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A extensão semântica que caracteriza as circunstâncias judiciais de natureza subjetiva apresenta-se, em relação à personalidade e a conduta social, como um maior entrave na impugnação à dosimetria da pena, porquanto, em inúmeros acórdãos, verificou-se a redução

dos dois conceitos a um só, ou, até mesmo, a simples apreciação genérica sem menção a qualquer definição.

Todavia, muito embora o princípio da individualização da pena realmente imponha a análise detida de cada um dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, com a descrição do porquê de eventual valoração negativa destes, importa observar que, conforme bem destacado por Boschi (2014), a conduta social “projeta conhecimento sobre o temperamento, o caráter, e, queiramos ou não, a personalidade e a vida pregressa do acusado, mesmo porque as circunstâncias judiciais não são estanques, elas interagem e são mutuamente esclarecedoras”.

Em relação à conceituação da conduta social nos precedentes analisados, pouca diferença há em comparação ao vetor da personalidade, sendo empregados termos igualmente genéricos e rasos como “reprovável”, “não positiva”, merecedora de “maior reprovabilidade”, “não recomendável”, “ruim” e “negativa”, sem que haja indicação expressa da valoração negativa com o comportamento do acusado no meio social em que este se insere, conforme preconizado pela doutrina e pela jurisprudência.

Nesse cenário, consoante observado por Salo de Carvalho e Amilton Bueno de Carvalho (2002, p. 51) certo é que

[...] a valoração da história de vida do acusado, da forma com que se estabeleceu no ordenamento jurídico pátrio, cria um mecanismo incontrolável do arbítrio judicial, pois tende a (pré) determinar juízos de condenação - geralmente, chegando o momento

de prolatar a sentença penal, o juiz já decidiu se condenará ou absolverá o réu. Chegou a essa decisão (ou tendência a decidir) por vários motivos, nem sempre lógicos ou derivados da lei. Muitas vezes, a tendência a condenar está fortemente influenciada pela extensão da folha de antecedentes do réu (grifo original).

No que se refere ao fundamento mais empregado para negativar a conduta social tem- se, como visto no tocante à personalidade, o uso de condenações pretéritas transitadas em julgado com base em entendimento jurisprudencial já superado 16, devendo-se relembrar, no ponto, que antes da Reforma da Parte Geral do Código Penal (1984) o vetor dos antecedentes também abrangia a conduta social do acusado.

Sobre os outros dois fundamentos em comum com o vetor da personalidade, quais sejam, o uso do histórico de atos infracionais e de ações penais em curso e inquéritos policiais para exasperar a pena-base, retomam-se aqui as mesmas considerações feitas no subitem

16 Conforme registrado no capítulo inicial, consta do informativo n. 639 da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que “Não é possível a utilização de condenações anteriores com trânsito em julgado como

anterior, estendendo-se à conduta social, ainda, os mesmos comentários acerca do conceito de “periculosidade”, bastante comum nas sentenças condenatórias.

Já no tocante aos demais argumentos, destaca-se a situação de desempregado do acusado, já utilizada para valorar negativamente a culpabilidade do agente, tendo o juízo singular considerado nos autos n. 0002216-93.2019.8.24.0075 que “a conduta social não é recomendável, pois o réu não trabalha, e alegando não ter encontrado outro meio de se prover, voltou a praticar atividade ilícita, como tráfico” (SANTA CATARINA, 2019).

Conforme já consignado quando da análise do vetor da culpabilidade, a busca por lucro fácil é inerente ao tipo penal previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, sendo totalmente esperado que o agente não se dedique a qualquer atividade laboral lícita quando pratica a narcotraficância. Como não bastasse, tal fundamentação não seria válida a valorar negativamente a conduta social do acusado, como acertadamente ponderado pela instância revisora:

[...] o Juiz a quo não indicou fundamento apto a demonstrar qualquer comportamento concreto e desabonador do réu em sua família, comunidade, ambiente de trabalho ou na vida social, uma vez que a falta de trabalho ou interesse em prover seu sustento com base em labor lícito não se revela argumento idôneo para exasperação da reprimenda (SANTA CATARINA, 2019).

Acerca desse fundamento e da reiteração delitiva do acusado, releva anotar que para Maria Lucia Karam (1994, fl. 125)

Ao contrário do que se costuma considerar, circunstâncias como a não integração ao mercado de trabalho, o baixo nível de escolaridade, a deficiente socialização familiar, ou o anterior contato com o sistema penal, visto como evidenciadores de má conduta social ou de mais antecedentes, a exigir pena maior, constituem-se, na realidade, em circunstâncias que, tornando mais escassos o espaço social e as oportunidades de viver dignamente, fazem menos exigível o comportamento conforme a norma, consequentemente impondo uma menor medida da pena, correspondente à menor culpabilidade pelo ato realizado.

A negativação da conduta social com base em comportamento esperado para o tipo penal violado pelo agente também foi constatada na ação penal n. 0000937-36.2018.8.24.0163, na qual o magistrado sentenciante considerou como inadequada a conduta social tendo em vista que “o acusado está inserido em meio de intensa criminalidade, exibindo diversas armas de fogo, dinheiro em espécie e em notas variadas, interesse no plantio de maconha e negociação de vários tipos de drogas” (SANTA CATARINA, 2019).

Ainda, merece destaque a negativação da conduta social do acusado com base tão somente na sua condição de usuário de drogas, sem menção expressa à relação com o fato delitivo, conforme registrado nos autos n. 0001510-20.2019.8.24.0008:

[...] O acusado afirmou que é usuário de droga, o que configura conduta social negativa. Anoto que o consumidor de droga fomenta a prática de outros crimes, especialmente o tráfico de drogas, gerando maior violência social no meio em que está inserido. Daí a necessidade de aumento, diferenciando-o de outra pessoa que prática o mesmo crime, mas que não age dessa maneira. [...] (SANTA CATARINA, 2019).

O Tribunal afastou o incremento da pena-base com fundamento na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, esclarecendo que

O fato de o Apelante ser dependente químico não pode ser utilizado como fator de agravamento da pena-base, sendo este, há muito, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, em razão da incompatibilidade com a nova política criminal anti- drogas, a qual dá atenção diferenciada ao usuário, submetendo-o a tratamento, antes de punição. Assim, "O fato de o réu ser viciado em drogas não constitui critério idôneo para que se lhe eleve a pena-base acima do mínimo, porquanto o vício não pode ser valorado como conduta social negativa" (Habeas Corpus n. 98.456/MS, rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, j. em 29.9.2009) (SANTA CATARINA, 2019).

Por fim, no que diz respeito aos elementos de prova utilizados para a valoração da conduta social do agente, os mesmos comentários acerca do vetor da personalidade podem aqui ser reproduzidos, acrescentando-se, ainda, a observação de que não se constatou a inquirição de pessoas pertencentes ao meio social no qual o acusado vive, as quais poderiam fornecer elementos concretos acerca do seu comportamento.

3.4 ANTECEDENTES

A circunstância judicial dos antecedentes não suscita maiores debates no tocante ao elemento de prova utilizado para valorá-la, conforme visto nos resultados obtidos na pesquisa empírica, haja vista que os magistrados se limitam, no mais das vezes, a consultar a folha de registros criminais do acusado para verificar a existência de alguma anotação desabonadora, devendo-se relembrar, no particular, que o Superior Tribunal de Justiça deixou assente que “a folha de antecedentes criminais é documento suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência” - Enunciado da Súmula n. 636 (BRASIL, 2019, p. 378).

Dessa forma, os precedentes sobre esse vetor revelaram que as insurgências da defesa se relacionam mais a equívocos na análise da certidão de antecedentes criminais, a exemplo do uso de condenação pretérita transitada em julgado referente a corréu, como também à aplicação de registros inaptos a ensejar o reconhecimento de maus antecedentes, destacando-se as ações penais em curso e aquelas nas quais houve a extinção da punibilidade do agente.

No que diz respeito à conceituação da circunstância sob enfoque, constatou-se que os antecedentes seguem o mesmo padrão das outras já analisadas: a sua valoração negativa com base em expressões genéricas e sem delimitação de conteúdo como “registra maus antecedentes”, “possui antecedentes” e apresenta “registros desabonadores”.

Acerca dessa questão, tem-se que doutrina e jurisprudência majoritárias atualmente entendem que os antecedentes do acusado dizem respeito aos seus registros criminais, inexistindo, atualmente, maiores controvérsias neste particular. Contudo, deve-se ressaltar que

[...] os autores da Reforma mencionam que os antecedentes “não dizem respeito à ‘folha penal’ e seu conceito é bem mais amplo [...] deve-se entender a forma de vida em uma visão abrangente, examinando-se o seu meio de sustento, a sua dedicação a tarefas honestas, a assunção de responsabilidades familiares”. Entretanto, ao tratar da conduta social, os mesmos autores frisam que ela se refere “ao comportamento do réu no seu trabalho, no meio social, cidade, bairro, associações a que pertence”, entre outros. Ora, não se pode concordar que os antecedentes envolvam mais do que a folha corrida, pois falar em “meio de sustento”, “dedicação a tarefas honestas” e “responsabilidades familiares” tem a ver com conduta social (NUCCI, 2019).

Ainda sobre a definição do conteúdo da vetorial ora analisada, importa anotar que para Bissoli Filho (1997, p. 139)

A vagueza ou inexistência do conceito de antecedentes no Direito Positivo brasileiro faz com que os operadores jurídicos sejam obrigados a se orientar, na elaboração desse conceito, pelas meta-regras sociais, ou seja, pelo second code. As concepções que vão se formando no sistema social acerca dos antecedentes e da reincidência criminal (como condição de seletividade do sistema penal face à estigmatização e aos estereótipos que se produzem em torno do indivíduo criminalizado e que servem para identificar os maus) passam a integrar objetivamente o conjunto de meta-regras e a interferir na ação dos operadores jurídicos, tanto na dogmática, como na aplicação das normas, resultando daí uma influência maior do que aquela prevista no Direito Positivo.

Já no que se refere aos equívocos cometidos na apreciação dos antecedentes, destaca- se a violação ao princípio do ne bis in idem na ação penal n. 0003912-28.2015.8.24.0004, tendo o magistrado sentenciante usado a mesma condenação para valorar tanto os antecedentes quanto a agravante da reincidência, em afronta ao disposto no Enunciado da Súmula n. 241 do Superior

Tribunal de Justiça, merecendo destaque, também o uso de registros criminais de terceiros para aferir os antecedentes do acusado, conforme constatado pela instância revisora no julgamento da apelação n. 0002720-84.2017.8.24.0038.

Ainda, verificou-se a violação a outro entendimento há muito consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, qual seja, a vedação ao uso de inquéritos policiais e ações penais em curso para incrementar a pena-base (Súmula n. 444), como visto nos autos n. 0000444- 59.2018.8.24.0066.

A respeito do entendimento firmado no referido enunciado sumular, Luiza Pessanha Restiffe (2017, p. 152) esclarece que

O ponto crucial da presente tese encontra-se no fato de que, para se afirmar se um indivíduo se dedica a práticas ilícitas ou não, é necessário que os demais fatos delituosos que porventura constem desse histórico já tenham decisões condenatórias irrecorríveis. Isso se dá, justamente, em razão do princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal.

Outrossim, processos em que a punibilidade do agente foi extinta também serviram para reputar como desabonadores os registros criminais do acusado, a exemplo da ação penal n. 001737-75.2018.8.24.0030, na qual houve o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, cumprindo observar que, conforme bem ponderado por Boschi (2014), o verbete sumular n. 244 “nada diz quanto aos processos pendentes e aos já encerrados com sentenças absolutórias ou extintivas da punibilidade, mas, bem considerada a ratio da Súmula, ela há de projetar seus efeitos também em relação a eles”.

Não obstante a frequência dos equívocos apontados acima, certo é que o grande debate atualmente acerca dos antecedentes se refere aos seus efeitos durante o tempo, haja vista que a doutrina se divide, basicamente, entre a aplicação analógica do prazo depurador da reincidência (art. 64, I, CP) e a perpetuidade dos registros desabonadores para a exasperar a pena-base.

E no âmbito dos Tribunais Superiores também não há um só posicionamento, existindo, como registrado no capítulo inicial, precedentes do Supremo Tribunal Federal17

aplicando o prazo depurador de 5 (cinco) anos da reincidência, bem como tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o decurso do referido lapso temporal, conquanto afaste os efeitos da reincidência, não impede o reconhecimento de maus antecedentes.

17 No ponto, importa relembrar que está pendente de julgamento na Corte Suprema o Recurso Extraordinário n.

Por sua vez, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, conforme registrado nos vários precedentes reformados por este motivo, limita a 10 (dez) anos o intervalo entre a extinção da pena relativa à condenação pretérita e os fatos apurados na posterior ação penal (Apelação Criminal nº 0000080-19.2018.8.24.0218):

[...] "a fim de evitar uma perpétua valoração negativa de condenação definitiva, vem adotando o entendimento de que os efeitos dos antecedentes criminais também devem ser limitados no tempo, conservando seus efeitos por mais cinco anos, a contar da prescrição quinquenal prevista no art. 64, inc. I, do Código Penal” [...]. (SANTA CATARINA, 2019).

Diante desse cenário, Salo de Carvalho e Amilton Bueno de Carvalho (2002, p. 52) afirmam que é urgente a instituição da temporalidade dos antecedentes e que o recurso à analogia permite a aplicação do prazo depurador de 5 (cinco) anos previsto para a agravante da reincidência, alegando os autores que esta é a única orientação em conformidade com a sistemática adotada pelo nosso Código Penal.

A respeito dessa particularidade, Bissoli Filho (1997, p. 70) argumenta que muito embora a adoção de um limite temporal possa conflitar com o conceito inicial de antecedentes, certo é que encontra amparo no direito, dado que a perpetuidade dos maus antecedentes resultaria na aplicação de um gravame eterno que, além de desumano, seria antijurídico, tendo em vista a vedação prevista no art. 5º, inciso XLVII, alínea "b", da Constituição Federal 18.

Além da controvertida questão temporal, a própria previsão legal dos antecedentes e as suas inúmeras repercussões em diversos institutos do direito penal suscitam muitos debates na doutrina, ponderando Salo de Carvalho e Amilton Bueno de Carvalho (2002, p. 53) que uma vez

Estabelecido critério temporal de limitação dos efeitos dos antecedentes, necessário, ainda, afirmar que o instituto afronta, em absoluto, o princípio da secularização, pois entendemos que o dispositivo legal, agregado à circunstância conduta social, reforça ainda mais a culpabilidade de autor, em detrimento da culpabilidade de fato - [...].

No mesmo sentido, Alexandre Morais da Rosa (2004, p. 359) argumenta que a análise dos antecedentes faz com que o autor do delito passe a ser julgado não pela conduta que lhe é atribuída, mas sim pelo o que fez no passado e por aquilo que é, em flagrante violação aos postulados garantistas, ocorrendo muitas vezes a condenação do acusado com base nos seus

registros criminais diante de um conjunto probatório frágil à formação de um juízo de convicção quanto à autoria delitiva.

Desse modo, tem-se que a existência de registros criminais desfavoráveis influencia sobremaneira a atuação dos julgadores, os quais, como visto nos precedentes colhidos, muitas vezes não realizam uma análise detida e acurada da certidão de antecedentes do acusado, em observância aos parâmetros legais e jurisprudenciais, limitando-se a citar a existência de condenações pretérita nos autos para exasperar a pena-base.

Destarte, consoante bem observado por Bissoli Filho (1997, p. 319-320), os antecedentes contribuem para a formação de estereótipos de delinquentes e reforçam a probabilidade de o indivíduo ser novamente selecionado pelo sistema penal, haja vista que este “será considerado um ser ‘diferente’, não obstante seja da mesma espécie, com menos direitos e mais deveres, posto que o tratamento pelas diversas agências será explícita (por imposições normativas) e implicitamente (por imposição ideológica) diferenciado”.

3.5 MOTIVOS

A busca por precedentes envolvendo a exasperação da pena-base em razão dos motivos do crime, consoante já registrado no capítulo anterior, apresentou poucos resultados e não revelou pontos controvertidos na sua valoração, como verificado nas demais circunstâncias, o que pode ser atribuído à frequente previsão em circunstâncias legais e na própria estrutura do tipo penal dos motivos que levam o agente a delinquir, acentuando, ainda mais, o caráter residual desse vetor.

No tocante à definição dessa circunstância nos precedentes analisados, verificou-se que não obstante o emprego das vagas expressões “foram reprováveis” e “foram ditados por (...)”, alguns magistrados procuraram conceituar os motivos do crime, apresentando-os “como os fatores psíquicos que levam a pessoa a praticar o crime” e as “razões subjetivas que estimularam ou impulsionaram o agente à prática da infração penal”.

Em relação às sentenças reformadas pelo Tribunal constatou-se, novamente, o uso de elementos inerentes ao tipo penal violado pelo agente para recrudescer a pena basilar, a exemplo da busca por lucro fácil no crime de roubo, como registrado nos autos n. 4033125- 18.2018.8.24.0000.

A respeito dessa questão, Boschi (2014) leciona que quando a motivação da prática criminosa atua como elemento do tipo penal ou qualificadora, esgota o seu papel na

determinação da tipicidade e permite ao julgador identificar os limites mínimo e máximo dentro dos quais a pena-base será fixada sem, contudo, influir na quantificação desta, porquanto haveria manifesto bis in idem, a exemplo da exasperação da pena-base do delito de incêndio (art. 250, CP) com referência ao perigo à vítima do ofendido, circunstância elementar do referido tipo penal.

Outro equívoco apontado pela instância revisora foi a inobservância da natureza residual das circunstâncias judiciais, tendo sido registrado no julgamento da apelação n. 007526-56.2014.8.24.0075, em que se apurou a prática do crime de ameaça no âmbito de violência doméstica, que

[...] em relação à motivação dos delitos ter se dado, ao que tudo indica, pelo inconformismo do acusado com o término do relacionamento, dever-se-ia ter aplicado, na segunda fase, a agravante prevista no art. 61, II, a, do Código Penal (motivo fútil), conquanto não foi feito (SANTA CATARINA, 2019).

No ponto, oportuno registrar lição de Juarez Cirino dos Santos (2012, p. 524) esclarecendo que

Os motivos, como raízes psíquico-afetivas do fato, também podem constituir circunstâncias agravantes ou atenuantes genéricas, ou fundamentos qualificadores ou privilegiantes do tipo básico de crime: motivo torpe, motivo fútil, motivo de relevante valor social ou moral etc. Nessas hipóteses, são regidos pela proibição de dupla valoração: motivos que integram as características do tipo de injusto, ou que são previstos como circunstâncias agravantes ou atenuantes genéricas, não podem ser considerados para fixação da pena-base.

A condição de usuário de drogas, já utilizada para considerar como desfavorável a conduta social do acusado, foi também considerada como fundamento para negativar o vetor referente aos motivos do crime na ação penal n. 0000001-47.2019.8.24.0075, tendo o Tribunal afastado o incremento da pena-base citando entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

O fato de ser a paciente usuária de drogas não deve influir na dosimetria da pena. Tal circunstância não possui relação direta com o fato delituoso, bem assim o tratamento atual conferido pelo ordenamento jurídico ao usuário de entorpecente dirige-se a um modelo” (SANTA CATARINA, 2019).

Por outro lado, no que diz respeito aos decretos condenatórios em que não houve reparo na valoração dos motivos do crime, não há considerações a serem feitas, parecendo mesmo acertadas as manutenções pelo juízo ad quem, ressalvando-se, entretanto, a ação penal

n. 0002495-18.2014.8.24.0055, em que os motivos foram considerados como reprováveis em razão do crime, cometido no âmbito de violência doméstica, ter sido motivado pelo inconformismo do réu com o término do relacionamento, em que pese a previsão legal da agravante do motivo fútil no art. 61, inciso II, alínea “a”, do Código Penal.

Em arremate, verifica-se que os elementos de prova considerados para o aumento da pena-base foram basicamente os depoimentos colhidos no feito, merecendo destaque, mais uma vez, o uso de declarações dos acusados para embasar fundamentos inidôneos à valoração negativa dos motivos do crime, a exemplo da condição de usuário de drogas.

3.6 A AMPLITUDE SEMÂNTICA DOS VETORES SUBJETIVOS E O DIREITO PENAL

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