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6. GUERRA FISCAL: COMPETIÇÃO FISCAL EM BUSCA DE

6.3 Conflito federativo, regulação central e guerra fiscal

Atualmente, um dos grandes objetivos do federalismo é a busca da cooperação entre a União e os entes federados, equilibrando a descentralização federal, buscando a integração econômica nacional. O fundamento do federalismo em termos fiscais é a cooperação financeira,584 que se desenvolve em virtude da necessidade de solidariedade federal por meio de políticas públicas de compensação das disparidades regionais.

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“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI Nº 6.004, DE 14 DE ABRIL DE 1998, DO ESTADO DE ALAGOAS – CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS RELATIVOS AO ICMS PARA O SETOR SUCRO-ALCOOLEIRO – ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 155, § 2º, XII, G, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – Ato normativo que, instituindo benefícios de ICMS sem a prévia e necessária edição de convênio entre os Estados e o Distrito Federal, como expressamente revelado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, contraria o disposto no mencionado dispositivo constitucional. Ação julgada procedente”, (STF – ADI 2458 – AL – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJU 16.05.2003 – p. 00090). “ICMS – CONCESSÃO UNILATERAL DE BENEFÍCIOS FISCAIS (INCLUÍDA A OUTORGA DE CRÉDITO PRESUMIDO) POR ESTADO FEDERADO – GUERRA FISCAL REPELIDA PELO STF – LIMINAR DEFERIDA – 1. A orientação do Tribunal é particularmente severa na repressão à guerra fiscal entre as unidades federadas, mediante a prodigalização de isenções e benefícios fiscais atinentes ao ICMS, com afronta da norma constitucional do art. 155, § 2º, II, g – que submete sua concessão à decisão consensual dos Estados, na forma de lei complementar (ADIn 84-MG, 15.2.96, Galvão, DJ 19.4.96; ADInMC 128-AL, 23.11.89, Pertence, RTJ 145/707; ADInMC 902 3.3.94, Marco Aurélio, RTJ 151/444; ADInMC 1.296-PI, 14.6.95, Celso; ADInMC 1.247-PA, 17.8.95, Celso, RTJ 168/754; ADInMC 1.179-RJ, 29.2.96, Marco Aurélio, RTJ 164/881; ADInMC 2.021-SP, 25.8.99, Corrêa; ADIn 1.587, 19.10.00, Gallotti, Informativo 207, DJ 15.8.97; ADInMC 1.999, 30.6.99, Gallotti, DJ 31.3.00). [...]” (STF – ADIMC 2352 – TP – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJU 09.03.2001 – p. 00102). No mesmo sentido: STF – ADI 1179 – SP – TP – Rel. Min. Carlos Velloso – DJU 19.12.2002 – p. 00069; STF – ADIn 2.376 (ML) – RJ – Rel. Min. Maurício Corrêa – Clipping do DJ 04.05.2001 – Informativo nº 226 – 09.05.2001 – p. 2; STF – ADInMC 2.376 – MG – TP – Rel. Min. Maurício Corrêa – J. 15.03.2001 – Informativo nº 220 – 21.03.2001 – p. 1.

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A cooperação financeira tem como característica a responsabilidade da União e entes federados pela realização de políticas públicas comuns. O objetivo é o de executar uniforme e adequadamente serviços públicos equivalentes em toda a federação, de acordo com os princípios da solidariedade e da igualdade das condições

Segundo Gilberto Bercovici, os desequilíbrios regionais geram a necessidade de uma compensação financeira em favor dos entes menos desenvolvidos. Assim, utilizam-se transferências intergovernamentais com o objetivo de permitir aos entes mais pobres o acesso a recursos financeiros suficientes para promoverem o seu desenvolvimento e a sua capacitação financeira, “favorecendo a igualação das rendas dentro do país.” A existência de um sistema de compensação financeira enquadra-se dentro dos esforços constantes de manutenção ou estabelecimento de um equilíbrio federal, com o objetivo de evitar um grande distanciamento entre as regiões do mesmo país.585

No entanto, a igualdade financeira não resolve, por si só, os problemas gerados pelas desigualdades regionais. Faz-se necessária uma política econômica voltada aos mesmos objetivos da igualação financeira, ou seja, que promova o desenvolvimento e a distribuição de renda. Nos regimes federais, tradicionalmente compete à União buscar a redução das desigualdades regionais. No Brasil, a forte presença estatal na economia contribuiu para que o sistema tributário ocupasse um papel de importância nas políticas de desenvolvimento regional. 586

Em termos fiscais, não se têm buscado mais espaços financeiros e tributários estanques, mas se buscam o equilíbrio e a redistribuição de renda inter-regional. Para isso, são desenvolvidos mecanismos que permitem aos diferentes entes da federação atuarem para o equilíbrio das condições sociais de vida dos habitantes da federação.

Segundo Sérgio Prado e Carlos Eduardo G. Cavalcanti, a progressiva fragilização da capacidade de regulação sobre os conflitos federativos por parte do governo central contribuiu para o avanço do processo de descentralização político-fiscal.587 Ao longo dos anos 80, o poder de conciliar distintos interesses federativos pelo uso de recursos públicos vai sendo perdido pela União, com o esgotamento do padrão de financiamento do setor público na

      

sociais de vida. BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p.157.

585

BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 158.

586

Idem, ibidem, p. 158-159.

587

O poder regulador do governo central sobre os entes federativos pode ser desdobrado em dois componentes. O primeiro pode ser dado pelos dispositivos constitucionais e legais, que, no âmbito do sistema tributário e orçamentário, normatizam as relações entre os agentes da federação. O segundo é dado pela capacidade que o governo central, mais especificamente o governo federal, detém em determinadas circunstâncias e períodos históricos, através do controle que assume sobre os recursos fiscais e os processos decisórios alocativos, de regular diretamente a alocação regional do investimento público e, direta ou indiretamente, influir poderosamente na alocação do investimento privado. PRADO, Sérgio; CAVALCANTI, Carlos Eduardo G. A guerra fiscal no Brasil. São Paulo: Fundap: Fapesp; Brasília: Ipea, 2000, p. 12.

década anterior. O planejamento das principais decisões de investimento permitia que interesses conflitantes entre blocos regionais fossem articulados num único projeto, através de recursos financeiros e fiscais. A transferência de recursos federais, via mecanismos constitucionais, garantiram a acomodação dos conflitos existentes.588

No período anterior à Constituição de 1988, o forte controle imposto pelo governo federal de regime autoritário sobre a alocação dos recursos tributários, inclusive nos fundos de participação, “tornava os governos subnacionais dependentes de um desgastante processo de captação das chamadas transferências negociadas para viabilizar investimentos.” Com o declínio dos investimentos públicos na economia entre as décadas de 80 e 90, e posteriormente à Carta de 1988, dá-se a substituição do governo federal pelos governos subnacionais como agentes mais dinâmicos na alocação do investimento público. 589

A estagnação do investimento controlado pelo governo federal, sobretudo do setor produtivo estatal, teve efeitos na distribuição regional. A orientação de corte imposta à política de governo federal tem desconsiderado um papel mais ativo via política de desenvolvimento em nível nacional. Isso leva a uma possível omissão no papel de coordenação de política nesse nível. Esse conjunto de fatores, associado à expansão de desemprego no setor industrial, segundo Sérgio Prado e Carlos Eduardo G. Cavalcanti, parece conduzir a uma retomada de iniciativa dos sistemas políticos regionais, expressa nas políticas descoordenadas que interferem com a alocação do investimento sem critérios explícitos e organizados no plano nacional.590

O fator decisivo para o surgimento da guerra fiscal foi a retomada do investimento privado na América Latina em geral, desde o final dos anos 80, e no Brasil, a partir de 1993, além da retomada do investimento interno a partir da estabilização, em 1994. Embora grande parte desses recursos estivessem associados ao processo de privatização dos setores de infraestrutura, configura-se, ainda assim, um nítido processo de retomada. A fase mais evidente desses fluxos se deu pela entrada de grandes empresas no setor de consumo durável, os novos investimentos provocaram um significativo aumento na capacidade produtiva de muitos setores, especialmente no setor automotivo. 591

       588

PRADO, Sérgio; CAVALCANTI, Carlos Eduardo G. A guerra fiscal no Brasil. São Paulo: Fundap: Fapesp; Brasília: Ipea, 2000, p. 12.

589

Idem, ibidem, p. 12-13.

590

Cf. PRADO, Sérgio; CAVALCANTI, Carlos Eduardo G. A guerra fiscal no Brasil. São Paulo: Fundap: Fapesp; Brasília: Ipea, 2000, p. 13-20.

591

Nos setores mais beneficiados pela dinamização da demanda interna, a adequação ao novo contexto gerado pela estabilização provocou um ciclo de expansão que alterou a situação de relativa estabilização do perfil de alocação espacial da produção de bens de consumo. Esta ampliou a capacidade produtiva através de novas plantas industriais. Assim, os governos subnacionais se utilizaram de políticas autônomas agressivas, buscando interferir nos processos locacionais desse fluxo conjuntural. A guerra fiscal potencializa-se.

No plano constitucional e nas leis complementares, por mais centralizada que se mostre a estrutura normativa de harmonização da competência tributária estadual relativa à concessão de incentivos fiscais de ICMS, constata-se que a renúncia fiscal não se equilibra pelo aumento da base tributável e correspondente ganho de arrecadação. Mas o aumento de competição fiscal entre os Estados, em descompasso com o texto constitucional, ocorre em virtude dos seguintes fatores destacados:

a) Desequilíbrio entre as diversas regiões do país, no que diz respeito à oferta de mão- de-obra qualificada e de infraestrutura de instalação de acesso aos insumos e ao mercado, aliado à inoperância do governo central na promoção de políticas públicas de desenvolvimento regional, fazendo com que aqueles que não tenham outros instrumentos de atrair novos investimentos se utilizem de desoneração fiscal. Quanto mais desfavorável a localização, maior é o custo fiscal envolvido.592

b) Atribuição aos entes subnacionais da competência para a instituição e cobrança do ICMS, principal tributo sobre o consumo, ao contrário do que se considera um padrão mundial. Mesmo que se tenham criado meios de harmonização normativa (Constituição, leis complementares, convênios, resoluções do Senado, etc.), são 27 legislações diferentes em âmbito local. Isso propicia ampla desigualdade na cobrança do tributo, gerando desequilíbrios concorrenciais entre as empresas já instaladas nos Estados e insegurança na hora de definição no local de investimento.593

c) Adoção do chamado princípio da origem na incidência do ICMS, de modo a influenciar fortemente o Estado em que se localiza a empresa que dará ensejo à operação de saída. Permite-se que o governo local negocie com cada empresa as condições e a própria

       592

PRADO, Sérgio; CAVALCANTI, Carlos Eduardo G.. Aspectos da guerra fiscal no Brasil: uma síntese. In: Guerra fiscal no Brasil: três estudos de caso – Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná. São Paulo: Fundap, 1999, p. 7.

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PEIXOTO, Daniel Monteiro. Guerra fiscal via ICMS: controle dos incentivos fiscais e os casos “FUNDAP” e “Comunicado CAT nº 36/2004”. In MARTINS, Ives Gandra da Silva; ELALI, André; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Orgs.). Incentivos Fiscais: questões pontuais nas esferas federal, estadual e municipal. São Paulo: MP, 2007, p. 75.

obrigatoriedade de recolhimento do imposto eventualmente. Mesmo numa situação em que toda a produção seja vendida para outro Estado, o governo do Estado que detém a produção pode, como destinatário legal da arrecadação, conceder incentivos diversos. O modelo adotado para o imposto sobre o valor adicionado é utilizado como instrumento de políticas de desenvolvimento regional.594

d) A falta de aptidão do Poder Judiciário em dar respostas ao problema. O próprio Supremo Tribunal Federal, ainda que tenha posição formada no sentido de repudiar os benefícios fiscais concedidos sem amparo em convênio interestadual, muitas vezes, acaba em função da lentidão e sobrecarga de processos, entrando em descompasso como ritmo exigido pelas demandas sobre o assunto.595

Assim, o desequilíbrio econômico e social entre os diversos Estados e regiões, aliado à falta de regulação do poder central, faz com que os Estados utilizem-se de políticas públicas unilaterais de desenvolvimento regional. Resta aos entes subnacionais a manipulação de desonerações fiscais, objetivando investimentos privados. A concessão de incentivos fiscais torna-se um elemento decisivo na alocação daqueles.

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