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O processo de federalização normativa do parque nacional de abate

A federalização normativa do parque nacional de abate começou em decorrência de uma iniciativa do governo do estado de São Paulo. Em 1968, o Governador de São Paulo, Roberto Costa de Abreu Sodré, determinou a formação de uma comissão de alto nível, para verificar a qualidade do serviço de inspeção dos produtos de origem animal da Divisão de

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Inspeção de Produtos Alimentícios de Origem Animal (DIPAOA), da Secretaria de Agricultura. Seriam verificados a qualificação e o número de funcionários, as condições técnico-sanitárias dos estabelecimentos de abate sob inspeção estadual e, propostas sugestões de acordo com o que fosse encontrado53.

O minucioso relatório apresentou uma realidade de desordenamento completo e influenciou, inclusive, as autoridades da União, levando o Serviço Nacional de Informações (SNI), a emitir a seguinte afirmação: a “única solução para o chamado “Problema da Carne”, seria a modificação da lei, de modo a que, todos os estabelecimentos de produtos de origem animal passassem à órbita da responsabilidade do Ministério da Agricultura”, já que o problema de abastecimento da carne continuava no período de entressafra (CALDAS, 1977, p. 77-78).

Ademais, as charqueadas paulistas realizavam o envio de charque para o Rio de Janeiro e para as regiões Norte e Nordeste. Havia muita clandestinidade, tanto nos fornecedores para as charqueadas de ponta de agulha e dianteiros, quanto nas próprias charqueadas. O Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA), do Ministério da Agricultura, fazia fiscalização cerrada nas fronteiras do Estado de São Paulo e acabava por pressionar os estabelecimentos clandestinos a se regularizarem. Segundo Caldas (1977), é possível afirmar que o comércio ilegal da “ponta de agulha” foi também um dos fatores desencadeantes da federalização.

Um trabalho realizado pelo Ministério da Agricultura, em 1970, em conjunto com o CONDEPE, apontou uma capacidade ociosa de 68,4%, em 1967, e de 65,2%, em 1968, na indústria de abate e preparo de carne e derivados sob Inspeção Federal, no Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná e outros estados.54 Enquanto isso, o número de animais abatidos em estabelecimentos com fiscalização virtual dos estados, se expandia (CALDAS, 1977). 55

A Lei n 1.283 de 1950, a qual foi regulamentada pelo RIISPOA, determinava no artigo 4º, que em estabelecimentos que abatessem e/ou manipulassem produtos de origem animal e atendessem ao comércio interestadual ou internacional, a inspeção seria do SIF, e

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Resolução n. 2.031, de 03 de abril de 1968 apud Caldas (1977, p. 77). 54

CALDAS, R. B. e outros. Estudos de comercialização e industrialização de gado e carnes – parque industrial de carnes e derivados de São Paulo. Rio de Janeiro, CONDEPE/M. A., 1970, 48 p. apud CALDAS (1977, p. 79).

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De acordo com IEL, CNA E SEBRAE (2000) a partir de dados do DIPOA (apud Gazeta Mercantil, 1998), os 228 frigoríficos sob SIF em 1994, apresentavam capacidade ociosa de 17%. Em 1996, dos 180 frigoríficos sob SIF, a capacidade ociosa era de 36% (DIPOA apud FAVARETE FILHO & DE PAULA, 1997). Perez (2003) aponta capacidade ociosa de 22% entre grandes e médios frigoríficos em 2003.

nos que realizassem comércio somente dentro da área de um município ou de um estado, a inspeção seria das Secretarias ou Departamentos de agricultura dos Estados e em outro artigo dava a tais órgãos poderes para emitirem legislações suplementares sobre o tema (BRASIL, 1950d).

A fiscalização dos estados era extremamente precária ou inexistente. Assim, a produção da carne deixava de gerar renda tributária e subprodutos, pois os estabelecimentos clandestinos realizavam apenas o aproveitamento parcial da rês, deixando inclusive de produzir alimentos imprescindíveis para a suinocultura e avicultura. Colocavam em risco a saúde pública ao fornecerem um produto sem nenhuma inspeção, e prejudicavam, através de concorrência desleal, a indústria que trabalhava legalmente, a qual tinha que arcar com todos os custos de ordem tributária e ainda ter partes do animal, que por motivo de condenação sanitária, eram destinadas à elaboração de produtos de menor valor comercial, como farinhas em geral (CALDAS, 1977).

Todos esses elementos apontavam que, depois de vinte anos da publicação do RIISPOA, os estados não tinham sido capazes de se organizarem e realizarem competentemente a atividade de inspeção imprescindível à saúde pública e de implicações econômicas (CALDAS, 1977). Tal ineficiência levou o Governo Médici a publicar a Lei n. 5.760, de 3 de dezembro de 1971, que determinava que todo abate de animais, processamento e estocagem de produtos de origem animal e subprodutos, passariam a estar sob inspeção exclusiva do serviço federal e por isso ficou conhecida como lei da federalização (BRASIL, 1971). 56

A lei da federalização teve sua implantação iniciada na região Centro-Sul, já que ali estavam os maiores rebanhos bovino, suíno, ovino e avícola. Em termos de gado bovino de corte, o chamado Brasil Central Pecuário, concentrava 59,3%, e abatia 63,6% do desfrute do rebanho bovino brasileiro.57 Ademais, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte constituíam os principais centros de consumo, além de estarem instaladas nessa região, as indústrias de abate mais organizadas, modernas, além da maior disponibilidade de rodovias que atendiam aos centros de consumo (CALDAS, 1977).

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Regulamentada através do Decreto n. 73.116, de 8 de novembro de 1973, publicado em 9 de novembro de 1973, no Diário Oficial da União.

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PARDI, M. C.; CALDAS, R. B. Grandes deslocamentos de gado bovino de corte no Brasil. Anais do XI Congresso Brasileiro de Veterinária e do I Congresso Fluminense de Medicina Veterinária. Niterói, 1968, vol. 2, 164 p. apud CALDAS (1977, p. 83).

Assim, o DIPOA realizou na região acima especificada, e em seguida, em Sergipe, Amazonas, Pernambuco e Piauí, um diagnóstico detalhado sobre todos os estabelecimentos de abate que estavam sob a alçada estadual, classificando-os como recuperáveis ou irrecuperáveis. Os considerados recuperáveis teriam condições de receberem a Inspeção Federal, caso passassem por grandes reformas, e até que isso ocorresse, seriam temporariamente interditados. Já os considerados irrecuperáveis seriam terminantemente interditados (CALDAS, 1977) (Tabela 4.1.1).

Tabela 4.1.1: Brasil - Matadouros bovinos constantes no levantamento do DIPOA com o objetivo de implantar a Federalização, 1971

Estado Número de estabelecimentos

Total Recuperáveis Irrecuperáveis

Amazonas 3 0 3 Distrito Federal 6 2 4 Espírito Santo 73 1 72 Guanabara 1 0 1 Minas Gerais 96 12 84 Paraná 72 5 67 Rio de Janeiro 63 6 57

Rio Grande do Sul 576 6 570

Santa Catarina 118 1 117

São Paulo 145 23 122

Sergipe 26 0 26

Total 1.179 56 1.123

Fonte: CALDAS (1977, p. 85).

Dentro da análise realizada, o DIPOA levava, em consideração, o mercado abrangido por estabelecimentos sob Inspeção Federal; a identificação de cidades com 50.000 habitantes ou mais; os diferentes problemas industriais e as potencialidades econômicas das regiões; a amplitude do território brasileiro; a infraestrutura garantidora do abastecimento das áreas que recebessem o programa, de acordo com a produção primária, a industrialização, a comercialização; e as implicações políticas consequentes (CALDAS, 1977; PARDI, 1996).

O panorama encontrado foi de estabelecimentos ainda em estágio tecnológico- sanitário primitivo. Possuíam uma instalação tão simples que praticamente apenas a atividade de abate era realizada, ocorrendo o desperdício de todo o restante dos subprodutos e desprovidos de qualquer equipamento. A sangria e a esfola eram realizadas diretamente no piso, com apenas uma pequena elevação da carcaça para o restante do processo, com

instrumentos arcaicos como machado e serrote. Era comum a ausência de energia elétrica e a falta de qualquer possibilidade de higienização das instalações e das rústicas ferramentas. A localização era aleatória, sem nenhum planejamento geoeconômico ou sanitário (CALDAS, 1977).

A inspeção sanitária das carnes não possuía regularidade, sendo que alguns técnicos eram responsáveis por até trinta estabelecimentos. Sem equipamento nenhum, como, por exemplo, mesas para inspeção das vísceras, alguns servidores simplesmente aguardavam o momento de carimbar a carcaça e a grande maioria nem sabia quais deveriam ser as tarefas a serem realizadas para a efetiva inspeção. Muitas vezes o carimbo era feito pelo próprio proprietário ou mesmo pelo açougueiro. Não havia nenhum direcionamento diferenciado para vísceras ou partes da carcaça impróprias para consumo, não só pela ausência de equipamentos adequados para seu processamento, como também pela inépcia do funcionário em analisá-las e determiná-las como tal. A pele, por exemplo, era um dos subprodutos mais valorizados também naquela época, passava por um processo de desvalorização, desde a esfola com facas retas até o indevido tratamento dado na sequência (CALDAS, 1977). As instalações tinham muito mais um aspecto doméstico do que qualquer outro (CALDAS, 1975).

No Rio Grande do Sul, a indústria organizada abateu 469.945 cabeças de gado em 1970, porém foi responsável pela menor parcela no abastecimento de Porto Alegre, fornecendo, em 1967, apenas 27,7% do total comercializado. Enquanto nos estabelecimentos precários, o abate havia sido de 312.893 animais em 1970. Impressionava o fato de serem tão desorganizadas e conseguirem poder sobre o mercado de Porto Alegre, excluindo a organizada, mas isso era possível, graças aos preços impossíveis de serem alcançados pela organizada, que cumpria todos os processos exigidos pela legislação (CALDAS, 1977).

Assim, os milhões de cruzeiros investidos para adequar as plantas às Normas Higiênico-Sanitárias e Tecnológicas para Exportação de Carnes, viam-se, em parte, sem retorno, dada a capacidade ociosa. Enquanto a ausência de inspeção nos demais estabelecimentos gerava perda de arrecadação tributária e possibilitava a esses, lucros diferenciados que, inclusive, apresentavam um número de animais abatidos aos fiscais diferente do realmente efetivado. Era comum a constante mudança de razão social e de localização após pedido de falência, aplicando calote nos pecuaristas (CALDAS, 1977).

No caso da Grande Porto Alegre, que era composta por 1.548.052 habitantes, foi detectado que, 124 estabelecimentos de abate sob fiscalização estadual forneciam a carne consumida, além dos não identificados e 7 sob Inspeção Federal. Para chegar ao difícil

número sobre o total da carne consumida na Grande Porto Alegre, o DIPOA montou barreiras que funcionavam 24 horas, nas quatro estradas de acesso à região, e foi levantado então, o abastecimento de março a dezembro de 1972, e de janeiro a março de 1973. Foi detectado o estabelecimento de procedência da carne e foram identificados todos os pontos comerciais que faziam a venda de carne ao consumidor, como açougues (1.504), supermercados (129) e churrascarias (80), os quais totalizavam em 1972, 1.713 estabelecimentos (CALDAS, 1977).

A partir de fevereiro de 1972, foram iniciadas as interdições dos matadouros no Rio Grande do Sul, o primeiro estado onde foi implantado o processo de federalização. Ao todo, 441 estabelecimentos tiveram suas atividades suspensas, sendo que a maior parte não passava de um posto de abate, passando o Estado a ser abastecido por carne com inspeção federal (CALDAS, 1977).

A seguir, o processo de federalização foi implantado no estado de São Paulo. De posse do diagnóstico realizado em 1971, passou-se para o levantamento do abastecimento de carne na Grande São Paulo, o qual foi feito a partir dos dados de envio desse produto sob Inspeção Federal, a partir de Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Guanabara, Goiás, Paraná, Minas Gerais e Santa Catarina, e do próprio estado. Também, foram enviados técnicos do serviço federal para abatedouros e entrepostos estaduais, os quais totalizavam 54, sendo 37 de bovinos e 8 entrepostos de carnes e derivados, os quais permaneciam em tempo integral, apontando todas as remessas de carne para a Grande São Paulo. Para verificar se a abrangência do trabalho estava sendo correta, o DIPOA realizava, com regularidade, barreiras nas estradas de acesso á região (CALDAS, 1977).

Observou-se que, 80% da carne consumida na Grande São Paulo, era proveniente da produção do próprio estado. Estipulou-se que, 6 milhões de toneladas deveriam ser substituídas por carne de procedência de estabelecimentos sob inspeção federal, já que aproximadamente era esse montante fornecido, mensalmente, por estabelecimentos sem inspeção federal (Tabela 4.1.2). Em fevereiro de 1973, foi iniciado o processo de interdição e em quatro meses 68 estabelecimentos tiveram suas atividades suspensas, na sequência foram interditados estabelecimentos no interior do estado (CALDAS, 1977). Nesses locais, o abastecimento passou a ser feito pelos frigoríficos regionais, sob inspeção federal, concretizando a ideia de abastecimento regionalizado. Até o final de 1975, o Estado de São Paulo com 175 municípios e 16.781.500 de habitantes, teve 127 matadouros de bovinos e/ou suínos e 114 fábricas de conservas interditados (PARDI, 1996).

Tabela 4.1.2: Carne bovina enviada para a Grande São Paulo a partir de estabelecimentos de abate com inspeção Federal (SIF) ou sob outro tipo de inspeção, ou sem nenhuma (quilos e percentual)

Meses Com SIF % Sem SIF % Total

Novembro de 1972 15.363.572 75,04 5.109.736 24,93 20.473.308 Dezembro de 1972 15.441.723 72,55 5.842.143 27,45 21.283.866 Janeiro de 1973 16.369.414 70,69 6.787.932 29,31 23.157.346

Total 47.174.709 - 17.739.811 - 64.914.520

Fonte: GEIPOA do DIPOA em São Paulo apud CALDAS (1977, p. 114).

Durante o processo de federalização em São Paulo, os estabelecimentos sob Inspeção Federal passaram por ampliação e modernização de suas estruturas e equipamentos, ao mesmo tempo, em que os estabelecimentos que ainda não possuíam esta instância de inspeção, mostraram-se entusiastas desse processo, como solução para o conhecido problema da carne, e fizeram parte do grande número de novos projetos inscritos junto ao SIF, tanto de reformas quanto de novas plantas. Tais mudanças implantaram no Estado todo, um grande canteiro de obras, tanto novas quanto modernizantes, com uma distribuição geográfica estratégica (CALDAS, 1977).

As novas instalações estimularam a criação do Projeto Brasileiro de Matadouro- Frigorífico, que ficaria internacionalmente reconhecido (SANTOS, 2005). A orientação para os projetos era baseada no RIISPOA e nas Normas Higiênico-Sanitárias, assim como no Manual Inspeção de Carnes. Padronização de Técnicas, Instalações e Equipamentos, Currais e seus Anexos. I – Bovinos – Sala de Matança, realizado pelo INPRO de São Paulo, órgão do SIF, em 1971. Apresentava em detalhes toda a montagem das salas com croquis, da higiene das instalações e dependências, e padronização dos equipamentos destinados à inspeção ante e post-mortem, além de muitas sugestões referentes aos projetos de elaboração de currais e anexos (PARDI, 1996). O manual foi apresentado no exterior, durante a discussão do Códex Alimentarium, em Londres, 1971 (SANTOS, 2005).58

A federalização gerou crescimento do número de matadouros-frigoríficos, consolidando a indústria tipicamente brasileira, criando-se independência em relação aos primeiros modelos de origem inglesa ou americana aqui instalados. As empresas internacionais já não tinham o domínio do mercado interno, também estavam superadas as

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No final da década de 1960 o SIF criou no Frigorífico anglo de Barretos o Centro de Treinamento em Inspeção de Carnes, o qual formava os inspetores e auxiliares (FELÍCIO, 2015). Desde o seu início, a formação dos novos servidores, era uma preocupação central do SIF, isso incluiu o envio de técnicos para estudos no estrangeiro, o convênio com a Universidade Federal Fluminense para o curso de mestrado, entre outros. Atualmente, infelizmente, imbuir os novos técnicos da importância ideológica da responsabilidade das atividades por eles desempenhadas, deixou de ocorrer.

gigantescas construções com enormes capacidades. O modelo adotado era agora de médio porte, com capacidade de abate em torno de 300 animais por dia (Quadro 4.1.1) (PARDI, 1996). Nos anos de 1973 e 1974, foram investidos nos frigoríficos de bovinos, tanto em novas plantas quanto em reformas no estado de São Paulo, Cr$ 330 bilhões; e Cr$ 108,189 bilhões em entrepostos, sob inspeção federal (GEIPOA/SP apud CALDAS, 1975, p. 89). O que se previa em decorrência da federalização, era que São Paulo passaria a ter 36 frigoríficos de bovinos; 5 de suínos; e 10 com dupla atividade (Tabela 4.1.3).

Em 1972, a capacidade diária de abate de bovinos de São Paulo era de 10.350 cabeças. Para o segundo semestre de 1974, previa-se a capacidade diária de abate instalada de 19.950, um aumento de 73,5%. Já para a capacidade anual de abate, considerando 180 dias de abate, o que se tinha era de 2.070.000 de cabeças de bovinos. O que se estava expandindo, era de 1.521.000, o que resultaria em 3.591.000 de bovinos para o segundo semestre de 1974 (GEIPOA/SP apud CALDAS, 1975, p. 78 - 80).

Quanto à capacidade de frigorificação, constante em entrepostos e matadouros- frigoríficos, em dezembro de 1973, era de 5.600 toneladas de carne, o que equivalia ao abate de 22.312 bovinos por dia. O aumento que estava ocorrendo era de 4.000 toneladas, equivalentes ao abate de 16.100 bovinos por dia. Sendo assim, no segundo semestre de 1974, previa-se a capacidade de frigorificação para 9.600 toneladas correspondentes a 38.412 bovinos abatidos por dia. No total, ocorreria um aumento de 72,2% em São Paulo (CALDAS, 1975).

Com relação à capacidade de estocagem, em dezembro de 1973, era de 61.600 toneladas, equivalente ao abate de 266.957 bovinos, distribuídas entre entrepostos frigoríficos. A expansão prevista era de 63.300 toneladas, correspondentes a 275.217 bovinos abatidos. No total, previa-se então a capacidade de estocagem de 124.900 toneladas, correspondentes a 542.174 bovinos abatidos, um aumento de 102,7% da capacidade de estocagem em São Paulo (CALDAS, 1975). Essa capacidade total permitiria armazenar 1.200.000 carcaças, montante correspondente a 33% do total da capacidade de abate dos estabelecimentos instalados, possibilitando duas rotações com a carne. Todas essas mudanças decorrentes do processo de federalização, daria ao estado de São Paulo, um parque de abate de nível semelhante ao dos países mais avançados (CALDAS, 1977).

Quadro 4.1.1: Projetos aprovados pelo DIPOA para a construção de novos frigoríficos, após o início da federalização em São Paulo (suínos, bovinos, ou dupla função)

Município Frigorífico

1 Assis Cabral

2 Bauru Mondeli

3 Bragança Paulista São Paulo-Minas

4 Conchas Conchense

5 Cotia Santa Mônica

6 Fernandópolis Vale do Rio Grande

7 Guararapes Nordestino 8 Itapevi Itapevi 9 Jundiaí Guapeva 10 Limeira Hegert 11 Ourinhos Brasileiros 12 Pinhal M4

13 Presidente Epitácio União

14 Presidente Prudente Prudentino

15 Ribeirão Pires Pedro Dorval Silvestre

16 Salesópolis Targimar

17 Santo Anastácio Anastácio

18 São João da Boa Vista Wander do Brasil S/A

19 São José do Rio Preto Bandeirantes

20 São José do Rio Preto Santa Cruz

21 Serra Negra Primo

22 Sertãozinho Oranges 23 Socorro Socorro 24 Tupã Tupã 25 Valinhos Macuco 26 Vinhedo Piracicaba 27 Votuporanga 4 Rios

Fonte: GEIPOA/SP apud CALDAS (1975, p. 67-68).

Tabela 4.1.3: Número de frigoríficos existentes, em construção e com projetos aprovados pelo DIPOA no Estado de São Paulo, dezembro de 1973

Matadouros-frigoríficos Bovinos Suínos Bovinos e Suínos Total

Existentes 18 4 4 26

Em construção 11 1 1 13

Projetos aprovados 7 - 5 12

Total 36 5 10 51

Fonte: GEIPOA/SP apud CALDAS (1975, p. 72).

Em termos de mão de obra, os estabelecimentos existentes empregavam 14.550 funcionários e esperava-se que até 1974, passariam a empregar 19.250 funcionários (Tabela 4.1.4) (GEIPOA/SP apud CALDAS, 1975, p. 89).

Tabela 4.1.4: São Paulo - Mão de obra ocupada e a ser ocupada em matadouros-frigoríficos sob Inspeção Federal, 1973/1974

Estabelecimentos Bovinos Bovinos e Suínos Total

Existentes 13.600 950 14.550

Em construção 2.950 100 3.050

Em projeto 850 800 1.650

Total 17.400 1.850 19.250

Fonte: GEIPOA/SP apud CALDAS (1975, p. 90).

Em relação aos subprodutos da rês, sempre desperdiçados nos estabelecimentos precários, em apenas dez meses ao longo do ano de 1973, geraram o valor de Cr$ 12,221 bilhões nos estabelecimentos sob inspeção federal, influenciando no aumento da rentabilidade e na redução dos custos decorrentes do abate (Tabela 4.1.5) (CALDAS, 1977).

Tabela 4.1.5: São Paulo - Subprodutos não comestíveis de 300.000 bovinos abatidos sob Inspeção Federal, volume e valor, dez meses de 1973

Matéria prima Volume (kg) Valor (Cr$)

Bile 105.600 21.120,00 Cabelo de Orelha 65 18.000,00 Cálculo Biliar 300 2.570.400,00 Casco 206.100 82.440,00 Chifre 390.000 312.240,00 Glândula Pancreática 41.100 230.790,00 Glândula Pituitária 300 1.339,00 Glândula Suprarrenal 3.900 119.418,00 Glândula Tireoide 7.800 7.020,00 Óleo de Mocotó 99.600 199.200,00 Orelha 60.000 1.800,00 Ossos 19.200.000 7.680.000,00 Paratireoide 600 294.000,00 Ponta de Rabo 9.900 300.000,00 Sabugo 234.000 187.200,00 Sangue 981.600 196.320,00 Total 12.221.347,00

Fonte: GEIPOA/DIPOA em São Paulo apud (CALDAS, 1977, p. 128).

Assim, no final da década de 1970, o Estado de São Paulo apresentou um parque de abate moderno, racional, de aproveitamento completo da rês, com padrões completamente de acordo com o constante no RIISPOA. Constitui-se uma cadeia de matadouros-frigoríficos regionais, ocupando o espaço de algo em torno de 500 matadouros municipais, que atuavam

no mais puro primitivismo tecnológico e higiênico, os quais não passavam de simples postos de abate, ficando concentrados os dois milhões e meio de bovinos abatidos anualmente no estado, em plantas modernas, sob inspeção federal (CALDAS, 1977).

A federalização no Rio Grande do Sul e em São Paulo gerou o aumento do número de animais abatidos sob Inspeção Federal. No primeiro estado, 90% dos abates em 1977, estavam sob responsabilidade da Inspeção Federal, já que a taxa de desfrute do rebanho gaúcho era estimada em 1.300.000 cabeças ano (CALDAS, 1977) (Tabela 4.1.6).

Tabela 4.1.6: São Paulo e Rio Grande do Sul - Número de bovinos abatidos sob Inspeção Federal, 1965 a 1976

Anos São Paulo Rio Grande do Sul

1965 1.184.547 693.486 1966 951.797 620.362 1967 1.049.616 427.294 1968 1.154.732 533.253 1969 1.237.660 596.736 1970 1.013.806 476.001 1971 1.095.376 604.299 1972 1.409.302 985.203 1973 1.672.671 1.092.073 1974 1.368.622 988.297 1975 1.727.680 954.377 1976 2.242.017 1.177.094

Fonte: GEIPOA/DIPOA em São Paulo e Porto Alegre apud Caldas (1977, p. 131).

Durante a implantação da federalização no Rio Grande do Sul, em que centenas de estabelecimentos foram fechados pela comissão de implantação, não houve entrada de pedidos na justiça por parte dos proprietários para a reabertura. Já no estado de São Paulo, a partir do momento em que as interdições foram iniciadas, dezenas de mandados de segurança foram demandados e muitos estabelecimentos puderam permanecer em atividade, até a resolução completa do assunto na justiça. Na alçada do Tribunal Federal de Recursos, a União sempre obtinha ganho de causa, com a apresentação de defesa pelo Ministério da Agricultura, o qual enfatizava a proteção à saúde pública, tendo sido composta jurisprudência sobre o tema (CALDAS, 1977).

Tais disputas judiciais desmoralizavam o processo de federalização, prejudicando a saúde pública, o mercado do boi gordo e da carne, e permitiam a atuação distorcida de estabelecimentos com instalações ultrapassadas, que se utilizavam de processos

antieconômicos e anti-higiênicos, adulterando produtos e sonegando impostos. Tudo isso era possível, graças à incompetência da fiscalização estadual. Os proprietários, sentindo-se prejudicados mediante as interdições, uniram-se à Associação Paulista de Carnes e Derivados, a qual reunia fabricantes de conservas, e numa outra associação de abate de aves e de coelhos. (CALDAS, 1977). Havia uma grande quantidade de avícolas que abatiam e comercializavam