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2 A NOVA YORK DE KOOLHAAS

2.3 Manhattan, o teatro da invenção

A Dupla Vida da Utopia: o Arranha-céu, a terceira parte de Nova York Delirante,

versa sobre o nascimento e desenvolvimento dos arranha-céus de Manhattan desde o começo dos anos 1900 aos primeiros anos da década de 1930, quando Koolhaas enxerga o fim do período inconsciente do manhattanismo. Nesse capítulo são enunciados alguns dos princípios que aplicará futuramente em seus projetos.

Sendo Manhattan uma ilha, limitada por rios em ambos lados, a demanda crescente por terrenos torna o arranha-céu inevitável: a retícula deveria ser multiplicada para o alto.82

79 WISNIK, Guilherme, LUPINACCI, Heloísa. Coney Island e o Divertimento Irresponsável. Revista Serrote, Nº 4, 2010.

80 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 102.

81 WISNIK, Guilherme, LUPINACCI, Heloísa. Coney Island e o Divertimento Irresponsável. Revista Serrote, Nº 4, 2010

Em uma ilustração (Fig. 2.27) feita por um cartunista e publicada na edição de outubro de 1909 da revista Life, Koolhaas, seguindo o método “critico-paranoico”, identifica, no que ele chama de “Teorema”, o desempenho ideal de um arranha-céu. Nele estaria claro todo “potencial gerado pelo surrealista ‘encontro fortuito’ entre o bloco retangular, a estrutura de aço e o elevador.”83

As 84 plataformas do desenho representam a possibilidade de multiplicação do terreno. Ao liberar a cada um deles um uso e/ou programa diferente e desconectado

dos demais (graças ao elevador: quanto maior o número de andares empilhados ao

redor do poço, mais espontaneamente eles se solidificam numa única forma”84), o arranha-céu gera uma forma de urbanismo ainda não conhecida e permite o que

Koolhaas nomeia de “instabilidade programática perpétua”85 e continua “A

indeterminação do arranha-céu sugere que na metrópole funções específicas não

correspondem a lugares precisos”.86

83 GARGIANI, Roberto, Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p. 66.

84 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 106.

85 Ibidem. op. cit. p. 110.

86 KOOLHAAS, Rem. ‘Life in the Metropolis”. Architectural Design 05, 1977, p.320.

Figura 2.27 - Reprodução de Ilustração da “Life”: projeto utópico de um arranha-céus ideal, 1909. Fonte: KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 107.

69 A tecnologia testada no laboratório de Coney Island teria agora outro uso. Esse

“processo de transformação da ‘parafernália da ilusão’(eletricidade, ar condicionado,

tubulações, telégrafos, trilhos e elevadores) em ‘parafernália da eficiência’, é o que Koolhaas chama de dupla vida da utopia”87, o título do capítulo.

Enquanto Thompson (Luna Park) não faz essa transformação, se limitando a transpor o parque de Coney Island para a retícula, com seu Hipódromo. O contrário

acontecia no edifício Flatiron (Fig. 2.28), que seria o primeiro exemplo dessa dupla

vida da utopia, e também do processo de multiplicação do solo, com seu formato triangular se repetindo 22 vezes, via extrusão,para o alto.

Entre os exemplos (Edifício World Tower - 1915, Edifício City Investing – 1908, Edifício Equitable – 1915) de extrusão que são listados, vale citar o último. O Equitable

(Fig. 2.29), com seus 39 pavimentos e quase 112.000 m2, é tão grande que é anunciado como pelos seus construtores como uma cidade em si, com uma população

87 WISNIK, Guilherme, LUPINACCI, Heloísa. Coney Island e o Divertimento Irresponsável. Revista Serrote, Nº 4, 2010.

Figura 2.28 - Edifício Flatiron”, 1902 “a terra reproduzida 22 vezes” (Arqto Daniel Burnham). Fonte: WIKIPEDIA, disponível em <https://commons.wikimedia.org/wiki/Category :Flatiron_Building_(New_York_City)#/media/Fil e:Flat_Iron_Building,_New_York_1909.jpg>, acessado em 10/08/2019.

Figura 2.29 - Edifício Equitable, 1915 “uma cidade dentro de outra cidade” (Arqto E.R. Graham). Fonte: NEW YORK HISTORY, disponível em <http://nygeschichte.blogspot.com/2009/05/equita ble-building-part-2-new-building.html>, acessado em 10/08/2019.

de 16 mil pessoas. O que preconiza uma das definições mais caras a Koolhaas: cada edifício, limitado/formatado por sua quadra, seria uma cidade dentro de outra cidade.

Gargiani identifica “extrusão”, “processo” e “arquitetura automática” na mesma categoria (ele enxerga duas) de princípios/axiomas, formulados por Koolhaas em

Nova York Delirante: a que determinaria a geração da forma volumétrica. Para ele, a

“extrusão” seria a geração da forma da planta do arranha-céu determinada pelo desenho do perímetro do lote, mas não como exploração máxima do lote. Como um

ex-jornalista do De Haagse Post ele entende como um meio de reduzir a criatividade

e composições hierárquicas. Então a “extrusão" seria uma consequência do

“automatismo surrealista desencadeado pela invenção do elevador.”88

Já “processo” e “arquitetura automática” seguiriam uma mesma direção, ambos decorrentes das teorias de arte de vanguarda e no automatismo dos Surrealistas. Sua aplicação representada na construção do Edifício Empire State, sobre qual falaremos mais adiante, onde os procedimentos de trabalho se assemelham a uma linha de produção com planejamento perfeito. Uma arquitetura automática que se rende ao processo de construção. Puro produto de um processo, Koolhaas o chama de “mero invólucro”89 e literalmente “impensado”.90

A segunda categoria que Gargiani identifica para os princípios formulados por Koolhaas é a que se refere às questões do tamanho/massa dos arranha-céus, seus invólucros, núcleos e andares. Assim ele inicia a análise desses axiomas concebidos por Koolhaas:

[...] uma grande massa, como a do Edifício Woolworth (Fig. 2.30), atingindo certa profundidade, se transforma em “massa crítica” na qual o tradicional princípio de “fachada honesta”, indicando as atividades internas, começa a romper, dissolvendo-se além do limite dessa massa, numa clara separação entre arquitetura exterior e interior.91

88 GARGIANI, Roberto, Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p. 67.

89 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 167

90 Ibidem. p. 169.

71

Essa ruptura seria, para Koolhaas, “o sintoma da auto monumentalidade”92 e à

separação entre exterior e interior ele dá o nome de “lobotomia” (termo cirúrgico para corte que separa ligação dos lobos frontais do resto do cérebro), que o grupo italiano

Superstudiojá tinha usado antes, em 1972.93

Para além de uma certa ‘massa critica’, toda estrutura se torna um monumento, ou pelo menos cria essa expectativa pelo seu simples tamanho, mesmo que a soma ou a natureza das atividades individuais por ele abrigadas não mereça uma expressão monumental. [...] Esse monumento do século XX é o ‘auto monumento’, e sua manifestação mais pura é o arranha-céu [...] 94

Resume Gargiani: “a ‘lobotomia’ gera uma ideia de monumento sem

implicações simbólicas, uma pura manifestação de tamanho: o ‘auto monumento’".95

E ressalta que já são essas as premissas que, em meados dos anos 1990, seriam a

base da Teoria do Bigness de Koolhaas.

92 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 125.

93 SUPERSTUDIO, Description of the microevent-micro environment, 1972, p. 250. 94 KOOLHAAS. Rem. op. cit. p. 125-126.

95 GARGIANI, Roberto, Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p. 68.

Figura 2.30 – Edifício Woolworth, 1913, Arqto. Cass Gilbert. Fonte: WIKIPEDIA, disponível <https://en.wikipedia.org/wiki/File:View_of_Wool worth_Building_fixed.jpg>, acessado em 10/08/2019.

A “lobotomia" teria outro aspecto ou característica, que Koolhaas chama de cisma, ou melhor, cisma vertical. Descrita como uma “exploração sistemática da

desconexão deliberada entre os andares”96 só possível graças ao elevador. Com essa

dupla desconexão – interior versus exterior e andares independentes –, os edifícios poderiam devotar o exterior ao formalismo e o interior ao funcionalismo, resolvendo o conflito entre forma e função. A forma do edifício é independente de sua exigência funcional.97

Gera ainda fragmentação na escala da cidade e do edifício, algo visto por Koolhaas como sinal do que Ungers, seu professor, qualificou como cidade-arquipélago e também a fórmula das “cidades dentro das cidades".98

O exterior e o interior de tais estruturas – os arranha-céus – pertencem a dois mundos arquitetônicos diferentes. O primeiro, o exterior, está preocupado exclusivamente com a aparência do edifício como objeto escultórico mais ou menos sereno. Quanto ao segundo, o interior, está em permanente estado fluído, ocupando, com seus constantes programas e iconografias, a atenção dos voláteis cidadãos metropolitanos [...] 99

Nesse ponto e frente a essa constelação de princípios (elevador, extrusão, arquitetura automática, lobotomia arquitetônica, auto monumento) do discurso teórico de Koolhaas, cabe uma observação pertinente de Gorelik que nos lembra ser esse um modo de raciocinar próprio do arquiteto, em forma de teoremas, “dando aparência científica a formulações de exaltada imaginação em uma combinação de fantasia,

ciência e brincadeira somado ao seu conhecido deleite por paradoxos”.100

De fato, as afirmações de Koolhaas algumas vezes soam como verdades comprovadas. Mas o mesmo Gorelik afirma que esse “jogo” de Koolhaas deve ser levado a sério já que a “combinação ‘fantasia/pragmatismo’ é um eixo fundamental

em sua apresentação do manhattanismo e no seu próprio modo de proceder".101

96 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 125.

97 MONEO, Rafael. Inquietação Teórica e Estratégia Projetual na obra de oito arquitetos contemporâneos. Editora Cosac Naify, 2008, p. 287.

98 GARGIANI, Roberto. Op. Cit., p. 69-70.

99 KOOLHAAS, Rem. ‘Life in the Metropolis”. Architectural Design 05, 1977, p.324

100 GORELIK, Adrián. “Arquitetura e Capitalismo: os usos de Nova York”. Introdução de Nova York Delirante. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p.15.

73 O processo de multiplicação desenfreada do terreno (extrusão) logo

encontraria seu limite ou saturação. Esse veio no Equitable, com seus 33 andares e

consequente sombra nas ruas e prédios próximos, resultando em grande deterioração e desvalorização da vizinhança. Era preciso regulamentar de algum modo os arranha-céus e isso seria conseguido pela Lei de Zoneamento de 1916.

Lei onde Koolhaas, na construção teórica de Nova York Delirante, vai encontrar

a legitimidade do que afirma no conceito de “lobotomia". Ao criar um volume, limitando

a multiplicação do terreno, em cada quadra, até certa altura e após isso obrigando o

edifício a recuar e/ou se estreitar por certo ângulo pré-determinado (visando permitir luz natural nas ruas), a lei determina um objeto sem indicações de suas funções e ainda incentiva a ocupação de toda uma quadra por apenas uma estrutura.

Um objeto com forma abstrata, representada nos desenhos (Fig. 2.31)de Hugh

Ferriss,102 que Koolhaas chama de “invólucro teórico”103 onde qualquer função poderia

ser abrigada em seu interior autônomo. Tanto esse invólucroquanto a “lobotomia” terá

influência nas formas escultóricas dos projetos de Koolhaas / OMA.104

102 Cf. FERRISS, Hugh. Metropolis of Tomorrow, 2005, Dover Publications, NY.

103 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 135.

104 GARGIANI, Roberto, Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p. 68

Figura 2.31 - Desenhos de Ferris mostrando a evolução do invólucro frente aos recuos. Fonte: KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 138.

Portanto, para máximo ganho financeiro (premissa primeira) em certo bloco ou quadra, o arquiteto não poderia fugir muito desse volume pré-desenhado, reforçando assim também o limite da criatividade.

Em Nova York a modernização da arquitetura tem motivação econômica, sem ideologia e/ou qualquer utopia ou intento social, mas teria também o objetivo de

realizar as fantasias da cultura de congestão105. Baptista argumenta um pouco mais

sobre essa relação com poder econômico e afirma que Koolhaas seria o primeiro a desenvolver uma ligação estruturante e positiva entre arquitetura e capitalismo, e que

Nova York Delirante procurava reduzir o conflito entre arquitetura e pensamento

capitalista. Seu entusiasmo ao salientar as características da modernização de Nova York visava vencer certa resistência, ou inocência, disciplinar ao sistema capitalista.106

A Lei de Zoneamento de 1916, os desenhos de Ferris, a proposta (Fig. 2.32) de Harvey Wiley Corbett (ao propor solução para trânsito acaba por aumentar a congestão) e o Plano Regional de 1920 (que em nenhum momento nega/restringe os arranha-céus, pelo contrário, os privilegia) são, para Koolhaas, fórmulas para o que seria um planejamento metafórico de Manhattan. Fomentam a densidade e congestão que não devem ser negadas, pois são instrumentos com qual o arquiteto pode/deve trabalhar.

105 COLOSSO, Paolo. A modernidade de Nova York segundo Rem Koolhaas. Artigo publicado na revista pós- nº 35, 2013, p.43.

106 BAPTISTA, Luís Santiago. Artigo: “Delirious New York” explicado às crianças. 2008, disponível para consulta em https://www.artecapital.net/arq_des-37--delirious-new-york-explicado-às-criancas, acessado em 01/07/2019.

Figura 2.32 - A proposta de Corbett, da esquerda para direita a densidade e congestão aumentando. Fonte: KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 148.

75 A cultura da congestão propõe a conquista de cada quadra por uma estrutura única. Cada edifício se tornará uma “casa” - um domínio privado que inflará para receber hóspedes, mas não ao ponto de pretender a universalidade no espectro de suas ofertas.

Cada “casa” representará um estilo de vida e uma ideologia diferentes. Em cada andar, a cultura da congestão organizará combinações inéditas e divertidas de atividades humanas. Com a “Tecnologia do Fantástico”, será possível reproduzir todas as situações – da mais natural à mais artificial –, onde e sempre que se desejar.

Cada cidade dentro de uma outra cidade será tão única que atrairá seus habitantes naturalmente. Cada arranha céu, refletido nos capôs de um fluxo infindável de limusines negras, será uma ilha de Veneza muito modernizada – um sistema de 2.028 solidões.

A cultura da congestão é a cultura do século XX. 107

A definição e afirmação acima são de Koolhaas. E para ele, Manhattan, a modernidade em tempo real, é o protótipo não projetado dessa cultura de congestão. Essa modernidade de Nova York passa a ser representada por seus

arranha-céus (“refletidos nos capôs de um fluxo infindável de limusines pretas”),108esse novo

símbolo coletivo da cidade.

Exemplo desse grande apelo popular é dado por Koolhaas, que nos descreve

o Baile Fetê Moderne do Hotel Astor em 1931. No que seria o equivalente

manhattaniano do CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna) europeu, os arquitetos de Manhattan se fantasiam dos arranha-céus (Fig. 2.33) que

desenharam/construíram na cidade, formando O Skyline de Nova York.

Seu relato, detalhado e bem-humorado, expõe uma situação que nos remete às encenadas em Coney Island (e não outra coisa defende Koolhaas desde o início, que Manhattan e seus arranha-céus são uma continuidade do que acontecia em Dreamland e demais parques).

107 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 151.

Koolhaas dá atenção especial a alguns edifícios. Um deles é o Waldorf-Astoria, e o modo que ele relata sua história demonstraria um “efeito colateral do planejamento

metafórico”,109que seria a demolição de edifícios justificada/imposta pela exploração

do potencial variável sobre determinado terreno (no caso uma das 2.028 quadras, a entre a Rua 33 e Rua 34). Ilustraria assim as fases da cultura de congestão frente às

verdadeiras forças modeladoras do progresso de Manhattan.110

A mansão Astor que ocupava meia quadra, no final do século XIX se transforma em Hotel com reputação de progressista aliada à elegância dos Astor e hospitalidade

de uma casa. A sua forma final, Waldorf + Astoria (Fig. 2.34),surge após compra da

outra metade da quadra e construção da nova parte. Os andares térreos de cada parte são interligados se transformando em local de intensivas atividades sociais da cidade.

109 GARGIANI, Roberto, Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p. 70

110 COLOSSO, Paolo. A modernidade de Nova York segundo Rem Koolhaas. Artigo publicado na revista pós- nº 35, 2013, p.43.

Figura 2.33 - Baile Fetê moderne, 1931. O Skyline de Nova York formado por seus arquitetos e construtores fantasiados com seus próprios prédios. Da esquerda para direita: Ed. Fuller (A. Stewart Walker), novo Waldorf-Astoria (Leonard Schultze), Ed. Squibb (Ely J. Kahn), Ed. Chrysler (Willian Van Alen), One Wall Street (Ralph Walker), Torre Metropolitana (D. E. Ward), Museu da Cidade de Nova York (Joseph H. Freedlander). As fantasias, exceto a do Ed. Chrysler, seguiriam a Lei de Zoneamento de 1916, como a mesma base e diferentes apenas na parte superior/cabeças. Fonte: LANERI, Raquel. Ain’t No Party Like

An Architecture Party: Five Epic Design Fetes, disponível em

77 Seu sucesso valoriza a quadra e, paradoxalmente, será o que determinará a sua destruição, já que não pode mais crescer, se tornando um entrave ao potencial de exploração da quadra pelo capital imobiliário. Koolhaas chama isso de dupla libertação e essa destruição, segundo ele, não impediria a preservação do “espírito” do edifício que seria reencarnado através de uma Freudiana, surrealista forma de

“canibalismo arquitetônico”,111 onde o novo edifício incorporaria a aura e espírito do

edifício anterior. Na cultura de congestão de Manhattan, destruição é outra palavra

para preservação (essa destruição já presente em Exodus, or the Voluntary Prisioners

of Architecture mais tarde será geradora do fenômeno de potencial de transformação

contínuo de Cidade Genérica).112

Nas palavras de Koolhaas: “o terreno é liberado para encontrar seu destino evolucionário e a ideia do Waldorf-Astoria se desprende para ser redesenhada como

111 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 164.

112 GARGIANI, Roberto, Rem Koolhaas | OMA: The Construction of Merveilles, tradução para inglês de Stephen Picollo, EPFL Press, Second Edition, 2011, p. 70

Figura 2.34 - O primeiro Waldorf-Astoria, 1893. Fonte: NEW YORK ARCHITECTURE, disponível em

<https://www.nyc-architecture.com/GON/GON017.htm>, acessado em 10/08/2019.

o exemplo de uma explícita cultura de congestão”.113O resultado é um reencarnado

Waldorf-Astoria (Fig. 2.35 e 2.36) em outro endereço, onde, numa congestão

amplificada, abrigará mais atividades descritas detalhadamente por Koolhaas (que também relata todo o processo de demolição do antigo/primeiro Waldorf-Astoria, uma encenação que tanto lhe interessa) e a ocupação do antigo terreno pelo Empire State no ápice da especulação.

O novo Waldorf-Astoria, com sua hibridização programática, logo se torna um importante local cívico, e social, de Nova York. Sendo o primeiro arranha-céus da cidade que tinha moradores fixos além de hóspedes. Um deles era Elsa Maxwell, colunista social, que mora no hotel desde sua inauguração. Koolhaas, ao nos contar uma pequena história sobre uma das festas anuais oferecidas por ela nos salões do hotel, exemplifica o que preconizou antes e já citado por nós: “em cada andar a ‘cultura

113 KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 164.

Figura 2.35 - O novo Waldorf-Astoria como reencarnação do antigo (ilustração Lloyd Morgan). Fonte: KOOLHAAS. Rem. Nova York Delirante: um manifesto retroativo para Manhattan, Tradução de Denise Bottmann, Cosac Naify, São Paulo, 2008, p. 162.

Figura 2.36 - O "novo" Waldorf-Astoria, 1934. Fonte: MUSEUM OF THE CITY NEW YORK, disponível

<https://collections.mcny.org/CS.aspx?VP3=Sear chResult&VBID=24UAYWDH2XQBD&SMLS=1& RW=1331&RH=950>, acessado em 10/08/2019.

79 da congestão’ organizará combinações inéditas e divertidas [...] Com a ‘Tecnologia do Fantástico’ será possível reproduzir todas as situações”.114 Até a imaginada por Maxwell dessa vez (ela sempre torna mais extravagante seus bailes para testar a capacidade do Hotel, e seu encarregado, de atendê-la): uma festa da fazenda com estábulos contendo carneiros, vacas, burros, gansos, galinhas, porcos todos vivos. Frente ao seu espanto com a garantia do encarregado que seria possível realizá-la, ela questiona como levariam esses animais para o terceiro andar, ao que o encarregado responde que poderiam encomendar sapatilhas de feltro para os

animais. A festa acontece, mas lembrando o banho e cavalos falsos de Steeplechase

que são mais interessantes que os reais, aqui o “irresistível sintético” aparece também: é Molly, a Vaca de Moët que dá champanhe e uísque, a atração maior do evento.115

O Empire State (Fig. 2.37), como já dissemos, é um representante do que

Koolhaas chama de arquitetura automática. Interessa mais a Koolhaas seu processo de construção do que o prédio, cujo único programa é concretizar um objetivo financeiro. Ao analisá-lo, o faz de maneira dúbia: ironiza desde seu programa

“rudimentar” 116 até o mau gosto na arquitetura que enxerga, mas ao mesmo tempo

exalta as possibilidades de ocupação por diversos usos e grupos sociais, possibilitando as tais “relações imprevisíveis".117

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