Anteriormente, já caracterizei o papel da escola na recontextualização do conhecimento
científico. Retomo agora essa abordagem no sentido de produzir uma síntese de alguns
condicionantes da produção do texto principal e das demais seções dos capítulos das
coleções em estudo. Há uma certa coerência interna entre o texto principal e as demais
seções que compõem diversos capítulos analisados. No entanto, essa ligação não é
explicitada no Manual do Professor. Somente por uma análise detida ela pode ser
percebida. Essa coerência instala-se a partir da análise de certas condições de produção
conhecimento científico3, cria diferentes instâncias de manifestação dessa mediação.
Uma dessas instâncias refere-se à “transformação” do conhecimento científico no
espaço escolar. Como assinala Lopes (1999:209), o saber escolar faz uma aproximação
dos conceitos científicos com aqueles conhecimentos identificados em nível do senso
comum, incorporando-os numa matriz realista e empirista. Segundo Batista (1997:11),
competem ao livro didático “as funções de definir um conjunto de saberes a serem
transmitidos e suas formas de progressão e de organização”.
Além disso, para o autor, o livro didático é portador de diferentes estratégias de ensino.
O texto principal de cada capítulo, assim como as demais seções que a ele se seguem, é
veículo desse “saber científico escolar” que se completa por meio das diferentes
atividades propostas em torno de um mesmo tema. As seções do livro não são
independentes, mas apresentam elos de uma cadeia em que se combinam elementos de
diferentes gêneros de discurso: científico, didático e cotidiano. A conexão das seções
entre si e dessas com o texto principal faz-se, não apenas porque abordam o mesmo
tema, mas porque apresentam um enfoque didático a partir de diferentes atividades.
A seqüência das diferentes seções, ao longo dos capítulos, constitui, pois, uma cadeia
progressiva de elementos que participam da mediação didática. Essas seções, do ponto
de vista didático, impõem uma rotina de trabalho em sala de aula, que se distribui no
tempo escolar, com turnos diferenciados de interlocução entre os atores – professor e
alunos –, de modo a realizar a transmissão de um conjunto de conhecimentos. As
atividades propostas nas diferentes seções procuram, ainda, garantir a síntese, a
repetição e a retenção, por parte dos estudantes, de um conjunto de conhecimentos. A
síntese realizada na seção “Faça seu próprio resumo” da coleção da Saraiva,
3
compreende um conjunto de questões, cujas respostas constituem um resumo do
conteúdo apresentado.
O mesmo procedimento repete-se na seção “Leitura”, da mesma coleção. Essa seção, ao
apresentar, por exemplo, um texto sobre o papel do fígado na digestão, promove uma
retomada do tema “A digestão e o papel dos diferentes órgãos do aparelho digestório”,
tratado no texto principal. Se esse procedimento é uma repetição da mesma estrutura
apresentada no texto principal – ou seja, um texto acompanhado de algumas questões –,
convém ressaltar que essas instâncias de abordagem do conteúdo são independentes.
Cada seção é delimitada no espaço do livro. O texto principal é aquele que apresenta, de
modo detalhado e mais completo, os conceitos. As atividades que integram as diferentes
seções referem-se ao tema abordado nesse texto. Algumas, como já expliquei,
progridem por meio da repetição de uma organização que muito se assemelha àquela do
texto principal. Outras – como, por exemplo, a seção “Experimentação: Faça você
mesmo” – destacam-se por configurar uma estrutura peculiar. É na instância das
diferentes seções que os autores do livro didático selecionam os conteúdos, os objetivos,
as atividades e avaliações.
No capítulo IV vou analisar os textos principais das duas coleções que tratam dos temas
“metabolismo” e “diversidade dos seres vivos”. Nessa perspectiva, interessa-me
investigar sobretudo os aspectos característicos da formulação empreendida pelos
autores das coleções na abordagem desses temas. Pretendo utilizar, ainda, as categorias
identificadas no capítulo II, momento em que examinei trechos de textos integrantes de
diferentes capítulos das duas coleções, para aprofundar a análise dos textos principais
CAPÍTULO IV
4. AS MÚLTIPLAS FACES DO TEXTO PRINCIPAL NAS DUAS
COLEÇÕES – ANALISANDO OS TEMAS “METABOLISMO, A
ATIVIDADE DO CORPO” E A “DIVERSIDADE DOS SERES
VIVOS”
Vou discutir, neste capítulo, as múltiplas faces que assumem dois “textos principais”
referentes aos temas “metabolismo, a atividade do corpo” e “diversidade dos seres
vivos”, como tratados nas duas coleções analisadas. Inicialmente, cabem algumas
questões, visando-se a conduzir a um entendimento da minha opção em analisar os
textos concernentes aos assuntos definidos. As duas temáticas escolhidas –
“metabolismo e a “biodiversidade” – foram escolhidas por se tratarem de conceitos
centrais de Biologia. O conceito de metabolismo é inerente à vida, ou seja, trata-se de
um conjunto de processos químicos que garante a atividade vital de qualquer
organismo. Em suas pesquisas sobre metabolismo, Val et al. (2000:105)destacam como
é intrigante, porém, o fato de que, apesar da imensa diversidade de seres vivos existentes neste planeta, as principais etapas do metabolismo – tanto as de construção (biossíntese) como as de degradação (fermentação e oxidação) – guardam muitas semelhanças.
Conhecer o metabolismo dos seres vivos – humanos e organismos uni e pluricelulares –,
à procura de mecanismos comuns a esses grupos e na expectativa de descobrir como
esse processo mantém a vida ajuda entender como os seres vivos interagem e se
relacionam com o ambiente. Desse modo, o metabolismo, tratado sob o olhar evolutivo
e ecológico, é conceito de extrema importância no ensino de Biologia. Os aspectos
evolutivos dos seres vivos são argumentos poderosos que auxiliam na estruturação do
Conhecê-los pode, pois, contribuir para responder a certas questões relacionadas à
diversidade de formas de seres vivos e para explicar por que esses organismos sofreram
– e sofrem – modificações ao longo do tempo. Outro motivo que serve para ampliar
minha argumentação para analisar essa temática diz respeito à dificuldade com que os
estudantes lidam com o conceito de metabolismo1.
Daí, meu empenho em analisar um texto de Biologia do livro didático que aborda o
metabolismo no Ensino Fundamental. O capítulo em análise, nas duas coleções, trata do
metabolismo humano em relação à nutrição, sem considerar os aspectos evolutivos
envolvidos. É importante reconhecer que os princípios pelos quais o metabolismo opera
vão além daqueles discutidos e apresentados nos capítulos em análise.
Pesquisando, nas duas coleções, os textos que tratam de temas referentes aos conceitos
de fotossíntese, respiração, circulação, excreção e regulação hormonal, notei que os
autores pouco relacionam esses processos a atividades metabólicas, deixam escapar,
assim, a oportunidade de apresentar diferentes atividades metabólicas que ocorrem nos
seres vivos.
O conceito de metabolismo é apresentado, em um capítulo de cada uma das coleções,
relacionado unicamente ao estudo de nutrição humana. A coleção da Saraiva dedica
todo o capítulo 2 da unidade “Os alimentos e a atividade do corpo” a esse tema. A
coleção da Ática, ao contrário, apresenta o tema, juntamente com outros, em um
capítulo denominado “Importância dos alimentos”. Vejam-se os textos sobre
metabolismo das duas coleções
1
* Carlos Barros, Wilson Roberto Paulino. Ciências: o corpo humano: livro do professor. 7ª série. São Paulo: Ática, 2002, p.91
* Carlos Barros, Wilson Roberto Paulino. Ciências: o corpo humano: livro do professor. 7ª série. São Paulo: Ática, 2002, p.92
* César da Silva Júnior, Sezar Sasson, Paulo Sérgio Bedaque Santos. Ciências: entendendo a natureza: o homem no
ambiente. 7ª série. São Paulo: Saraiva, 1999, p.48 .
* César da Silva Júnior, Sezar Sasson, Paulo Sérgio Bedaque Santos. Ciências: entendendo a natureza: o homem no
* César da Silva Júnior, Sezar Sasson, Paulo Sérgio Bedaque Santos. Ciências: entendendo a natureza: o homem no
* César da Silva Júnior, Sezar Sasson, Paulo Sérgio Bedaque Santos. Ciências: entendendo a natureza: o homem no
O conceito de biodiversidade, é tratado, também, em um capítulo das duas coleções.
Considero que a diversidade, é, igualmente, uma idéia estruturante do pensamento
biológico moderno.
Do ponto de vista da Biologia, é muito difícil, em qualquer manifestação de vida,
encontrar, em populações sexualmente reproduzíveis, dois indivíduos que sejam
idênticos. Essa mesma identidade não acontece entre duas populações de uma mesma
espécie nem entre duas espécies ou quaisquer outros agrupamentos. A singularidade é
uma característica do mundo vivo e isso ocasiona a diversidade. A diversidade está
presente em cada nível hierárquico de classificação dos seres vivos. Há milhares de
macromoléculas em um organismo superior. Assim como, há bilhões de células num
organismo superior, constituindo diferentes tecidos e órgãos. Cada indivíduo
sexualmente reproduzível é diferente, não apenas porque é geneticamente único, mas
também porque é diferente por causa da idade e do sexo e porque tem acumulados
diferentes tipos de informações pela ação dos fatores ambientais. Para sobreviver, um
organismo depende de um reconhecimento da diversidade, das possibilidades e da
habilidade de competir em um dado ambiente. Dificilmente, há um processo biológico
ou fenômeno em que a diversidade não esteja implicada.
Diferentes questões, no segmento do Ensino Fundamental, podem ser formuladas sobre
a diversidade, em cada nível hierárquico. Freqüentemente, inicia-se por um inventário e
pela descrição dos diferentes “tipos” de uma dada classe, em diferentes níveis – tecido,
órgão, organelas celulares, associações entre os seres, ambientes ecológicos – ou, ainda,
diferentes categorias de espécies e de taxa superiores na taxonomia. Essa descrição é a
Tradicionalmente, a abordagem da diversidade em textos de livros didáticos faz-se,
principalmente, pela apresentação dos diferentes grupos de seres vivos – micro e
macroscópicos –, destacando-se suas características morfofisiológicas e comporta-
mentais. Ou seja, essa abordagem acontece no nível específico da diversidade de
espécies. Entretanto outros níveis poderiam ser abordados: o genético, que corresponde
à diversidade dos genes de uma dada espécie; ou o da diversidade de interdependência
característica do seres em cada ecossistema; ou, ainda, a totalidade de espécies que
correspondem ao plano biosférico deste Planeta. Considerando-se esses aspectos sobre a
diversidade, vejam-se algumas páginas dos capítulos que abordam a diversidade de
seres vivos nas duas coleções em estudo.
* Carlos Barros, Wilson Roberto Paulino. Ciências: os seres vivos: livro do professor. 6ª série. São Paulo: Ática, 2002, p.44
* Carlos Barros, Wilson Roberto Paulino. Ciências: os seres vivos: livro do professor. 6ª série. São Paulo: Ática, 2002, p. 45
* César da Silva Júnior, Sezar Sasson, Paulo Sérgio Bedaque Santos. Ciências: entendendo a natureza: os seres vivos
César da Silva Júnior, Sezar Sasson, Paulo Sérgio Bedaque Santos. Ciências: entendendo a natureza: os
seres vivos no ambiente. 6ª série. São Paulo: Saraiva, 1999, p.23
4.1 - Elementos de gêneros de discurso nos textos sobre metabolismo e