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Uma concepção de gênero de discurso

1.1 Pressupostos teóricos

1.1.2 Uma concepção de gênero de discurso

Interessa-me analisar não apenas as formas específicas e estáveis da linguagem social

utilizada no texto mas também os processos de combinação de formas ou de códigos

variados que permeiam a comunicação verbal. A essas formações, Bakhtin denominou

gêneros de discurso. Segundo o autor, um gênero não é uma forma de linguagem, mas uma

forma de enunciação. Em todas as esferas da comunicação humana, estabelecem-se formas

mais ou menos estáveis de enunciados, que configuram gêneros de discurso. Enquanto as

linguagens sociais caracterizam discursos que são peculiares a um grupo social específico –

por exemplo, os cientistas –, os gêneros de discurso estão ligados às situações de

enunciação, aos contextos em que determinado discurso é produzido. Se o texto é visto

como uma manifestação de uma forma, é válido entender o gênero como formas de uso das

linguagens.

O gênero, na teoria bakhtiniana, é a imagem de uma totalidade em que os fenômenos da

linguagem podem ser apreendidos na interatividade dos textos ao longo dos tempos. Esse

viés, por meio do qual Bakhtin examina os gêneros de discurso, influi em seu conceito de

informação ligada à vida interativa. Os gêneros de discurso, por sua vez, são articulações

discursivas que organizam e definem a textualidade. Os gêneros não existem fora do texto,

assim como não existe texto sem gênero. O inovador nessa abordagem dialógica reside na

consideração do texto como produto da diversidade.

Por outro lado, a hibridização, segundo Bakhtin, é a mistura de duas linguagens sociais no

interior de um único enunciado. Contudo, num mesmo texto, é impossível separar essas

duas categorias, uma vez que se encontram entrelaçadas, constituindo uma única imagem:

“Denominamos construção hídrida o enunciado que, segundo índices gramaticais (sintáticos) e composicionais, pertence a um único falante, mas onde, na realidade, estão confundidos dois enunciados, dois modos de falar, dois estilos, duas “linguagens”, duas perspectivas semânticas e axiológicas.” (Bakhtin, 1934/1998:10)

Retomando a hipótese formulada no início deste capítulo, o gênero de discurso do texto de

Biologia do livro didático de Ciências não seria uma simples soma de outros gêneros de

discursos – científico, cotidiano, jornalístico, divulgação científica, pedagógico e literário.

Ele, não seria, também, uma simples tradução ou reformulação do discurso científico. Seria,

na verdade, um gênero construído na relação estabelecida entre diferentes formas de

discursos numa mesma língua, refletindo as condições e os objetivos do meio social em que

se insere – no caso, a escola. Nesse sentido, os gêneros são sempre plurais. Como já

explicitado anteriormente, não existe gênero no singular. Para Bakhtin, os gêneros vivem

sobre fronteiras.

O autor do livro didático lê, apropria-se do conhecimento em alguns gêneros de discursos

língua. Há, portanto, um deslocamento de interpretação, ou seja, a interpretação desses

gêneros de discursos em outra forma discursiva pode produzir efeitos de sentidos que são

característicos. Assim, parece não haver uma simples transposição de sentidos de um

gênero de discurso para outro, ainda que o gênero em construção – no caso, o texto de

Biologia do livro didático – revele traços do modelo textual e lexical de outros gêneros –

como o científico, o didático e o cotidiano.

Introduzi essa reflexão ressaltando a idéia do texto como evento comunicativo, assumindo,

portanto, uma abordagem ampla de texto. Inserida nessa idéia, está a noção de gênero. No

entanto alguns questionamentos fazem-se necessários: O gênero é um tipo de texto ou o

texto é um tipo de gênero? Ou, ainda, gênero é texto? Para Machado (1999:49), há uma

fragilidade teórica quando se confunde gênero e texto. Nesse caso, é possível que se tenha

adotado uma concepção moderna de texto e o conceito aristotélico de gênero, ou seja,

classe de discurso. Segundo a autora “enquanto a noção de texto abre para a pluralidade, a

noção de gênero aristotélica se fecha no limite de uma estrutura. Não é isso que propõe

Bakhtin. Em seus estudos sobre os gêneros do discurso, o texto é “resultado de misturas”.

Outra questão importante diz respeito ao emprego indistinto, por certos autores, das

expressões “gênero” e “tipo de discurso”. Neste estudo, faço uma distinção. Os gêneros de

discurso pertencem a diversos tipos de discursos associados a vários setores da atividade

social. Partindo-se do pressuposto de que o texto de Biologia do livro didático de Ciências

constituiria um gênero de discurso, ele estaria inserido no interior do tipo de discurso que se

de discurso – o “pedagógico” (Bernstein, 1996) –, que figuraria dentro de outros discursos,

de diferentes espaços de aprendizagem do indivíduo.

Demarcando-se essas diferenças entre “gênero” e “tipo de discurso”, há de se considerar,

ainda, a tipologia de textos com base em outros critérios. Bronckart (1999) propõe modos

de agrupar os textos, utilizando-se de duas categorias: a ordem do narrar e a ordem do

expor, que denomina de “tipo de discurso”. Abordarei, nos próximos capítulos, essas

categorias propostas pelo autor. Por outro lado, outros autores como Martin (1993),

analisando textos didáticos de Ciências, sugerem a terminologia “tipos de textos” para as

categorias “descrição”, “explicação”, “classificação” e outras. Esses esclarecimentos

relativos à diferença entre gênero de discurso, tipo de discurso e tipo de texto fazem-se

necessários para situar-se o lugar de que estou falando e a terminologia que adoto, a fim de

não se incorrer em equívocos e no uso de um termo por outro.

1.2. Os principais gêneros de discurso que condicionam a produção do texto de