências. Preconiza também a realização de investigação nos países membros, com vista à apuração das denúncias formuladas, bem como a ordenação de medidas justas de solução do conflito, incluindo o pagamento de uma justa indenização ( § 1º do art.27º do Protocolo).

A Corte Africana, diferentemente da Corte européia e semelhante à Corte americana, tem poderes de tomar medidas cautelares com vistas a evitar danos irreparáveis, quando houver situações de extrema gravidade e urgência, previsto no (§ 2º do artigo 27º do Protocolo). Inspirado no modelo do sistema europeu, a nova sistemática adotada pelo novo Protocolo adicional à Carta instituiu o Conselho de Ministros como órgão supervisionador das decisões da Corte, sob o abrigo do §2º do artigo 29º do Protocolo. A Corte também é solicitada a fornecer informações, sob a forma de relatórios anuais, para a Assembleia Geral da União Africana sobre os Estados que não cumpriram suas decisão ( artigo 31º do Protocolo).

5.5.2 Do cumprimento das decisões da Corte pelos Estados-parte

Sobre a matéria do cumprimento das decisões da Corte por parte dos Estados Africanos refere-se uma declaração do comissário africano, Mumba Mahla, quando da realização da 40ª sessão ordinária da Comissão em Banjul (Gâmbia), durante uma entrevista concedida à imprensa no dia 26 de novembro de 2006, que disse o seguinte:

“Com o estabelecimento do Tribunal Africano188

São estas, entre outras, as questões que explicam como funciona o Tribunal Africano de Direitos Humanos e como é que as suas decisões são acatadas pelos grandes violadores dos Direitos Humanos na África. Não existe uma autonomia funcional do Tribunal Africano em relação à União Africana, entidade da qual depende financeiramente para o seu funcionamento. Não existe uma relação estreita entre a Corte Africana e a Comissão Africana

dos Direitos Humanos e outros mecanismos da União Africana há indicações de que as violações dos Direitos Humanos com impunidade no continente vão acabar”. “Os violadores dos Direitos Humanos vão pagar o preço e os seus dias estão contados. O fim é iminente”.

Partindo das declarações deste alto responsável por um órgão tão importante na defesa dos Direitos Humanos no Continente Africano, resta apenas questionar o seguinte:

1. A África é um continente muito fértil de exemplos práticos de violações de Direitos Humanos, bem como de casos de impunidade. Afinal, quem tem coragem de contrariar os ditadores que abundam no dirigismo do Continente Africano?

2. Considerando ainda que, em cada Estado, em particular onde as estruturas não atuam sobre a que m de direito - por exemplo, sobre o poder violador de direitos humanos - como é possível um mecanismo continental de justiça, que é muito dependente de decisões políticas de entidades que reúnem o poder ditatorial no continente africano, fazer com que estas entidades cumpram as medidas que elas mesmas (dirigentes da União Africana) criaram e que desconsideram?

3. Como pode um Tribunal Africano, meramente legitimado pelo ato constitutivo da União Africana, julgar e punir o grande violador dos Direitos Humanos na África, neste caso o PODER, quando as estruturas nacionais, que deviam ter legitimidade de serem órgãos de soberania deixam-se manipular pelo poder político e militar?

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Declarações de MUHLA, Mumba, membro da Comissão africana dos direitos do Homem e dos Povos. Disponível em WWW.dedinho.org (acesso 12 /06/09).

de Direitos Humanos e dos Povos, situação que não favorece a efetivação e maior eficácia do sistema na proteção dos direitos humanos na África.

A falta de cultura jurídica pelo respeito aos Direitos Humanos, somada às democracias incipientes em fase de consolidação na África contribuem para a fragilidade do sistema africano em cumprir a sua nobre missão de proteção dos Direitos Humanos, num continente onde existem muitos regimes ditatoriais violadores desses direitos e que também influenciam no não cumprimento das decisões da Corte.

É preciso dar maior independência e amplos poderes à Corte Africana para poder exercer cabalmente as suas funções. É inadmissível um órgão de tamanha importância, não poder efetivar ou executar as suas decisões, devido a sua dependência funcional e financeira da União Africana. Portanto, é preciso que os líderes da União Africana repensem a filosofia da proteção dos Direitos Humanos na África; só assim será possível restabelecer a proteção dos direitos previstos na Carta.

No quadro do processo de integração econômica e financeira, em nível das sub-regiões africanas, existem outros tribunais comunitários189

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GINO J. Naldi. Future trends in human rights in Africa: the increased role of the OAU? The African Charter on Human Rights and Peoples’ Rights. The system in pratice, 1986 – 2000, Edited by Malcolm D. Evans and Rachel Murray, Cambridge University Press, Cambridge/New York/Melbourne/Cape Town/Singapore/São Paulo/, 2004, p. 13.

que também aplicam as normas de direitos humanos, inclusive os dispositivos da Carta Africana. São, neste caso, o Tribunal de Justiça da União Africana, o Tribunal de Justiça da Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), o Tribunal de Justiça da União Econômica e Monetária da África Ocidental (UEMOA) e o Tribunal de Justiça do Mercado Comum dos Estados do Leste e Sul da África. As decisões desses tribunais têm eficácia em nível das esferas jurídicas das respectivas organizações econômicas, sendo que, em plano secundário, são analisadas as matérias dos Direitos Humanos no âmbito das suas competências ratione materiae.

6 SISTEMA AFRICANO E OUTROS SISTEMAS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

O propósito neste capítulo é fazer uma abordagem comparativa entre o sistema africano e os sistemas europeu e interamericano de proteção dos Direitos Humanos, destacando as semelhanças e diferenças existentes entre eles.