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3. CARACTERIZAÇÃO DO APL CALÇADISTA DE FRANCA E SEU AMBIENTE

3.3. O Arranjo Produtivo Local calçadista de Franca

Em Franca, a fabricação de calçados remonta aos anos 1850. Naquela época, o local servia de descanso para os viajantes (tropeiros) que aproveitavam a estadia para fazer reparos em arreios, botinas, polainas e sapatos, todos de couro. Ao longo das décadas, o desenvolvimento foi tão acentuado que Franca passou a ser conhecida mundialmente como Capital do Calçado Masculino.

Localizada no Nordeste do Estado de São Paulo, a cidade de Franca, teve sua região desbravada pelos bandeirantes paulistas. Em meados do século XVIII, na busca de ouro e pedras preciosas, principalmente as minas de Vila Boa em Goiás, descobertas por volta de 1722, e Mato Grosso, os bandeirantes paulistas iam construindo caminhos, ao longo dos quais formavam-se os “pousos”, fixando assim os primeiros habitantes e dando origem a núcleos povoados. A partir do final do século XVIII e início do século XIX, a região de Franca começa a receber também um grande fluxo de migrantes mineiros, que deixavam as regiões auríferas de Minas Gerais, por conta da diminuição das jazidas, buscando, assim, na Capitania de São Paulo terras férteis para criação de gado.

A Vila Franca do Imperador, como era conhecida, comercializava sal e produtos de couro artesanais. Também passavam por ali, além do gado, produtos como couros salgados, cereais, artigos manufaturados, em direção ao sul, caracterizando-a como um importante entreposto comercial. Assim, para atender aos tropeiros e mercadores que ali passavam, os

artesãos locais produziam arreios, coberturas para carros de bois, bainhas para facas, badanas, sandálias, sapatões de atanado (couro curtido e tanino) entre outros artigos de couro (Rinaldi, 1987).

Segundo Barbosa (2006) os fatores determinantes que caracterizam o surgimento e crescimento do APL calçadista de Franca são: a atividade pecuária, e o capital cafeeiro.

A atividade pecuária proporcionou a abundância de couro na região, o que estimulou o surgimento de curtumes em Franca a partir da década de 1880 (Rinaldi, 1997). Os marcos para a indústria do calçado local foram a fundação, em 1886, do curtume Cubatão, e em 1906, do Curtume Progresso, ambos pelo padre Alonso Fereira de Carvalho, que os vendeu, respectivamente em 1890 para Elias Mota e em 1917 para Carlos Pacheco de Macedo. Em 1913, após modernizações, o curtume Elias Mota foi o segundo curtume mecanizado do estado de São Paulo. O primeiro encontrava-se em São Paulo. (Chioca, 1987).

A cafeicultura, embora sempre restringida à predominância de pequenas propriedades, contribuiu para a ampliação do mercado consumidor local através do aumento da população, o que levou à expansão dos empreendimentos relacionados ao couro e ao calçado (Tosi, 1998). Além disso, o capital cafeeiro proporcionou melhorias infra-estruturais, como rede elétrica e abastecimento de água e esgoto, importantes para o surgimento e evolução das fábricas (Follis, 1999). Cabe destacar, entretanto, que na sua origem, o empresariado calçadista de Franca não apresenta vínculos de origem com burguesia cafeeira. O empresariado calçadista surgiu do pequeno capital de proprietários de oficinas e modestos comerciantes, que contavam com elemento fundamental do seu empreendimento sua própria força de trabalho (Barbosa, 2006).

De acordo com o IBGE, a estimativa populacional para a cidade de Franca em agosto de 2012 foi de 323.307 habitantes. O Produto Interno Bruto (PIB) da cidade, em 2010 foi de R$ 5 milhões. No ranking nacional a classificação do município caiu duas posições, e passou de 108º para 110º. No estado de São Paulo, Franca apresenta um dos menores índices entre os municípios com mais de 200 mil habitantes, ficando atrás de municípios menores, como, por exemplo, Matão, Buritizal, Jeriquara, Ribeirão Corrente. Essa realidade, segundo Braga Filho é fruto da pouca diversificação industrial e de uma indústria com pouca tecnologia e de baixo valor agregado, além da informalidade e da sonegação fiscal. “Franca perdeu grandes empresas industrias ... O que pesa mais uma vez são os baixos salários e a falta de qualificação”, segundo Braga Filho. (Comércio da Franca, 13/12/2012).

Atualmente, o parque fabril calçadista de Franca-SP é responsável por cerca de 40% do emprego na cidade e, portanto, pela economia local. O setor calçadista representa aproximadamente 70% dos estabelecimentos e trabalhadores industriais de Franca, e responde por aproximadamente 80% do valor adicionado fiscal da indústria local (SEADE, 2008)8. De acordo com dados do IBGE (2008c), em Franca, os principais setores de atividade geradores de produto são, predominantemente, o de serviços (73,1%) e, em menor proporção, a indústria (26,2%).

Isso, evidentemente, além de influenciar também na economia regional uma vez que plantas industriais calçadistas são encontradas nas imediações do município, em cidades vizinhas. Compõem o APL calçadista de Franca todos os demais elos da cadeia produtiva do

8 Dados de Valor Adicionado Fiscal (VAF) no que diz respeito à geração de riqueza no nível local. Tal informação compreende, além da produção de calçados, a produção de couros, pois o nível de detalhamento necessário (por setor de atividade do IBGE) não está disponível na Secretaria de Fazenda do estado.

calçado, tais como curtumes, fabricantes de máquinas para calçados, solados, colas e adesivos, fôrmas, palmilhas, facas para corte, adornos e acessórios de metal, entre os mais importantes, sendo um caso exemplar de cluster praticamente perfeito como poucos no Brasil e no mundo. O cluster é caracterizado quando empresas produtoras de produtos finais, fornecedores, prestadores de serviços, associações e instituições governamentais estão concentrados em um local que guarda uma vocação regional na produção de determinados bens.

Figura1. Mapa Setor Coureiro Calçadista de Franca e Região Fonte: SINDIFRANCA (2011).

Esse complexo fabril de insumos e componentes supre não apenas as necessidades da indústria local como também as de outras regiões do país especializadas na produção de calçados.

No ranking de exportações brasileiras, em 2011 a indústria calçadista de Franca apresentou 4,5 % da produção nacional em pares, e 10 % da produção nacional em valor, o que representou 2,2 bilhões de reais (Dados: MICT/SEDEX).

Em 2011 as vendas para o mercado externo representaram 8,13%, enquanto as vendas para o mercado interno representaram 91,90%.

Quadro 1: Evolução das Vendas para o Mercado Interno - 1990 a 2011 Ano Milhões de Pares Porcentagem

1990 18,2 67,41 1991 16,8 70,00 1992 14,9 57,98 1993 15,9 50,48 1994 18,6 59,05 1995 14,5 51,73 1996 16,6 66,93 1997 22,3 76,90 1998 24,5 84,59 1999 24,3 82,38 2000 25,2 77,53 2001 25,5 78,60 2002 24,6 80,92 2003 25,6 79,75 2004 25,6 72,32 2005 19,4 69,53 2006 19,3 75,70 2007 20,8 79,69 2008 24,2 84,32 2009 22,2 87,72 2010 32,2 90,50 2011 34,1 91,90

Fonte: MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e SECEX - Secretaria de Comércio Exterior, 2012

Gráfico 2: Evolução das Vendas para o Mercado Interno - 1990 a 2011

Fonte: MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e SECEX - Secretaria de Comércio Exterior, 2012

Os dados estatísticos abaixo mostram duas realidades interessantes: a multiplicação do número de micro e pequenas empresas, em 61%, e, ao mesmo tempo, um aumento do número da produção de calçados, de 37%, em um mesmo intervalo de tempo.

Tabela 2: Evolução do número de estabelecimentos na indústria do calçado de Franca-SP (por porte) - 1990 a 2011: Porte 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Micro 449 407 419 448 525 412 421 574 623 671 739 Pequeno 71 73 91 103 94 76 104 88 85 100 116 Médio 49 40 50 56 56 25 21 15 18 20 26 Grande 9 7 11 8 5 4 6 5 3 4 4 Total 578 527 571 615 680 517 552 682 729 795 885 Porte 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Micro 813 909 998 1337 1457 1135 1141 1203 1123 1172 1163 Pequeno 132 129 139 182 183 198 198 177 168 190 195 Médio 22 23 30 34 28 24 26 24 32 34 27 Grande 4 4 4 4 5 2 3 1 1 1 1 Total 971 1065 1171 1557 1673 1359 1368 1405 1324 1397 1386 Fonte: Elaborada com base nos dados da RAIS/MTE, 2012.

0 5 10 15 20 25 30 35 40 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Quadro 2. Produção anual de calçados (milhões de pares) – 1990 a 2011 Ano Pares 1990 27,0 1991 24,0 1992 25,7 1993 31,5 1994 31,5 1995 22,0 1996 24,8 1997 29,0 1998 29,0 1999 29,5 2000 32,5 2001 32,5 2002 30,0 2003 32,1 2004 35,4 2005 27,9 2006 25,5 2007 28,2 2008 28,7 2009 25,3 2010 35,5 2011 37,2

Fonte: Sindifranca- Relatório Mensal Setembro 2012

Gráfico 3. Produção anual de calçados (milhões de pares) – 1990 a 2011

Fonte: Sindifranca- Relatório Mensal Setembro 2012

0 5 10 15 20 25 30 35 40 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

A ampliação da representatividade da indústria calçadista de Franca frente ao setor em nível nacional, em termos de ampliação do número de empresas e da produção de calçados, não indica necessariamente um desempenho positivo, haja vista a diferença de crescimento de 24% de um em relação ao outro. Ademais, outro indicativo é o número de trabalhadores empregados, que caiu 8,4%, apesar do aumento do número de estabelecimentos em 61%, e da produção, em 37%.

De acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS/MTE), o número de trabalhadores empregados na indústria calçadista de Franca decaiu 8,44% no período entre 1990 e 2011.

Quadro 3. Número de trabalhadores empregados na indústria calçadista de Franca (em mil) – 1990 a 2011

Ano Número de trabalhadores

1990 29.296 1991 27.284 1992 25.971 1993 27.322 1994 26.161 1995 21.824 1996 18.930 1997 16.070 1998 14.240 1999 15.376 2000 17.474 2001 17.942 2002 18.754 2003 20.644 2004 25.579 2005 25.460 2006 24.534 2007 25.224 2008 25.106 2009 23.267 2010 25.981 2011 26.823 Fonte: Elaborada com base nos dados da RAIS/MTE, 2012.

Gráfico 4. Número de trabalhadores empregados na indústria calçadista de Franca (em mil) – 1990 a 2011

Fonte: Elaborado com base nos dados da RAIS/MTE, 2012.

Um fator que pode explicar esse aumento modesto no número de empregos, se comparado ao aumento no número de estabelecimentos, é a mudança da estrutura produtiva do APL, com a saída de algumas grandes empresas. Em Franca, a realidade da multiplicação das micro e pequenas indústrias se deve, entre outros fatores, ao impacto das mudanças decorrentes da abertura da economia brasileira, em 1990, o que acirrou a concorrência com a ascensão da participação dos chineses e sul-asiáticos no mercado internacional, juntamente com a queda significativa dos estímulos públicos à indústria do calçado.

Em estudo realizado sobre a mortalidade das micro empresas calçadistas de Franca no período de 1992 a 1996, Martinelli e Curci (2001) apontam que as decisões de política econômica do governo federal foram responsáveis por dois marcos no encerramento de atividades de micro empresas na indústria calçadista de Franca. Uma dessas decisões foi a abertura do mercado ao comércio internacional em 1990, com a implantação do Plano Collor, impactando no encerramento das atividades de 116 microempresas em 1992. A outra decisão foi a suspensão das linhas de crédito para capital de giro, na implantação do Plano Real, como

0 5.000 10.000 15.000 20.000 25.000 30.000 35.000 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

medida de combate à inflação, levando ao encerramento das atividades de 96 micro empresas no APL em questão no ano de 1996.

Adicionalmente a estes dados, o estudo de Martinelli e Curci (2001) identifica fatores como isolamento por parte dos microempresários, falta de marca própria, falta de conhecimento sobre estratégias mercadológicas, falta de um representante comercial profissional, a alta competição enfrentada no mercado internacional, bem como a imposição de preços por parte dos grandes fornecedores e grandes clientes, e maus pagadores, como características do empresariado à época da pesquisa.

A recessão mundial deflagrada em fins de 2008 concorreu para mais um cenário de desemprego em Franca, a terceira cidade do país que mais desempregou em dezembro de 2008. Com saldo negativo de 11.101 empregos, Franca ficou atrás apenas de São Paulo (- 37.286) e Manaus (- 11.938), sendo que essas duas são metrópoles com respectivamente 10, 9 milhões e 1,7 milhões de habitantes. Neste mesmo ano, Pitangui (2008), evidenciou as peculiaridades da indústria calçadista de Franca-SP no que se refere às práticas administrativas e, mais especificamente, ligadas à gestão de pessoas. Em fins de 2010 e início de 2011, o problema do desemprego se repetiu: o município de Franca ocupou em janeiro de 2011 o 8º posto entre as cidades que mais geraram desemprego no país, tendo sido em

dezembro de 2010 a 2ª cidade paulista (e uma das 10 do país) que mais desempregou (Dados

do Cadastro Geral de Emprego e Desemprego – CAGED/MTE).

Atualmente, Franca ainda é o maior polo fabricante de calçados masculinos do país, com produção anual de 25,9 milhões de pares em 2010 (cerca de 3,2% da produção nacional total) e valores de exportação que chegaram a US$ 95,74 milhões no mesmo ano – cerca de

6,4% do faturamento total das exportações brasileiras de calçados no ano em questão. A produção de calçados de Franca distribui-se da seguinte maneira: 76% de calçados masculinos, 21% de calçados femininos e 3% de calçados infantis. Há sete anos os números do arranjo produtivo de Franca eram consideravelmente mais expressivos. Em 2005 a produção anual ficou em torno de 27,9 milhões de pares de calçados (cerca de 4% da produção nacional), sendo que 8,5 milhões destinaram-se à exportação (4,5% do total nacional). Os valores faturados com a exportação chegaram a US$ 163,4 milhões – 8,7% do faturamento total das exportações brasileiras de calçados no ano em questão. De igual modo, a mão de obra empregada em Franca nesse segmento fabril representava 9,4% do total nacional. Isso em um setor em que predomina ainda a produção em caráter semiartesanal, no qual as transformações tecnológicas, marcadas pela expansão da automação e introdução da microeletrônica, não tiveram grande influência.

No ano de 1984, por exemplo, o arranjo produtivo calçadista local de Franca exportou mais da metade dos 32 milhões de pares de calçados que fabricou (equivalente a 11,6% da produção nacional) e o faturamento com as vendas para o exterior atingiu a marca de US$ 164,5 milhões, o que representou 15% do total das exportações brasileiras de calçados naquele ano.

Nesse ambiente produtivo, segundo documento do Mapeamento da Cadeia Produtiva Coureiro Calçadista de Franca/SP e Região, disponível no sítio do Sindifranca, existem em Franca 234 microempresas prestadoras de serviço para as indústrias calçadistas, 27 pequenas e 4 médias empresas. A atuação dessas empresas é a seguinte: 74% prestam serviços de pesponto, 14,5% serviços de corte, 8,5% serviços de acabamento e 6% de modelagem. Dessas empresas prestadoras de serviço, 95% ofertam seus serviços exclusivamente para empresas

calçadistas instaladas no polo de Franca, restando apenas 5% de empresas que possuem clientes da indústria calçadista de outras regiões.

Quanto à escolaridade, Franca apresentou o terceiro pior índice de alfabetização do estado de São Paulo no ensino médio e fundamental em 2012 (Comércio da Franca, 07/01).

Quanto à escolaridade do empresariado, segundo pesquisa realizada por Barbosa (2006, p. 10), “(...) 70% dos empresários declararam não possuir curso superior, sendo que muitos deles cursaram apenas o ginasial (...)”. Acrescenta-se ainda que “(...) Nada menos que 60% dos empresários pesquisados declararam terem sido operários antes de se tornarem industriais; e o tempo médio de exercício dessa profissão gira em torno de 9 anos. Destes, 83% chegaram a realizar alguma atividade ligada à produção no início da empresa e 42% ainda realizam tais funções (...) (BARBOSA, 2006, p. 3)”. Esses dados constituem um indício da maneira de gerir destes empresários, muitas vezes com algumas deficiências quando se trata de questões administrativas.

Segundo Pitangui (2008), a origem desses empresários no chão de fábrica, e a baixa escolaridade, sugerem que, para eles, o saber fazer é mais importante do que a gestão do negócio.

Muitas vezes o foco no produto é característica visível na gestão destas empresas. Nas pequenas empresas, particularmente, a baixa escala de produção, o baixo valor agregado dos produtos e a baixa lucratividade são fatores que concorrem para este vínculo estreito entre o empresário e o chão de fábrica.

O empreendedorismo de necessidade, visível ao se observar a fragmentação e multiplicação dos empreendimentos industriais na indústria calçadista pesquisada, é possível graças às baixas barreiras à entrada que a indústria calçadista apresenta.

A fragilidade dos laços institucionais entre os empresários, o poder público e as instituições locais, além das baixas barreiras à entrada que essa indústria tradicional apresenta por produzir um produto de fabricação simples e sem a necessidade do uso de tecnologias avançadas, onde a grande participação da mão de obra é decisiva para essa entrada de novos ofertantes, contribuem para um aparente paradoxo: uma indústria intensiva em mão de obra e ao mesmo tempo com altas taxas de rotatividade e aparente falta de qualificação dos funcionários (COSTA, 2001, BARBOSA, 2006).

Há indícios, ainda, de que o aumento das exportações na década de 1990 forçou algumas empresas exportadoras a aumentarem seus investimentos em P&D, investimentos esses que foram diminuídos no início dos anos 2000, quando diminuíram as exportações, sugerindo que tais políticas podem ter sido realizadas apenas como uma exigência do mercado exportador da época (BARBOSA, 2006).

Segundo a Fundação Seade (RA-Franca, 2012), entre os anos de 2005 e 2010, os investimentos na região administrativa de Franca no setor industrial foram voltados para a indústria de alimentos e de biocombustíveis. Segundo a PIESP (Pesquisa dos Investimentos do Estado de São Paulo), em 2008 a região administrativa de Franca ocupou a 13ª posição no

ranking estadual em investimentos na indústria, nos serviços e no comércio; em 2009, a 11ª posição; e no primeiro semestre de 2010 a pesquisa não identificou nenhum anúncio de

investimento. Cabe ressaltar que o estado de São Paulo possui 14 regiões administrativas. Compõem a região administrativa de Franca 17 municípios.

A indústria calçadista de Franca vem resistindo às várias crises por que passou. Crises essas motivadas pela política econômica, pela globalização da economia e pela consequente reestruturação produtiva, além da ocorrência de crises internacionais. Em entrevista realizada, o ex-presidente da Abicalçados e ex-presidente do Sindifranca afirma:

...se você pegar a produção de 15 anos atrás, da década de 90 e da década de hoje, nós tivemos um decréscimo de 10% na produção. Por quê? Vamos dizer, é lógico que temos muitos fatores aqui, nossos mesmos, culpa do setor calçadista mesmo. Mas, tem outros fatores que contribuíram com isso. Primeiro, o tênis, calçado esportivo, de primeiro era usado para prática de esporte, ele é um sapato casual hoje, ele ganhou uma força muito grande no mercado... Primeiro isso ai, já roubou uma fatia do mercado... Em segundo lugar, foi a queda nas exportações, o equilíbrio das exportações... isso não é Franca não, equilíbrio nacional e Franca lógico nesse contexto. Sempre foi 70/30 pra equilibrar a produção, 30% de exportação e Franca perdeu esse 30% como o Brasil perdeu. Se você for ver a realidade disso aí, ela está no Brasil também, não só aqui. Então, devido ao problema cambial, a produção abaixou porque nós perdemos muito na exportação. O mercado interno não perdeu tanto, perdeu, um pouco por causa da entrada de tênis, mas o consumo aumentou também, vamos dizer que ele equilibrou. (Entrevista).

Voltando ao argumento de Bagnasco (1999, p. 39 em: Cocco et al, 1999), citado no capítulo 2 deste trabalho, sobre as condições que permitiram a expansão das pequenas empresas na Terceira Itália, retoma-se que esta expansão está relacionada a fatores gerais e específicos. Como fatores gerais, o autor cita a flexibilidade, a terceirização e subcontratação, além dos particularismos sociais e culturais presentes à época. Como fatores específicos, o

autor cita as políticas econômicas de estímulo às pequenas empresas, a presença da família rural autônoma, a acumulação inicial de capital pelas famílias de comerciantes, artesãos, agricultores, que são os potenciais empresários, capacidades de gestão, qualificações técnicas fornecidas pela comunidade local, e relacionamento entre a comunidade que permite uma confiança recíproca e um bom clima social.

Focando no fator específico das políticas econômicas de estímulo às pequenas empresas, Crocco (2004) afirma que na Itália a política de desenvolvimento regional aconteceu em dois períodos distintos. O primeiro foi marcado por uma forte intervenção do Estado, com a finalidade de criar condições que permitissem a redução da diferença de desenvolvimento econômico e social entre as regiões norte e central e a região sul do país. Este período durou de 1946 a 1984. O segundo período acontece depois do processo de unificação europeia, que irá apresentar reflexos na condução da política econômica regional dos países-membros, e é caracterizado pelo aumento da participação dos atores locais na fixação de políticas e estratégias com vistas ao desenvolvimento.

Harvey (2006, p. 149) cita as mudanças que vêm ocorrendo no sistema capitalista nos últimos 30 anos como promotoras de uma nova economia. Essa nova economia, globalizada, é marcada pela mundialização do capital financeiro, pelo desenvolvimento e difusão das tecnologias de informação e pela diminuição do papel do Estado nas obrigações sociais.

A partir da crise das políticas keynesianas iniciada na década de 1960, o paradigma fordista de produção vai aos poucos dando lugar à flexibilização da produção e do trabalho. A flexibilidade produtiva e o fenômeno da exclusão de milhões de pessoas dos processos produtivos trouxeram significativas transformações espaciais, que permitiram manifestações

sobre essa nova economia que foram do papel desterritorializador da globalização para o papel reterritorializador que a globalização pode trazer.

Com repercussões nos processos produtivos, no papel do Estado e, portanto, em toda a sociedade civil, essa realidade, segundo Markusen (2005, p. 62) evidencia o ressurgimento de questões subjetivas como lealdade local, solidariedade, reciprocidade, cooperação, tolerância, que só têm sentido quando se considera as consequências das transformações espaciais.

O desenvolvimento econômico atual, então, está baseado na diminuição da mão de obra, com o movimento da terceirização e subcontratação, no aumento da produtividade pelo aumento dos investimentos. Assim, com a mudança da necessidade de recursos e do contexto social, as capacidades de gestão e as qualificações técnicas se tornam mais complexas e exigem mais do que aquelas relacionadas ao conhecimento das pequenas oficinas. As relações empresariais mudaram com a diversificação dos interesses.

Neste sentido, Corò (1999, p.153) afirma que essa nova realidade empresarial provoca mudanças na força de trabalho que, ao se adaptar à flexibilidade, vai incorporando a capacidade de realização de vários tipos de tarefas, como por exemplo, operar máquinas, fazer a manutenção, elaborar e disseminar informações, fazer o controle de qualidade, entre outras.

Assim, o aumento da informalidade, ocorrido nas décadas de 1980 e 1990 a partir do processo de reestruturação produtiva do capitalismo que teve curso nesta época, trouxe consigo a multiplicação dos pequenos negócios que surgiram com microempresários antigos