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2. INSTITUIÇÕES E O REFERENCIAL PARADIGMÁTICO DOS ARRANJOS

2.4. Redes

O institucionalismo é uma perspectiva teórica que permite a compreensão do papel desempenhado pelas instituições no sistema capitalista, na dinâmica das organizações, nas transações econômicas. O estudo desse papel das instituições na vida em sociedade pode ser restringido a um universo determinado por uma rede de relações que se pretende estudar. No caso deste trabalho, a revisão da literatura sobre a teoria das redes, focada na teoria de redes sociais, admite um entendimento contextualizado dos acontecimentos ocorridos no ambiente que foi delineado para o estudo. Assim, pretende-se aqui utilizar o conceito de rede como perspectiva de análise da manutenção dos laços que interligam os atores do APL calçadista de Franca.

Existem várias definições na literatura para tratar do tema das redes, que podem ser entendidas como um modelo de organização social, no qual existe um entrelaçamento dos diversos empreendimentos, que se relacionam na busca de seus objetivos através do contato coletivo que permite a troca de informações e o auxílio mútuo. São um processo dinâmico e flexível que se mantém através de determinados mecanismos de governança.

Em 1990, Powell caracterizou uma teoria chamada de „Redes‟ como uma terceira forma de governança, em comparação com as formas de mercado (onde a governança se dá pelo preço) e de hierarquia (onde a governança se dá pela relação de emprego) tratadas pela economia clássica. Powell (1990) caracteriza a teoria das redes como uma forma organizacional alternativa. Em 1994 Powell e Smith-Doerr reconheceram que o comportamento, as crenças, a legitimidade são formadas através de redes entre indivíduos e entre organizações, definindo rede como um conjunto de atores, que podem ser indivíduos ou organizações, com conexões específicas uns com os outros. Reconheceram ainda as redes como uma ferramenta com capacidade de analisar poder e autonomia (Powell e Smith-Doerr, 1994). Ainda segundo os mesmos autores, as análises formais de redes derivam da antropologia e da sociometria.

A perspectiva das redes, portanto, é uma forma de compreensão do comportamento dos atores, oferecendo um nível intermediário de análise ao considerar, além da intencionalidade dos atores, a estrutura social e a coação das escolhas (POWELL e SMITH- DOERR, 1994).

Em uma dada rede, cada ator ocupa uma posição, o que permite a análise da composição da rede a partir de aspectos do convívio econômico, social e político dos atores

(POWELL e SMITH-DOER, 1994). Hall (1991) destaca ainda que as redes são dinâmicas e sofrem influência com a mudança de atores e de interesses dos atores. Os autores distinguem, ainda, duas abordagens de estudo para as redes. A primeira é a das redes como forma de governança e a segunda, das redes como forma de análise.

Na abordagem como formas de governança as redes funcionam como uma “cola social” que mantém os indivíduos unidos em um sistema coerente. São assim caracterizadas as teias de interdependência encontradas nos distritos industriais e certas práticas como a contratação relacional, a colaboração para a produção, ou alianças interfirmas. Essa abordagem pode gerar ideias de como os laços são criados, porque eles são mantidos, porque os recursos fluem pelas ligações entre os atores e quais as consequências disso. Assim, a abordagem de redes como forma de governança concentra-se nas estruturas das relações econômicas entre os atores da rede.

Na segunda abordagem, que é das redes como forma de análise, o foco está na natureza das relações entre os agentes, analisando como ocorrem as relações, e na estrutura e influência dessas relações na vida dos atores. Visa-se, então, elucidar as relações existentes. Nessa abordagem, o contexto de estrutura social é entendido como um padrão de relações identificáveis e a posição ocupada pelo ator pode ser fonte de oportunidades, ou de restrições, que explicam o comportamento dos atores que fazem parte da rede. Essas relações, que se apresentam como um continuum de informais a bastante formais são essenciais para explicar o isomorfismo entre as organizações (POWELL e SMITH-DOERR, 1994).

Brito (2002) e Sacomano Neto (2003) argumentam que uma rede é composta por quatro elementos: nós, posições, ligações e fluxos. Os nós são os pontos focais que compõem

a estrutura da rede. Podem ser um conjunto de agentes, objetos ou eventos. As posições indicam a localização dos pontos na estrutura da rede. Dependem das ligações e da divisão do trabalho de cada agente. As ligações definem o grau de difusão ou densidades dos agentes. Através das ligações fluem recursos, que são os fluxos, que podem ser tangíveis (bens, serviços, produtos) ou intangíveis (informações, contatos).

Gráfico 1. Elementos morfológicos da rede

Fonte: Adaptado de Sacomano Neto (2003).

As relações entre os agentes são expressas através de ligações entre as unidades de análise. Por essas ligações fluem recursos materiais e não materiais. (WASSERMAN e FAUST, 1994).

A respeito das redes como forma de governança, Powell e Smith-Doerr (1994, p.370) argumentam que existem relações importantes entre as práticas organizacionais e econômicas e a infraestrutura institucional de uma sociedade.

Gandori e Soda (1995) levantam questões a respeito das possíveis diferenças entre as formas de relações das redes. Questionam ainda se é possível diferenciar as redes, classificá- las e compará-las. Para tentar responder estas questões, os autores sugerem uma tipologia de classificação utilizando mecanismos de coordenação, quais sejam, o grau de formalização e a centralização das redes interfirmas.

Dessa forma, destacam três tipos diferentes de redes: as redes sociais, as redes burocráticas e as redes proprietárias. Nas redes sociais, as relações é que regulam as trocas econômicas. Não existem, portanto, acordos formais. A abordagem das redes sociais possibilita uma visão mais ampla das relações que acontecem em um ambiente organizacional. Com o conceito de redes sociais, busca-se analisar as estruturas econômicas considerando as relações entre os indivíduos e organizações envolvidas no ambiente organizacional.

As redes sociais estão relacionadas à formação de capital social, e têm uma relação com a abordagem da Sociologia Econômica.

As redes sociais caracterizam-se por possuírem atores ligados por relações sociais específicas, constituídas, portanto, de dois elementos centrais: os atores e suas relações sociais. Os interesses dos atores podem ser políticos, financeiros, jurídicos, tecnológicos etc, e para alcançarem seus objetivos, utilizam-se de recursos disponíveis. O contexto caracteriza as relações socias dos atores, e essas relações são moldadas pelas normas e regras institucionais. (SORENSEN, 2007).

relação entre os atores possibilitando um entendimento relacional mais aprofundado, à medida que possibilita uma descrição da realidade dinâmica que caracteriza as redes sociais. Essa perspectiva amplia o conjunto de elementos da realidade do ambiente que caracteriza o APL calçadista de Franca.

A relação entre a análise das redes e a Nova Sociologia está na integração economia e sociedade para explicar o processo econômico de acumulação pela interação entre o ator e seu ambiente que, segundo Polanyi (1980) passa por processo de institucionalização.

Vem da Sociologia Econômica, portanto, a relação entre ação econômica e estrutura social. Suas origens estão nos trabalhos Émile Durkheim, no final do século XIX.

A sociologia econômica é menos preocupada com a regulação, com a coordenação. Preocupa-se em entender porque as organizações adotam práticas específicas e o que confere legitimidade a determinados arranjos.

As decisões econômicas são tomadas dentro de uma rede de relacionamentos. As resoluções de cada mercado seguem sua lógica. Entender a referência usada por um ator para tomar suas decisões passa pelo entendimento da realidade que governa a prática de determinado mercado. E essa realidade está pautada em regras, crenças, valores que, por sua vez, constituem as instituições.

A ação econômica, como primeiro colocou Polanyi (1944), está incrustada (embedded) na estrutura social e na cultura. A Nova Sociologia Econômica atribui às instituições o local no qual ocorrem as interações e a formação das normas que regem os

comportamentos. Essa noção de construção social e consequentemente econômica da sociedade abre perspectivas de observação de fenômenos econômicos que têm como base a criação e o estabelecimento de instituições que reproduzem uma realidade.

Granovetter (1985) procura entender como os comportamentos e as instituições são afetadas pelas relações sociais. Ao escrever sobre a questão da incrustação (embeddedness), chama a atenção para como a ação econômica está incrustada em estruturas de relações sociais. De acordo com o mesmo autor, “pequenas empresas podem subsistir num contexto de mercado, pois existe uma densa rede de relações sociais sobrepostas às relações de negócios que une essas empresas, reduzindo assim as pressões para a integração (GRANOVETTER, 1985, p.507).”.

Polanyi (1992) defende que a organização e a manutenção do sistema social e econômico cabem aos arranjos institucionais. Seu argumento é o de que unidade e estabilidade não existem no vazio e, portanto, os arranjos institucionais existem porque as interações sociais são importantes. A estabilidade do sistema social e econômico, então, estaria vinculada à articulação de interesses diversos.

As redes sociais são divididas, ainda, em dois tipos: as redes simétricas e as assimétricas.

As redes sociais simétricas são caracterizadas pelos contatos pessoais. Esses contatos, que ocorrem geralmente entre empresários e gerentes, são cruciais para manter a confiabilidade entre os atores e para constituir possíveis parceiros futuros (GRANDORI e SODA, 1995). Nessas redes, existem normas sociais que regulam os processos de troca.

Exemplos de redes sociais simétricas podem ser encontrados nos distritos industriais, nos polos tecnológicos e nos polos de pesquisa e desenvolvimento.

As redes sociais assimétricas possuem um agente central e podem ser coordenadas verticalmente ou apresentarem interdependência em suas transações, que são formalizadas por meio de contratos de troca de bens e serviços.

Neste sentido, há uma relação entre a abordagem de redes e aglomerações produtivas locais, à medida que o referencial analítico da Sociologia Econômica utiliza o conceito de redes.

O desenvolvimento de ações coordenadas está enraizado nas relações de confiança estabelecidas em uma rede composta por interações sociais em um dado contexto que, segundo Granovetter (1995), pode ser descrito pela abordagem da Sociologia Econômica, que considera a importância da estrutura social.

Neste sentido, ajuda e explicar as especificidades das estrutura de governança do APL calçadista de Franca, levando em consideração sua organização social e suas instituições sociais.

Granovetter (1985) afirma que, para o desenvolvimento de ações coordenadas, a confiança é de extrema importância, assim como as interações sociais, o engajamento cívico e a reciprocidade dos atores. Assim como Putnam (2002), salienta o conceito de capital social como promotor de confiança, e consequentemente de cooperação com vistas a uma ação coletiva.

No cerne da definição das redes burocráticas, destaca-se a formalização das trocas entre os agentes através de contratos formais respaldados por um sistema legal, que visa proteger os direitos das partes envolvidas em uma dada troca. As redes burocráticas podem ser caracterizadas em simétricas e assimétricas (GRANDORI e SODA, 1995).

Exemplos de redes burocráticas simétricas são as associações entre as firmas, entre elas as associações de comércio, as federações, as cooperações para pesquisa e desenvolvimento. Destacam-se, nessas redes, os mecanismos formais de coordenação para o controle do desempenho e os incentivos e punições.

Exemplos de redes burocráticas assimétricas são as redes de agência, licenciamento e

franchisinhg, nas quais contratos específicos e padronizados, inspeções, visam a garantir a operacionalização das trocas.

As redes proprietárias dispõem de um contrato formal com acordos de propriedade, que visam a manter uma forma de cooperação entre os agentes. Os autores também diferem dentro das redes proprietárias, as redes simétricas e assimétricas.

Um exemplo de redes proprietárias simétricas são as joint ventures, que são duas ou mais firmas que trabalham de maneira conjunta e são proprietárias de uma terceira empresa. A simetria está nos mecanismos de coordenação e nos processos de negociação conjuntos.

Um exemplo de rede proprietária assimétrica é a capital venture, que é uma aliança de relações organizacionais entre um investidor e um parceiro, que surge com o objetivo de

fornecer capital para atividades que não conseguem obter crédito pela maneira tradicional (SACOMANO NETO, 2004).

Segundo Mello e Paulillo (2005), é no ambiente das redes que acontecem as interações entre atores e entre organizações, que dependem de recursos organizacionais, financeiros, tecnológicos, políticos, jurídicos e constitucionais.

Assim, o que flui por estas redes deve ser considerado nos estudos organizacionais e, consequentemente, o ambiente territorial influencia na formação das redes, já que determinados relacionamentos em uma dada rede podem acontecer em virtude de alianças que são formadas por atores em situações muito peculiares de interação. Um exemplo disso é um secretário do desenvolvimento que exerce um cargo influente nas decisões de uma rede social em um distrito industrial e que é indicado pelo prefeito da cidade, o qual, por sua vez, é eleito por voto popular da sociedade. O ambiente territorial, portanto, exerce influência no que flui nas redes sociais.

Powell (1990, p.301) define rede como uma forma de organização caracterizada pela reciprocidade de padrões de comunicação e troca. O autor apresenta também uma comparação entre as formas de organização de mercado, hierárquica e em rede4 para identificar os fatores

que, segundo o mesmo, fazem das redes formas diferenciadas de coordenação da atividade econômica. E, a partir desta caracterização, é possível definir a frequência, a durabilidade e as limitações das redes.

4 Nas transações de mercado os benefícios da troca são especificados claramente, não é requerida confiança, os acordos são baseados no poder e na sanção legal. O valor dos bens é muito mais importante que o relacionamento em si. As transações na forma de organização hierárquica, a comunicação ocorre em um contexto de contrato de emprego. Relações importam e interações formam uma corrente, mas os padrões e o contexto de troca intraorganizacional são mais fortes e causados por uma posição hierárquica formal em uma estrutura de autoridade. As trocas em rede acarretam transações sequenciais em um contexto de padrões gerais de interação. Sanções são tipicamente normativas ao invés de legais.

Salais & Storper (1993) falam da relação entre os agentes econômicos de uma região e suas iniciativas de organização que lhes conferem uma identidade econômica.

A construção social das características pessoais e coletivas dos atores e das firmas varia de acordo com o tempo e o lugar.

O desempenho das aglomerações produtivas, indicado pela sua permanência no tempo, estaria na eficiência coletiva incrustada na formação de redes entre os atores privados e públicos que compõem uma aglomeração produtiva. A perspectiva das redes, entendida como um modelo de organização social no qual existe um entrelaçamento de relações institucionais na busca de seus objetivos, sugere que a estrutura social e a coação das escolhas devem ser consideradas quando se pretende compreender as relações e o comportamento dos atores de determinado ambiente (Wasserman e Faust, 1994). Utilizando esta perspectiva, chega-se à formação de um ambiente institucional no qual estão presentes os atores que o compõem.

Assim sendo, tem–se que as instituições são responsáveis pela caracterização dos valores, normas, comportamentos e regras que explicam a realidade encontrada neste APL, assim como as relações entre as organizações que compõem seu ambiente podem favorecer a geração de economias externas e incitar uma ação conjunta entre os atores do APL calçadista de Franca, podendo, dessa maneira, serem promotores ou não da eficiência coletiva.