• Nenhum resultado encontrado

O processo de dolarização da economia cubana em decorrência das medidas adotadas para enfrentamento da crise

1989-1993 Shock externo

3.2 AS MEDIDAS DE AJUSTE ECONÔMICO E AS MUDANÇAS NO MODELO ECONÔMICO E SOCIAL DA TRANSIÇÃO SOCIALISTA

3.2.2 O processo de dolarização da economia cubana em decorrência das medidas adotadas para enfrentamento da crise

O fenômeno da dolarização da economia cubana foi desencadeado pela grave crise econômica vivida pelo país no início da década de 90, provocada principalmente pelos desequilíbrios externos ocasionados pelo fim do bloco socialista soviético e do CAME. Esse fenômeno ocorreu em um contexto de congelamento de preços combinado a uma escassez de

mercadorias e de aumento da inflação. Isso se traduziu em uma forte pressão de desvalorização do peso cubano levando a população a buscar cada vez mais manter seus saldos em dólar (SÁNCHEZ EGÓZCUE, 1999). Para enfrentar esses efeitos imediatos da crise, reativar a economia e manter o modelo social, o governo cubano empreendeu um conjunto de medidas buscando aumentar o ingresso de divisas no país. Isso, por sua vez, acabou por desencadear um processo de dolarização. Nesse sentido, Herrera e Nakatani (2012) apontam que,

“desconsiderando a desvalorização, o objetivo principal das reformas seria o de permitir ao Estado recolher o máximo de divisas para reduzir os desequilíbrios externos e assim estar em condições de: i) manter o modelo social cubano (educação, saúde públicas, alimentação, alojamento e transportes a preços reduzidos, etc.); ii) deslocar o centro de gravidade da economia nacional da produção açucareira, que apresentou receitas declinantes, para o turismo e os setores exportadores não açucareiros; iii) encaminhar para a autossuficiência alimentar (através das substituições de importações) e energética (petróleo) [...]”.

Isso significa que, além de enfrentar a desvalorização do peso, as medidas que levaram à dolarização da economia cubana tornaram-se o núcleo central da estratégia de recuperação da economia de Cuba. Assim, o governo optou por utilizar a dolarização a serviço dos objetivos econômicos e sociais, mesmo com os efeitos negativos que essa opção significava para a revolução e sua identidade nacionalista (XALMA, 2007).

A primeira medida diretamente relacionada ao fenômeno da dolarização em Cuba foi o decreto-lei que despenalizou a posse e o uso de dólar americano na ilha, permitindo a circulação simultânea de dólar e peso nas transações17. Associado a essa medida, o governo estruturou uma estratégia para captar e redistribuir as divisas em circulação, que envolveu a autorização de novos agentes e espaços econômicos, permitindo inclusive novas formas de propriedade e gestão, a criação de mecanismos e instrumentos para a captação das divisas por parte do Estado e a utilização de instrumentos para garantir a transferência de divisas dos novos agentes para o governo (XALMA, 2007).

Com a criação do “Caixa central de divisas” o governo centralizou as divisas que circulavam na economia e passou a definir as prioridades e formas de distribuição das mesmas no interior da economia cubana, tendo como critério de escolha as empresas e atividades que geravam

17

A despenalização do uso e posse de dólar americano na ilha gerou o que muitos autores chamam de um processo de dolarização incipiente. Ver Xalma (2007).

divisas (setor de exportador), a manutenção dos serviços sociais básicos e os setores relacionados à substituição de importação. Sánchez Egózcue (1999) chama esse mecanismo de um processo de “seleção crítica” na distribuição de divisas na economia cubana.

O funcionamento desse mecanismo foi associado a outras medidas que garantiram a captação das divisas que circulavam, bem como estimularam ao máximo a entrada de divisas no país. No âmbito da população tem-se a criação das cooperativas agropecuárias, a liberação do trabalho por conta própria, a autorização dos novos mercados agropecuários e artesanais, a criação das “Tiendas de recuperação de divisas” e a constituição das Cadecas. No âmbito da produção e das empresas, destaca-se a constituição das empresas com participação de capital externo, a eliminação do monopólio de comércio exterior e a estruturação do sistema tributário. O resultado dessa associação foi a expansão da dolarização na economia cubana e a constituição dos setores que operavam em divisa, no caso o turismo e as empresas de capital externo, que em conjunto com as remessas de dólares tornaram-se o motor principal da economia cubana (XALMA, 2007).

Assim, cabe destacar que, a legalização do uso e posse do dólar não foi uma medida isolada e considerada autossuficiente, mas foi controlada pelo governo e associada à planificação através das demais medidas. Para Herrera e Nakatani (2012), esses mecanismos adotados pelo governo permitiram manter a planificação socialista mudando sua natureza e instrumentos. Em 1994 foi criada a moeda conversível, que inicialmente operou a uma taxa de câmbio de 1 peso conversível por dólar, para a população, e uma taxa de 0,74 peso por dólar, para o comércio exterior. Com isso, passaram a circular na economia cubana para as transações comerciais três moedas: o dólar americano, o peso conversível e o peso nacional (CUP). O peso nacional era a moeda utilizada para pagar os salários e para a comercialização principalmente nos mercados racionados e em parte do mercado de produtos agropecuários. O dólar e o peso conversível eram utilizados nos mercados de produtos agropecuários que operavam em divisas, nas “Tiendas de Recuperación de Divisas” (TRD), no mercado paralelo ilegal e para a aquisição de bens e serviços por parte dos turistas (CARCANHOLO; NAKATANI, 2001).

Ainda sobre a dualidade monetária, Vidal Alejandro (2007) observa que, esse fenômeno impactou de forma diferenciada a população e o setor empresarial, isso porque a dolarização foi parcial - os salários, pensões, produtos do mercado racionado e muitas empresas

continuaram operando em pesos cubanos. Além disso, a população podia trocar dólar por pesos cubanos, ou pesos conversíveis na CADECA por um taxa de câmbio que refletia a disponibilidade de divisas no país. Por outro lado, às empresas ficaram impossibilitadas de trocar pesos cubanos por outras moedas a não ser por peso conversível, sendo que 1 peso cubano equivalia a 1 peso conversível, ou melhor, operavam a um taxa sobrevalorizada. É importante enfatizar que o processo de dolarização, e consequentemente o ajuste macroeconômico, que ocorreu em Cuba diferencia-se da ocorrência do fenômeno em diversos países na América Latina ao longo da década de noventa. Essa diferenciação relaciona-se tanto à extensão da dolarização que foi parcial e controlada pelo governo, como pelos efeitos e resultados alcançados, que permitiram ao país recuperar o crescimento econômico, manter a transição socialista e as conquistas sociais da revolução. Nesse sentido, Xalma (2007) adverte que apesar das mudanças e da inserção de mecanismos monetário-mercantis, em Cuba, a primazia de mecanismos de mercado e da propriedade privada foi afastada e o processo revolucionário seguiu resistindo e garantindo à população os direitos sociais conquistados.

3.3 OS REFLEXOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DO PERÍODO DE AJUSTE

Documentos relacionados