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CONDICIONANTES PARA CENÁRIOS FUTUROS DA TRANSIÇÃO SOCIALISTA EM CUBA

GRÁFICO 10 – EVOLUÇÃO DA TAXA DE DESOCUPADOS (%)

4 O SOCIALISMO CUBANO NA ATUALIDADE: DESAFIOS, MUDANÇAS ESTRUTURAIS E CENÁRIOS FUTUROS

4.4 CONDICIONANTES PARA CENÁRIOS FUTUROS DA TRANSIÇÃO SOCIALISTA EM CUBA

A análise realizada até aqui permite afirmar que Cuba vive um momento de grandes mudanças que, inclusive, extrapolam o âmbito do modelo econômico e social da transição. Algumas mudanças ocorrem em um ritmo muito mais intenso e profundo, outras a passos mais lentos e de forma mais superficial. Diante desse cenário, muitos se perguntam para onde caminha o país, se para um retorno ao capitalismo, se para um socialismo de mercado ou se para um aperfeiçoamento de um modelo de socialismo que apresente algumas singularidades. Embora não seja pretensão deste trabalho responder a essas questões, tão pouco traçar cenários futuros para o país e sua transição socialista, o caminho percorrido até aqui permite delinear alguns fatores que poderão condicionar a direção para a qual caminhará o país, evidenciando como esses fatores constituem ameaças que combinados às alterações realizadas no modelo econômico e social podem interferir no processo de transição socialista cubano, colocando em risco a revolução e o seu caráter socialista.

O primeiro e o segundo fator condicionante de futuro está relacionado ao povo cubano, afinal foi a população cubana que lutou pela libertação do país e tornou vitoriosa a revolução, foi essa mesma população que lutou na invasão contrarrevolucionária em Playa Girón e expulsou

os invasores, também foi essa massa que construiu o socialismo durante mais de 53 anos e que defendeu o sistema nos momentos de crise. A massa popular é com certeza o principal elemento da revolução e do socialismo em Cuba, e é ela quem decide e decidirá a direção em que o país caminhará, portanto analisar esse elemento e suas características atuais é importante para entender o que acontece em Cuba atualmente e o que poderá acontecer nos anos vindouros. Diante da restrição de tempo e espaço, aqui foram selecionados apenas dois aspectos considerados importantes em relação à massa popular para serem apresentados: a questão demográfica e geracional e os valores construídos e solidificados nessa massa popular ao longo da revolução.

Iniciando por uma leitura demográfica a partir dos dados fornecidos pela ONE (acesso em 30 set. 2012), em 2010, a população cubana era de 11.241.894 de habitantes; desses, 50,08% eram homens e 49,92% mulheres, além disso, 75,4% da população vivia na área urbana e 24,6% na área rural. Em relação à faixa etária, em 2010, 18,6% da população tinha de 0 a 15 anos, 19,1% estavam no grupo etário de 16 a 29 anos, 45% tinham de 30 a 59 anos e 17,6% estavam com 60 anos ou mais. Posicionando esses grupos etários nas diversas fases da revolução cubana, tem-se que do grupo com 60 anos ou mais todos nasceram antes de 1959, portanto conheceram a realidade do país antes da revolução e, além disso, muitos lutaram para libertar o país e junto com os líderes revolucionários instituíram o socialismo em Cuba. Esse grupo possui clareza quanto às conquistas alcançadas com a revolução e o socialismo e trazem na memória o horror de uma época de submissão e miséria.

Em contraposição, há em Cuba um grupo de pessoas que nasceu e viveu durante os anos de conquistas sociais e prosperidade econômica alcançados pelo socialismo. Esse grupo, que representa aproximadamente 40% da população cubana, nasceu no período entre 1960 a 1989 e tinha, em 2010, entre 25 e 49 anos, portanto conheceram os anos de prosperidade e desenvolvimento econômico e social que o país experimentou no período que durou o acordo com o CAME, assim como os anos difíceis da década de noventa após a queda do bloco socialista. Essa faixa da população possui, em grande medida, como referência de bem estar no socialismo e de expectativa para o futuro a década de 80.

Há ainda outro importante grupo etário em Cuba composto pelas pessoas que nasceram após 1898. Esse grupo representam mais de 24% da população cubana e em 2010 tinham entre 0 e 20 anos. Composto por crianças, adolescentes e jovens, esse grupo nasceu e viveu os anos de grave crise econômica. Além das medidas do ajuste e a instabilidade econômica que o país

tem vivido nos últimos 20 anos, eles conhecem apenas as restrições e dificuldades cotidianas do socialismo e possuem como referência de bem estar países da Europa e o estilo de vida da sociedade americana. A força ideológica da sociedade de consumo está presente em Cuba e lá chega não apenas com os mais de 2 milhões de turistas que anualmente visitam o país, mas principalmente nas palavras e nas malas dos cubanos que vivem nos Estados Unidos.

Ainda em relação à massa popular, tem-se que levar em consideração os valores construídos e solidificados no seio da população cubana ao longo dos mais de 53 anos de revolução, pois desde o início do processo revolucionário, em paralelo a construção da base material, desenvolveu-se uma formação político-ideológico da população direcionada para transformar a mentalidade capitalista e desenvolver uma consciência comunista baseada nos valores de igualdade, equidade, solidariedade e justiça social. Foram esses valores que nos momentos mais difíceis da crise da década de 90 levaram a população a defender o socialismo e a compreender as medidas que ocasionaram graves restrições, principalmente, em relação ao consumo de alimentos (XALMA, 2007). São esses valores que estão presentes na população cubana quando explicam que carne bovina, pescado e mariscos são para os turistas, porque estes deixam no país divisas que são revertidas para o bem estar de todos.

Porém, como ressalta Xalma (2007), foi durante a crise e frente à urgência em satisfazer as necessidades mais elementares da vida humana, o consumo de alimentos, que muitos cubanos começaram a priorizar soluções individuais frente às saídas coletivas, foi nesse momento que valores como o individualismo, o benefício próprio, a ilegalidade e a competitividade agressiva começaram a ganhar espaço no interior da sociedade cubana, valores que estão intimamente relacionados ao modo de vida capitalista e às leis de funcionamento do mercado. O conflito de valores presente hoje em Cuba torna-se ainda mais complexo, dada a presença de novos grupos na estrutura social cubana, que desencadeiam novas relações econômicas e sociais, grupos compostos por pequenos proprietários privados, por trabalhadores por conta própria e por investidores externos que começam a ganhar espaço e importância, e a defesa por seus interesses pode impactar o modelo econômico, social e político vigente, constituindo-se um ameaça contrarrevolucionária.

O terceiro condicionante em relação ao rumo das mudanças em Cuba está relacionado ao custo das reformas que serão realizadas para a atualização do modelo econômico e social cubano sobre as conquistas sociais da revolução e em que medida a população cubana estará disposta a abrir mão de direitos e garantias historicamente conquistados. Segundo estimativas,

cerca de 20% das famílias cubanas sobrevivem apenas dos salários pagos no setor estatal e não conseguiriam cobrir suas necessidades básicas sem os produtos distribuídos pela “libreta” de abastecimento, ou seja, é a distribuição racionada de produtos de consumo que garante que essas famílias não fiquem desamparadas e na miséria. Além disso, os serviços sociais básicos ofertados de maneira universal e gratuita também são a garantia de proteção social para a totalidade das famílias cubanas (MARREIRO, 2012). O impacto que as reformas poderão gerar sobre essas garantias pode levar a uma reação da população, no sentido de defender a qualidade e cobertura tanto dos serviços como da distribuição racionada de alimentos.

Ao analisar as modificações realizadas no texto original dos lineamientos, é possível perceber uma preocupação no sentido de que ninguém, ou nenhuma família, fique desamparado, porém, ao mesmo tempo, observa-se uma responsabilização do sujeito pela satisfação de suas próprias necessidades e de sua família via trabalho. Isso mostra uma das contradições presentes atualmente na sociedade cubana, o acirramento entre valores socialistas e valores capitalistas, contradição que poderá condicionar tanto a direção das reformas como a velocidade com que elas irão ocorrer.

O bloqueio promovido pelos Estados Unidos a Cuba desde a década de 60 é um condicionante não apenas de cenários futuros, mas do presente e do passado. As inúmeras medidas adotadas pelo governo americano levaram Cuba a se aproximar do bloco socialista, e como consequência, incorporar em seu modelo de transição socialista elementos do modelo soviético. Além disso, o acirramento do bloqueio após o fim do bloco socialista soviético potencializou os efeitos negativos que conduziram Cuba à mais grave crise econômica e social de sua história. A permanência das medidas e das sanções realizadas em decorrência do bloqueio, atualmente, torna a realidade cubana ainda mais difícil, em face de todos os problemas já descritos. Além de restringir a oferta de bens e serviços no país, o bloqueio torna mais custosos os produtos que chegam ao país, restringe o envio de dinheiro de cubanos a seus familiares, limita a presença e viagens de americanos a Cuba, assim como impede que países realizem investimentos em Cuba. As áreas mais afetadas pelo bloqueio são os setores de saúde e alimentação. O fim do bloqueio produziria em Cuba efeitos positivos que teriam impactos diretos nas condições econômicas e sociais da ilha.

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