• Nenhum resultado encontrado

1.1 Pressupostos teóricos

1.1.1 Uma concepção de texto

Neste trabalho, o texto é definido, com base nas idéias de Robert de Beaugrande (1997:11),

“como um evento comunicativo no qual convergem as ações lingüísticas, cognitivas e

sociais”. Tal visão vai além daquela que considera o texto uma seqüência de palavras

faladas e/ou escritas. Para o autor, a língua é um “sistema virtual”, que estabelece as

escolhas, e o texto é um “sistema real”, em que essas escolhas se manifestam. As ações

lingüísticas convergem para uma organização textual marcada pela interação entre os

elementos gramaticais e o modo discursivo. Isso implica o uso de certas regras. Um assunto

difícil, por exemplo, deve ser colocado em falas ou escritas mais curtas e simples do que

um mais fácil. Beaugrande argumenta que, pelo fato de o texto ser um “evento

comunicativo”, que se orienta para ações cognitivas e sociais, somente as regras lingüísticas

não são suficientes para garantir a produção dele. Considerando-se a linguagem um

“sistema que interage continuamente com o conhecimento compartilhado das pessoas sobre

o seu mundo e sua sociedade”, a produção de textos acontece porque os indivíduos são

capazes de selecionar e aplicar as regras textuais rápida e eficazmente.

Assumindo-se essa definição de texto, todo evento comunicativo constitui um texto. Um

slogan político – do tipo “Lula lá” – , uma propaganda – com dizeres como “a número 1” –,

um anúncio visual só com imagem, uma música, uma obra de arte – quadro ou escultura –,

um filme, um gráfico, uma dança, uma fala que nunca foi escrita, enfim, todos os modos

usados para informar, comunicar e veicular sentidos são textos. Portanto, o texto não está

restrito à palavra. Para Machado (1999:42), texto é tecido, no sentido metafórico. Para a

de combinar, enredar, de construir redes de relações cuja somatória resulte no tecido”.

Nesse sentido, o texto é visto como discurso e como produto cultural híbrido, que agrega

diferenças em vez de separá-las. O que importa é o sentido1 e não, os elementos que,

enredados, produzem a significação.

O que me interessa, no presente estudo, é configurar a noção de texto na esfera lingüística,

a fim de entender os elementos que correspondem aos fios, cuja combinação produz o

tecido escrito, com seus códigos e conjugações híbridas. Contudo a apreciação meramente

lingüística do texto mostra-se insuficiente para dar conta da enunciação, espaço em que

atuam diferentes códigos da vida cultural. É necessário conhecer as tecnologias da

linguagem, da escrita, e, ainda, adentrar ao mundo das condições de produção do texto.

Para configurar essa noção de texto, é preciso dispor de um referencial teórico capaz de

discorrer a respeito da diversidade de constituintes do texto em interação com outros

sistemas de signos. A teoria do dialogismo, formulada por Mikhail Bakhtin, muito contribui

para se compreender essa trama da textualidade. Sua concepção de linguagem como

sistema dialógico de signos, que valoriza o texto como ato comunicativo, e sua teoria da

enunciação, que caracteriza o enunciado como a unidade da comunicação verbal, fornecem-

me elementos para entender o dinamismo próprio do texto. Para o autor, texto é signo que

se constitui na fronteira do dito e do não-dito, do verbal e do não-verbal. Texto e

enunciação estão, pois, no mesmo plano. Assim, uma análise meramente lingüística, que

1 VYGOTSKY (1995:125) faz uma distinção entre sentido e significado. Para elaborar essa distinção o autor fundamenta- se em Paulhan: “Segundo ele, o sentido de uma palavra é a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa consciência. É um todo complexo, fluido e dinâmico, que tem várias zonas de estabilidade desigual. O significado é apenas uma das zonas de sentido, a mais estável e precisa”

não leve em conta os enunciados como elos numa cadeia de comunicação, mostra-se

insuficiente para dar conta da totalidade da cena enunciativa, em que atuam outros códigos

da vida cultural. Nesse sentido, o texto situa-se no universo maior da produção cultural.

Bakhtin considera que o texto não é apenas unidade do processo de criação estética, mas,

sobretudo, é objeto privilegiado de investigação no amplo campo das Ciências Humanas.

Falar do significado de um texto, portanto, impõe diferentes olhares para a criação verbal

no campo da cultura humana. Um texto propicia ao leitor um espaço aberto à

simultaneidade de visões. Nesse sentido mais geral, a noção de texto pode ser aplicada a

toda e qualquer produção de linguagem, oral ou escrita.

Organizados de modos diferentes, com tamanhos variados, os textos são, porém, dotados

de características comuns: mantêm uma relação de interdependência com as propriedades

de contexto em que são produzidos; exibem um modo determinado de organização de seu

conteúdo referencial; são constituídos de frases articuladas umas às outras, com regras de

composição mais ou menos estritas. Cada texto apresenta mecanismos enunciativos e de

textualização que lhes asseguram coesão interna.

Apesar de aplicar a noção de texto de maneira bastante ampla – qualquer evento

comunicativo constitui um texto – nesta análise vou privilegiar o texto verbal presente no

livro didático de Ciências. Ao se caracterizarem os textos como produtos da atividade

humana, é possível perceber-se sua vinculação às necessidades, aos interesses e às

condições de funcionamento das formações sociais em que são produzidos. Sendo os

modos de produzir textos foram elaborados ao longo do desenvolvimento cultural humano.

Assim, um tipo de texto pode estar relacionado à ocorrência de certas motivações sociais –

como a emergência dos textos científicos no século XIX – ou ser consecutivo ao

surgimento de novas formas de comunicação – como textos publicitários, artigos

jornalísticos e de telejornais.