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2 A NOVA YORK DE KOOLHAAS

2.2 Coney Island, o laboratório

[...] Coney Island é a incubadora dos temas incipientes e da mitologia infante de Manhattan. As estratégias e os mecanismos que moldarão Manhattan são testados no laboratório de Coney Island antes de transpostos para a ilha maior. Coney Island é uma Manhattan embrionária.33

O relato sobre a ilha começa de maneira similar à feita anteriormente com Manhattan. Assim vamos conhecendo a história desse “apêndice clitoriano de Nova

York”34 (Fig. 38), que adota várias nomes até o que remete a konijnem (coelhos em

holandês, visto a enorme quantidade deles), cuja forma atual é desenhada após a criação, em 1790, de uma canal que separa a península do continente (Fig. 2.7).

29 KOOLHAAS, Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p.53.

30 GARGIANI, Roberto, Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p.63-64.

31 MONEO, Rafael. Inquietação Teórica e Estratégia Projetual na obra de oito arquitetos contemporâneos. Editora Cosac Naify, 2008, p.287.

32 WISNIK, Guilherme, LUPINACCI, Heloísa. Coney Island e o Divertimento Irresponsável. Revista Serrote, Nº 4, 2010.

33 KOOLHAAS, Rem. Op. cit., p.49.

51 Para que Coney Island pudesse assumir seu papel de destino dos moradores de Manhattan à procura de lazer (ou prazer) era preciso meios, ou acessos para isso. Permitir o fluxo de visitantes, mas também limitar/controlar a quantidade deles. É notável que Koolhaas, ao descrever isso, nomeie esses visitantes como “prisioneiros

urbanos”,35 claramente, remetendo ao projeto teórico Exodus, or the Voluntary

Prisioners of the Architecture. Sendo assim, a começar por 1823 com a primeira

ligação entre a ilha e continente feita pela Coney Island Company, passando pela primeira ferrovia a desembocar na orla em 1865 e culminando com a ponte do Brooklin em 1883, está propiciado o meio para que as massas de Manhattan cheguem às praias de Coney Island36 (Fig. 2.8 e 2.9). Koolhaas sentencia: “a praia de Coney Island

torna-se o lugar de maior densidade demográfica do mundo”.37

35 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 51.

36 STANTON, Jeffrey. Development os Rail and Steamboat Lines to Coney Island, 1998. Disponível em https://www.westland.net/coneyisland/articles/transportation.htm, acessado em 01/06/2019.

37 KOOLHAAS, Rem. op. cit. p. 54.

Figura 2.7 - Coney Island na entrada do Porto de Nova York (o “apêndice clitoriano da cidade). Fonte: KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p.51.

Figura 2.8 - Coney Island já na sua configuração atual e suas rotas de acesso, no final do século XIX. Fonte: KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p.48.

Figura 2.9 - Chegada dos “prisioneiros urbanos” à Coney Island. Fonte: KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan,

Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 91.

Figura 2.10 - Praias de Coney Island durante o dia, 1900. Fonte: WORTHPOINT, disponível em <https://www.worthpoint.com/worthopedia/manhat tan-beach-1800s-electric-night-1877451881>, acessado em 10/08/2019.

como extensão da imaginação humana, e construção do já citado “Sintético Irresistível”,do artificial.42

Sendo assim, a tecnologia que importa a Koolhaas é limitada ao coincidente

com sua bagagem cultural e ao Surrealismo. Assim afirma Gargiani,43 enquanto

ressalta que isso é admitido por Koolhaas em 1995 em trecho de S, M, X, XL, quando

escreve: “a presença da técnica em Nova York Delirante é seletiva: o livro identifica o

elevador, aço, ar condicionado como uma ‘Tecnologia do Fantástico’”.44

É na descrição detalhada dos parques de diversão que Koolhaas se atém mais,

com uma atenção tão maníaca quanto a que Dalí dispensou ao investigar Angelus de

Millet (investigação que, além de várias reinterpretações do quadro, tem como

resultado o ensaio El Mito Trágico del “Angelus” de Millet, de 1963). Ele disseca, em

detalhes, o funcionamento das atrações assim como as emoções provocadas nos visitantes, deixando claro que para Koolhaas o programa é a base do processo criativo da arquitetura. “O programa não como uma mera lista de funções, mas um autêntico roteiro” 45 onde se pressupõe ação.46

Koolhaas nos apresenta três parques (Fig. 2.12): Steeplechase (1897), o Luna Park (1903) e o Dreamland (1904).

42 GARGIANI, Roberto. Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p. 64.

43Ibidem.

44 KOOLHAAS, Rem, MAU. S, M, X, XL, Nova York: Ed. Monacelli Press, 1995, p. 665.

45 GARGIANI, Roberto, op. cit., p. 64.

46 MONEO, Rafael. Inquietação Teórica e Estratégia Projetual na obra de oito arquitetos contemporâneos. Editora Cosac Naify, 2008, p.288.

Figura 2.12 - Vista aérea da zona central de Coney Island, 1906. Steeplechase à esquerda, Luna Park no centro e Dreamland à direita. Fonte: KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 85.

55 O primeiro, como indica o nome, surge como uma pista de corrida de cavalos com obstáculos, mas com cavalos mecânicos que funcionam 24h/dia e podem ser montados por qualquer pessoa (Fig. 2.13). O “Sintético Irresistível” funciona aqui também e a atração que atravessa grande parte da ilha, mesmo à noite, logo se torna sucesso.

“Se Paris é a França, Coney Island, entre junho e setembro é o mundo,”47 diz

George Tilyou, o criador de Steeplechase, resumindo o que acontecia na ilha à época. É dele a ideia de murar a pista de corrida de cavalos somada a outras atrações criando acessos estratégicos e, portanto, o conceito de parque de diversões.

A atração que mais interessa a Koolhaas é a Tonéis do Amor (Fig. 2.14) que

ele chama de “instalação antidistanciamento”48: dois cilindros dispostos

horizontalmente frente a frente, girando lentamente em sentidos opostos, por um entram as mulheres, por outro os homens. Como é impossível se manter em pé, caem uns sobre os outros “forjando uma intimidade.”49

47 McCULLOUGH, Edo, Good Old Coney Island: A Sentimental Journey Into the Past, Fordham University Press, 2nd Edition, 2000.

48 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 57.

49 Ibidem, p. 56.

Figura 2.13 - A pista de cavalos mecânicos, em Steeplechase, 1893. Fonte: CONEY

ISLAND HISTORY PROJECT, disponível em

<http://www.coneyislandhistory.org/ask-mr-coney/riding-steeplechase>, acessado em 10/08/2019.

Wisnik e Lupinacci citam, em seu artigo50, essa atração seguida por outra -

Túneis do Amor, onde os casais recém-formados nos cilindros passeavam em

banquinhos no escuro -, como exemplo do que o pesquisador Norman M. Klein, em

sua novela sobre a visita de Freud à Coney Island, em 1909, chamou de obsessão

norte-americana por uma “estranheza e divertimento irresponsável.”51

Uma instalação de atrações em sequência, que força uma intimidade artificial entre estranhos. Exemplo maior do que Koolhaas chama de tecnologia para provocar fantasias e/ou emoções.

Como Steeplechase, seu concorrente que surge em 1903, o Luna Park é criado

por um profissional do entretenimento, Elmer Dundy, mas tendo como sócio o primeiro projetista profissional da ilha. Frederic Thompson, que abandonara a escola de arquitetura, acrescenta consciência projetual e rigor ao desenho do parque.

Se Tylou isola seu parque com um muro, Thompson vai além ao escolher um tema que engloba todo complexo, agora é um parque de outro mundo: da Lua.

O parque, com grande lago no centro, tem sua paisagem diferenciada da terrestre pelo que seria uma “arquitetura lunar” formada por uma floresta aleatória de

50 WISNIK, Guilherme, LUPINACCI, Heloísa. Coney Island e o Divertimento Irresponsável. Revista Serrote, Nº 4, 2010.

51 Cf. KLEIN, Norman M., Freud in Coney Island and Other Tales, Otis Books, 2006.

Figura 2.14 - Os Tonéis do Amor em Steeplechase. Koolhaas cita dois cilindros enquanto outros autores relatam apenas um, mas com o mesmo propósito: desequilibrar e provocar “intimidade” entre homens e mulheres que caem uns sobre os outros. Fonte: KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 57.

57 torres, minaretes e cúpulas. As “agulhas” que, a cada ano, aumentam de número (chegando a 1.221 depois de três anos).52

Thompson cria, com seu Luna Park (Fig. 2.15), uma resposta ao estilo Belas Artes que abomina (motivo de sua desistência da escola de arquitetura). Koolhaas nos relata em seu livro a declaração do projetista de Luna Park em 1903:

[...] construí o Luna Park sobre um projeto arquitetônico definido […] eliminei todas as formas clássicas convencionais de sua estrutura e tomei como modelo uma espécie de estilo livre renascentista e oriental, usando espirais e minaretes onde podia […] É maravilhoso o que você consegue fazer no sentido de despertar emoções humanas com o uso arquitetônico que se pode dar a linhas simples53

A geração de emoções, que tanto interessa a Koolhaas, é agora criada pela

primeira “cidade das torres” sem função alguma (quase todas suas agulhas são

estreitas demais, sem espaço para qualquer função em seu interior) a não ser se distanciar de uma realidade de paisagem terrena e ampliar/estimular a imaginação.

Se antes o surgimento da eletricidade tinha propiciado o “banho elétrico”, agora Thompson a usa para criar a “cidade elétrica”, ou cidade da noite (Fig. 2.16), onde

suas torres são interligadas por fios e lâmpadas, criando um skyline mais

impressionante que o da luz do dia (Fig. 2.17). Seguindo seu método de análise, Koolhaas enxerga isso como uma decisão consciente de Thompson, gerando duas

52 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 63.

53 Ibidem p. 62.

Figura 2.15 - Luna Park, vista interna, 1905. Fonte: KNOWOL, disponível em <https://www.knowol.com/information/new-york/coney-islands-luna-park/>, acessado em 18/10/2019.

cidades, sendo a noturna “um instrumento ainda mais poderoso para a realização da fantasia.”54

A Koolhaas interessa, em sua narrativa cronológica dos parques, uma evolução na produção de emoções ou do fantástico. Afinal, ele quer demonstrar que o que Gorelik chamou de “laboratório da cultura de massas no qual se inventam mundos artificiais dos mais ousados e se experimenta com as arquiteturas engenhosas para

contê-los”55 segue um processo de aperfeiçoamento, a ser depois transposto e

continuado em Manhattan. Las Vegas e os parques da Disney serão mais tarde também herdeiras desse laboratório fantástico.56

54 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 63.

55 GORELIK, Adrián. “Arquitetura e Capitalismo: os usos de Nova York”. Introdução de Nova York Delirante. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p.14.

56 WISNIK, Guilherme, LUPINACCI, Heloísa. Coney Island e o Divertimento Irresponsável. Revista Serrote, Nº 4, 2010.

Figura 2.16 - Luna Park à noite, 1903. Fonte: FINE ART AMERICA, disponível <https://fineartamerica.com/featured/lun a-park--coney-island--new-york-at-night--c-1903-international-images.html>, acessado em 10/08/2019.

Figura 2.17 - Luna Park de dia, 1903. Fonte: CONEY ISLAND HISTORY, disponível em <https://www.heartofconeyisland.com/luna-park-coney-island.html>, acessado em 10/08/2019.

59

Em Luna Park ele enxerga esse avanço em brinquedos como o Tango que

“converteria o provincianismo das massas em cosmopolitismo”.57 Ao não só imitar uma experiência isolada (o cavalo de Steeplechase), a máquina onde pessoas deitam confortavelmente, reproduz os movimentos da dança e provocaria uma experiência pedagógica (ironicamente chamado de passeio pela selva tropical) e um duvidoso benefício médico.

O maior de todos os parques seria criado pelo Senador William H. Reynolds,

um politico e incorporador imobiliário. Após o profissional do entretenimento (Tylou) e arquiteto (Thompson) o político profissional é que trará o avanço ao terceiro, maior e

último parque:um local de diversão capaz de atrair todas as classes sociais, não só o

proletariado.58

Luna Park já era um estrondoso sucesso (o empreendimento se pagou em sete semanas) e Reynolds enxerga o enorme potencial de se investir em Coney Island.

Sua estratégia era simples. Todas as atrações que sabidamente tinham caído no gosto dos visitantes do Luna Park ele repetiria, fazendo-as maiores/melhores: torre mais alta (115m x 61m), mais lâmpadas (1 milhão x 250 mil), submarino para competir

com 20.000 léguas submarinas, etc., embora numa área menor. 59 O gigantismo do

parque pode ser mensurado pelo seu contrato de fornecimento elétrico, não só era maior que o de toda Coney Island no ano anterior (incluindo Luna Park), mas também

o maior cliente único dos Estados Unidos e, talvez, do mundo.60

Koolhaas ao dissecar o parque e nos apresentar, minuciosamente, suas atrações dá impressão que várias delas passam a existir apenas em Dreamland. Duas, em especial, pela enorme impressão que causam a ele, acreditamos

interessante observar que já existiam no Luna Park: o Fogo e Chamas (agora

Combatendo o Fogo) e o Edifício da Incubadora. Este último não só já tinha sido

implantado antes em Luna Park como pelo mesmo médico que Koolhaas cita como

responsável em Dreamland, Dr. Martin Arthur Couney.61

57 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 63.

58History of Coney Island, New York, Burroughs & Co., 1904, p.10.

59 Artigo Coney Island History: The Story of William Reynolds and Dreamland disponível em https://www.heartofconeyisland.com/dreamland-coney-island.html acessado em 01/07/2019.

60 Ibidem.

61 Artigo How a Coney Island sideshow advanced medicine for premature babies, disponível em https://www.pbs.org/newshour/health/coney-island-sideshow-advanced-medicine-premature-babies acessado em 01/07/2019.

LEGENDA

1.Cais de aço (800 metros oceano a dentro, atende 60 mil pessoas);

2. O maior shoot-the-chutes, 2 barcos, escada rolante com capacidade de 7 mil pessoas/hora, lago interligado ao oceano; 3. Salão de baile com 2.322 m2;

4. Liliputia, A Cidade dos Anões;

5. Queda de Pompéia, a primeira catástrofe simulada;

6. Submarino, simulação de um passeio submerso;

7. Edifício da Incubadora, hospital real com bebês prematuros reais;

8. Fim do Mundo, outra catástrofe; 9. Circo;

10. Abóbada da Criação, a representação da criação da Terra;

11. Voo sobre Manhattan, outra simulação; 12. Canais de Veneza, maquete da cidade italiana com seus canais, gôndolas e palácios;

13. De Trenó pela Suíça, a réplica aqui é das montanhas e cumes nevados contando, inclusive, com sistema de refrigeração;

14. Combatendo as chamas, nessa catástrofe prédios cenários são "incendiados” todos os dias, atores em seus andares são salvos dramaticamente por bombeiros treinados;

15. Casa de Chá Japonesa / Dirigível Nº 9 de Santos Dumont.

16. Ferrovia Pula-Sela, simulação de um quase acidente de trens;

17.Torre Beacon

Em Combatendo o Fogo, (Fig. 2.19) os visitantes sentados em plateias

assistem a um repentino incêndio de um hotel: uma das fachadas cenográficas, em escala 1:1, que faziam parte do show ocupadas por atores no papel de hóspedes. Centenas de bombeiros treinados, com seus carros com bombas d’água e mangueiras, escadas magirus, ambulâncias, lutam para resgatar os ocupantes do Figura 2.18 - Implantação geral, Dreamland. Fonte: KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 69.

61 hotel e conter o fogo. Tendo como ator principal um quarteirão da cidade, é a encenação de uma catástrofe possível nas metrópoles que surgiam, assim como a

capacidade de combatê-la e/ou preveni-la.62

Embora Koolhaas atribua a Reynolds a disposição das instalações rodeando uma lagoa, a circulação contínua, plana ou inclinada entre elas (sem degraus, soleira, etc.), a escolha do branco como cor predominante e o domínio das tecnologias a serem usadas para produzir as fantasias e emoções63, existiu um escritório de arquitetura responsável por essas e outras decisões: Kirby, Petit & Green.

É de John Petit a ideia do formato de ferradura do parque com suas atrações dispostas em três lados dele, no quarto estaria a Torre Beacon, criando um enorme

promenade por onde poderiam caminhar 250.00 pessoas. É ele também que projeta

os edifícios que abrigam as atrações que simulam viagens ou países estrangeiros,

replicando palácios estrangeiros ou famosas paisagens.64De Trenó Para Suíça é um

62 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 81.

63 Ibidem, p. 68 e 79.

64 Artigo Coney Island History: The Story of William Reynolds and Dreamland disponível em https://www.heartofconeyisland.com/dreamland-coney-island.html acessado em 01/07/2019.

Figura 2.19 - Encenação de Combatendo as Chamas, 1905. Fonte: REDDIT, disponível em <https://www.reddit.com/r/HistoryPorn/comments/1j3ote/fighting_the_flames_a_dreamland_stunt_spe ctacular/>, acessado em 10/08/2019.

desses edifícios onde demonstra o domínio, e uso, da tecnologia para recriar o frio ambiente dos Alpes Suíços.

Se até aqui a tecnologia era usada para produzir emoções e/ou o fantástico, no

Edifício da Incubadora (Fig. 2.20 e 2.21)seria aplicada para salvar vidas, mas ainda

um espetáculo. Em um prédio/hospital que conta com instalações e incubadoras superiores às outras da época, os visitantes passeavam por ambientes que abrigavam alguns dos prematuros da Grande Nova York. A ciência como atração não era algo

novo, vide as já citadas Feiras Internacionais ou mesmo em Dreamland com o Dirigível

Nº9 de Santos Dumont (que competia, intencionalmente, com a simulação de voo

sobre Manhattan). Mas aqui se lidava explicitamente com a questão de vida e morte.65

Algo que Koolhaas entende ser possível só em Coney Island, a sua “Manhattan prematura.”66

O termo divertimento irresponsável 67 usado por Wisnik e Lupinacci atinge um

novo patamar ao falarmos de Liliputia, a Cidade dos Anões (Fig. 2.22). O que

Koolhaas chama de “laboratório de Dreamland [...] uma comunidade experimental

65 Cf. Artigo How a Coney Island sideshow advanced medicine for premature babies, disponível em https://www.pbs.org/newshour/health/coney-island-sideshow-advanced-medicine-premature-babies acessado em 01/07/2019.

66 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 75.

67 WISNIK, Guilherme, LUPINACCI, Heloísa. Coney Island e o Divertimento Irresponsável. Revista Serrote, Nº 4, 2010.

Figura 2.20 - Edifício da Incubadora à esquerda, 1904. Fonte: BURGES, Anika, When Infants in Incubators Were a Sideshow Attraction, disponível em <https://www.atlasobscura.com/a rticles/infant-incubator-coney-island>, acessado em 10/08/2019. Figura 2.21 - Linha de incubadoras com prematuros para “exibição”, 1904. Fonte: PLUMEN, disponível em <https://plumen.com/blog/2017/0 7/19/difference-between- incandescent-and-led/baby-incubator-1904/>, acessado em 10/08/2019.

63 permanente”68 é uma minicidade dentro de outra, com equipamentos, instituições como polícia e bombeiros próprios, leis e moral específicas (o que era usado para atrair visitantes) e em escala compatível com seus pequenos moradores.

Ali a “promiscuidade, homossexualidade, ninfomania e outras perversões

morais eram exibidas, encorajadas e premiadas com títulos de nobreza.”69 Os anões

de Liliputia nos lembram que Coney Island também havia se tornado o destino final

dos seres bizarros que se apresentavam nas feiras70 e que, como já sabemos, Koolhaas chama de aberrações.

A Torre Beacon (Fig. 2.23) é a última atração a ser descrita e, com seus 115m,

atinge o que Koolhaas chama de “instrumento definitivo da sistemática detonação do

mundo externo, que é verdadeira missão de Dreamland”.71 Ao ser equipada com

holofotes extremamente potentes, engana alguns dos barcos guiados pelo farol, de luz similar, em Norton’s Point. Essa confusão entre o real e o falso (o “Sintético Irresistível”), e suas consequências, é o que interessa a Koolhaas desde o princípio.

Para marcar o próximo passo no laboratório de Coney Island, Koolhaas volta a

imagem do “Globo e a Agulha”, que representariam os opostos formais da Ilha desde

a Feira Mundial de 1853.

68 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 72.

69 Ibidem p. 73.

70 WISNIK, Guilherme, LUPINACCI, Heloísa. Op. Cit.

71 KOOLHAAS, Rem. Op. cit., p. 84.

Figura 2.22 - Liliputia, a Cidade dos Anões, 1905. Fonte: CONEY ISLAND HSITORY PROJECT, disponível em <http://www.coneyislandhistory.org/collection/page-26-bottom-midget-railway-dreamland>, acessado em 10/08/2019.

A Torre do Globo, a ser implantada junto ao Steeplechase, uniria na mesma

Gestalt as figuras distintas72, criando “a maior estrutura de aço já construída.”73

O projeto visto como um protótipo do arranha-céus, uma síntese entre as duas

figuras simbólicas na sua origem, tem números espetaculares.74

Na sua primeiro versão (Fig. 2.24) já se nota o gigantismo do empreendimento proposto pelo Arquiteto Samuel Friede, que fica mais claro na segunda proposta (Fig. 2.25) : 213m de altura, população de 50 mil pessoas por vez, a cada 15m uma estação com atração principal e acessórias (restaurantes, teatros, rinque de patinação, pista de boliche, hipódromo, circo, salão de bailes, jardins elevados, hotéis). Cada atração sendo sempre a maior do mundo em sua especificidade. Koolhaas já observa característica que será levada adiante, que seja a disposição horizontal das estações

correspondente a uma divisão social: quanto mais alto, mais elegante.75

72 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 93.

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