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2. INSTITUIÇÕES E O REFERENCIAL PARADIGMÁTICO DOS ARRANJOS

2.5. Confiança, cooperação e capital social

Neste tópico é apresentado o referencial teórico que trata do tema da cooperação, capital social e confiança, que ajuda a explicar as relações do Sindifranca no APL.

A difusão do termo capital social ganhou maiores dimensões a partir de 1980, quando passou a ser utilizada por sociólogos, antropólogos, economistas e cientistas políticos nos debates sobre os caminhos para se alcançar prosperidade e elevar o padrão de vida das populações após a difusão da crise do modelo de organização industrial fordista, a partir de meados da década de 1970, nas principais economias industrializadas.

Também em meados de 1970, a difusão das experiências dos distritos industriais italianos mostrou caminhos alternativos de crescimento para países e regiões em desenvolvimento, quando, então, reavaliou-se a importância das pequenas empresas na capacidade de geração de dinamismo econômico, desde que aglomeradas no espaço geográfico.

Neste sentido, as interações entre indivíduos pertencentes a um grupo ou a uma classe social, causam efeitos na eficiência das transações econômicas, com resultados positivos além daqueles derivados do sistema de preços. Assim, começa-se a busca pela compreensão dos efeitos dos comportamentos coletivos interativos capazes de gerar cooperação.

Seus principais teóricos difusores do termo capital social são Coleman (1988), Putnam (1993) e Bourdieu (1980).

Para Bourdieu,

O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a

um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades

comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis (Bourdieu, 1980, p. 67).

Bourdieu tem como objeto de estudo as estratégias de reprodução ou a mudança de posição na estrutura social. Descreve a maneira como as redes de relações sociais, as quais os indivíduos ou grupos pertencem, impactam na diferenciação e divisão na estrutura social. O que configura essas redes sociais de relações é chamado por Bourdieu de habitus - as atitudes, concepções e disposições compartilhadas pelos indivíduos participantes de uma mesma classe ou grupo. Em estudo realizado em 2006, mostram-se os mecanismos pelos quais a família burguesa francesa utiliza das suas relações sociais para ingressar nas universidades mais bem conceituadas e conseguir os melhores empregos na França (BOURDIEU, 2006). Com este viés, apresenta sua visão de capital social como um instrumento utilizado para a obtenção de benefícios pelos indivíduos nas suas relações sociais, e mostra também o lado negativo da existência de capital social quando o associa a questões de poder, desigualdade e exclusão.

Portanto, para Bourdieu, capital social é “o agregado de recursos reais ou potenciais que estão ligados à participação em uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de mútua familiaridade e reconhecimento... que provê, para cada um de seus membros, o suporte de capital de propriedade coletiva (BOURDIEU, 1997, p.51)”.

A ideia de conflito está presente nas discussões de Bourdieu acerca do termo capital social. O autor supõe que a estrutura social é constituída de campos de luta pelo poder e, dessa forma, o capital social é entendido como um ativo que permite aos atores de determinada localidade obterem benefícios sociais e econômicos. O autor defende, assim, que existem vantagens de se pertencer a certas comunidades. Desse ponto de vista, os atores interagem entre si de diversas formas, visando obter ganhos e acesso a recursos escassos.

Segundo Coleman (1990, p. 302), “assim como outras formas de capital, o capital social é produtivo, possibilitando a realização de certos objetivos que seriam inalcançáveis se ele não existisse”. Para o autor, o capital social é uma escolha racional no sentido de que as relações sociais são um ativo para os indivíduos que garantiriam a otimização de outros ativos (físicos, por exemplo), facilitando assim as ações individuais. Ao afirmar que o capital social é “(...) a habilidade de as pessoas trabalharem juntas em grupos e organizações para atingir objetivos comuns”, Coleman (1988, p.95) deixa clara a sua concepção de capital social como um recurso que pode ser deliberado para gerar benefícios. Na sua concepção, existe a junção da perspectiva da ação racional do indivíduo, trazida pelos economistas neoclássicos, e também da perspectiva das normas sociais, regras e obrigações, que regem a sociedade, trazida pela perspectiva sociológica. Ou seja, para o autor existe um guia, um motivo, para as normas que regem as relações sociais em um grupo.

Para Putnam (1993, p.167), o capital social diz respeito às “características da organização social, como confiança, normas e redes, que podem melhorar a eficiência da sociedade ao facilitar ações coordenadas”. Em seu estudo, o autor avalia as diferenças de desempenho institucional no Norte e Sul da Itália depois da descentralização política ocorrida na década de 1970. O autor, depois de uma pesquisa de mais de vinte anos, com a publicação

da obra “Comunidade e Democracia: a experiência da Itália Moderna”, observou o modo como a política e o governo sofrem influências das instituições, guiado pela seguinte questão: por que o mesmo tipo de instituição exibe desempenho diverso em contextos sociais distintos? O autor chegou à conclusão de que o bom desempenho encontrado no Norte da Itália está relacionado à existência do que ele chamou de „comunidade cívica‟. O que caracteriza uma comunidade cívica é, segundo o autor, a participação ativa da sociedade na coisa pública, a representação política, a solidariedade, a confiança, e a tolerância dos cidadãos uns com os outros. A confiança é o que permitiria à sociedade superar o oportunismo, pois relações baseadas na confiança reduzem a incerteza à medida que é possível prever o comportamento mútuo, e também permitem aos indivíduos agirem coletivamente. As normas compartilhadas que asseguram a confiança, e que podem ser encontradas em relações de parentesco, etnia, valores religiosos, valores ideológicos, padrões de desempenho profissional, códigos comportamentais, reduzem os custos de transação, facilitando a cooperação.

Portanto, a existência de capital social está associada a relacionamentos compartilhados que permitem a cooperação em um grupo social ou entre diferentes grupos sociais. Se são necessários relacionamentos compartilhados, entende-se que pelo menos dois indivíduos, ou duas instituições, no caso deste trabalho, precisam se relacionar e de tal relação resultar uma diminuição do oportunismo, do custo de obtenção de informações. As relações entre atores que estão em posição de autoridade podem ainda gerar recursos adicionais para o desempenho de uma localidade.

Para Bourdieu (1985) a existência de uma rede de relações gera recursos que são empregados pelos indivíduos através de uma estratégia de progresso resultante de uma

interação entre o ator dentro de uma estrutura à qual pertence. Essa estrutura é chamada de campo social, e é o local onde se manifestam as interações entre os atores, bem como suas relações de poder. Os campos são formados pela distribuição desigual de um quantum social, que determina a posição que cada ator ocupa em seu interior. Este campo possui dois polos apostos: o dos dominantes, que possuem grande capital social, e o dos dominados, caracterizados por não possuírem o capital valorizado no campo onde atuam. Este quantum social é a pré-condição para a cooperação, uma vez que os atores tendem a cooperar com outros atores pertencentes a sua rede de relações.

Neste sentido, Fukuyama (1996, p.22) afirma que a capacidade de associação dos indivíduos pertencentes a uma comunidade “...depende do grau de partilha de normas e valores no seio de comunidades e da capacidade destas para subordinarem os interesses individuais aos interesses mais latos dos grupos”. Ou seja, essa associação depende da confiança que os membros têm entre si. Segundo o autor, a confiança surge da partilha de valores. Portanto, não há como haver confiança quando não se partilha os mesmos valores.

Nessa obra de 1996, Fukuyama realizou um estudo comparativo em diversos países procurando caracterizá-los pelo nível de capital social e propôs uma graduação de sociabilidade para avaliar o capital social, do qual, segundo o autor, nasce a confiança. Concluiu que o Japão, Estados Unidos e Alemanha, são os exemplos de maior confiança e desenvolvimento econômico. Ainda segundo o autor, a falta de confiança pode levar à estagnação econômica e, entre os exemplos citados, fala da perda de competitividade da indústria francesa frente à japonesa.

Segundo Giddens (1991, p.41) “a confiança pode ser definida como crença na credibilidade de uma pessoa ou sistema, tendo em vista um dado conjunto de resultados ou eventos em que essa crença expressa uma fé na probidade ou amor de um outro, ou na correção de princípios abstratos (conhecimento técnico)”.

Axelrod (1984) trata a confiança como sendo o fruto de um interesse de longo prazo que alguns indivíduos mantêm, ao perceberem ser vantajoso cooperar com outros indivíduos. Interações repetidas, informações a respeito do desempenho passado e um número reduzido de atores são variáveis que o autor encontrou para apresentar o comportamento cooperativo que existiu entre inimigos durante a Primeira Guerra Mundial.

Gibbons (2001) utiliza essa abordagem e complementa que a reputação pode explicar a existência de “contratos relacionais” entre firmas do mesmo setor industrial. Essa reputação surge à medida que a repetição de situações entre os atores gera resultados positivos.

A confiança pode propiciar a interação. As relações empresariais, à medida que ganham estabilidade, podem gerar reciprocidade e formar uma rede de relações (MASKELL, 2000, p.114). Assim, é possível estabelecer uma relação entre capital social e confiança. É importante salientar, entretanto, que essa relação não é uma relação de causa e efeito, mas sim uma possível interseção de fatos, gerando uma rede de relacionamentos empresariais pautados em elementos conhecidos como promotores de reciprocidade.

Interações repetidas bem sucedidas resultam em credibilidade, que resulta em confiança (WOOLCOCK, 2000). Essa visão aponta a confiança como um resultado possível de ser construído. Locke (2001, p.6), corroborando com este argumento, afirma que esta

construção engloba elementos de “interesse próprio encapsulado, intervenção do governo e o desenvolvimento de mecanismos para autogovernança e monitoramento pelos próprios atores”.

Putnam (1993, 2000) afirma que o comprometimento cívico, as tradições históricas de associativismo e reciprocidade são fatores que concorrem para o desenvolvimento da confiança e do capital social. Explica como é possível esse desenvolvimento em localidades onde não existia confiança, quando cita o exemplo do Consorzio di Tutela di Mozzarella di Bufala Campania, localizado na região da Campania, no sul da Itália.

Greif (1998) exalta a existência de “instituições políticas autorreguladas” como mais um componente para o comportamento cooperativo, quando analisou as instituições políticas e o crescimento econômico em Gênova no século XII.

North (1990) destaca como as instituições influenciam na promoção da estabilidade e previsibilidade do cenário das trocas econômicas, importantes para o desenvolvimento econômico.

Locke (2003) sugere que determinadas ações tomadas pelos diversos agentes que compõem as indústrias podem criar confiança, mesmo em locais nos quais as condições para tal sejam mínimas ou inexistentes, como, por exemplo, onde existiam práticas de corrupção, clientelismo, ou atraso. O teórico afirma também que o interesse próprio dos industriais, tomando iniciativas como a formação de associações representativas, acordos entre agências governamentais e estas associações, e mecanismos de autogovernança dos agentes produtivos e das instituições podem ser fundamentais no desenvolvimento da confiança. Dessa maneira,

a partir dessas circunstâncias socioeconômicas e políticas geradoras de confiança, há o desenvolvimento da cooperação entre os atores industriais. O espaço local de cooperação se amplia da fábrica para o território. O mesmo autor afirma ainda que o capital social é considerado um fator de promoção da confiança, juntamente com o associativismo e a atuação de algumas instituições-chave.

Promotor da confiança e da cooperação, o capital social se manifesta através das redes de empresas encontradas, por exemplo, nos DIIs. A promoção do desenvolvimento estaria vinculada à existência do capital social local.

Esses autores ajudam na interpretação das relações existentes entre os conceitos de capital social, confiança e cooperação utilizados para a compreensão de como se dão as relações entre o Sindifranca e a Secretaria de Desenvolvimento de Franca. Neste sentido, os resultados deste trabalho mostram o início de um processo de reconhecimento de que são necessárias ações que deem resultados positivos aos indicadores de desempenho deste APL.