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Fiscalidade e extrafiscalidade: uma correlação de direito tributário e econômico

3. A INTERVENÇÃO ESTATAL SOBRE O DOMÍNIO

3.2 Fiscalidade e extrafiscalidade: uma correlação de direito tributário e econômico

Originariamente, os tributos objetivam, apenas, abastecer os cofres públicos para suprirem as necessidades do aparelho estatal, ou seja, a tributação mostrava-se exclusivamente direcionada para um fim fiscal ou financeiro, meramente arrecadatório. Atualmente, a forma como a captação de recursos é feita não atende à satisfação de todos. Em virtude de uma flagrante desigualdade social nacional, “a atividade de tributar passou a ponto nodal para o atingimento do bem-estar social.”258

Quando o Estado exerce seu poder de tributar, de acordo com uma determinada carga média aplicada a toda sociedade indistintamente, atua fiscalmente. Além dos ingressos fiscais, existe a figura dos ingressos parafiscais. Quando a lei tributária nomeia como sujeito ativo da obrigação tributária pessoa diversa daquela que a expediu, atribuindo-lhe disponibilidade dos recursos auferidos para a concretização de seus objetivos, tem-se a parafiscalidade. Porém, quando a atividade tributária é reduzida setorialmente, estimulando-se determinada atividade econômica ou valor juridicamente protegido, como, por exemplo, o meio ambiente, o Estado exerce função extrafiscal. Os objetivos se afastam dos meramente arrecadatórios, ou seja,

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PIRES, Adilson Rodrigues. Ligeiras reflexões sobre a questão dos incentivos fiscais no Brasil. In MARTINS, Ives Gandra da Silva; ELALI, André; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Orgs.). Incentivos Fiscais: questões pontuais nas esferas federal, estadual e municipal. São Paulo: MP, 2007, p. 16.

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quando se pretende estimular situações de caráter eminentemente social e economicamente valiosas, tem-se a extrafiscalidade. 259

José Casalta Nabais se refere à maneira pela qual o Estado se utiliza de um conjunto de normas jurídicas que regula a utilização de instrumentos e benefícios fiscais, com o principal objetivo de obter resultados extrafiscais, principalmente em sede de política econômica e social. O referido autor lusitano se refere à expressão direito econômico fiscal, fazendo uma correlação entre direito econômico e fiscal260 (tributário). Sendo assim, o Estado intervém na economia através da tributação ou na redução e, até, na ausência desta. Ao partir de tal premissa, ele sustenta dois grandes domínios do direito econômico fiscal: os impostos extrafiscais ou agravamentos com função extrafiscal e os benefícios fiscais. O problema, conforme aponta Casalta Nabais, é a suposta existência de tributos extrafiscais em sua total plenitude, pois, em verdade, todo tributo terá, também, uma importância sob a ótica da fiscalidade. 261

Ainda, segundo José Casalta Nabais, toda fiscalidade tem certa dose de extrafiscalidade. Ao contrário do que se chegou a pensar no século XIX, quaisquer que sejam os tributos, não são neutros do ponto de vista econômico e social. Mesmo que o legislador tenha apenas se preocupado com a obtenção de receitas fiscais, ainda assim “os impostos não são assépticos face à realidade econômica e social que tributam.”262 Na generalidade das normas tributárias, quando o legislador atribui finalidades extrafiscais secundárias ou acessórias, têm-se, simultaneamente, objetivos fiscais e extrafiscais, o que se designa por fiscalidade ou extrafiscalidade concorrente.

Uma característica parece ser marcante entre a fiscalidade e extrafiscalidade: não há tributo exclusivamente extrafiscal, porque haverá um mínimo de fiscalidade. Não há de se falar, por tal razão, em tributos meramente indutores, mas, em normas tributárias indutoras, expressão utilizada por Luís Eduardo Schoueri.263

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Com o alargamento do texto constitucional, enunciado pelo artigo 149, essas figuras desaparecem, e os tributos passam a se caracterizar por sua natureza finalística. Cf. PIRES, Adilson Rodrigues. Ligeiras reflexões sobre a questão dos incentivos fiscais no Brasil. In MARTINS, Ives Gandra da Silva; ELALI, André; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Orgs.). Incentivos Fiscais: questões pontuais nas esferas federal, estadual e municipal. São Paulo: MP, 2007, p. 16.

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A nomenclatura direito fiscal utilizada no direito português deve-se à maior importância que a Constituição daquele país dá aos impostos em relação às demais espécies tributárias. Assim, em Portugal, utiliza-se corriqueiramente a expressão direito fiscal como o direito dos impostos. Cf. NABAIS, José Casalta. Direito fiscal. 4 ed. Coimbra: Almedina, 2006, p. 3-38.

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NABAIS, José Casalta. Direito fiscal. 4 ed. Coimbra: Almedina, 2006, p. 419.

262

Idem, ibidem, p. 420.

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A opção do autor pela referência à expressão ‘normas tributárias indutoras’, em lugar dos ‘tributos indutores’ ou ‘tributos arrecadadores’ motiva-se, pois tais categorias dificilmente se concretizariam em sua forma pura. Por

A ideia do Estado Liberal indicava que a atividade financeira estatal devia se limitar a fins exclusivamente fiscais, tributando o mínimo possível para atender à proteção da soberania e à manutenção dos serviços públicos indispensáveis à vida coletiva. Entretanto, a ideia de Estado interventor não permite que a administração se mantenha inerte, assistindo a uma tributação essencialmente neutra, alheia a qualquer exame de necessidade de intervenção e correção de possíveis imperfeições.264 Assim, na ideia de Marcos André Vinhas Catão, a tributação deixou de ser um dever estatal à manutenção do aparelho estatal para se tornar uma solução para o próprio Estado.265 Na óptica deste estudo, a atuação estatal de tributação deve- se direcionar à ordenação e à regulação da atividade econômica em busca da redução das desigualdades sociais regionais.

A ideia de um Estado Fiscal parte do pressuposto superado com a instauração do Estado Social. Não há uma separação essencial e irredutível entre o Estado e a sociedade: o primeiro se preocupa fundamentalmente com a política, enquanto que o segundo se preocupa fundamentalmente com a economia. Ou seja, possibilita-se uma interseção das esferas de atuação do Estado e da sociedade.

A atuação fiscal significa uma separação fundamental entre o Estado e a economia, e somente essa separação permite que o Estado e a economia atuem segundo critérios próprios. O Estado está orientado pelo interesse geral da realização da justiça, a economia é guiada pelo critério do lucro, ou seja, pela existência de uma relação positiva entre proveitos ou

      

mais que um tributo seja concebido como instrumento de intervenção sobre o domínio econômico, não se pode olvidar da receita dele decorrente, tratando o próprio constituinte de disciplinar sua destinação. Se não fosse relevante a receita proveniente dos impostos extrafiscais, não haveria por que o constituinte contemplá-la. De regra, o legislador tributário não precisa se valer de um tributo indutor propriamente dito, para atingir suas finalidades, preferindo-se adotar modificações por razões indutoras em normas tributárias preexistentes. Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 16.

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Ao contrário do que se possa pensar, não se deve identificar o Estado Fiscal como Estado Liberal, uma vez que o Estado Fiscal conheceu duas modalidades ao longo da sua evolução: o Estado Fiscal Liberal, movido pela preocupação de neutralidade econômica e social, e o Estado Fiscal Social economicamente interventor e socialmente conformador. O primeiro, pretendendo ser um Estado mínimo, assentava numa tributação limitada – necessária para satisfazer as despesas estritamente decorrentes do funcionamento da máquina administrativa estatal, que deveria ser tão pequena quanto possível. O segundo, movido por preocupações de funcionamento global da sociedade e da economia, tem por base uma tributação alargada – a exigida pela estrutura estatal correspondente. Cf. NABAIS, José Casalta. Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal. Coimbra: Almedina, 2005, p. 46. NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do Estado Fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2009, p. 194.

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benefícios, de um lado, e os custos ou perdas, de outro. O Estado Fiscal é assim: um Estado limitado pelo domínio econômico.266

O poder de tributar designa soberania estatal, aplicada à imposição de tributos. Esses consistem nas contribuições das pessoas à manutenção do governo e para todas as necessidades públicas. A tributação depende de bases econômicas, da disponibilidade de riqueza entre os particulares, pois é sobre ela que se impõem as obrigações em favor do Estado.267

Pode-se dizer que duas são as facetas da tributação: a fiscalidade como representação da transferência de recursos da economia privada para os cofres públicos e a extrafiscalidade como instrumento de repercussão econômica a comportamentos desejáveis em face do interesse público. A atuação do Estado Contemporâneo através da regulação econômica e da tributação efetiva-se através da extrafiscalidade, que se desenvolve na concessão de vantagens e/ou agravamentos fiscais, com o objetivo de induzir os agentes econômicos a comportamentos considerados mais desejáveis.

O Estado se vale da concessão de auxílios fiscais, para que os agentes econômicos, dentro da liberdade de decidirem como atuar, exerçam determinados comportamentos que auxiliarão o fomento de determinados objetivos econômicos. O legislador parte da premissa de que os contribuintes buscam economizar tributos, induzindo-os à determinada conduta.268

Como dito anteriormente, fiscalidade e extrafiscalidade encontram-se relacionadas entre si, pois, dificilmente, haverá tributo exclusivamente relacionado à função fiscal ou à extrafiscal, porque sempre haverá um nível de fiscalidade e extrafiscalidade. Por isso, fala-se em normas tributárias indutoras ao invés de tributos meramente indutores.

As medidas de estímulos promovidas pelo Estado visam ao melhoramento do sistema econômico, destacando-se, segundo António Carlos dos Santos: a) a promoção do desenvolvimento regional e consequente redução de desigualdades regionais; b) a promoção do emprego, particularmente nas áreas onde o desemprego é grande ou destinado a certas categorias de trabalhadores; c) a captação de investimentos em tecnologias de ponta, a fim de

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O que não significa que o Estado tenha de ser não econômico, como anteriormente classificava-se o Estado Liberal. O Estado Fiscal não está impedido de se assumir como um Estado econômico positivo, como é o atual Estado Capitalista. Cf. NABAIS, José Casalta. Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal. Coimbra: Almedina, 2005, p. 47-48.

267

SANTOS, José Albano. Teoria Fiscal. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2003, p. 25.

268

SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 206.

promover a modernização da atividade econômica e empresarial do país; d) a reestruturação de empresas de determinados setores econômicos considerados prioritários, como agricultura, pesca e indústria domésticas e e) a promoção das exportações.269

De qualquer forma, os auxílios fiscais são medidas de caráter financeiro, uma vez que há utilização de recursos públicos em favor de particulares, que, como visto, são oriundos, em sua maioria, da imposição de tributos. Assim, tais auxílios devem visar soluções dos problemas econômicos, em consonância com as disposições do texto constitucional e devem primar pela estabilização econômica e/ou de indução de comportamentos de mudanças na alocação de recursos econômicos.

Marcos André Vinhas Catão questiona se a extrafiscalidade seria uma atividade não fiscal ou uma atividade fiscal concebida a médio ou longo prazo de natureza instrumental, pois qual seria o intuito do legislador, ao dispensar a tributação temporariamente para certo grupo? Simplesmente beneficiá-lo, ou estimular a criação de uma atividade econômica embrionária que, futuramente amadurecida, poderia, então, contribuir para obter recursos ao Estado, via tributação? Segundo o autor, caso a resposta seja a segunda proposição, mereceria, então, reparo a concepção tradicional da concessão de incentivos fiscais e da própria extrafiscalidade, posto que uma renúncia ou um incentivo, embora pareçam medidas não fiscais, podem ser considerados como de objetivo fiscal, ainda que de eficácia diferida, ou seja, que o objetivo arrecadatório só venha a se concretizar posteriormente. 270

Assim, arrecadar ou deixar de fazê-lo mostram-se nas duas faces de uma mesma moeda, fiscalidade e extrafiscalidade. Tais mecanismos servem de estímulo e fomento econômico, incentivando a atividade econômica. O uso da tributação como mecanismo de regulação econômica mostra nitidamente a correlação entre o direito tributário e o direito econômico, uma vez que pode ser visto como instrumento fundamental do Estado para intervir na economia.

3.3. O fim da neutralidade da tributação e extrafiscalidade: tributos extrafiscais e

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