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2 A NOVA YORK DE KOOLHAAS

3.2 Trajetória

Daqui em diante passamos a apresentar a obra do OMA até o ano 2002, em ordem cronológica. Nessa trajetória (termo que, como veremos, é caro a Koolhaas e usado em vários projetos) abrangeremos grande parte dos projetos produzidos pelo escritório do período, sejam construídos ou não, objeto de concursos ou contratação direta. Nossa intenção, nesse percurso é identificar, a aplicação e/ou amadurecimento de conceitos antes teóricos. Entre esses projetos, quinze foram destacados e serão

62 BEKAERT, Geert, The Odissey of an Enlightened Entrepeneur, wonen-TA/BK13-14, 1982, p.50-57.

analisados, de forma mais detalhada no capítulo 4. Separamos em dois períodos: o primeiro entre os anos 1980 a 1990, e o segundo entre os 1991 a 2002, com o único objetivo de facilitar a leitura.

3.2.1 1980-1990 / da arquitetura de papel à primeira dose de grandeza

OMA, agora em continente Europeu, é recebido pelos críticos de vários países do continente, com generosidade. Entendem Koolhaas/OMA como instrumento de necessário, e desejado, choque na “egocêntrica, conformista e depressiva arquitetura [...] e estão gratos pelas oportunidades oferecidas, para que a arquitetura

sobrevivesse como um estimulante, surpreendente e relevante disciplina.”64

Gerrewey nos descreve essa recepção ao OMA ao mesmo tempo que nos lembra, ou ressalta, que isso ocorre após os difíceis anos 1970s na Europa, com suas várias crises (política, econômica, cultural), representados na Teoria da Arquitetura, como já vimos, pelos textos pessimistas de Tafuri.

Posto esse cenário, surgem comentários como “A ideia tradicional de arquitetura desapareceu”65 feita pela teórica francesa Françoise Choay, e até uma dramática frase de Bekaert, “a esperança voltou”.66

Ainda nesse contexto, e graças à uma intervenção de Kenneth Frampton (que inicialmente participou da organização do evento, mas se retirou por discordar da

abordagem pós-moderna adotada),67 o OMA é convidado para a Primeira Bienal de

Arquitetura de Veneza nomeada “A Presença do Passado.” A participação do

escritório, na Strada Novissima (Fig. 3.15),68reforça a ideia, ou desejo, de que o OMA

fosse uma opção ao status quo da arquitetura então, “claro sinal de como o trabalho

do OMA foi recebido pelos críticos, não só como um acerto de contas com os anos 1970s, mas também uma alternativa para o crescente papel dominante do

Pós-modernismo dos 1980s.”69

64 GERREWEY, Van Christophe, Oma/Rem Koolhaas: a critical reader, EPFL Press, 2019, p. 63.

65 CHOAY, François, The Traditional Idea of Architecture Has Vanished: La Villete Park Competition,

The Princeton Journal: Thematic Studies in Architecture: Land-scape 2, 1985, p. 211-214.

66 BEKAERT, Geert, The Odissey of na Enlightened Entrepeneur, wonen-TA/BK13-14, 1982, p.50.

67 GARGIANI, Roberto, Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p. 85.

68 O nome nasce da Strada Nouva di Genova. O Novo de Genova servirá de modelo, ao curador Paolo Portoghesi, para a Novíssima de Veneza.

69 Cf. SZACKA, Léa-Catherine, Exhibiting the Postmodern: 1980 Venice Architecture Biennale, Marsilio, 2016, p. 153-154.

Isso fica claro ao vermos o pavilhão do OMA (Fig. 3.16) junto aos outros 19 convidados da “rua”. O projeto com a sua “não-fachada” (termo usado por Koolhaas: “nós sempre tivemos dificuldade de desenhar fachadas. Este projeto nos confrontou

com esse problema. Acabamos fazendo uma não-fachada ou anti-fachada”)70, se

destaca claramente dos outros (que, em grupo, formam um manifesto

anti-modernista) e, somado ao texto escrito por Koolhaas, Our New Sobriety, é uma defesa

apaixonada do funcionalismo, além de forte crítica à crescente disseminação internacional dos preceitos do movimento Pós-moderno.

Podemos resumir a instalação/não-fachada do OMA como sendo uma tela azul clara, atravessando-a um poste (seção quadrada) vermelho instalado inclinado, neste é fixado um luminoso, em neon vermelho, com o nome do escritório. A ponta da tela, levantada em um canto, configura a entrada do pavilhão que pode ser entendido como um grande monumento da guerra de atrito, de Koolhaas, com a forma arquitetônica [...] atrás da tela, protegida da rua pós-moderna, a arquitetura real dos projetos apresentados na Bienal estava em exibição, numa típica demonstração da humilde arrogância Koolhaasiana.”71

Dando sequência ao processo de amadurecimento, da transição dos projetos conceituais para os realistas, o passo seguinte natural seria construir (e o projeto para o Parlamento Holandês é um sinal claro dessa nova disposição ou fase). No mesmo

ano da participação na Bienal de Veneza (1980) Koolhaas já dizia “Adeus, papel!”72,

o que já demonstrava um certo desconforto com a pecha de “arquitetura de papel” que se fixava ao OMA que, até então, nada tinha construído.

“o tempo da arquitetura de papel é passado” diz Elia Zenghelis, metade da face visível do OMA [...] que decidiu abandonar a segurança da academia, sujar as botas e realmente construir algo. Mas antes de fazerem isso, nos oferecem uma exibição na AA.73

A frase de Elia Zenghelis, contada acima em tom jocoso por Sudjic, confirma esse incômodo e a óbvia conclusão da necessidade de concretizar o que vinham

70 Cf. SZACKA, Léa-Catherine, Translucent Oppositions, OMA proposal for the 1980 Architecture Biennale, OASE, 94, 2015, disponível em (acessado em 10/03/2020): https://www.oasejournal.nl/en/Issues/94/TranslucentOppositions

71 BEKAERT, Geert, The Odissey of na Enlightened Entrepeneur, wonen-TA/BK13-14, 1982, p.50-57

72 GERREWEY, Van Christophe, Oma/Rem Koolhaas: a critical reader, EPFL Press, 2019, p. 123.

Se no projeto para o Parlamento Holandês é aplicada a ideia de “extrusão”,

agora OMA aplicará outro conceito também formulado em Nova York Delirante. O

programa do concurso, com sua alta densidade de equipamentos para cultura e recreação (segundo Choay, que fez parte do júri: um programa super inflado, com

excesso de restrições e contraditório)76, é oportunidade perfeita para experimentos

com a “Cultura da Congestão”.77 Evitando soluções de projeto típicas para desenhos

de parques e jardins, o projeto propõe “camadas” distribuídas por toda área do parque.

A primeira camada (The strips) é composta por longas faixas (ou fitas) paralelas, com

50 metros de largura, caracterizadas apenas pelo tipo de pavimento e/ou plantas. Um

grid de Manhattan revisitado. Na segunda (Point grids, or confetti) equipamentos como

quiosques, áreas para picnic, quadras esportivas, pontos de venda. A terceira camada

(Access and circulation) como o próprio nome diz, é a que se refere às circulações:

uma retilínea cortando o parque e perpendicular às faixas, chamada Mall (tem o papel

de uma “avenida metropolitana” sempre iluminada, mesmo com parque fechado), e uma outra Promenade, que serpenteia pelo parque com segmentos de diferentes

tamanhos e aclives/declives. Como nos parques de Coney Island, ambos os tipos de

circulação são supridos por atrações por toda sua extensão. A última camada (the

final layer) abriga os grandes objetos/elementos, alguns desenhados pelo OMA

(esses sempre em formas geométricas puras) e outros já existentes.

A usual experiência de domínio visual do parque, através de eixos de perspectivas, é apagada pela sucessão de faixas e camadas, o que causa uma “congestão horizontal”. O visitante se encontra à deriva constantemente [...]. Assim o projeto alcança o objetivo de Koolhaas: uma invisível arquitetura metropolitana, um palco para a vida, de uma multidão que flutua no vazio.78

Gargiani, autor da citação acima, ao analisar esse projeto resume que OMA procura alcançar uma “construção desmaterializada”, reduzida apenas ao programa,

um construtivista “condensador social, do tamanho do parque”79 - a mesma definição

usada por Koolhaas para o Downtown Athletic Club em Nova York Delirante. A citação

76 CHOAY, Françoise. The Traditional Idea of Architecture Has Vanished, The Princeton Journal: Thematic Studies in Architecture, Landsacpe 2, 1985, p. 211-214.

77 GARGIANI, Roberto, Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p. 104.

78 Ibidem.

79 KOOLHAAS, Rem. Projets & Réalisations, Concours International pour le Parceria de la Villette,

129 não é gratuita, já que, ao explicar o uso do sistema de faixas (na primeira camada), Koolhaas “agora treinado pelo método crítico-paranoico, o que lhe permite apontar similaridades surpreendentes entre o desenho das faixas na superfície do parque e

os pisos de um arranha-céus desenhados em um corte”.80 Os críticos chamarão de

uma transposição do corte do Downtown Athletic Club para o piso do parque, algo

confirmado pelo próprio Koolhaas em declaração de 1985:

Se a essência de Nova York Delirante era o corte do Downtown Athletic Club – um turbulento empilhamento de vida metropolitana em constante mudança – [...] La Villette poderia ser mais radical, suprimindo o aspecto tridimensional quase completamente e propondo, em vez disso, um programa puro, indiferente a qualquer confinamento [...] O que La Villette sugeria era uma exploração da condição metropolitana: densidade sem arquitetura, a cultura de uma congestão ‘invisível’.81

Enquanto Moneo vê nessa ideia (o projeto como sendo um programa virtual de atividades) um marco que reforçará a presença de Koolhaas na Europa,82 Choay lamenta a decisão pela não escolha do projeto do OMA para La Villette (com a diferença que ela fez parte do júri do concurso): “A resposta de Koolhaas não é servil nem enganadora, simplista ou fantástica; é casual, humorística, complexa, realista e realmente inovadora. O veredicto do júri foi inspirado por medo.”83

Ao nosso trabalho interessa também notar a permanência, ainda, de conceitos

desenvolvidos em Nova York Delirante, em oportunidade rara, dada pelas

características do concurso, de aplicá-los. Mesmo frente ao amadurecimento claro do trabalho do grupo; que buscava, como já vimos, uma chance para finalmente construir (até por isso, a proposta era uma das mais realistas quanto à disponibilidade de verba pública e permitia, inclusive, execução em etapas).

80 GARGIANI, Roberto, Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p. 105.

81 KOOLHAAS, Rem. Exposition Universelle, zone ouest, L’architecture d’aujourd’hui, Nº 228, 1985, p. 48-52.

82 MONEO, Rafael. Inquietação Teórica e Estratégia Projetual na obra de oito arquitetos contemporâneos. Editora Cosac Naify, 2008. p. 297.

83 CHOAY, Françoise. The Traditional Idea of Architecture Has Vanished, The Princeton Journal: Thematic Studies in Architecture, Landsacpe 2, 1985, p. 211-214.

131 Seja por não serem grandes o suficiente, ou por não terem alcançado o

resultado esperado, duas realizações do OMA concluídas em 1987, um Posto Policial

em Almere (Fig. 3.19), e uma Estação de ônibus em Roterdã (Fig. 3.20), não foram

aceitas pela crítica especializada como um debut oficial.84 Se falamos em resultado

aquém do esperado, vale então ressaltar pelo menos uma voz dissonante sobre o projeto de Almere. Em texto de 1988, The Storyteller (que seria Koolhaas), uma

referência a ensaio de Walter Benjamin de 196885, que versa sobre capacidade de

arquitetura contar histórias, Bekaert diz ser esse projeto “uma das mais bonitas

contadas”86 pelo OMA, cuja simplicidade é desconcertante.87

84 GERREWEY, Van Christophe, Oma/Rem Koolhaas: a critical reader, EPFL Press, 2019, p. 124.

85 BENJAMIN, Walter. The Storyteller, Reflections on the Work of Nicolai Leskov, originalmente publicado em Illuminations, ed Hannah Arendt, em 1968 e depois em Select Writings, ed. Marcus Bullock e Michael W. Jennings, Harvard University Press, 2002, p. 162.

86 BEKAERT, Geert, The Storyteller, Office for Metropolitan Architecture, ed. Carolina De backer, Antwerp: deSingel, 1988, p. 3-5.

87 Ibidem.

Figura 3.19 – Posto Policial de Almere, 1987; à esquerda axonométrica. Fonte: GARGIANI, Roberto,

Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p. 115.

Figura 3.20 – Estação de ônibus e metrô, em Roterdã 1987. Fonte: GARGIANI, Roberto, Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p. 114.

Portanto, para a crítica, o batismo oficial do OMA/Koolhaas foi a construção do

Netherlands Dance Theater, conhecido comoNDT (Fig. 3.21), finalizada em setembro

de 1987. Era a prova que OMA poderia construir o que preconizava. O projeto estampou capas de diversas revistas especializadas entre 1985-1989. “A razão desta atenção era paradoxal: foi a estreia de um arquiteto que se tornara famoso por sua luta para ser levado a sério.”88

O NDT é um dos projetos que será analisado posteriormente no próximo

capítulo. Portanto, neste vamos nos ater ao seu processo de desenvolvimento e algumas particularidades e/ou curiosidades, princípio que será adotado nos outros projetos na mesma situação.

88 GERREWEY, Van Christophe, Oma/Rem Koolhaas: a critical reader, EPFL Press, 2019, p. 123. Figura 3.21 – NDT, vista externa. Os prismas rosa e preto (cortina de vidro) à esquerda não pertencem ao prédio, são elementos do edifício Dr. Anton Philips Zaal, desenhados por Dick Van Mourik Vermeulen. Os prédios, geminados, foram concluídos em 1987 e formavam, junto com um hotel, um único complexo. Fonte: OMA, disponível em <https://oma.eu/projects/netherlands-dance-theater>, acessado em 15/04/20.

133 Uma dessas circunstâncias é que Koolhaas apresentou o primeiro dos três desenhos (Fig. 3.22) do teatro para alguns de seus pares (há pelo menos mais um projeto onde fez o mesmo, o da Villa Dall’Ava). Essa apresentação foi feita na

Universidade de Virgínia, no final de 1982 e foi gravada e transcrita posteriormente.89

Dela participaram, além de Koolhaas, Rob Krier, César Pelli, Rafael Moneo, Robert Stern e Jaquelin Robertson. Esse evento pode, inicialmente, passar ideia de uma certa insegurança de Koolhaas que procuraria aprovação dos colegas. Isso não se confirma na leitura da transcrição, a sensação que fica é de ser uma reunião para demonstrar capacidade e/ou talento, ou ainda apenas discutir conceitos.

A história do projeto, que começa em 1980, é literalmente dramática ao envolver, além das três versões, lotes distintos, mudanças de programa, redução de verba, falta de pagamento e a morte do então colaborador de Koolhaas no projeto, Jan Voorberg.90 Koolhaas em seu livro S, M, X, XL faz uma cronologia91 dos fatos, e acontecimentos, durante todo o processo de projeto e obra.

89 Cf. Robertson, Jaquelin. A Blind Spot for Space, The Charlottesville Tapes, New York: Rizzoli, 1985, p. 178-187.

90 Jan Voorberg, arquiteto holandês assassinado, durante um assalto, no Rio de Janeiro enquanto visitava o Conjunto Habitacional Pedregulho (Affonso Reidy), em 1983. Estava na cidade de férias em comemoração à aprovação, por parte da prefeitura de Roterdã, dos desenhos do futuro NDT.

91 KOOLHAAS, Rem, MAU, S, M, L, XL Nova York: Ed. Monacelli Press, 1995, p. 330-333.

Figura 3.22 – NDT, versões anteriores: à esquerda desenho do primeiro projeto, 1980; à direita maquete do segundo projeto, 1982-1983. Fonte: GARGIANI, Roberto, Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p. 100.

No ano seguinte, 1985, começam os desenhos de um projeto acordado dois anos antes. Uma casa no subúrbio de Paris (a 5km do centro da cidade e 1km, no sentido oposto, da Villa Stein de Le Corbusier, construída em 1927), que ficará conhecida como Villa Dall’Ava (Fig. 3.27 e 3.28), nome da esposa de Dominique

Boudet94 que, após contatar diversos arquitetos à busca de uma “obra-prima”95 e/ou

um marco emblemático da arquitetura do século XX,96 contratará o OMA.

94 Crítico, editor e jornalista. Era membro do grupo editorial French Le Monituer, que em 1983 tinha adquirido o periódico sobre arquitetura Architecture Mouvement Continuité, que vinha publicando trabalhos de OMA/Koolhaas desde 1981.

95 KOOLHAAS, Rem, MAU, S, M, X, XL, Nova York: Ed. Monacelli Press, 1995, p. 134.

96 GARGIANI, Roberto, Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p. 135.

Figura 3.27 – Villa Dall’Ava, vista aérea, “pilotis” e piscina na cobertura. Fonte: OMA, disponível em <https://oma.eu/projects/villa-dall-ava>, acessado em 15/04/20.

Ainda em 1985 temos mais um concurso, e outro marco na trajetória do OMA. A competição para construção da Prefeitura de Haia (Fig. 3.29) dá a Koolhaas a

chance de desenhar o seu Rockefeller Center; e, portanto, “segue ao pé da letra a

lição aprendida na cidade os arranha-céus e que, com tanta paixão, nos mostrou em seu livro Nova York Delirante”.98

98 MONEO, Rafael. Inquietação Teórica e Estratégia Projetual na obra de oito arquitetos contemporâneos. Editora Cosac Naify, 2008. p. 298.

Figura 3.29 – Prefeitura de Haia, vistas da maquete final, 1986. Na imagem superior fica clara a proximidade com o NDT (então em construção). Fonte: OMA, disponível em <https://oma.eu/projects/city-hall-the-hague >, acessado em 15/04/20.

139 O concurso, objeto de intensa disputa, com as propostas dos cinco concorrentes99 exibidas durante dois meses, logo se resume a dois concorrentes: OMA (sem Elia Zenghelis, que abandona o grupo nesse ano) e Richard Meier.

A competição extrapola o meio arquitetônico e se torna motivo de apaixonados debates locais, inclusive pelas páginas de jornais que publicam várias opiniões e artigos. Entre eles, se destaca, pela sua fervorosa defesa do projeto apresentado por

Koolhaas, o artigo de Bekaert (A Chance de Uma Vida) que declarava ser a proposta

uma “rigorosa transfusão de sangue”100 na arquitetura contemporânea (o artigo,

espertamente, é impresso e fixado junto ao stand da proposta do OMA, na exposição

de projetos). O lobby pelo projeto de Koolhaas é grande e envolve até uma petição

assinada por vários arquitetos, incluindo Peter Eisenman que diz: “Simbolicamente, não é um monumento; é um edifício em ‘processo’ e este é o único simbolismo apropriado para o principal edifício de uma democracia social. [...] Deve ser

construído, e eu peço que seja escolhido como o vencedor..”101

O júri, liderado pelo arquiteto holandês Aldo van Eyck, parece concordar com Eisenman, Bekaert e outros. A proposta do OMA é escolhida como a melhor.

Mas não será deles o projeto a ser levado adiante. Frente à controvérsia, e dúvidas sobre o projeto vencedor (não será moderno demais? não parece mais com um prédio comercial do que com uma prefeitura?), o conselho municipal, com uma decisão de última hora do vereador Adri Duivesteijn,102 anulará a decisão do júri e contratará Richard Meier.103

Até aqui, quando falamos de concursos, adotamos a postura de não comentar projetos de outros concorrentes que não o OMA. Face a polêmica despertada neste, optamos por também apresentar o projeto escolhido para ser construído, o da equipe de Richard Meier (Fig. 3.30), cuja principal característica é o grande átrio.

99 Os concorrentes eram: Richard Meier, OMA, Van den Broek & Bakema, Helmut Jahn e Cabinet Saubot et Julien. Koolhaas, e sua equipe, só participaram porque equipe de James Stirling e Michael Wilford desistiram no meio das 16 semanas previstas para desenvolvimento das propostas.

100 BEKAERT, Geert, A Chance of a Lifetime, NRC Handelsblad, 22/01/1987.

101 Cf. MARULLO, Francesco, Delirious Equivalence: The Hague City Hall Competition (1986), OASE 94, 2015, p. 84-87.

102 Duivesteijn terá novamente papel importante em decisões que afetariam o OMA quando, em 1988, será diretor do recém estabelecido Netherlands Architecture Institute (NAI) e organizará concurso para sua sede.

141

Analisando os dois projetos, Peter Buchanan104 cita que a escolha por Meier

foi justificada como sendo “o projeto que seria mais rentável e mais responsivo ao

contexto.”105 A resposta contextual de Meier, ao sítio e/ou programa, resulta em dois

blocos baixos (em lâmina) ao longo das duas faces do conjunto proposto. Ao fim de cada um deles, os elementos escultóricos tão naturais aos projetos do arquiteto. Uma cobertura de vidro interliga esses blocos, configurando o grande átrio. O conjunto todo é branco, claro.

Já o OMA foge intencionalmente dessa contextualização do entorno, como já

fizera no Concurso para Extensão do Parlamento Holandês na mesma cidade. Agora

isso é reafirmado em uma abordagem que “é, ao todo, mais intensa e menos óbvia”106

que a adotada por Meier (Fig. 3.31, 3.32, 3.33 e 3.34).

104 Arquiteto, e crítico, mais conhecido pela sua série de ensaios The Big Rethink, publicado pela

Architectural Review.

105 BUCHANAN, Peter, Oma at the Hague, Architecture Review Nº 1804, 1987, p. 87-91.

106 ibidem.

Figura 3.31 – Projeto para Prefeitura de Haia, Perspectiva interna, 1986. Fonte: Hidden Architecture, disponível em http://hiddenarchitecture. net/city-hall-the-hague/>, acessado em 15/04/2020.

143 Já falamos que, segundo Moneo, Koolhaas, neste projeto, segue à risca as lições apreendidas em Manhattan. Aqui OMA transplanta características de seus

modelos preferidos de Nova York: Rockefeller Center, Waldorf Astoria e o Downtown

Athletic Club.

O resultado é um grande bloco, ocupando os 240 metros longitudinais do terreno, subdividido em três longas “tiras” horizontais de mesma largura e ensanduichadas. Nessas “tiras” os primeiros pavimentos abrigam funções variadas e acomodadas no grid estrutural. Nos pavimentos superiores cada uma delas desenvolve o seu próprio skyline, com diferentes alturas. “Cada faixa adquire seu próprio horizonte – uma imagem cenográfica das mais impressionantes dos tempos recentes.”107

107 BUCHANAN, Peter, Oma at the Hague, Architecture Review Nº 1804, 1987, p. 87-91. Figura 3.33 – Projeto para Prefeitura de Haia, Cortes, 1986. Fonte: GARGIANI, Roberto, Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p. 133.

O edifício é um contêiner ativado por vazios que estruturam e dão forma aos espaços interiores dos sólidos, não importa o uso que será dado a esses espaços. Há uma certa dialética entre essa construção do sólido [...] e a manipulação de um interior onde manifesta a liberdade que Koolhaas admirava em Nova York...108

Essa liberdade, que surge ao descolar o interior e exterior, nós já vimos em

Nova York Delirante, com o conceito de “lobotomia”. Mas não é o único conceito

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