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Pelo lado dos pecuaristas, os efeitos da Segunda Guerra repercutiram na remuneração do animal terminado. Os navios cargueiros de transporte marítimo eram muito visados e mais escassos, para otimizar o transporte e por exigir menor controle ambiental, os frigoríficos voltaram-se exclusivamente para a produção do corned beef, o qual utiliza matéria-prima de qualidade inferior ao chilled beef, gerando a queda do preço dos animais, assim o preço pago pelo animal chilled estava muito próximo ao do tipo conserva. Ademais, a definição de tais tipos se dava de maneira empírica, sem nenhuma regulamentação, enquanto Argentina, Uruguai, Austrália e África do Sul tinham seus próprios técnicos, formados em Chicago e Smithfield, capacitados para realizarem a classificação das carcaças, desde o tipo graxaria a baby-beef, possibilitando um melhor direcionamento no desenvolvimento genético do rebanho e uma melhor remuneração ao pecuarista, o Brasil apresentava-se completamente atrasado (ASSIS, 1942; GOUVÊA, 1942; JORDÃO, 1942).

Mesmo sem nenhuma regulamentação, antes da guerra, o gado chilled beef recebia remuneração superior aos demais, já que seu destino era o internacional, assim era visto como uma oportunidade pelos pecuaristas de serem mais remunerados por estes animais de qualidade superior, porém, durante a guerra, a melhor remuneração não ocorreu, já que a demanda era para a produção de conservas. Isso repercutiu no valor dos animais de reposição, já que a baixa remuneração da fase de terminação, também pressionou o preço do boi magro e do bezerro, impactando toda a pecuária (SINDICATO DOS INVERNISTAS E CRIADORES

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Quando se confronta o número de couros crus inteiros percebe-se que, abate-se muito mais do que os dados oficiais apontam. Como os estados tributam através do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, existe a sonegação de informações do real número de abates. Para mais informações ver IEL, CNA E SEBRAE (2000, p. 85-87) onde se aborda a Pesquisa Anual do Couro (PACo) e a Pesquisa Mensal de Abate (PMA), ambas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

DE GADO DE BARRETOS, 1942). Os pecuaristas sentiram-se reféns dos frigoríficos de capital estrangeiro atuantes no Brasil, estando dependentes somente deles para o escoamento da sua produção e para a manutenção da pecuária nacional (ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE BARRETOS, 1942).

Em 1940, quando ocorreu a maior exportação de carnes e derivados (incluso couro e peles) da história da pecuária brasileira, até aquele momento, no valor de 465.812 contos de réis, mais o item considerado “outros de matadouros”, de 48.361 contos de réis, totalizando 514.173 contos de réis, e o valor da tonelada exportada teve um aumento de 404$000 contos de réis em relação ao ano anterior, os pecuaristas compraram gado magro de 260$000 até 350$000, e se do tipo chilled, por mais de 300$000, em 1939. No primeiro semestre de 1940, a arroba foi comercializada entre 24$000 a 27$000, situação que na visão dos pecuaristas, beneficiava somente a indústria (Tabela 3.2.1) (SINDICATO DOS INVERNISTAS E CRIADORES DE GADO DE BARRETOS, 1942).

Tabela 3.2.1: Brasil - Exportações de carne em geral, volume, valor, preço da tonelada e índice de preço

Ano Volume (tonelada) Valor (contos de réis) Preço da tonelada (contos de réis) Índice de preço da tonelada exportada 1934 53.258 79.734 1:397$000 100 1935 72.370 114.429 1:581$000 105 1936 84.161 147.588 1:753$000 117 1937 100.659 174.442 1:733$000 115 1938 80.180 186.773 2:329$000 155 1939 83.989 221.961 2:838$000 189 1940 148.119 465.812 3:242$000 216

Fonte: de 1934 a 1937, dados oficiais de exportação de carnes e derivados (produtos de matadouro) apud Sindicato dos Invernistas e Criadores de Gado de Barretos (1942, p. 110). De 1938 e 1939 do Serviço de Estatística de Economia e Finanças do Ministério da Fazenda, divulgados na Folha de Minas em 8 de março de 1941, Belo Horizonte, movimento de exportação de carnes (resfriadas e congeladas), em conserva e seca (charque), excetuados os outros de matadouros e também para dados referentes a preços de tonelada apud Sindicato dos Invernistas e Criadores de Gado de Barretos (1942, p. 110).

Também contribuía para o rebaixamento dos preços dos animais, de acordo com os pecuaristas, o enorme percentual de gado abatido do tipo chilled de propriedade dos próprios frigoríficos, sendo que em 1937, por exemplo, o Frigorífico Anglo, de Barretos, abateu mais gado chilled de produção própria do que o adquirido dos pecuaristas (Tabela 3.2.2). A área de pastagem pertencente aos frigoríficos estrangeiros comprovava a sua verticalidade, já que o Armour possuía 4.910 alqueires paulistas; o Wilson (Continental

Products) 8.871, sendo as terras de ambos, localizadas no Estado de São Paulo (Tabela 3.2.3) (SINDICADO DOS INVERNISTAS E CRIADORES DE GADO EM BARRETOS, 1942). Kamprad (1941b) afirma que os frigoríficos estrangeiros eram os maiores criadores, recriadores e invernistas do país.

Tabela 3.2.2: Gado tipo chilled beef abatido pelo frigorífico Anglo de acordo com procedência, número absoluto e participação (1936-1939)

Fonte: Sindicato dos Invernistas e Criadores de Gado de Barretos (1942, p. 107).

Tabela 3.2.3: Área de pecuária dos frigoríficos Armour, Wilson e Anglo e respectivas capacidades de terminação

Frigorífico Área (alqueire paulista) Capacidade de terminação (número de animais)

Armour 4.910 8.000

Wilson 8.871 15.000

Anglo 180.000 100.000

Total 184.910 123.000

Fonte: Sindicato dos Invernistas e Criadores de Gado de Barretos (1942, p. 102, 115).

A The Lancashire General Investement C.° Ltda. possuía algo em torno de 180 mil alqueires paulistas que estavam concedidos ao Frigorífico Anglo, sob a forma de comodato, ou seja, sem cobrar nada, e estavam distribuídos da seguinte forma: 111.925 alqueires paulistas no Mato Grosso; 3.076 em Goiás; e 63 mil no estado de São Paulo. Os campos de GO e MT eram principalmente para a cria e a recria, e os de SP para a terminação. Os pecuaristas consideravam o Anglo como o frigorífico de maior verticalidade, pois suas pastagens no MT tinham capacidade, para produzir 20 mil cabeças anualmente, já que a média de produção era de 2 por 10 alqueires ano, sendo esta uma média pequena, comparativamente a outras regiões do Brasil. Em Goiás, na área destinada à recria, a Anglo poderia produzir 12 mil cabeças ano, já que a média era de 6 por alqueire ano. Em São Paulo,

Ano Anglo Northen Camps Invernistas

nacionais Total de animais abatidos Número de animais % Número de animais % Número de animais % 1936 30.475 42,6 9.194 12,8 31.735 44,5 71.404 1937 22.040 44,1 7.912 15,8 20.046 40,1 49.998 1938 20.230 33,2 11.920 17 34.776 49,8 66.926 1939 (até maio) 15.328 35,1 11.533 26,3 16.810 38,6 43.671

na área total de 63 mil alqueires, podia-se produzir muito mais do que 100 mil cabeças ano, já que a média era de 2 a 3 por alqueire. O Wilson teria capacidade para produzir 15 mil cabeças ano, e a Armour, 8 mil. No total, os três poderiam produzir anualmente mais de 120 mil cabeças de gado (SINDICADO DOS INVERNISTAS E CRIADORES DE GADO EM BARRETOS, 1942).25

Em 1936, 44,5% da área de invernagem de gado no município de Barretos pertencia a pecuaristas nacionais. Em 1939, houve uma redução para 32%, enquanto o Anglo possuía 35% e a Northern Camps26 26%. O município de Barretos possuía em 1940, 65.000 alqueires de pastagem, sendo que 12.160 eram dos frigoríficos estrangeiros, o que não encontrava situação semelhante em nenhum outro município do país. Ainda, toda a região em torno de Barretos, incluindo outros municípios, tinha capacidade para produzir 550 mil cabeças anualmente. Nesse ano, foram abatidos no município de Barretos, 272.391 bovinos e embarcados vivos 225.262 animais, fora outros não contabilizados, desse total de 550 mil, 100 mil foram terminados pelos frigoríficos internacionais (KAMPRAD, 1941a; SINDICATO DOS INVERNISTAS E CRIADORES DE GADO DE BARRETOS, 1942).

A prática dos frigoríficos era a de terminar sua própria recria, assim como adquirir gado magro no mercado e engordá-lo, compondo estoques que possibilitavam maior margem de manobra na negociação do gado gordo, no momento de adquiri-lo de pecuaristas A abrangência do frigorífico era tão grande que, para as charqueadas conseguirem animais para abater, necessitavam ir até às fazendas de pecuaristas e pagar adiantado o animal que viriam a abater. Para Kamprad (1941b) os efeitos da ação vertical dessas indústrias eram percebidos na redução do abastecimento de carne para o mercado interno e no escoamento de todos os lucros para o exterior, mantendo a pecuária nacional em uma pobreza indevida. A carne passou a ter um preço internamente elevado, em função dos lucros excessivos obtidos pelos frigoríficos, prejudicando tanto o pecuarista quanto o consumidor nacionais. Segundo Zalecki (1938 apud KAMPRAD, 1941b, p. 83) a rentabilidade obtida pelos frigoríficos era de 160% ao ano.

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A título de comparação com tempos mais recentes, de acordo com Teixeira et all., em trabalho publicado em 2004, o Grupo Bertin possuía áreas de confinamento de gado em Goiás e São Paulo com capacidade para terminar 31.000 cabeças de gado.

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A Northen Camps era uma empresa inglesa (SINDICATO DOS INVERNISTAS E CRIADORES DE GADO DE BARRETOS, 1942).

A atuação dos frigoríficos na atividade pecuária, incomodava os pecuaristas que afirmavam que a “A própria etimologia da palavra frigorífico indica que a empresa que o explora não pode ser uma invernista, nem criadora ou recriadora de gado.” (SINDICATO DOS INVERNISTAS E CRIADORES DE GADO DE BARRETOS, 1942, p. 112), que seu objetivo era a atividade industrial e que deveria restringir-se a tal, ainda mais se afetava os negócios dos pecuaristas. De outra maneira, se não se proibisse completamente que eles exercessem atividades pecuárias, elas deveriam ao menos ser restringidas à formação de um pequeno estoque, quando houvesse redução da oferta (GOUVÊA, 1942). O Sindicato dos Invernistas Criadores de Gado de Barretos (1942) alegava que, na Argentina, somente dois frigoríficos praticavam a pecuária, e que seus rebanhos não eram tão expressivos ao ponto de afetarem o mercado, além disso, existiam leis que regulamentavam a pecuária de forma a resguardar o bom andamento do mercado. Nos Estados Unidos, também existia uma legislação proibindo que os frigoríficos investissem em pecuária.

Como resultado dos apelos feitos pelos pecuaristas, sobre a verticalidade da atividade dos frigoríficos expressada no 1º Congresso de Pecuária do Brasil Central, Getúlio Vargas regulamentou em 1942, a recria e engorda por pessoas físicas ou jurídicas que explorassem a indústria de carnes frigorificada. Assim, tais indústrias não poderiam abater animais recriados ou engordados em suas propriedades, em proporção superior à média abatida em 1940/1941 da mesma procedência, a não ser que fossem animais de cria própria ou então que fossem de cooperativas de produtores (BRASIL, 1942g). Para Pardi (1996, p. 136), há indícios de que os técnicos do Serviço de Inspeção Federal não foram chamados á participar do processo de elaboração desta regulamentação, o que acabou por determinar que ela não tivesse nenhum efeito real. Em 1944, o próprio Getúlio suspendeu a regulamentação até o final de 1945 (BRASIL, 1944a).27

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O mesmo tipo de intervenção também aconteceu na quantidade de cana-de-açúcar de produção própria que as usinas de açúcar poderiam moer a partir de 1936. Ramos (1991, p. 106-38) apresenta um detalhamento muito interessante e uma análise profunda de quais eram as reais intenções do Governo Getúlio Vargas ao realizar este tipo de intervenção estatal. Ramos aponta que, na verdade, o Governo estava interessado em resolver um conflito social dentro do complexo canavieiro defendendo os interesses dos Senhores de Engenhos que estavam sendo expropriados em decorrência do que ele denomina de “processo usineiro”, especialmente no Pernambuco, o qual consistia na intensificação da integração vertical da atividade usineira e do cultivo da cana, que teve como consequência o aumento da propriedade fundiária pelos usineiros, o aumento da produção do açúcar de usina em detrimento do de engenho e a diminuição da necessidade de adquirir cana-de-açúcar de terceiros para a produção do açúcar de usina. Em São Paulo, a intervenção estatal quanto à concessão de quotas de cana a ser moída, terá uma repercussão tão profunda quanto em Pernambuco, apesar de não haver no primeiro estado, os Senhores de Engenho como existia no segundo, já que as terras em que a cana se expandiu eram remanescentes da lavoura do café. Em São Paulo, ao definir, em 1941, a condição de fornecedor, incluindo os que cultivavam a cana e que já

Havia ainda, por parte dos pecuaristas, a suspeita da formação de cartel entre os frigoríficos, motivo pelo qual acreditavam que os preços pagos pelos animais estavam baixos.28 Em 1940, o Anglo havia exportado 13.200 toneladas; o Swift, 13.800; o Armour, 12.000; e o Wilson, 6.800, somente corned beef (ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE BARRETOS, 1942). Segundo Menezes (1942, p. 65-66), a distribuição das quotas de exportação era decidida pelo “[...] monopólio das diretorias das companhias reunidas em Londres que, atendendo às suas conveniências, as distribuem pelas suas empresas, sem a menor atenção às suas congêneres nos países em que trabalham.”

Kamprad (1941b) afirma que a maioria dos frigoríficos pertencia ao Cartel Internacional de Carnes. Segundo o autor, a pesquisa realizada pela Sociedade das Nações, apontava que esse Cartel atuava no controle de mais de 500 sociedades comerciais nos Estados Unidos, e por volta de 40, no Canadá, Argentina, Brasil e Uruguai, dominando mais que a metade da produção da carne mundialmente exportável. O grupo Vestey Bros., o qual também faz parte do cartel, aparece com nomes diversos publicamente, seja Weddel, Angliss, Anglo e outros. Os componentes do cartel são proprietários de enormes rebanhos na América do Sul, Nova Zelândia, Austrália e Rodésia (atual Zimbabwe), e controlam quase que completamente os mercados importadores e distribuidores da carne. Assim como são proprietários de linhas de transporte marítimo como a Blue Star Line.

Este gigantesco cartel reúne a organização horizontal e a vertical, criando desta forma uma rede econômica perfeita, garantidora de lucros extraordinários, devido ao

haviam feito remessas para as usinas nas três safras anteriores seguidas, mesmo não sendo proprietários das terras, o Estatuto da Lavoura Canavieira abriu precedentes para a alteração do status quo, o que não era o objetivo da intervenção estatal. Em 1944, nova legislação viria a resolver a situação criada pelo Estatuto e que incomodava os proprietários paulistas. Na presente dissertação, que tem o gado como matéria-prima, também vemos o Governo agindo como atenuador dos conflitos sociais existentes dentro do setor, mas suas intervenções no complexo canavieiro atingiram tal intensidade no período Getúlio Vargas que influenciarão a estrutura desse setor ao longo do seu desenvolvimento. Nesta dissertação, veremos diversas intervenções com o intuito de proteger o consumidor interno, como aconteceu também na cana, e controlar a perda de valor da moeda, tais medidas de tabelamento dos preços irão afetar negativamente a expansão do setor, em especial a partir da década de 1960, e causando refreamento no aumento da produtividade, por períodos superiores a no mínimo dez anos.

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A discussão sobre a formação de cartel por parte das indústrias frigoríficas permanece no Brasil. Ver em IEL, CNA E SEBRAE (2000) e Perez (2003) onde há opinião de alguns pecuaristas de que há combinação de preço para a aquisição dos animais. A fraca relação de confiança e a presença de conflito entre pecuaristas e frigoríficos é presente desde o período relatado no presente trabalho até os dias atuais, sendo sempre destacada em trabalhos que verificam a competitividade da cadeia da carne bovina, independente de o capital proprietário do frigorífico ser nacional ou estrangeiro. Isso pode ser verificado nas duas publicações acima citadas e também em Jank (1996). Além da suspeita de combinação de preços, os pecuaristas, algumas vezes, sofrem calotes já que os pagamentos são realizados na maior parte das vezes, em até 30 dias, e com a exceção da formação de alianças mercadológicas, não há realização de contratos. Em 2002, foi apontada inclusive a presença de um chip no sistema da balança de um frigorífico influenciando o peso aferido durante a pesagem (ANUÁRIO DBO, 2003). Para mais detalhes sobre a formação de alianças mercadológicas ver, Perosa (1999).

controle dos preços e à racionalização comercial. Dispondo de meios financeiros praticamente ilimitados, e de uma experiência extraordinária no terreno da política comercial, a rede dos frigoríficos estrangeiros pratica uma drenagem de lucros para o exterior, que gravemente prejudica não só o criador como o próprio conjunto econômico da nação. Emprega para a realização desta transferência todos os meios, entre os quais, avulta uma baixa fictícia de preços. A carne é vendida abaixo do seu preço real aos importadores estrangeiros, que a revendem a preços normais. Sendo estes importadores membros do trust, os lucros anormais verificados, revertem ao exportador. O prejuízo para a economia nacional é extraordinário. (KAMPRAD, 1941b, p. 83).

Nas primeiras décadas do século XX, o Anglo Vest tinha o domínio de 75% dos abates realizados no Uruguai, 45% da Argentina, sendo que 70% das exportações de carne destes países, era financiada pelo Bank of London. A Inglaterra possuía o monopólio do transporte frigorífico marítimo de carne, e o capital inglês permaneceu no monopólio do comércio mundial de carnes, até a Segunda Guerra Mundial, momento em que, os Estados Unidos passam a despontar como nova referência da bovinocultura internacional (MIELITZ NETTO, 1994).

Havia também o fato de que por o cartel dominar o mercado internacional da carne, especialmente na Inglaterra, os frigoríficos nacionais que se organizavam para exportar, encontravam muitas dificuldades em função da concorrência asfixiante, como estava ocorrendo com o Frigorífico Nacional do Rio Grande do Sul (KAMPRAD, 1941b).29

Haviam duas teses sendo discutidas pelos pecuaristas durante a Segunda Guerra Mundial, que buscavam resolver os problemas de abastecimento interno e o preço do gado. A primeira era de que deveria ser criado um Frigorífico Nacional voltado para o mercado interno, ficando o frigorífico de capital estrangeiro aqui instalado, restrito à produção de carne para exportação. O frigorífico seria instalado em Barretos, sob a organização de uma cooperativa de pecuaristas, através de empréstimo. Essa tese já havia sido levantada em 1936, por Getúlio Vargas, na abertura da II Conferência Nacional de Pecuária (ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE BARRETOS, 1942; SINDICATO DOS INVERNISTAS E CRIADORES DE GADO DE BARRETOS, 1942).

Quero referir-me especialmente à formação cooperativista, à organização sindical, à reunião de todas as entidades de classe na confederação rural, já instituída.

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O Frigorífico Nacional Sul Brasileiro Ltda. – FRIGOSUL, inicialmente voltado para o atendimento do mercado interno e destacando-se entre os nacionais em função do porte elevado, foi construído em 1937, em Canoas, ás margens do Gravataí, no Rio Grande do Sul, com capacidade diária para abater 850 bovinos além de suínos (PECEGO, 1969).

Desse trabalho de colaboração, resultará uma das criações mais necessárias à prosperidade de vossa indústria – A fundação de um frigorífico nacional – livrando- nos da asfixia dos frigoríficos estrangeiros, todos eles comprometidos num “trust” que tem como atribuição, das principais, distribuir quotas de produção mundial, de acordo, apenas, com as necessidades de seus capitais.

Urge a criação do Frigorífico Nacional. (PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS, 1936

apud MENEZES, 1942, p. 63)

Naquele momento, dados apontavam que o consumo de Campinas, Santos, São Carlos, Araraquara, Jundiaí, Rio Claro e Colina somados, totalizava 82.952 cabeças de gado por ano. A cidade de São Paulo consumia anualmente 230.409 cabeças, enquanto que se estimava que o Rio de Janeiro consumia 460.000 reses ano. No total, havia um consumo de 773.361 cabeças de gado por ano. O consumo per capita, nas capitais de São Paulo e Rio de Janeiro, era de 47 quilos ano, o que seria distante do ideal recomendado na época, que era de 110 quilos por ano, demonstrando-se assim que o consumo ainda estaria reprimido, com muito espaço para crescer, sendo uma oportunidade então para o Frigorífico Nacional (ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE BARRETOS, 1942).30

O consumo per capita de carne variava de região para região. No sul, era superior ao de São Paulo e Rio de Janeiro, os quais eram superiores ao das regiões Norte e Nordeste. Kamprad (1941b), citando dados divulgados pelo Instituto de Pecuária da Bahia, aponta o consumo per capita de carne de 37,7 kg em Manaus; de 25,8 kg em Belém; de 22,7 kg em São Luís; de 12,1 kg em João Pessoa; de 7 kg em Maceió; de 26,6 kg na Bahia; de 32 kg em Vitória; de 27 kg em Goiânia; e de 21 kg em Cuiabá. Tão grande variação era resultado da renda do consumidor regional e do hábito de consumo. Assim, pelo consumo anual ideal anteriormente citado de 110 quilos por ano, ou 300 gramas diários por pessoa, a demanda poderia ser três vezes superior a daquele momento.

Na Argentina, o consumo de carne per capita em 1939, era de 121 quilos por ano e de 331 gramas diários; na Nova Zelândia, 104 quilos por ano e 284 gramas diários; na Austrália, de 92 quilos por ano e de 252 gramas diários. Na Inglaterra e na Dinamarca, era de 60 quilos. O consumo brasileiro era superior aos 22 quilos da Romênia, aos 19 quilos da Polônia e aos 16 quilos da Itália. Entre as dificuldades para a expansão do consumo no Brasil, estava a concepção de que a carne não era alimento saudável para o clima tropical, preferindo-se consumir hidrocarbonos, que são ricos em energia, mas pobres em outros

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O consumo per capita de carne bovina no Brasil em 1990, segundo Wilkinson (2008), era de 25 kg. Em 1995 era de 42,6 kg. e de 32,6 kg em 2005 (NEVES e SAAB, 2008).

nutrientes, pensava-se que a carne causaria problemas hepáticos e estomacais. O outro problema para a expansão do consumo interno era a baixa renda da população, especialmente