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O ponto de partida do crime em comento é o combate à atuação clandestina daquele que opera no mercado de capitais. De outra forma não poderia ser. Não basta a mera punição administrativa, para o responsável por tal conduta. Agindo dessa forma, a probabilidade de atos ilícitos é muito grande, especialmente por se tratar de operações com recursos de terceiros e diante da situação de informalidade, a estimular a ideia de irresponsabilidade de seus operadores.

A conduta daquele que comete infrações no mercado de capitais pode culminar com punições administrativas que vão, desde multas, até a suspensão de atividades por dez anos. Se o autor dessas condutas não estava autorizado ou registrado junto ao órgão competente, a punição de suspensão de atividades é inócua. No tocante às sanções pecuniárias, muitas vezes não atingem seu objetivo, pois, por estar na informalidade, fica mais fácil se escusar, ou por não serem encontrados recursos suficientes para honrar a punição, ou mesmo pelo próprio autor não ser localizado.

O crime em comento não é isolado na legislação pátria. Existem outros que guardam grande similitude, porém, com ele não se confunde.

O artigo 47 da Lei de Contravenções Penais, Decreto-Lei nº 3.688/41, prevê pena de prisão simples para aquele que “exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício”. Neste caso, trata-se de uma norma geral e de acordo com o princípio da especialidade, estando afastada sua aplicação diante da existência de legislação própria para o mercado de capitais.

181 MAIA, Rodolfo Tigre. Tutela penal da ordem econômica: o crime de formação de cartel. São

Na realidade, o conflito pode surgir com outra norma, o artigo 16 da Lei 7.492/86, a qual prevê como crime a prática de fazer operar, sem a devida autorização ou com autorização obtida mediante declaração falsa, instituição financeira, inclusive distribuição de valores mobiliários ou de câmbio. Não se trata de mera discussão acadêmica, despida de qualquer relevância jurídica. Ao contrário, são dois tipos penais a regular matéria semelhante, porém, com profundas diferenças.

Desde já, assinala-se que o Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro, conhecido pela sigla GAFI, emitiu quarenta recomendações, as quais os países participantes deveriam adotar como forma de desestimular os ilícitos financeiros em geral e o crime de lavagem de dinheiro, em especial182. No item 23, fez constar que embora a exploração de atividades financeiras seja livre à iniciativa privada, o Estado deve previamente autorizar sua atividade.

Enquanto a infração penal prevista no artigo 27-E da Lei 6.385/76, incluída pela Lei nº 10.303/01, estabelece pena de detenção de seis meses a dois anos e multa, o artigo 16 da Lei 7.492/86 traz pena de um a quatro anos de reclusão e multa. As penas de detenção são próprias para ilícitos menos relevantes, cujo regime inicial somente poderá ser o semiaberto. Já o artigo 16, além de prever uma pena em abstrato máxima mais elevada, quatro anos, estabelece reclusão, que significa a possibilidade de cumprimento inicial da pena em regime fechado. Além disso, a atual sistemática em delitos de menor potencial ofensivo, prevista na Lei 9.099/95, com sua redação dada pela Lei 10.259/01, estabelece mero termo circunstanciado para a investigação do ilícito previsto no artigo 27-E da Lei 6.385/76, além de provável transação penal e suspensão do processo.

No Brasil de hoje, necessário ainda se faz profundos estudos para comprovar que crimes contra o sistema financeiro e o mercado de capitais não são de menor potencial ofensivo, têm enorme potencial lesivo e merecem punição rigorosa para seus autores.

O conflito de normas, entretanto, é somente aparente. O delito previsto no artigo 27-E, conforme o próprio nomen juris estabelece, está restrito ao exercício

182 Grupo de Ação Financeira que reúne 187 países (sendo 36 países membros efetivos) com foco no

combate ao crime financeiro, financiamento ao terrorismo e, mais recentemente, à corrupção. O GAFI costuma emitir recomendações aos países membros com o objetivo de aprimorar suas legislações e condutas na prevenção e combate a esses crimes. FINANCIAL ACTION TASK FORCE (FATF). Disponível em: <http://www.fatf-gafi.org>. Acesso em: 3 jun. 2012.

irregular de cargo, profissão, atividade ou função, ou seja, o foco está na conduta da pessoa física, sem o devido registro ou autorização. O exemplo clássico é de uma distribuidora de títulos e valores mobiliários, regularmente estabelecida, que possui uma pessoa se passando, às vezes, por analista de valores mobiliários, sem ter o registro. A pessoa física que assim age, comete o crime previsto no artigo 27-E, e o proprietário da pessoa jurídica onde ele exerce suas funções também o pratica, em coautoria, pois, tem o dever de fiscalizar a regularidade da conduta de seus funcionários. Conduta semelhante temos a do agente autônomo de investimento, que presta serviços por intermédio de uma corretora de valores regularmente estabelecida, porém, o agente autônomo pessoa física não possui o registro na Comissão de Valores Mobiliários ou Bovespa.

A conduta descrita acima é muito diferente daquela prevista no artigo 16 da Lei 7.492/86. A respeito deste crime e com base em jurisprudência do Tribunal Regional Federal, o magistrado gaúcho José Paulo Baltazar Junior ensina que:

a conduta é fazer operar, o que pressupõe a comprovação de operações, o funcionamento da instituição financeira em pelo menos uma das atividades características mencionadas no art. 1º, ou seja, captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros; custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários; ou ainda atividade de seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer forma de captação de poupança ou de recursos de terceiros.183

Neste caso, a pena é mais grave justamente por se tratar de punir aquele que faz operar sem a devida autorização da instituição financeira, distribuidora de títulos, valores mobiliários ou de câmbio. No primeiro caso, se o agente não habilitado em razão de erros cometidos causa algum prejuízo, a indenização é mais fácil de ser obtida, pois, a atuação dele estaria vinculada a uma pessoa jurídica regularmente constituída. No segundo, entretanto, não só atuou sem os devidos registros, mas fez funcionar uma pessoa jurídica, que não estava autorizada e habilitada para tanto. O campo de atuação e, por consequência, de lesão deste último é muito maior. Além disso, não está restrito apenas a uma função, como auditoria independente, mas também presta serviços próprios de instituição financeira, de forma sistemática.

183 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 5.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

A Lei nº 4595, de 31 de dezembro de 1964, embora atualmente com alguns artigos revogados, tratou de política das instituições monetárias, bancárias e creditícias. No artigo 17, apresentou precisa definição de instituição financeira como sendo “as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros”. Justamente a prática de condutas descritas neste artigo configura o crime previsto no artigo 16 da Lei 7.492/86. O ilícito previsto no artigo 27- E da Lei 6.385/76 guarda semelhanças com a definição de instituição financeira fornecida pela lei, porém, conforme argumentos introduzidos acima, não pode haver confusão.

A conduta daquele que administra uma carteira de investimentos coletiva ou individual sem a autorização dos órgãos competentes pode tanto estar tipificada no artigo 27-E da Lei 6.385/76 como no artigo 16 da Lei 7.492/86. É necessária uma serena análise da situação em concreto. No caso do autor, sem registro junto aos órgãos competentes, contudo, prestar serviços a uma corretora de valores regularmente constituída configurada estará a prática do ilícito previsto no artigo 27- E. Isso porque, somente o administrador da carteira terá atuação à margem das normas no mercado de capitais.

Difere da hipótese, entretanto, daquele que sem qualquer registro nos órgãos competentes, em especial no Banco Central do Brasil, começa a captar recursos de terceiros, para, por exemplo, investir no mercado de capitais. Ainda que atue como pessoa física, a prática das condutas previstas no artigo 17 estará configurada. O parágrafo único do citado artigo equipara a instituição financeira às pessoas físicas que exerçam as atividades previstas no artigo. Uma vez atuando como instituição financeira e não ter registro nos órgãos oficiais, o autor incidirá no crime previsto no artigo 16 da Lei 7.492/86.