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Conexão entre a contabilidade financeira e a gerencial

2.4 Integração: convergência entre a contabilidade financeira e gerencial

2.4.2 Conexão entre a contabilidade financeira e a gerencial

A contabilidade gerencial e a contabilidade financeira podem ser consideradas como focos diferentes de um mesmo objeto, especialmente quando o software permite o acesso a ambas as informações em todos os momentos (Wirtanen, 2009). A influência do capital de risco na atividade empresarial demanda mais informação financeira, enquanto o exame dos processos internos e de auditoria pode levar a novas soluções para sistemas de planejamento e monitoramento (Bouwman, Frishkoff, & Frishkoff, 1995). Considerando a visão estratégica, na utilização de informação financeira e não financeira, Bhimani e Langfield-Smith (2007) encontraram evidências de que, embora as duas fossem consideradas igualmente importantes para o desenvolvimento e implementação da estratégia, as empresas pesquisadas colocaram maior importância na informação financeira para a execução da estratégia. Essas variáveis são dimensões que envolvem tanto a contabilidade gerencial quanto a societária na continuidade e no desenvolvimento do negócio. Nesse sentido, a decisão de implementar IFRS pode disparar a revisão e o desenvolvimento de processos internos relacionados ao controle das atividades, enquanto objetiva fornecer alta qualidade de informação financeira (KPMG, 2008).

Considerando o relatório por segmento, se todos os dados relevantes da gestão, para a contabilidade gerencial e/ou contabilidade financeira fossem apresentados nas demonstrações financeiras, a imagem apropriada da situação financeira da empresa poderia ser alcançada (Bocov, 2009). Entretanto, Desmski (1973), investigando instituições reguladoras americanas, buscando identificar padrões gerais superiores para fins de contabilidade financeira (FASB) e para contabilidade de custos, bem como para relatórios de contratos governamentais (CASB), afirma que, “em geral, não existe conjunto de normas que irá destacar a preferível alternativa contábil, sem incorporar especificamente crenças e preferências do indivíduo” (p. 720). Por outro lado, Hemmer e Labro (2008) desenvolvem um modelo que integra as propriedades exógenas e observáveis do sistema de contabilidade financeira com o sistema de contabilidade gerencial, no qual os gerentes tomam decisões econômicas reais, utilizando como fundamento a introdução do SFAS 107, informação a valor justo.

Ademais, Albu, Albu, Faff & Hodgson (2011) identificaram nos anos 2007, 2008 e 2009, em uma população de 300 anúncios de contratação de profissionais da área contábil na Romênia, a tendência à contabilidade híbrida. Historicamente, conforme os autores, o processo contábil anterior apresentava-se dissociado (contabilidade gerencial e financeira). Contudo, houve alterações consideráveis, tendo em vista o resultado da pesquisa que identificou a busca por profissionais com habilidades voltadas para a contabilidade híbrida, (termo utilizado quando há dificuldade em se identificar as fronteiras entre a contabilidade gerencial e a contabilidade financeira). Soma-se a esse conceito o domínio na área de Sistemas (ERP/TI). Os autores constataram, ainda, aumento em 2008 e 2009 desse processo. Destacaram também a presença da procura por profissionais com competência em IFRS, mais fortemente, em 2007 e 2008. Entretanto, perceberam que se torna difícil não manter essa demanda crescente, em função da internacionalização. Adicionaram também, na perspectiva híbrida da contabilidade, a busca por profissionais com conhecimento na área de ERP/TI.

Quanto ao impacto dos padrões normativos em relação à decisão dos gestores, Allee, Maines e Wood (2008) esclarecem que há duas razões principais pelas quais os gerentes podem mudar suas decisões de negócio em resposta aos padrões de relatórios financeiros. A primeira diz respeito a avaliações de ações e a segunda refere-se à utilização de informações contábeis em contratos de empresas. Qualquer norma de relato financeiro que reduz o lucro líquido e aumenta a sua volatilidade, ou amplia a alavancagem financeira (passivo), tem um potencial para reduzir a percepção dos investidores sobre o valor do estoque. Portanto, os gerentes são responsáveis perante os acionistas (e também perante o conselho de administração), eles têm incentivos para mudar as decisões de negócios e mitigar potencias efeitos prejudiciais sobre os modelos de avaliações de ações. Porém, a ação dos gestores depende, em parte, de suas crenças sobre o impacto das mudanças nas normas contábeis, ou seja, se tais mudanças afetam ou não a percepção dos investidores na rentabilidade e no risco de suas empresas. De outra forma, são os contratos que oferecem incentivos para que os gestores se preocupem com o relatório financeiro. As informações financeiras desempenham um papel explícito em contratos de remuneração e contratos de dívida. Dessa maneira, qualquer norma de relato financeiro que reduz o lucro líquido resultará em consequências negativas pessoais para os gestores, a menos que os seus contratos de compensação sejam ajustados.

Sem a intenção de minimizar o aspecto comportamental, deve-se acrescentar que o nível de evidenciação das normas internacionais, quando respeitadas, permite reduzir a influência

comportamental sobre a gestão. Tal preocupação carece de maior evidência empírica, tornando-se um fértil campo para pesquisas acadêmicas.

2.4.2.1 Conceitos econômicos

Conforme antes delineado, a contabilidade objetiva, essencialmente, o suporte à tomada de decisão, seja no âmbito interno ou externo. Hendriksen e Van Breda (1999) criticam a ênfase ao processo contábil e à estrutura de relatórios convencionais, tendo em vista que termos contábeis, como lucro líquido e receita, e métodos de mensuração, como custo histórico, têm pouco ou nenhum significado em relação aos fenômenos do mundo real. Por sua vez, a percepção de um processo diferenciado da contabilidade passa pelo entendimento do que é lucro.

No cerne da visão do lucro e da escassez de recursos entre os agentes econômicos, encontra- se o conceito de custo de oportunidade na seleção e aplicação de recursos. Para Horngren, Foster e Datar (2000), o administrador, ao aplicar recurso de determinada forma, consequentemente deixou de empregá-lo de outro modo. Portanto, a oportunidade a que o gerente renunciou (perdida) é um custo que deve ser levado em conta na hora da decisão. Assim, o custo de oportunidade representa a contribuição máxima disponível para o lucro ao qual se renuncia por não se empregar um recurso limitado na sua melhor opção de uso (a opção descartada). A análise do custo de oportunidade nas decisões representa uma medida de desempenho, pois, ao se comparar o melhor meio alternativo no qual uma organização poderia ter empregado os seus recursos, caso não tivesse tomado a respectiva decisão, isso serve como meio de avaliar o quanto impactou ou deixou de impactar nos seus resultados. O conceito de valor justo pode ser considerado como recurso de análise em determinadas condições, na ótica do custo de oportunidade, como, por exemplo, em instrumentos financeiros. Ao se mensurar um título ao valor de mercado, pode ser interessante para a empresa mantê-lo ou disponibilizá-lo em função do seu melhor uso alternativo. De outro modo, pode também disponibilizá-lo em recursos para a produção com taxa de retorno superior à remuneração do título. Portanto, a empresa pode analisar suas receitas e custos de determinados produtos, de recurso limitado, pela própria alternativa de utilização em outros produtos, além da análise de custos de fabricação e retorno de máquinas e equipamentos (valor de uso ou venda).

Hendriksen e Van Breda (1999), utilizando-se dos conceitos de capital e lucro, pautados na obra de Irving Fisher, The Nature of Capital and Income (1906), explicam que capital é um estoque de riqueza num dado momento. Lucro é um fluxo de serviços por unidade de tempo. Esclarecem também que capital é a representação concreta de serviços futuros e que o lucro é o desfrute desses serviços num dado período. Argumenta-se, nesse sentido, que o lucro econômico é a quantia máxima que a empresa pode distribuir como dividendos e ainda continuar tão bem ao final do período como estava no início (Solomons, 1961; Chang, 1962; Hendriksen & Van Breda, 1999). Na concepção de Guerreiro (1992):

Em termos econômicos, o lucro é visto como a quantia máxima que a firma pode distribuir como dividendos e ainda continuar tão bem ao final do período como estava no começo. Continuar tão bem, economicamente falando, é interpretado como manter o capital intacto em termos do valor descontado do fluxo de recebimentos líquidos futuros. O lucro econômico é gerado, portanto, assim que exista um aumento no patrimônio líquido. Por outro lado, para mensurar o lucro como incremento do patrimônio líquido, é necessária a avaliação de todos os ativos da empresa com base nos recebimentos líquidos futuros esperados. O lucro é mensurado através do crescimento do patrimônio líquido originado pela manipulação dos ativos. Sob esse

prisma, os ativos de qualquer natureza são ‘recebíveis’ esperados para fluir para a empresa

período a período (p. 05).

Dessa forma, consequentemente, a contabilidade pode ser entendida como um conjunto de procedimentos estruturados que visam à formação do resultado na tomada de decisão, que, por sua vez, busca identificar, mensurar e informar o impacto das decisões.

Peasnell (1982) investigou a evidenciação do valor econômico da empresa e a geração de resultado econômico através da derivação dos números contábeis. Para tanto, fundamentou-se na abordagem neoclássica da economia para avaliação de ativos, utilizando uma previsão de fluxo futuro de benefícios de ativos nos lucros da organização, considerando também dividendos através de um horizonte planejado de tempo. Na definição de lucro contábil, considerou o all-incusive ou clean surplus (lucro limpo) incluindo todos os impactos gerados pelos recursos dos não proprietários. Os ativos são avaliados a custo corrente e seus benefícios futuros. Observou a capitalização de dividendos e a remuneração do capital próprio com base no custo ponderado de capital. Como se refere à determinação de um modelo, limitou-se a uma análise estática, sem previsões de mudanças de taxas posteriores. Assim, o autor atribuiu custo de oportunidade (taxas de remuneração do capital), custo corrente do ativo, fluxo de benefícios futuros do ativo, comparando a receita gerada pela contabilidade com a sua dimensão econômica. Defendeu que qualquer medida all-inclusive do lucro

(devidamente ajustado), considerando o seu valor econômico, possibilita uma análise do retorno dos ativos e, ainda, a avaliação das decisões de projetos selecionadas pela gestão, porém, com limitações.

Nesse processo, pressupõe-se que haja o conhecimento das variáveis envolvidas. No entanto, Simon (1959) direciona para a percepção limitada de conhecimento de todas as variáveis.

. . . quando a percepção e cognição intervém entre o tomador de decisão e seu ambiente objetivo, este modelo [da teoria neoclássica] não se demonstra adequado. Precisamos de uma descrição do processo de escolha que reconheça que as alternativas não são dadas, mas devem ser perseguidas; e uma descrição que leva em conta a árdua tarefa de determinar quais as consequências que se seguirão em cada uma das alternativas (p. 272).1

Ainda segundo o autor, a percepção de cognição entre o tomador de decisão e seu objetivo está longe de ser adequada, pois envolve o processo de escolha da alternativa. Esclarece também que a informação do decisor sobre seu ambiente é muito menor que uma aproximação ao mundo real. Assim, a racionalidade limitada é vista como uma categoria residual, ou seja, falta a onisciência, constituindo-se em uma falha no conhecimento de alternativas, incertezas a respeito de eventos exógenos e inabilidade de mensuração (Simon, 1979). A racionalidade limitada estuda como as pessoas tomam decisões na prática, em situações nas quais exista complexidade, conflito de valores individuais, informações incompletas, inadequação do conhecimento, inconsistência nas preferências e nos comportamentos dos tomadores de decisão (Freitas, Macadar & Moscarola, 1996).

Decisões de orçamento de capital envolvem informações financeiras, não financeiras e ainda ambiguidade na tomada de decisão por parte do viés do gestor (Ho, Keller & Keltyka, 2005). Em extensão ao fator de padronização da contabilidade financeira e fator gerencial no campo da descentralização por unidade de negócio (Indjejikian & Matejka, 2012), observa-se que as características e atribuições dos gestores na unidade de negócio podem afetar o nível de extensão de descentralização do sistema contábil. Em relação ao tomador de decisão, é importante compreender como ocorre a percepção da informação, como ela é disponibilizada e como o tomador escolhe usá-la (Brian, 2011). Diante do objetivo da contabilidade, da

1“(…) when perception and cognition intervene between the decision-maker and his objective environment, this model [The [neo] classical theory] no longer proves adequate. We need a description of the choice process that recognizes that alternatives are not given but must be sought; and a description that takes into account the arduous task of determining what consequences will follow on each alternatives”.

perspectiva de mensuração e da teoria da racionalidade limitada, encontra-se a dualidade da contabilidade financeira e gerencial. Hoop e Leite (1988) utilizando-se dos argumentos de Johnson e Kaplan (1987), do Relevance Lost, enfatizaram a necessidade de reflexão em torno da mensuração contábil do lucro e do seu significado.

Na perspectiva da mensuração econômica, com foco na controladoria, foram desenvolvidas pesquisas denominadas de Modelo de Gestão Econômica, GECON, idealizadas pelo Prof. Armando Catelli no início da década de 70. Essas pesquisas foram desenvolvidas no Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP e, diante das contribuições geradas na área, tornou-se uma linha de pesquisa do programa de pós-graduação, denominada de Gestão Econômica (Catelli et al., 2001; Sales et al., 2011). Destacou-se, no levantamento da literatura nesta ótica, que a Gestão Econômica objetiva, com a integração de abordagens básicas da Mensuração, da Informação e da Decisão, detalhar, explicar e direcionar a solução de problemas nas diversas áreas do campo gerencial das organizações (Catelli, 2001). Estrutura- se com base em integração sistêmica que envolve um arcabouço teórico, dentre eles, o Modelo de Gestão, Modelo de Informação, Modelo de Decisão e Modelo de Mensuração.

Assim, ao longo do tempo, a informação contábil financeira, precipuamente no Brasil, conforme lei 6.404/76 e resolução do CFC contabilidade, 29/86, possuía o seu escopo pautado na objetividade, cultuando o valor histórico (Iudícibus, 2010; Iudícibus & Martins, 2010). Embora com as IFRS haja uma percepção de que a informação financeira avançou no uso do conceito do valor econômico, tornando-se mais relevante para a decisão na vertente da contabilidade financeira e gerencial (Barlev & Haddad, 2003), há pesquisas que sugerem resultados inconclusivos na capacidade do lucro contábil em refletir oportunamente o resultado econômico (Cordazzo, 2013; Alves & Martinez, 2014).