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Em maio de 1950, no final do Governo Dutra, foi elaborado o Plano SALTE, que tinha por objetivo, ações em alimentação, saúde, transporte e energia, para o período de 1950 a 1954, o qual despenderia os seguintes valores para cada ano do período: Cr$ 1,9 trilhões; Cr$ 2,2 trilhões; Cr$ 2,4 trilhões; Cr$ 2,55 trilhões; e Cr$ 2,6 trilhões. Dentre as áreas abordadas no item alimentação, estavam a produção animal, carnes e derivados, sendo destinados Cr$ 200 milhões para Defesa Sanitária Animal; Cr$ 300 milhões para Fomento da Produção Animal; Cr$ 100 milhões para Indústria e Inspeção Sanitária; Cr$ 90 milhões para Construção, Financiamento e Prêmios de Matadouros Industriais; e Cr$ 100 milhões para Constituição do Capital de Subscrição de Debêntures da Sociedade de Economia Mista, especificamente para Cia. Frigoríficos Nacionais Sociedade Anônima. Dos Cr$ 2,7 trilhões destinados para Alimentos, Cr$ 680 milhões eram para a Produção Animal, ficando com 21% das dotações, a maior de todas dentro de Alimentos (BRASIL, 1950a).

Assim, no mesmo ano foi publicado o que ficou conhecido como Plano de Interiorização de Matadouros Frigoríficos em Regiões Geoeconômicas Adredemente Estudadas, o qual concedia vantagens, aos que construíssem, instalassem e explorassem indústrias destinadas às espécies de açougue e sua industrialização completa, próximas às áreas de criação. Seriam concedidos os seguintes favores: financiamento de até 60% do investimento; concessão de prêmio em dinheiro, de até 20% do investimento; isenção de direitos e taxas aduaneiras, por 10 anos, para a importação de aparelhagem e qualquer material para este fim, incluindo aviões, vagões e caminhões; isenção, por 10 anos, de impostos federais que incidissem ou viessem a incidir sobre a produção; e facilidade para a aquisição de terrenos de domínio da União (BRASIL, 1950b).

Teriam preferência as cooperativas de criadores, recriadores, invernistas e empresas de transporte, em geral, e em não havendo iniciativa empresarial, o Governo Federal faria a construção e arrendaria. Foram também caracterizados estabelecimentos regionais e nacionais, sendo que os Governos Estaduais decidiriam sobre a concessão de favores aos primeiros. O Ministério da Fazenda realizou convênio com o Banco do Brasil para abrir o crédito inicial de Cr$ 120 milhões de cruzeiros e o Ministério da Agricultura escolheria a localidade onde seriam construídos, o tipo, número e espécie animal a ser abatida, e as características dos produtos a serem transformados (BRASIL, 1950b).

A intenção era de utilizar a interiorização das plantas de abate como alavanca para o desenvolvimento econômico. O sistema extensivo de criação seria incentivado, por ser considerado o mais econômico para a pecuária brasileira; seria estimulado o aumento do rebanho em áreas do interior de baixa produtividade; seria introjetada no local, a renda decorrente da industrialização da rês nas áreas de pecuária, onde muitas vezes, essa atividade constituía-se a principal ou exclusiva atividade econômica da região; reduziria o tráfego ferroviário de animais em pé de zonas de recria e engorda, os quais geravam baixos rendimentos nos fretes ferroviários e aumentaria o transporte de produtos industrializados sob o sistema de frio (CALDAS, 1977).

Acreditava-se que, suprindo o interior pecuário, com plantas de abate modernas que realizassem o aproveitamento racional e completo da rês, as charqueadas antieconômicas deixariam de existir, superando-se a tão grande heterogeneidade no parque nacional da carne (CALDAS, 1977). Buscava-se superar o problema de abastecimento potencializado pelas longas distâncias entre as áreas de cria, recria, invernagem e abate, reduzindo-se a idade de abate, favorecendo-se a taxa de desfrute, e promovendo uma conformação mais desejável entre carne, gordura e osso já que o animal não emagreceria entre um deslocamento e outro, e preocupava-se em suprir de armazéns frigoríficos os centros de consumo (PARDI, 1996).

Os locais escolhidos pelo Ministério da Agricultura, especificando o tamanho das plantas, foram: no Rio Grande do Sul, a região de Campos do Centro, preferencialmente Tupanciretã, e na região da Campanha, preferencialmente Bagé e Alegrete. Em Santa Catarina, o litoral de Laguna, tendo como referência, Tubarão. No Mato Grosso, na região do Pantanal, Aquidauana; na região de Campo Grande, em Campo Grande. Em Goiás, na região de Goiânia ou de Anápolis. Em Minas Gerais, foi determinada a região do médio São Francisco, o município de Montes Claros, e na região de Mucuri, o município de Medina. No Paraná, a região dos Campos Gerais, o município de Ponta Grossa. E por último na Bahia, a

região de Feira de Santana, no município de Santa Terezinha ou Feira de Santana (PARDI, 1996).34

Os locais apontados pelo Ministério da Agricultura para a instalação dos novos abatedouros, geraram tanta polêmica que o órgão precisou escolher nova comissão, a qual acabou por ratificar as indicações anteriores.35 Na sequência, novos pedidos para abertura de abatedouros foram realizados e nova comissão foi formada para dar o parecer e ainda rever as localizações já definidas, sendo contrária a conceder favores para a região de Araçatuba, a qual mesmo assim acabou por recebê-los (PARDI, 1996). 36

Cabe ressaltar que, dentro das diretrizes do Plano SALTE, foi aberto crédito de até 750 milhões de dólares para reequipar portos, investimentos em infraestrutura de transporte, expansão de armazéns, frigoríficos e matadouros, aumento da geração de energia elétrica e expansão da indústria e da agricultura (BRASIL, 1951). Tais ações funcionariam como garantias necessárias ao sucesso dos empreendimentos que seriam construídos nas áreas favorecidas. Foi aberto ainda um novo crédito de Cr$ de 40 milhões para os objetivos do Plano de Interiorização de Matadouros Frigorífico em Regiões Geoeconômicas Adredemente Estudadas (BRASIL, 1955a). Ainda, em 1956, foi organizada a expansão de uma rede de armazéns e de transporte com frigorificação, Frigoríficos Nacionais S.A. (FRINASA), a qual viria a beneficiar a produção de carnes (BRASIL, 1956).

Assim, com base no modelo inglês e americano e no RIISPOA, os frigoríficos de capital nacional expandiram-se na segunda metade da década de 1950 no Sudeste e Centro- Oeste, sendo que neste momento o mercado interno ampliava-se e as exportações criavam expectativas positivas (SANTOS s.d. apud PARDI, 1996, p. 66). Em São Paulo, na cidade de Araçatuba, foi construído em 1951, sob a iniciativa de Sebastião Maia, o Frigorífico T. Maia; em Presidente Prudente, sob a iniciativa de Geraldo Bordon, o Frigorífico Bordon; e em Andradina, em 1953, sob a iniciativa de Antonio Moura Andrade, o Frigorífico Mouran, o qual iniciou suas exportações de carne mais precocemente que os demais nacionais.37 Em Barretos, duas charqueadas foram convertidas em frigoríficos: o Minerva e o Bandeirantes.

34

Portaria Ministerial n. 128 de 1951 apud Pardi (1996, p. 141).

35

Portaria Ministerial n. 378, de abril de 1955 apud Pardi (1996, p. 142).

36

Portaria Ministerial n. 546, de 3 de junho de 1955 apud Pardi (1996, p. 142).

37

Em 1995, o Mouran e o então chamado Swift Bordon estavam entre as diversas aquisições realizadas pelo Frigorífico Friboi, o qual adquiriu em 2005 a Swift Armour na Argentina e em 2007 a Swift Company nos Estados Unidos e passou a ser considerado a maior indústria da carne bovina no mundo (NEVES & SAAB, 2008).

Em Ribeirão Preto, foi construído o Frigorífico Morandi. Em Ourinhos, instalou-se o Comércio e Indústria Pecuária de Ourinhos, e em São Carlos, o Frigorífico São Carlos (SANTOS, 2005).

No Mato Grosso, foi instalado em Campo Grande, o Matadouro Industrial de Campo Grande S.A. (FRIMA). Em Goiás, foi instalado em Goiânia, o Matadouro Industrial de Goiânia S.A. (MATINGO), sendo o maior do estado, em Pires do Rio, o Brasil Central e em Anápolis, o Frigorífico Mago. Em Minas Gerais, foram instalados um frigorífico, em Governador Valadares, em Teófilo Otoni, em Montes Claros e em Uberaba. Em Uberlândia, foram instalados os Frigoríficos Caiapó e o Ômega (SANTOS, 2005).

Ainda em Minas Gerais, foi instalado um frigorífico de economia mista, em Santa Luzia, município vizinho a Belo Horizonte, o Minas Gerais S. A. (FRIMISA) com capacidade para abater 1.000 bovinos e uma grande quantidade de suínos por dia. Este surgiu contrariamente às recomendações do SIF, já que seria construído ao lado de um grande centro, por interesses políticos, durante os mandatos de governador e de presidente da república de Juscelino Kubitschek. Apesar do início promissor sob administração exclusiva do governo federal, a localização comprometeu seu andamento e apresentou não mais que vinte anos de sucesso. O que houve aí, foi a desvirtuação total da tendência locacional de situar-se junto à fonte de matéria-prima, e sua imensa capacidade contrapunha o senso de que os repasses financeiros deveriam ser utilizados para desenvolver as mais variadas áreas pecuárias, pulverizando os investimentos em pequenos frigoríficos, com processamento completo. Desta forma, o transporte do gado em pé, rumo ao centro consumidor, continuaria ocorrendo (PECEGO, 1969).

A política de interiorização alterou completamente a situação de concentração das plantas de abate, nas principais regiões de consumo, e propiciou o surgimento de modernas unidades especialmente em Goiás, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso, Espírito Santo e São Paulo. Ocorreu o fortalecimento da economia da hinterlândia, diminuindo os custos, à medida em que o número de intermediários da cria até o abate, foi diminuído, dando ao pecuarista a possibilidade de desempenhar mais que uma fase; reduziu o ciclo de produção e aumentou a taxa de desfrute do rebanho (CALDAS, 1977). Também possibilitou o emprego de mão de obra disponível sem especialização no interior, aumentou a qualidade da carcaça, superando os problemas decorrentes da fome nos deslocamentos, na fase de crescimento do animal, que geravam autofagia e caquexia, estando expostos a doenças, e que resultavam em carcaças com

mais gordura e ossos e menor quantidade de músculos, podendo a pecuária avançar para animais mais pesados.

Mas houve também um ponto negativo, já que os financiamentos propiciados pelo Governo tinham como condição básica, a apresentação de um projeto com grande capacidade de abate, superior a 200 animais por dia, e o DIPOA passou a aprovar somente projetos de grande monta, “planos grandiosos, instalações suntuosas”, com capacidade de abate superior às possibilidades de produção das áreas onde foram instalados (PECEGO, 1969, p. 20-21).

Os projetos, em apreço, não eram estudados em função do desempenho econômico que o estabelecimento deveria efetivar, mas, simplesmente, pela grandiosidade supérflua. Desconhecia-se, ou fingia-se ignorar, o que ocorrera com os grandes frigoríficos dos E.U.A., que foram totalmente paralisados e substituídos por centenas de outros de reduzido porte e espalhados pelo grande território daquele grande país. Faziam-se as mais absurdas exigências para a aprovação dos projetos que deveriam ter um mínimo – estabelecimento a critério errôneo de quem julgava ditos projetos. Era a sua vontade e critério que deveriam predominar, sem cuja aceitabilidade não seria aprovado o projeto e, consequentemente, não estaria em condições de obter o financiamento pleiteado. E, assim, as inversões que deveriam ser múltiplas e disseminadas, passaram a se concentrar em poucos e, indiscutivelmente, deficitários, quando viessem a funcionar. (PECEGO, 1969, p. 20-21).

Os frigoríficos instalados, antes do Plano de Interiorização, já eram de elevada capacidade de abate e a soma de todas as capacidades era duas a três vezes superior à demanda pela carne. Assim, os frigoríficos anteriores a 1950 e os novos, passaram a trabalhar com rotinas de abate, que ocupavam de 20 a 25% da sua capacidade de produção. O efeito dessa ociosidade era sentido no elevado custo da mão de obra, comparado ao número de animais abatidos, nos elevados custos de manutenção das plantas de abate e um aporte de equipamentos muito grande, em relação aos escassos recursos para amortizá-los (PECEGO, 1969).

Segundo Pecego (1969), quem mais sofreu as consequências desta megalomania, foram os pecuaristas que tiveram seus pagamentos adiados e nem sempre corrigidos, faltando- lhes recursos para a aquisição de novos animais ou realização de benfeitorias. Ou seja, os pequenos frigoríficos deveriam espalhar-se e desenvolver a pecuária e não torná-la refém de investimentos de risco compartilhado. O DIPOA, respondia indiretamente por esta situação: “e não titubearei em dizer que se tornava o algoz da indústria de carne no país, repercutindo sensivelmente na produção pecuária.” (PECEGO, 1969, p. 22).

Ainda, influências políticas interferiram no pleno controle do DIPOA e impediram que um efetivo parque de abate interiorizado, fosse edificado tanto no Brasil Central quanto

no Rio Grande do Sul. Faltou ao Plano de Interiorização, algum tipo de dispositivo que impedisse radicalmente, que abatedouros fossem construídos sem um estudo adequado em termos de zoneamento regional. Sem meios de restrição em relação aos abatedouros que o Plano chamava de regionais, ou seja, os que legalmente realizariam comércio dentro do município ou dentro do estado, surgiram graves distorções em relação aos critérios localização e saúde pública, dada a ausência ou precariedade da autoridade técnica-sanitária estadual e municipal (CALDAS, 1977).

Tal desordenamento foi logo sentido pelos frigoríficos de capital inglês e americano que, no contexto de escassez de gado, impedidos de exportar, pelos motivos anteriormente apontados e de aumento desordenado de abatedouros, atuava com muita capacidade ociosa e alegavam que entre os nacionais, havia os que não estavam obedecendo às regulamentações estabelecidas pelo governo e que praticavam a sonegação fiscal para se manterem em funcionamento. Tal momento repercutirá em sua fraca atuação, na década de 1960, nos mercados do boi e da carne (CALDAS, 1977).

Ainda houve outras dificuldades nas novas plantas, como mão de obra despreparada para operar equipamentos industriais e falta de experiência na indústria dos novos proprietários, habituados às atividades da pecuária, ou corretagem de gado, ou de açougue, desprovidos do pensamento empresarial. Muitas apresentaram insolvência econômica, evidenciada nas disputadas compras do gado parco, demonstrando um excesso de unidades de abate em relação à oferta. Ademais, havia um contexto de inflação, e o desconhecimento da importância da inspeção sanitária e das ações de higiene no produto que seria comercializado (SANTOS, 1969).

3.5 Retorno do Brasil Central ao comércio mundial de carnes, emissão das Normas