• Nenhum resultado encontrado

3. A INTERVENÇÃO ESTATAL SOBRE O DOMÍNIO

3.6 Os incentivos fiscais como normas tributárias indutoras no direito brasileiro

As funções estatais básicas em face da atividade econômica podem ser divididas em três linhas, levando-se em consideração a atuação estatal: a) o Estado como sujeito da atividade econômica, criando empresas públicas e sociedades de economia mista; b) o Estado como ente regulador, no exercício da atividade de polícia sobre as atividades econômicas – regulação normativa e regulação administrativa e c) o Estado exercendo atividades indutoras através de políticas fiscal e creditícia, com o objetivo de motivar atividades consideradas relevantes para o desenvolvimento econômico e social.315

A partir da década de 90, o Estado tem-se afastado da condição de agente da atividade econômica. Como consequência, o Estado já não suportava atuar no cenário econômico como agente econômico. Mesmo em face da subsidiariedade trazida no artigo 173 do texto constitucional de 1988, o problema era de exaustão financeira. A alteração da capacidade de o Estado prover o desenvolvimento econômico diretamente fez o perfil estatal se modificar para um indutor. Assim, estimulam-se ou se desestimulam determinadas atividades, por exemplo, através da tributação ou da exoneração desta, como a concessão de incentivos fiscais, objeto deste trabalho.

A utilização da política de incentivos fiscais como instrumento de intervenção no desenvolvimento regional surgiu com a Lei nº 3.692, de 15 de dezembro de 1959, objetivando minimizar os problemas nordestinos, ampliando-se para a Amazônia Legal em 1963.316

       313

Esta lei previa: a) dedução do próprio imposto devido até 8% do valor gasto com pesquisa e desenvolvimento, além da despesa, podendo o excesso de crédito ser transferido para períodos posteriores; b) isenção de IPI sobre equipamentos, máquinas, aparelhos e instrumentos aplicados em pesquisa e desenvolvimento; c) depreciação acelerada do custo das máquinas anteriores; d) amortização acelerada dos bens intangíveis voltados à pesquisa; e) redução do imposto de renda sobre as remessas ao exterior a título de royalties; f) ampliação do limite de dedução de pagamentos a título de royalties, para até 10% da receita líquida da venda de bens produzidos com a tecnologia desenvolvida.

314

SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 124.

315

CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. Considerações sobre incentivos fiscais e globalização. In MARTINS, Ives Gandra da Silva; ELALI, André; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Orgs.). Incentivos Fiscais: questões pontuais nas esferas federal, estadual e municipal. São Paulo: MP, 2007, p. 170-171.

316

SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 123.

Ricardo Lobo Torres observa que a ideologia intervencionista se firmava na convicção de que “as isenções tributárias e os incentivos fiscais eram poderosos instrumentos para o crescimento da economia.” No Brasil, adotou-se a política de concessão indiscriminada de isenções e subsídios, com o objetivo de atrair recursos para setores atrasados e improdutivos. Segundo o referido autor, tais benefícios não produziram o desenvolvimento econômico nem colaboraram para o fortalecimento dos direitos humanos.317

Como bem observou Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, a figura do Estado Social, presente no Brasil desde a Carta de 1934, já se encontrava debilitada. O modelo do

Welfare State, desenvolvido a partir da Primeira Grande Guerra e que teve por referenciais a

Constituição Mexicana de 1917 e Carta Alemã de Weimar de 1919, vinha sendo substituído por um modelo de Estado mais enxuto e reduzido. Tal mudança se deve a uma ideologia neoliberal, além de um alto grau de endividamento e uma incapacidade financeira, o que acarretou na diminuição da capacidade estatal de ser efetivo agente da atividade econômica.318

O sistema de incentivos fiscais das décadas de 1960, 1970 e 1980 era dividido em: a) incentivos fiscais na área de pesca, sob a responsabilidade da Sudepe – autarquia responsável pela atuação estatal na área pesqueira; na área de reflorestamento sob o controle do IBDF - autarquia responsável pela atuação estatal na área de preservação florestal; na área de turismo sob o controle da Embratur – empresa pública federal, responsável pelo fomento e pela regulação na área de turismo; b) incentivos regionais, como os da área da Sudene (Nordeste) e Sudam (Região Amazônica) e da Suframa (Zona Franca de Manaus), além de incentivos fiscais federais, estaduais e municipais.319

Com a crise fiscal do Estado Social, a utilização de incentivos e renúncias de receitas para induzir o desenvolvimento econômico entra em refluxo e dá lugar a uma diferente política orçamentária. Embora tenha trazido benefícios, a política econômica brasileira optou por um quadro de inflação estabilizada, com uma política marcada pela abundância de capital estrangeiro atraído por altas taxas de juros. O preço que se paga por essas políticas é o baixo crescimento econômico e o comprometimento de diversos setores industriais, em prol do pagamento da dívida pública.

       317

TORRES, Ricardo Lobo. A política industrial da Era Vargas e a Constituição de 1988. In SANTI, Eurico Marcos Diniz (coord.). Curso de direito tributário e finanças públicas: do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 263.

318

CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. Considerações sobre incentivos fiscais e globalização. In MARTINS, Ives Gandra da Silva; ELALI, André; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Orgs.). Incentivos Fiscais: questões pontuais nas esferas federal, estadual e municipal. São Paulo: MP, 2007, p. 169.

319

No Brasil, não mais se criam empresas estatais, como a Petrobras, a Companhia Vale do Rio Doce e as produtoras estatais de energia elétrica, como a Chesf. Tal modalidade de intervenção foi atenuada pelo caráter de subsidiariedade trazido no artigo 173 da Constituição da República de 1988, pela exaustão financeira do Estado, passando a concentrar as formas de intervenção nas modalidades de regulação e de atividades indutoras de política fiscal e creditícia.320 Os meios mais comuns de fomento econômico são os benefícios fiscais e de outras naturezas, que assumem particular aval do Estado, como os empréstimos e subsídios.321

A Carta de 1988 privilegia os monopólios estatais e adota a política intervencionista no capítulo da Constituição Econômica, abraça, contraditoriamente, na Constituição Orçamentária, o princípio da transparência, no sentido de controle de incentivos fiscais e renúncias de receitas (art. 165, § 6º, CR/88) e que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão relativos a impostos, taxas ou contribuições só poderão ser concedidos mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regulem exclusivamente as matérias (art. 150, § 6º, CR/88). 322

Além disso, equipara as subvenções às renúncias de receitas para efeito de controle de economicidade, da legalidade e da legitimidade (art. 70, CR/88) e obriga que o projeto de lei orçamentária seja acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre despesas e receitas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia (art. 165, § 6º, CR/88). Por fim, o Ato de Disposições Constitucionais Transitórias prevê a reavaliação de todos os incentivos fiscais de natureza setorial.323

Da maneira que foram concedidos, os incentivos fiscais representam verdadeiro gasto tributário (tax expenditure), por isso não se mostraram um caminho idôneo para influir num processo de desenvolvimento sustentado. As isenções e outros incentivos fiscais, pela maneira como foram concedidos, deixaram de ser a panaceia para o desenvolvimento econômico. Na Carta de 1988, eles foram previstos com ressalvas, salvo no caso de necessidade de se promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do país (art. 151, I, CR/88).

       320

CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. Considerações sobre incentivos fiscais e globalização. In MARTINS, Ives Gandra da Silva; ELALI, André; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Orgs.). Incentivos Fiscais: questões pontuais nas esferas federal, estadual e municipal. São Paulo: MP, 2007, p. 171.

321

MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito económico. 3 ed. Coimbra: Coimbra, 2000, p. 427.

322

TORRES, Ricardo Lobo. A política industrial da Era Vargas e a Constituição de 1988. In SANTI, Eurico Marcos Diniz (coord.). Curso de direito tributário e finanças públicas: do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 263.

323

Documentos relacionados