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Descrições, explicações e generalizações e os procedimentos discursivos

Bronckart, em Atividades de linguagem, textos e discursos, analisa os

... tipos de discursos como formas lingüísticas que são identificáveis nos textos e que traduzem a criação de mundos discursivos específicos, sendo esses tipos articulados entre si por mecanismos de textualização e por mecanismos enunciativos que conferem ao todo textual sua coerência seqüencial e configuracional. (1999:149)

E apresenta uma oposição entre a ordem do “narrar” e a ordem do “expor”. Não é meu

objeto de estudo traçar o percurso de análise que o autor propõe entre as operações

psicológicas e a apreensão das formas lingüísticas. Pretendo tão somente delimitar as

categorias “narrar” e “expor” e empregá-las na análise do texto do livro didático de

Ciências.

Para o autor, a ordem do “narrar” situa o mundo discursivo em certo lugar. Entretanto esse

lugar deve se parecer com o mundo para que possa ser analisado e interpretado pelos

leitores do texto. Há um modo de “narrar” realista, que transmite um conteúdo e pode ser

comparado e interpretado de acordo com os critérios de validade do cotidiano e facilmente

identificado no quadro de gêneros históricos. São marcas identificadas por Bronckart na

– advérbios, preposições e outros, em expressões como “nessa noite”, “um dia” – e as

anáforas pronominais – como nesta frase: “...uma pobre mulher [...] ela carregava...”

Na ordem do “expor”, ao contrário, os mundos discursivos podem ser validados à luz do

popular, do mais comum, ou assumir um aspecto teórico. Bronckart propõe dois tipos de

discurso nessa ordem – o interativo e o teórico. Na modalidade interativa, os segmentos de

textos apresentam pronomes pessoais – que se remetem ao autor do texto (eu, me), ao

destinatário (você) ou ao par autor/destinatário (nós) – e frases declarativas “pertencemos

a...”, “pensamos em...”, “procuramos por...”. São elementos integrantes de um tipo de

discurso caracterizado pelo autor como “interativo”. Por outro lado, o “discurso teórico”,ou

científico, é constituído de certos organizadores lógico-argumentativos – “mas”, “às vezes”,

“a maior parte” – e de, modalizações lógicas – “talvez”, “pode fazer”. As anáforas,

consideradas, nessa situação, como repetição da mesma palavra no começo de várias frases

ou membros de uma mesma frase, sob forma de dêiticos1 intratextuais, são evidenciadas

nesse discurso, em certos exemplos (esse tecido, essa parasita, essas plantas). Também a

densidade léxica é acentuada nesse tipo de discurso. Quanto aos tempos verbais, há uma

combinação de formas do presente, do pretérito e do futuro, que figuram como elementos

do discurso interativo – “vive”, “suporta”, “conhece”, “comeu”, “ocorreu”, “acontecerá”.

Em certos textos, Bronckart identifica elementos do discurso interativo e do discurso

teórico de modo integrado, caracterizando o que ele chama de fusão de tipos de discurso.

1

Cf.ILARI, R. GERALDI, J.W, 1998. Dêiticos, de acordo com a Lingüística moderna, são “palavras que mostram”, .realizam o fenômeno da dêixis, ‘ato de mostrar’. Os demonstrativos, os pronomes pessoais e os tempos de verbos são exemplos de palavras dêiticas.

Essas variantes, fronteiras e fusões dos dois discursos – o interativo e o teórico – compõem

o estatuto híbrido do texto do livro didático de Ciências.

Mortimer (2000) distingue, no discurso de sala de aula, três categorias que caracterizam

seu conteúdo temático – descrições, explicações e generalizações – que podem ser

classificadas como empíricas ou teóricas. Essas categorias podem ser, igualmente,

relacionadas às propostas por Bronckart. Segundo Mortimer e Scott (2002:4), “envolve

enunciados que dizem respeito a um sistema, objeto ou fenômeno em termos de seus

constituintes ou dos deslocamentos espaço-temporais desses constituintes.

Complementando, Mortimer (2000:6) esclarece que uma explicação “explicitamente

estabelece relações entre entidades e conceitos, importando algum modelo ou mecanismo

para dar conta de um fenômeno específico”. Finalmente, as generalizações são definidas

por Mortimer e Scott (2002) como uma categoria que envolve “descrições e explicações

que são independentes de um contexto específico”. Nesse sentido, as descrições e as

explicações não são propriedades de um objeto, sistema ou fenômeno particular, mas

propriedades gerais de entidades científicas, da matéria e de classes de fenômeno.

Relacionando essas categorias com aquelas propostas por Bronckart, posso dizer que as

descrições encontradas nos livros didáticos são da ordem do narrar, enquanto as

explicações serão da ordem do “expor”. Mortimer e Scott estabelecem, ainda, uma segunda

distinção, que também pode ser relacionada à apresentada por Bronckart entre discurso

interativo e teórico. Segundo Mortimer e Scott, se uma descrição, explicação ou

generalização são estabelecidas em termos de referentes visualmente presentes no sistema

consideradas como empíricas/perceptíveis. Se, ao contrário, utilizam referentes não-

presentes visualmente no sistema ou que não são parte da experiência cotidiana do

interlocutor, mas entidades criadas por meio de relações intralingüísticas que caracterizam

os sistemas simbólicos, elas podem ser consideradas como teóricas.

Usarei essas categorias – descrições, explicações e definições – e a idéia de ordens

discursivas – do “expor” e do “narrar” – para organizar a apresentação dos tipos de texto

analisados nas coleções didáticas de Ciências, objetos desta tese. Começarei pelos tipos de

texto que estão mais próximos do gênero de discurso científico ou didático/científico e são

da ordem do “expor” – explicações, definições (que são, na verdade, uma forma de

generalização) e classificações. Posteriormente, vou tratar das descrições, que estão mais

próximas da ordem do narrar. No entanto, como as descrições presentes nos textos não se

limitam a objetos e sistemas, mas incluem, também, descrições de processos, muitas vezes

será possível observar, ainda, que o discurso da ordem do “expor” se instaura no interior da

narrativa estabelecida pelo autor. Em seguida, analisarei alguns textos que têm claramente

um papel didático – as recapitulações e as metáforas, bem como as analogias. Não vou

abordar, isoladamente, os textos que caracterizam alguns elementos do gênero de discurso

cotidiano e são incluídos no texto didático com a função de contextualizar o conhecimento

que está sendo trabalhado. Esses textos, mais freqüentemente, estão intercalados nos

gêneros de discurso científico e didático.

Essa distinção entre três tipos de gênero de discurso – científico, didático e cotidiano – foi

útil para organizar esta apresentação, mas nem sempre aparece claramente no texto das

(1934/1998:110), eles podem aparecer em um único enunciado, mas caracterizam “dois

modos de falar, dois estilos, duas ‘linguagens’, duas perspectivas semânticas e

axiológicas”. Ao tratar das explicações, vou mostrar que algumas das categorias

características do gênero de discurso científico – por exemplo, as metáforas gramaticais –,

às vezes, aparecem combinadas, em um mesmo período, fazendo referência a contextos

cotidianos.

2.2 O gênero do discurso científico se apresenta nos textos de Biologia do