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O processo de formação e expansão da cadeia agroalimentar de carne bovina no Brasil e o caso paulista (1909-1989)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Economia

GIOVANNA SOARES ALMEIDA

O

PROCESSO

DE

FORMAÇÃO

E

EXPANSÃO

DA

CADEIA

AGROALIMENTAR

DE

CARNE

BOVINA

NO

BRASIL

E

O

CASO

PAULISTA

(1909-1989)

CAMPINAS

2017

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A crença cria o fato. A maior revolução de minha geração é a descoberta de que os indivíduos, ao mudarem sua atitude mental, podem mudar os aspectos externos de suas vidas.

William James, 1905.

Uma jornada de mil léguas começa com um simples passo.

Confúcio.

É necessário sempre acreditar que o sonho é possível, que o céu é o limite e você, truta, é imbatível. Que o tempo ruim vai passar, é só uma fase, e o sofrimento alimenta mais a sua coragem.

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Dedico este trabalho à minha mãe Zenaide e ao meu pai Edson; aos pais deles, Justiniano, migrante do Rio Grande do Sul, e Humberto, migrante de Alagoas; às mães deles, Sebastiana, que já estava no Mato Grosso do Sul, sabe-se lá como, e Perpétua, nascida no caminho, numa fazenda do Paraguai; aos pais desta, Pedro, migrante do Rio Grande do Sul, e Anália, imigrante da Argentina. Todos eles, no carro de boi ou no caminhão, incutiram em mim, o espírito de que mudar é preciso. Saímos do campo, mas o campo nunca sai de

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AGRADECIMENTOS

A certeza de que sozinha eu não teria feito este trabalho, me leva a fazer os seguintes agradecimentos:

Á Deus pela força, fé, persistência, inspiração e orientação;

Á minha mãe Zenaide, pelo sustento, amizade, apoio emocional e amor, e ao meu pai Edson, por tudo o que sou;

À minha irmã Stella Maris por acreditar muito em mim e por ser minha irmã mais velha e influência positiva; ao meu amigo, Denilson; à minha irmã Silvana, pelas palavras de estímulo;

Ao meu orientador, Professor Dr. Pedro Ramos, por me ensinar, doar seu tempo e contribuir com este trabalho;

Ao meu amigo Cid, que é minha Estrela de Belém, portanto um astro, que apostou em mim quando eu jamais apostaria e me puxou pela mão;

Aos generosos professores membros da banca, que vieram acudir uma pesquisadora/escritora iniciante, Fernando Cézar de Macedo Mota, Eduardo Francisquine Delgado, Rodrigo Lanna Franco da Silveira, em especial Pedro Eduardo de Felício, que foi determinante para definir o caminho que esta pesquisa seguiu;

Aos meus professores do Trenzinho Amarelo, Bom Senso, Castro Alves, Presidente Vargas, Mundo da Criança, Imaculada Conceição, Objetivo, Universidade Federal de Santa Maria e Universidade Estadual de Campinas; especialmente aos Professores Wilson Cano, Carlos Augusto Mallmann e João Armando Dessimon;

Às amigas Maria Olívia, Glória, Gabriela, Mel, Sibele, Claudinha, Maricy Apparicio Ferreira e Verena; e aos amigos Nivaldo, Nelsinho, Márcio, Álvaro, Gilson, Rafael, Rafa, Lucas, Paulo, José Vitor, Pablo, Marcos, Armando, Henrique, Carlos, Anderson e Fred; Aos meus alunos da Faculdade de Jaguariúna, especialmente os que orientei, e ao Professor Ricardo Tannus;

Também aos entrevistados Marcus Vinícius Pratini de Moraes, Emílio Carlos Salani e Sebastião Costa Guedes;

A todos os autores que utilizei;

Ao Governo Federal e ao povo brasileiro, que financiaram meu estudo, através da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é narrar a história da formação, iniciada em 1534, e a expansão, até 1989, da cadeia de carne bovina no Brasil. Isto se justifica pela importância econômica e social dessa cadeia no país e suas marcantes contradições, com lenta evolução dos índices de produtividade e reprodutora de um padrão de produção arraigado, dentro de um ambiente vasto em tecnologias avançadas e disponíveis para todos os elos. Neste trabalho assume-se como hipótese, que os elementos que distorcem e reduzem sua eficiência, têm sua origem em estruturas inadequadas, inalteradas no tempo, já que as diversas políticas voltadas para essa cadeia, as quais serão aqui expostas e analisadas, foram incapazes de alterar tais estruturas. Buscou-se destacar os aspectos estruturais e conjunturais, as crises recorrentes e as soluções dadas a elas, tanto por parte dos agentes privados, como, principalmente, decorrentes das políticas públicas a ela voltadas. São destacadas as fragilidades e aspectos negativos das partes constitutivas da estrutura da cadeia, lançando-se mão, quando oportuno e necessário, de algumas comparações com outros países. Analisou-se a instalação da indústria frigorífica, sua interiorização e modernização constante, assim como os outros agentes atuantes no setor de abates com estabelecimentos precários, e o esforço recorrente do governo para que evoluíssem. Analisou-se também a expansão da pecuária a qual ocupou novas áreas, aumentou o rebanho, sem, porém elevar os índices de produção. Destacou-se o caso da cadeia no Estado de São Paulo, as políticas estaduais de estímulo e amparo à pecuária e à indústria da carne, porque São Paulo foi, entre os estados brasileiros, o maior exportador de carne bovina ao longo de todo o século XX, apesar de não ter o principal rebanho. A principal conclusão é que, as políticas implantadas pelo governo federal não foram capazes de aumentar os índices de produtividade da pecuária, nem mesmo de eliminar as imperfeições do setor de abates e consequentemente do mercado de carnes, porque tais políticas não alteraram as estruturas desta cadeia. Foram capazes de aumentar a oferta, mas não o modo de produção.

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ABSTRACT

The objective of this work is to narrate the history of the formation, begun in 1534, and the expansion, until 1989, of the beef chain in Brazil. This is justified by the economic and social importance of this chain in the country and its marked contradictions, with slow evolution of productivity and reproductive indices of a rooted production pattern, within a vast environment in advanced technologies and available for all links. In this work, it is assumed as hypothesis that the elements that distort and reduce its efficiency, have their origin in inadequate structures, unchanged in time, since the several policies directed to this chain, which will be exposed and analyzed here, were unable to change the structures. It sought to highlight the structural and conjunctural aspects, the recurrent crises and the solutions given to them, both by the private agents, and mainly, arising from the public policies addressed to them. The fragilities and negative aspects of the constituent parts of the chain structure are highlighted, and some comparisons with other countries are used, when appropriate and necessary. The establishment of the slaughterhouse, its interiorization and constant modernization, as well as the other agents acting in the sector of slaughterings with precarious establishments, and the recurrent effort of the government were analyzed to evolve. It was also analyzed the expansion of livestock which occupied new areas, increased the herd, without, however, raising production rates. The case of the chain in the state of São Paulo was highlighted, the state policies of stimulus and support to the cattle industry and the meat industry, because São Paulo was, among the brazilian states, the largest exporter of bovine meat throughout the century XX, despite not having the main herd. The main conclusion is that the policies implemented by the federal government were not able to increase livestock productivity rates, nor even eliminate the imperfections of the slaughtering sector and consequently of the meat market, because these policies did not alter the structures of this chain . They were able to increase supply but not the mode of production.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura I.1: Cinco principais setores do agronegócio. ... 21 Figura I.2: Esquema ilustrativo da cadeia agroalimentar de carne bovina. ... 22 Figura 2.1.1: Brasil com delineação do Brasil Central Pecuário ... 37

LISTA DE QUADROS

Quadro 3.1.1: Planos de Abastecimento de Carne (1947-1955) ... 85 Quadro 4.1.1: Projetos aprovados pelo DIPOA para a construção de novos frigoríficos, após o

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1.1.1: Rio Grande do Sul - Exportação de charque, volume, valor, preço médio e imposto, 1822 a 1900 ... 30 Tabela 2.1.1: Exportação de carne bovina - principais países exportadores mundiais, exclusive

sebo, 1909 a 1939 (toneladas) ... 42 Tabela 2.1.2: Importação de carne bovina - principais países importadores mundiais, 1909 a

1939 (toneladas) ... 43 Tabela 2.1.3: Brasil - Exportação de carne bovina refrigerada ou congelada por principais

países de destino, volume (toneladas) e valor total anual, 1914 a 1923 ... 44 Tabela 2.1.4: Brasil - Exportação de carne bovina em conserva, seca, em extrato e sebo

(toneladas) (1909 a 1923) ... 45 Tabela 2.1.5: Exportações de máquinas de refrigeração para o Brasil procedentes dos Estados

Unidos, 1911 a 1921 (US$ a preços correntes) ... 46 Tabela 2.1.6: Rebanho bovino brasileiro (1912, 1916, 1920 e 1938)... 46 Tabela 2.1.7: Número de estabelecimentos de abate e/ou de manipulação de carnes e

derivados inspecionados pela Seção de Carnes e Derivados durante a década de 1920, fechados e restantes ... 46 Tabela 2.1.8: Rio Grande do Sul e Brasil Central Pecuário (SP, GO, MT e Triângulo Mineiro)

- Produção de charque em frigoríficos e charqueadas sob inspeção federal, 1933 a 1940 (1.000 toneladas) ... 51 Tabela 2.2.1: Brasil, regiões e estados - Efetivo do rebanho bovino, número de cabeças (1920) ... 53 Tabela 2.2.2: São Paulo - Exportações internacionais de carne, volume (toneladas) e valor

(contos de réis) (1914 a 1924, 1926 a 1929) ... 54 Tabela 2.2.3: São Paulo - Número e espécie de animais abatidos pelos frigoríficos, 1919 a

1921, 1924 a 1929 ... 56 Tabela 2.2.4: São Paulo - valor e volume da produção dos frigoríficos, carnes e outros

produtos, 1919 a 1921, 1924 a 1929 ... 60 Tabela 3.1.1: Brasil - Exportação de carne bovina resfriada e congelada, por países de destino,

volume e valor, 1936 a 1940... 67 Tabela 3.1.2: Brasil - Exportação de carne bovina em conserva, por países de destino, volume

e valores, 1936 a 1940 ... 67 Tabela 3.1.3: Rebanho bovino - Número de animais existentes nos países com os seis maiores

rebanhos, 1935 a 1945 (1.000 cabeças) ... 68 Tabela 3.1.4: Brasil - Exportação de carne, 1939 a 1949 (tonelada) ... 69 Tabela 3.1.5: Brasil - Exportação de charque, por países de destino, volume e valores, 1936 a

1940 ... 69 Tabela 3.1.6: Brasil - Rebanho, número de animais abatidos, produção de carne e valor da

produção de carne de bovinos (1936-1967) ... 72 Tabela 3.2.1: Brasil - Exportações de carne em geral, volume, valor, preço da tonelada e

índice de preço ... 75 Tabela 3.2.2: Gado tipo chilled beef abatido pelo frigorífico Anglo de acordo com

procedência, número absoluto e participação (1936-1939) ... 76 Tabela 3.2.3: Área de pecuária dos frigoríficos Armour, Wilson e Anglo e respectivas

capacidades de terminação ... 76 Tabela 3.3.1: São Paulo, Goiás e Mato Grosso - Produção de farinhas, adubo e resíduos de

autoclave de estabelecimentos sob Inspeção Federal (toneladas) ... 90 Tabela 3.3.2: Brasil - Exportação de carnes, 1950 a 1955 (toneladas) ... 91

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Tabela 3.5.1: Brasil - Exportações de carnes frigorificadas, enlatadas e preparadas, 1956 a 1967 (toneladas) ... 97 Tabela 3.5.2: São Paulo, Goiás e Mato Grosso - Estabelecimentos de carne sob Inspeção

Federal (1937, 1947, 1957 e 1967) ... 102 Tabela 3.6.1: Brasil, regiões e estados - Efetivo do rebanho bovino, 1940, 1950 e 1960

(número de cabeças) ... 104 Tabela 3.6.2: Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais - bovinos exportados em pé, 1936 a 1940,

1950 a 1951, e 1954 (número de cabeças) ... 105 Tabela 3.6.3: São Paulo - bovinos criados, entrados, saídos, abatidos e índice de abates, 1945

a 1954 (número de cabeças) ... 105 Tabela 3.6.4: São Paulo - Renda bruta da bovinocultura, valor e colocação por ordem de renda

gerada entre os produtos agropecuários produzidos no estado, 1948 a 1953 . 106 Tabela 3.6.5: São Paulo - Bovinos abatidos pelos cinco principais frigoríficos e pelos demais

estabelecimentos sob Inspeção Federal, 1950 a 1955 (número de cabeças) .. 107 Tabela 3.6.6: São Paulo - Utilização da área rural, exclusive litoral, 1953 a 1954 ... 109 Tabela 3.6.7: São Paulo - Crédito concedido pela Carteira de Crédito Agrícola do Banco do

Brasil para a pecuária, 1954 ... 109 Tabela 3.6.8: São Paulo - Capacidade anual de abate instalada, matança máxima verificada

em todo o período de operação do estabelecimento, número de bovinos abatidos e capacidade ociosa dos em operação, fechados e novos, 1955 ... 111 Tabela 4.1.1: Brasil - Matadouros bovinos constantes no levantamento do DIPOA com o

objetivo de implantar a Federalização, 1971 ... 119 Tabela 4.1.2: Carne bovina enviada para a Grande São Paulo a partir de estabelecimentos de

abate com inspeção Federal (SIF) ou sob outro tipo de inspeção, ou sem nenhuma (quilos e percentual) ... 122 Tabela 4.1.3: Número de frigoríficos existentes, em construção e com projetos aprovados pelo

DIPOA no Estado de São Paulo, dezembro de 1973 ... 124 Tabela 4.1.4: São Paulo - Mão de obra ocupada e a ser ocupada em matadouros-frigoríficos

sob Inspeção Federal, 1973/1974 ... 125 Tabela 4.1.5: São Paulo - Subprodutos não comestíveis de 300.000 bovinos abatidos sob

Inspeção Federal, volume e valor, dez meses de 1973 ... 125 Tabela 4.1.6: São Paulo e Rio Grande do Sul - Número de bovinos abatidos sob Inspeção

Federal, 1965 a 1976 ... 126 Tabela 4.1.7: Meios de acesso utilizados para o deslocamento de 1.183.162 bovinos abatidos

no ano de 1965, e de 887.260 bovinos e 622 bubalinos abatidos no ano de 1975, nos estabelecimentos sob Inspeção Federal no Estado de São Paulo (percentual) ... 131 Tabela 4.1.8: Brasil - Estabelecimentos sob Inspeção Federal existentes até 30/09/1977 .... 132 Tabela 4.2.1: Brasil - Rebanho bovino, produção e exportação de carne bovina, taxas de

crescimento anuais, 1961-1970, 1961-1968, e 1968-1970 ... 133 Tabela 4.2.2: Brasil - produção, exportação e consumo de carne bovina, 1947-1971 ... 135 Tabela 4.2.3: Brasil - Carne bovina, exportação e importação, 1968 a 1990 (toneladas)I ... 137 Tabela 4.2.4: Brasil - Rebanho bovino, número de bovinos abatidos, peso total das carcaças,

produção de carne e valor da produção de carne bovina, 1968 a 1990 ... 138 Tabela 4.2.5: Brasil, estados e regiões - Efetivo do rebanho bovino, 1960, 1970, 1980, 1985

(número de cabeças) ... 141 Tabela 4.2.6: Brasil - Área ocupada com pastagens naturais e plantadas, 1920 a 1985 ... 142 Tabela 4.2.7: Brasil e regiões - Lotação média de pastos naturais e plantados, 1971 (cabeças

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Tabela 4.2.8: Brasil e regiões - Índice de lotação da pastagem, 1970 e 1985 (número de bovinos por hectare) ... 143 Tabela 4.2.9: Brasil: Regiões de ocupação antiga e regiões de ocupação recente, cabeças por

hectare, 1960, 1970, 1985 e 2006 ... 145 Tabela 4.2.10: Brasil - Rebanho bovino, hectares de pastagem por cabeça de bovino, número

de bovinos por hectare, 1920 a 1985 ... 146 Tabela 4.2.11: Produtividade média de matéria seca (MS), porcentagem de proteína bruta

(PB), estimativas de custos para diferentes alternativas de alimentação de rebanho bovino e índices percentuais dos custos de produção de matéria seca (IMS) e de proteína bruta (IPB), em relação à pastagem de capim-elefante (Pennisetum purpureum) ... 147 Tabela 4.2.12: Brasil – bovinos, rebanho, número de animais abatidos, desfrute, taxa de abate,

produção de carne e rendimento do rebanho, 1920 a 1985. ... 148 Tabela 4.2.13: Brasil - bovinos, rebanho, nascimentos e vitimados, 1920 a 1985 ... 149 Tabela 4.2.14: Brasil - Produção de carne bovina, exportação e consumo, 1940-1991 ... 150 Tabela A. 1: Brasil, Estados e Regiões: Área ocupada com pastagens naturais e plantadas,

1920 a 1985 (1.000 hectares)...183 Tabela A. 2: Brasil – população, vários anos entre 1872 a 1991 ... 188

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 15

CAPÍTULO I - ANTECEDENTES HISTÓRICOS: PERÍODO ANTERIOR Á INSTALAÇÃO DOS FRIGORÍFICOSNOBRASIL(1534A1908) ... 26

1.1 Introdução e desenvolvimento inicial da bovinocultura no Brasil, a produção do charque ... 26

1.2 Antecedentes históricos no Estado de São Paulo e o entendimento de que a produção agrícola era sua base econômica (1830 a 1908) ... 33

CAPÍTULO II-AINSTALAÇÃODASPRIMEIRASEMPRESASFRIGORÍFICASDACARNEBOVINANO BRASILEOSEFEITOSDAPRIMEIRAGUERRAMUNDIALSOBREESSAINDÚSTRIA,SOBREAS EXPORTAÇÕESDECARNEESOBREOREBANHO(1909 A 1938) ... 35

2.1 Instalação da indústria frigorífica no Brasil: motivações e consequências ... 36

2.2 Ação pública no Estado de São Paulo para o desenvolvimento da pecuária bovina no período de 1909, ano de instalação do primeiro frigorífico em São Paulo, primeiro no Brasil, e o efeito das exportações sobre as políticas estaduais voltadas para a pecuária até 1938 ... 51

CAPÍTULO III - SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ESEUS EFEITOSSOBRE ASEXPORTAÇÕES DE CARNE,SOBRE APECUÁRIABOVINAESOBRE A OFERTAINTERNADECARNENO BRASIL, COMÊNFASEEMSÃOPAULO,EAIMPLANTAÇÃODOPLANOSALTE(1939Á1967) ... 65

3.1 Evolução das exportações de carne bovina em função da Segunda Guerra Mundial e seus entraves e efeitos sobre o mercado interno ... 66

3.2 Conflitos entre pecuaristas e frigoríficos estrangeiros ... 74

3.3 Planos de Abastecimento de Carne e a publicação do RIISPOA ... 83

3.4 O Plano SALTE e a interiorização dos frigoríficos ... 91

3.5 Retorno do Brasil Central ao comércio mundial de carnes, emissão das Normas Higiênicas, financiamento público para a expansão da capacidade de estocagem da carne, despontar dos grandes grupos e nova crise no setor ... 96

3.6 As medidas do Governo do Estado de São Paulo para o desenvolvimento da pecuária bovina e da tecnologia da carne (1939-1967) ... 103

CAPÍTULO IV - TRANSFORMAÇÕES NA CADEIA AGROALIMENTAR DE CARNE BOVINA: A FEDERALIZAÇÃONORMATIVADOSFRIGORÍFICOSEAOCUPAÇÃODAFRONTEIRAAGRÍCOLA (1968/1971A1989) ... 116

4.1 O processo de federalização normativa do parque nacional de abate ... 116

4.2 Produção e exportações de carne e aumento de sua oferta ... 133

4.3 Ações do Governo do Estado de São Paulo voltadas para a cadeia agroalimentar de carne bovina (1967-1989) ... 151

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 155

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 159

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INTRODUÇÃO

Os primeiros lotes de gado bovino foram introduzidos no Brasil em 1534, na província de São Vicente, e em 1535, nas províncias de Pernambuco e Bahia. Na colônia, as funções do gado eram as seguintes: animal de tração para carregar a lenha utilizada nos engenhos para o fabrico do açúcar, e fonte de alimento, através da carne. Em 1701, a metrópole portuguesa determinou que a criação do gado deveria ser feita a uma distância mínima de 10 léguas da costa, o equivalente a 48 quilômetros, desta forma, a pecuária passou a ocupar os sertões e desempenhou outra importante função, a ocupação do território brasileiro.

Até 1908, a única forma disponível na colônia para preservar a carne, era a salga. As charqueadas tiveram importante função econômica no Ceará, durante o século XVIII, e no Rio Grande do Sul, durante o século XIX. Tais estabelecimentos aproveitavam a carne, para a elaboração do charque, e o couro, o qual era comercializado. As demais partes do animal abatido eram desperdiçadas e depositadas no meio ambiente. Em 1909, foi iniciada a construção do primeiro frigorífico no Brasil, com a importação de todos os equipamentos necessários, o qual, diferente das charqueadas, implantou o completo e higiênico aproveitamento da rês, e a preservação da carne pelo emprego do frio artificial.

A grande extensão territorial brasileira, propícia à expansão da pecuária, conhecida no estrangeiro, e o crescimento da demanda por carne nos países envolvidos na Primeira Guerra Mundial, serviram de estímulo à instalação de subsidiárias de frigoríficos ingleses e dos Estados Unidos. Em apenas dez anos, contados a partir do início da construção do primeiro frigorífico, o Brasil passou a ter oito frigoríficos, três de capital nacional e cinco de capital estrangeiro, e as exportações cresceram rapidamente entre 1914 e 1918. Mesmo com a guerra, os países envolvidos no conflito mundial exigiram que a carne fosse inspecionada, e o Brasil, que até então não possuía uma só palavra em sua legislação sobre a qualidade da carne aqui produzida, criou em 1915, a Inspeção Federal brasileira.

A soma da capacidade diária de abate dos frigoríficos que entraram em funcionamento até 1918 era de 3.900 animais, e o rápido crescimento do volume exportado, quase dizimou o rebanho. Com o objetivo de preservá-lo, o Governo Federal realizou uma intervenção sobre as categorias e as idades dos animais a serem abatidos, a qual seria a primeira de muitas outras, como será aqui demonstrado, em função da baixa produtividade da pecuária.

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Quatro frigoríficos estavam instalados em São Paulo, e o governo do estado rapidamente percebeu ser isto uma grande oportunidade para a pecuária e a economia paulista. O fato de os frigoríficos abaterem e exportarem em grande escala; a localização de São Paulo na região conhecida como Brasil Central Pecuário, a qual inclui Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás, estados criadores de gado, e fornecedores de animais para São Paulo; e a disponibilidade do Porto de Santos, deu início a criação de todo um aparato de pesquisa e extensão nas áreas de sanidade, alimentação e melhoramento genético, tomando para o estado, inclusive, a missão de realizar o melhoramento do gado e de difundir para aqueles estados, o animal selecionado, chegando ao ponto, de importar de reprodutores. Ao longo do período analisado neste trabalho, São Paulo criará uma rede estatal de suporte completa para o aprimoramento da cadeia agroalimentar da carne bovina.

Em 1921, foram publicadas as Instruções para Regerem a Inspeção Sanitária Federal de Frigoríficos, Fábricas e Entrepostos de Carnes e Derivados, a qual desencadeou, ao longo da década de 1920, um amplo levantamento sobre os estabelecimentos de abate e manipulação de carne. Dos 144 estabelecimentos inspecionados, apenas 51 atendiam as condições estruturais e higiênicas exigidas pela legislação para operarem (PECEGO, 1969). Este seria o primeiro embate de muitos outros que serão apresentados neste trabalho, travados pelo Governo Federal, para fazer com que o parque de abates nacional evoluísse em tecnologia empregada, higiene e aproveitamento econômico da rês abatida.

Com o início da Segunda Guerra Mundial, as exportações de carne bovina novamente cresceram, e em 1942, o governo precisou intervir para garantir a preservação do rebanho e, acima de tudo, para garantir o abastecimento do mercado interno, de modo que o Brasil Central Pecuário teve suas exportações suspensas. A partir de 1947, como a oferta de carne ainda estava baixa, passaram a vigorar os Planos de Abastecimento, os quais estabeleciam quando e quantos animais poderiam ser abatidos, qual o estoque que deveria ser formado, e quais os cortes e quantidade de carne que deveriam ser fornecidos nos grandes centros. Através do estabelecimento de quotas de abate, o governo pressionou as charqueadas para que implantassem equipamentos de produção de farinhas de ossos, sangue e carne, e de frio artificial, condicionando o estabelecimento de quotas a essas melhorias.

Em 1952, ocorreu o fato mais importante da história da Inspeção brasileira, que foi a publicação do Regulamento da Inspeção Industrial Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA). Este regulamento trata, além dos aspectos sanitários, também dos aspectos tecnológicos da indústria, e determinou que os estabelecimentos que

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comercializassem seus produtos para o mercado externo e interestadual, estariam sob inspeção federal, e os estabelecimentos que realizassem o comércio de seus produtos apenas dentro dos estados, estariam sob inspeção estadual.

Diante do momento econômico que o Brasil estava vivendo de voltar-se para dentro, na década de 1950, através do Plano SALTE, ocorreu a instalação dos frigoríficos em regiões determinadas pela Inspeção Federal, de modo a interiorizar o parque de abate, buscando dar solução para o problema das longas caminhadas pelas quais o gado passava entre as regiões de cria, recria e terminação, o que prolongava o período de produção e consequentemente diminuía a oferta de carne, e de criar condições para que a renda obtida pelos abates, ficasse internalizada na própria zona de produção pecuária. Assim, foram construídos frigoríficos no Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás e interior de São Paulo, através do financiamento público.

Ao longo das décadas de 1970 e 1980, ocorreu a introdução de duas políticas com o intuito de superar a limitação do rebanho, em fornecer carne para atender, tanto a demanda interna, quanto a da exportação. A primeira delas, que ficou conhecida como federalização normativa do parque nacional de abate, tinha por objetivo dar enfrentamento a baixa oferta de carne; ao comércio ilegal de carne entre estados, procedente de estabelecimentos com inspeção estadual; e retirar dos estados a competência para fiscalizar estabelecimentos de abate, já que esta efetivamente não era realizada, e os estabelecimentos não possuíam mínimas condições de higiene, trazendo prejuízo econômico, pelo subaproveitamento da rês, pela sonegação fiscal, e a contaminação ambiental, pois os restos do animal eram depositados no meio. A solução, então encontrada pelo governo, era a de submeter todos os estabelecimentos à inspeção federal.

Em um primeiro levantamento realizado em onze estados em 1971, de 1.179 estabelecimentos, apenas 56 foram considerados recuperáveis após reformas, e 1.123 deveriam ser fechados (CALDAS, 1977). A federalização foi inicialmente implantada no Rio Grande do Sul, e quando ela começou a ser implantada em São Paulo, proprietários de pequenos e médios estabelecimentos, através de vereadores e deputados federais, conseguiram enfraquecer legalmente a lei da federalização, ao longo da década de 1970. Sendo que, em 1989 ela foi completamente encerrada e da pior forma possível, pois agora, além da fiscalização federal e a estadual, também os municípios passariam a inspecionar, porém, estas duas últimas instâncias não possuíam infraestrutura para realizá-la, assim na prática ela não existia.

(18)

A segunda política implantada ao longo das décadas de 1970 e 1980, foi a de ocupação das áreas de fronteira agrícola através dos planos de desenvolvimento, expandindo a pecuária para estas regiões. No entanto, a nova pecuária implantada, manteve o modo de produção extensivo, e a lotação por hectare, era inferior a das áreas de ocupação antiga. Assim, apesar de ter ocorrido a expansão numérica do rebanho, o aumento da produtividade foi muito baixo. De modo que, até 1989, o problema da baixa oferta de carne para atender os mercado interno e externo, não foi superado.

Por todos os fatos acima expostos, este trabalho pretende responder ao seguinte problema: os elementos que distorcem e reduzem a eficiência da cadeia agroalimentar de carne bovina brasileira são de origem estrutural?

A hipótese aqui estabelecida é de que os elementos distorcivos e redutores da eficiência da cadeia agroalimentar de carne bovina brasileira têm sua origem em estruturas inadequadas já que diversas políticas implantadas ao longo do tempo com o objetivo de solucioná-los não, obtiveram êxito porque não modificaram as estruturas, o que será provado através de uma pesquisa histórico-estrutural.

O objetivo geral deste trabalho é analisar o processo de formação e expansão da cadeia agroalimentar de carne bovina brasileira entre 1534 e 1989. O objetivo específico é identificar os elementos que possam contribuir para o aumento do progresso técnico na cadeia agroalimentar de carne bovina brasileira.

O que justifica a escolha do tema deste trabalho é a importância econômica e social da cadeia agroalimentar de carne bovina e suas marcantes contradições, seu caráter estacionário e modelar, dentro de um ambiente vasto em tecnologias avançadas e disponíveis para todo os elos.

Neste trabalho será dado tratamento especial ao caso do Estado de São Paulo, com seções específicas que abordam as políticas estaduais voltadas para o desenvolvimento da pecuária e da indústria da carne, justifica-se pelo fato de São Paulo ter permanecido como principal estado exportador durante todo o século XX, mesmo sem possuir o maior rebanho. Este trabalho demonstra que tal posicionamento tornou-se possível, pela conjunção dos seguintes fatores: a presença do Porto de Santos e a expansão das vias de comunicação interligando o interior ao Porto; a instalação dos frigoríficos no estado, tanto pela primazia quanto pela presença da moderna tecnologia de abate e processamento aí instalada; o aporte de animais recebidos do sul do antigo estado do Mato Grosso, Triângulo Mineiro e Goiás; a condição de maior centro consumidor da cidade de São Paulo; também em função da sua

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posição geográfica, maior possibilidade de integração com o restante do mercado nacional, especialmente Rio de Janeiro e Belo Horizonte; e as importantes políticas implantadas pelo Governo do Estado a partir da sua concepção de que São Paulo tinha como vocações a engorda (em suas áreas de invernagem recebendo gado criado e recriado nos estados vizinhos) e a produção de carne (dispondo de modernos frigoríficos), promotor de melhoramento genético e de pesquisa em sanidade animal e nutrição animal. Todas essas políticas foram amparadas em ampla rede de pesquisa e de extensão rural.

Para atingir o objetivo proposto, esta dissertação está seccionada em quatro capítulos delimitados em função de mudanças na base técnica, industrialização brasileira e alteração do marco institucional.

O primeiro capítulo inicia-se em 1534 e termina em 1908, período em que a salga é a única tecnologia de preservação da carne. Tem-se aí o início da bovinocultura no Brasil através da importação dos primeiros animais que terão importância fundamental na ocupação do território brasileiro e na alimentação da população. Neste período será implantado e consagrado o modelo de exploração extensivo e de abertura de novas áreas da pecuária brasileira que permanecerá até os dias atuais, com alguns casos de exceção.

O segundo capítulo começa em 1909 e termina em 1938. Este período é assim delimitado porque corresponde ao momento de implantação no Brasil, de uma nova base técnica no processo industrial de abate, aproveitamento da rês e de preservação da carne, como consequência do momento histórico em que os países subdesenvolvidos passam a ocupar a condição de fornecedores de alimentos para os países do Primeiro Mundo e de compradores de manufaturados destes países, o que Eric Hobsbawm chamou de Imperialismo e Celso Furtado, de Nova Divisão Internacional do Trabalho, o qual se tornou possível a partir da revolução nos transportes, que inclui navios de grande calão, a implantação do frio em navios cargueiros, além da linha de produção, ocorridos na Segunda Revolução Industrial, liberando a indústria de alimentos para instalar-se em qualquer lugar do planeta em que houvesse matéria-prima abundante, como era o caso do Brasil, reconhecido pelo rebanho e possibilidade de exploração pecuária. Após o início da construção do primeiro frigorífico, sendo este de capital nacional, empresas de capital americano e inglês, instalam-se no Brasil.

O terceiro capítulo, tem início em 1939 e é concluído em 1967. Abrange a incapacidade da pecuária de atender a demanda gerada pela Segunda Guerra Mundial e a urbanização acelerada do Brasil a partir da década de 1950, assim como o aumento e

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interiorização das empresas frigoríficas no segundo período de industrialização brasileira, e o surgimento da indústria de bens de capital nacional para a indústria de abate e processamento. O quarto capítulo é iniciado em 1968 e termina em 1989, por abordar do início ao fim o processo de tentativa do Governo Federal de alterar o marco institucional e a estrutura do setor de abates, de modo a superar o atraso tecnológico, econômico e sanitário. A seguir, serão tratados os problemas de produtividade da pecuária brasileira e as novas políticas paliativas que promoverão a expansão numérica do rebanho, porém sem alterar os índices de produção.

Finalmente, nas considerações finais, são feitos alguns comentários sobre os problemas estruturais presentes na cadeia e sobre o desenvolvimento do setor alcançado por São Paulo, além da apresentação de sugestões para o futuro.

O referencial analítico utilizado nesta dissertação será o de cadeia de produção agroalimentar, dado o seu viés intersetorial, em função do entrelaçamento crescente das atividades de origem agropecuária com os demais setores econômicos, assim como, do conjunto de influências sobre cada um dos setores participantes da produção da carne bovina, como será abordado abaixo, elaborado a partir de Graziano da Silva (1998).

Os primeiros autores a utilizarem um conceito demonstrativo das fortes interligações da agropecuária com os demais setores econômicos, foram os norte-americanos Davis & Goldberg (1957, apud GRAZIANO DA SILVA, 1998, p. 65), que definiram Agribusiness como a “soma de todas as operações envolvidas no processamento e na distribuição dos insumos agropecuários, as operações de produção na fazenda; e o armazenamento, o processamento e a distribuição dos produtos agrícolas e seus derivados.”, e que, no Brasil, passou a ser utilizado como complexo agroindustrial.

A partir da década de 1990, a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), passou a utilizar amplamente a palavra agronegócio como sinônimo de Agribusiness ou de complexo agroindustrial, a qual passou a ser empregada pela imprensa. De acordo com a ABAG, o agronegócio brasileiro é composto por cinco principais setores: fornecedores de insumos e bens de produção; produção agropecuária; processamento e transformação; distribuição e consumo; e serviços de apoio, ressaltando-se que, o agribusiness ou agronegócio, abrange todos os produtos de origem agropecuária, inclusive os florestais, e não somente os produzidos para alimentação (Figura I.1).

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Figura I.1: Cinco principais setores do agronegócio.

FONTE: ABAG (2006, apud MENDES & PADILHA JUNIOR, 2007. p. 48).

Na França, Malassis (1973, apud GRAZIANO DA SILVA, 1998, p. 67), utilizou-se do conceito de sistema agroalimentar para englobar as empresas fornecedoras para a agropecuária, tanto de recursos produtivos, quanto financeiros e de serviços; as unidades de produção agropecuária; as indústrias processadoras dos produtos agropecuários; e os distribuidores de alimentos, sendo este conjunto, caraterística de economias complexas industrializadas com agropecuária também industrializada.

Outra importante contribuição de Malassis (1973, apud GRAZIANO DA SILVA, 1998, p. 67), foi a formulação do conceito de cadeia agroalimentar (filière), a qual se destina à análise individual de cada um dos produtos que compõem o sistema agroalimentar, mostrando o percurso de produção, transformação e distribuição do produto (identificação do produto) e os aspectos reguladores que influenciam estas interconexões, como as políticas governamentais, a legislação, a estrutura dos mercados, a pesquisa, entre outros (Figura I. 2).

Nesta dissertação, que se utilizará do referencial analítico de cadeia agroalimentar para tratar da carne bovina, será dada ênfase aos elos da produção animal, do abate e processamento, mercados externo e interno. Dentre os mecanismos de regulação, serão abordadas as políticas governamentais, o sistema de inspeção sanitária, o sistema de P&D de São Paulo e as políticas de comércio exterior.

Nos parágrafos seguintes, até o final desta seção, analisar-se-á o modelo de exploração, historicamente consolidado, da agropecuária brasileira, a agricultura itinerante, referencial teórico desta dissertação, elaborado a partir de Furtado (1972). A agricultura itinerante caracteriza-se como extensiva, ou de baixo investimento e de formação de capital,

Fornecedores de insumos e bens de produção Produção agropecuária Processamento e transformação Distribuição e consumo Serviços de apoio

Sementes Produção animal Alimentos Restaurantes Agronômicos

Calcário Fertilizantes Lavouras permanentes Têxteis Vestuário Hotéis Bares Veterinários Pesquisa Rações Defensivos Lavouras temporárias Calçados Madeira Padarias Feiras Bancário Marketing Produtos veterinários Horticultura Silvicultura Bebidas Álcool Supermercados Comércio Vendas Transporte

Combustíveis Floricultura Papel e papelão Exportação Armazenagem

Tratores Extração vegetal Fumo Portos

Colheitadeiras Indústria rural Óleos essenciais Bolsas

Implementos Seguros

Máquinas Motores

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baseada na utilização de técnicas rudimentares e, portanto, de baixa produtividade, determinando uma agricultura que se desloca, tanto pelo interior da unidade de produção agrícola, quanto pelo território nacional, gerando um elevado custo para o patrimônio natural nacional, assim como para a população, já que se reproduz a partir de recursos não renováveis.

Figura I. 2: Esquema ilustrativo da cadeia agroalimentar de carne bovina.

Fonte: adaptado de IEL, CNA e SEBRAE (2000, p. 22).

Na grande empresa agropecuária, em suas extensas áreas, é praticada a agricultura tradicional, onde a “única fonte adicional de renda gerada pela produção agrícola provém dos incrementos, na quantidade de fatores tradicionais, exatamente da mesma classe que os usados durante muitos decênios.” (SCHULTZ, 1964, p. 23 apud FURTADO, 1972, p. 108). A prática usual consiste em derrubar e queimar a vegetação original para formar a roça. Quando

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o nível de fertilidade diminui, a área é deixada em descanso, formando-se a capoeira ou pastos naturais, os quais, para elevar a fertilidade do solo, exigirão 5 a 10 vezes mais tempo do que a cultura anual levou para reduzi-la. Nova área será então explorada, ou seja, apenas aumenta-se a quantidade de um dos fatores de produção tradicionais, aumenta-sem alterar a técnica de produção, e aquela ficará subutilizada, em repouso, assim, internamente á grande unidade de exploração agropecuária o uso da agricultura itinerante (shifting cultivation), resulta na imobilização de grande superfície em função do emprego de técnica rudimentar de exploração, arruinando recursos naturais não renováveis.

A minimização dos custos, possível através da agricultura itinerante, de acordo com Schultz (1964, p. 23 apud FURTADO, 1972, p. 108), é uma clara demonstração da racionalidade do agente econômico, não tendo importância para a consideração desta racionalidade, que a técnica empregada seja primitiva, consequentemente de retornos achatados, de modo a ser considerada pelo autor, como um caso excepcional de equilíbrio econômico. Os custos de produção minimizados não significam ocupação plena da capacidade produtiva. Ao elevar-se a demanda, ocorre apenas um rearranjo dos recursos empregados em subsistência para a exploração comercial, ocorrendo o aumento da produtividade média dos fatores sem alterar a técnica de produção empregada. Assim, tal modelo permanece sendo o mais econômico para a estrutura agrária corrente, sob o argumento de que o manejo e a exploração agropecuária utilizados sejam os definitivamente mais economicamente adequados, mesmo admitindo que tal modelo é crescentemente explorador da mão de obra, e sem considerar os danos nefastos aos recursos naturais não renováveis, esses sim, certamente, de elevado custo.

Mais importante ainda: dada a abundância de terras de que dispõe a empresa, a existência de uma fronteira móvel e o crescimento da população trabalhadora rural, essa agricultura tradicional está quase sempre em condições de responder com prontidão ao aumento da demanda de produtos agrícolas criada no exterior ou nas zonas urbanas. A tal ponto que o Brasil tem sido apresentado como autêntico fenômeno: uma economia que se desenvolve com base em uma agricultura tradicional, ou seja, uma agricultura que praticamente não absorve progresso técnico. (FURTADO, 1972, p. 108-109).

Assim, discutir se a agropecuária brasileira estaria de fato em desenvolvimento, ou seja, intensificando o uso de progresso técnico, aumentando a qualificação do recurso humano e promovendo a elevação da qualidade de vida da massa rural, deixou de ser uma

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questão importante, já que ela atende ao aumento da demanda, mesmo que por simples expansão de área explorada.

Para a empresa agromercantil, a mão de obra é, a um só tempo, escassa e barata. Quando ocorre aumento da demanda por produtos agropecuários, em um primeiro momento, a oferta de mão de obra é escassa, determinando o modo de produção extensivo, reproduzindo a agricultura itinerante. Num segundo momento, sempre que ocorrem novas explorações agropecuárias, a mão de obra migra para essas regiões e sua demanda é suprida. A baixa oferta de mão de obra é apenas relativa, já que o Brasil tem uma grande extensão territorial e a agropecuária historicamente realizada, é também em grandes áreas, e se de fato fosse escassa, a própria concorrência entre as unidades de produção agropecuária elevaria sua remuneração, e se solidificaria com o aumento do progresso técnico. A agricultura itinerante é economicamente vantajosa porque o investimento é baixo e a terra é utilizada extensivamente, por outro lado, como as técnicas são rudimentares, a produtividade do trabalho é relativamente baixa.

De acordo com Schultz (FURTADO, 1972, p. 109), a introjeção de progresso técnico seria inviável, pois elevaria os custos rapidamente e a formação de capital ficaria impedida. Furtado (1972, p. 109) afirma que a rentabilidade não diminui, e que na verdade a agricultura tradicional possui custos elevadíssimos para a nação, tanto pela eliminação dos recursos naturais quanto pela exploração acintosa e crescente da população rural.

Em áreas onde a terra já ficou mais escassa, o período de repouso do solo é reduzido e o esgotamento da fertilidade é acelerado, tais áreas logo são destinadas à pastagem. Ocorre uma situação semelhante à venezuelana, que optou por substituir as atividades econômicas, cujos produtos poderiam ser importados através das divisas obtidas pela exportação do petróleo. Do mesmo modo, no Brasil, a coletividade vive de recursos naturais não renováveis.

Na agropecuária brasileira, com certas exceções, como a dos produtos hortigranjeiros e da avicultura, entre outras, todas as explorações que requerem um maior incremento de tecnologia são vistas como antieconômicas, assim o modelo da agricultura predatória se reproduz. Em geral, quanto maior for a relação entre o capital fixo e a produção, ou o coeficiente de capital por pessoa, maior é a introjeção de progresso técnico. No curto prazo, o fato de a grande empresa agropecuária explorar a terra, recurso caro ou escasso, através da agricultura itinerante, configura-se em economicamente viável, mas em médio e longo prazo, o custo social é elevado e difuso, já que ao não introjetar progresso técnico,

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compromete a todos do país. Por pagar salário de subsistência à massa de trabalhadores, compromete também a capacidade do recurso humano se qualificar, bloqueando um dos principais meios de incorporar o progresso técnico na exploração agropecuária. Ademais, o salário baixo dos trabalhadores rurais rebaixa também o salário dos trabalhadores urbanos, pois aqueles sempre podem migrar para as cidades e aumentar a oferta de mão de obra.

Crescimento econômico a partir da exploração e esgotamento de recursos naturais não renováveis, sem a formação de capital, não proporciona desenvolvimento econômico, o qual é marcado pelo aumento constante da produtividade, o que ocorre necessariamente, através da introdução e expansão de progresso técnico, baseadas na acumulação de capital e na transformação da qualidade da mão de obra. A agricultura itinerante praticada pela privilegiada empresa agromercantil é mais uma estrutura explicativa do subdesenvolvimento brasileiro.

De maneira, que este referencial se adequa e explica de que forma a pecuária bovina expandiu-se no Brasil, minimizando os custos de produção, sem utilizar plenamente sua capacidade produtiva, com um crescimento lento da quantidade de animais e carne, o que ocorre principalmente pela ocupação de novas terras, sem a introdução de progresso técnico, sujeita às condições impostas pela natureza. Explica também, o baixo preço da carne nacional no comércio mundial, assim como os deslocamentos da criação pecuária no espaço territorial. Todos estes e outros aspectos serão abordados ao longo desta dissertação.

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Capítulo I - ANTECEDENTES HISTÓRICOS: PERÍODO ANTERIOR Á INSTALAÇÃO DOS FRIGORÍFICOS NO BRASIL (1534 A 1908)

O objetivo deste capítulo é apresentar os antecedentes históricos à instalação da indústria frigorífica no Brasil, abordando desde o ano de 1534, quando os primeiros bovinos foram introduzidos no país, até 1908, ano anterior à construção do primeiro frigorífico. Neste período, o gado desempenha um papel econômico de fornecedor de carne, tração e couro e importante vetor de abertura de novas áreas territoriais, a partir do litoral em direção ao interior, sendo que a única forma disponível para preservar a carne era a salga.

No primeiro tópico, destaca-se que o surgimento da pecuária na região Nordeste ocorreu como economia subsidiária da açucareira, e adquiriu importância como fornecedora de charque para as demais regiões, financiando inclusive o comércio ultramarino escravagista. Depois de sua desintegração provocada principalmente pelas secas, a produção do charque no Rio Grande do Sul, ganha escala, mas enfrenta dura concorrência dos saladeiros platinos no abastecimento do mercado brasileiro.

1.1 Introdução e desenvolvimento inicial da bovinocultura no Brasil, a produção do charque

O bovino foi introduzido no Brasil em 1534, por Martim Afonso de Souza, na capitania de São Vicente. No ano seguinte, mais animais foram importados com destino a Pernambuco e Bahia (CARRER e CARDOSO, 1999). No Nordeste, a pecuária bovina desenvolve-se como um sistema econômico secundário e dependente do açúcar, expandindo-se nas áreas vizinhas às plantações de cana. Os rebanhos forneciam a matéria-prima para elaboração do charque, e os animais de tração utilizados no transporte da lenha necessária ao processo de produção do açúcar (FURTADO, 1977, p. 54-60).

A partir de 1701, com a proibição de se exercer a atividade criatória a menos de dez léguas de distância da costa, imposta pela Metrópole, com o objetivo de proteger os canaviais da invasão do gado e de restringir essa área exclusivamente ao cultivo da cana-de-açúcar, os rebanhos se deslocam sertão adentro, atravessando o rio São Francisco. De cada quatro novas crias, uma pertenceria ao vaqueiro, o que possibilitou a expansão desse sistema econômico sem a necessidade de possuir um significativo capital para investimento.1

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Ademais, a exploração do ouro estimulou ainda mais a expansão da criação do gado (FURTADO, 1977), aumentando a demanda por animais de tiro e elevando o preço da carne (CARRER e CARDOSO, 1999).

Assim, o gado passava por longas caminhadas deslocando-se entre o interior e o litoral, para ser comercializado nas feiras, onde, muitas vezes era abatido sem nenhum descanso ou recomposição. As distâncias provocavam a perda de até metade do valor do animal. Era necessária uma maneira mais racional de fornecer a carne, transportando-se esta e não o animal. Prado Júnior (1987, apud OLIVEIRA, 2009) viu no processo de surgimento das charqueadas, importante solução para tal problema.

O Ceará possuía condições naturais propícias à instalação das charqueadas como, sol e vento. O sal era proveniente de Assu e Mossoró, no Rio Grande do Norte, capitania que também fornecia o gado, além do disponível no próprio sertão cearense. Por volta de 1740, as charqueadas expandiram-se na vila de Santa Cruz do Aracati, na capitania do Siará Grande. Os acessos ao mar e ao rio Jaguaribe contribuíram decisivamente para tal expansão. Aracati funcionava como um entreposto comercial de abastecimento entre o interior e o litoral, fornecendo couro, sola e charque para os tropeiros, naus e Recife (SILVA, 2002 apud OLIVEIRA, 2009; VIEIRA JUNIOR, 2009).

Outro elemento fundamental para o desenvolvimento do charque em Aracati foi a sua proximidade de Recife, centro econômico e administrativo da capitania de Pernambuco, o qual distribuía o charque produzido em Aracati através do comércio intenso centralizado em seu porto e influenciava de maneira hierárquica a região que ia do Ceará até a foz do rio São Francisco (MELO, 2001 apud OLIVEIRA, 2009; VIEIRA JUNIOR, 2009).

A partir de 1757, em função da maior disponibilidade de registros, é possível perceber a grande importância do charque na expansão da força comercial recifense sobre o comércio ultramarino escravagista, no abastecimento das tropas, da Bahia e do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, os comerciantes recifenses solicitaram a constituição da Companhia Geral de Comércio de Carnes Secas e Couros do Sertão, a qual teria por objetivo o fortalecimento da produção do charque e do couro e da sua comercialização para Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, os portos mais importantes do comércio atlântico. A formação da companhia tinha, em sua proposta, a aquisição de 24 sumacas, as quais tinham a capacidade de transportar o charque produzido de 28 a 30 mil cabeças de gado (OLIVEIRA, 2009), sendo cada uma com a capacidade de suportar 80 toneladas (MELO, 2002 apud OLIVEIRA, 2009).

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Em termos de comércio ultramarino escravagista, o charque cearense era utilizado no abastecimento dos navios negreiros e estava entre os produtos da Colônia como o fumo e a cachaça que financiaram o tráfico negreiro, superando os traficantes da metrópole (FERREIRA, 2001 apud OLIVEIRA, 2009).

Mas, ocorreu uma grande seca entre 1777 e 1780 (OLIVEIRA, 2009) e a que ficou conhecida como Seca-Grande, entre 1791 e 1793, a qual dizimou o rebanho cearense, desestabilizando as rotas comerciais, impulsionando a migração dos sertanejos para Aracati, com o objetivo de obter alimentos através do porto da vila, o que propiciou a concentração populacional, e uma epidemia de varíola (VIEIRA JUNIOR, 2009, p. 206). Assim, entre os anos de 1783 a 1802, viria a ocorrer um processo de desarticulação da economia do charque que envolvia o gado, sal, couro, solas, os produtos produzidos em Recife, ligando diversas regiões (OLIVEIRA, 2009, p. 515).

Além dos elementos anteriores, a produção do charque gaúcho estava em expansão, e competia com o cearense, contribuindo para a sua desintegração (OLIVEIRA, 2009). Por volta de 1780, a produção e comercialização do charque gaúcho passam a ser em grande escala, e vai ocupar o espaço deixado pelo charque nordestino na lavoura escravagista, nas zonas mineradoras e no atendimento da população mais pobre das áreas urbanas.2 Charqueadores nordestinos transferiram-se para o Rio Grande do Sul e em um cenário de

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Numa primeira etapa, denominada vacaria, a região fornecia couro para Europa, a partir de Buenos Aires. Milícias especializadas formadas por crioulos, luso-brasileiros, gaúchos-mestiços, índios e negros caçavam e coureavam o gado solto e abundante (REICHEL & GUTFREIND, 1996 apud COURLET, 2005). De acordo com Deffontaines (1953), as primeiras introduções de gado bovino na região do Prata, ocorreram em 1552, no Paraguai; na Argentina, em 1568, em Tucumán, 1572, em Córdoba e em 1589, em Buenos Aires. Do lado leste do Rio Paraná o gado entrou pelo sul e pelo norte. Pelo sul, em 1611, no Uruguai, no Rio Las Vacas, lote que ficou conhecido como as cinquenta vacas de Hernandaria; e em 1617, na Ilha Vizcaino, além do Rio Uruguai. Pelo norte, o gado era procedente do Brasil Meridional e passaram para o Uruguai. Outros animais introduzidos no Chile, atravessaram os Andes e chegaram na direção oriental. Após Portugal fundar a Colônia de Sacramento, em 1680, funcionando como ponto de comércio do couro e fortificação militar, a Espanha estimulou a instalação das reduções jesuíticas no norte do Rio Grande do Sul, em 1682, região que lhe pertencia pelo Tratado de Tordesilhas de 1494, para introduzir e realizar a criação de gado (bovino, muar e cavalar) de modo a superar o esgotamento da reserva de animais em função da caça predatória e reduzir as variações na rentável exportação de couro. Mas as frequentes incursões dos bandeirantes paulistas que caçavam índios e os vendiam como escravos, nas plantações de cana-de-açúcar do nordeste brasileiro, forçaram os jesuítas a abandonarem a região, deixando para trás grande reserva de gado que originou a atividade pecuária na Campanha gaúcha (COURLET, 2005). Também, com o início da mineração em Minas Gerais, no século XVIII, bandeirantes deslocavam-se até a região para caçar animais e levá-los até Sorocaba, em São Paulo, e de lá eram comercializados para Minas Gerais para serem usados como animais de carga ou fornecer carne (SINGER, 1977 apud ALMEIDA, 1992; ROCHE, 1969

apud ALMEIDA, 1992). Em função do embate existente pela área que ia de Laguna até o Estuário do Prata,

Portugal passou, a partir de 1732, a conceder sesmarias a caçadores e militares engajados nas disputas da fronteira, para que a área fosse ocupada e a produção do couro aumentasse. Dando princípio a uma segunda etapa da pecuária na região, formando-se as estâncias (ALMEIDA, 1992; REICHEL & GUTFREIND, 1996

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demanda crescente, boas pastagens, existência de grandes rebanhos, implantaram suas experiências e consolidaram a charqueada como força econômica desse estado (DALMAZO, 2004).

Outro aspecto fundamental para a consolidação da charqueada gaúcha, foi o momento de crise que atravessavam os saladeiros uruguaios e argentinos que também comercializavam no mercado brasileiro, em função de guerras locais e internacionais (ALMEIDA, 1992). Na medida em que novamente se organizaram, a expansão da produção das charqueadas gaúchas é cessada. A concorrência com os saladeiros platinos aparece como principal causa do enfraquecimento das charqueadas gaúchas no período subsequente, em função das regulações impostas pelo poder central brasileiro, que buscavam manter o custo da mão de obra escrava das lavouras exportadoras o mais reduzido possível, relegando-se a segundo plano a pecuária-charqueada do Rio Grande do Sul. A livre entrada sem taxas alfandegárias do charque platino, o imposto sobre o sal adquirido pelo Rio Grande do Sul e a tributação sobre o charque gaúcho, elevando seu preço final, estavam entre os elementos que contribuíram para a deflagração da Guerra dos Farrapos (1835-1845) (DALMAZO, 2004).

Enquanto Farrapos e Caramurus (cavalaria imperial) se confrontavam, as brigadas uruguaias e argentinas entravam com frequência na fronteira brasileira; assim, o Império tinha urgência em encerrar o conflito para fortalecer a proteção das fronteiras. Ao assinar o tratado de Paz de Ponche Verde, em 28 de fevereiro de 1845, o Império atendeu a algumas solicitações de cunho econômico e político dos farroupilhas, mas de fato foram as disputas políticas ocorridas no Prata, que vieram a dar algum alento para o charque gaúcho (DALMAZO, 2004). Ao longo do conflito farroupilha, as exportações do charque gaúcho, lentamente, cresceram, sendo acompanhadas pela elevação do preço médio da tonelada, mas no ano seguinte ao final do conflito, entraram em queda acentuada até 1849 (Tabela 1.1.1).

Em 1851, na assinatura do tratado que marcava a derrota de Oribe, as charqueadas uruguaias passaram por uma grave desarticulação, já que este documento assinalava que o gado uruguaio, em pé, poderia entrar no território brasileiro sem nenhuma taxa de importação, já, o charque pagaria, permitindo assim que as charqueadas gaúchas tivessem acesso à matéria-prima mais em conta e que o charque uruguaio ficasse menos competitivo (PESAVENTO, 1980 apud DALMAZO, 2004).

Na década de 1860, as charqueadas do Prata passaram por um processo de modernização, convertendo-se em empresas capitalistas, apresentando condições de produção muito distantes das charqueadas gaúchas (DALMAZO, 2004).

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Tabela 1.1.1: Rio Grande do Sul - Exportação de charque, volume, valor, preço médio e imposto, 1822 a 1900

Ano Volume (t) Valor (Réis) Preço médio (Réis/tonelada) Imposto de exportação (Réis) 1822 10.677 797$183 74$664 - 1837 2.601 234$079 89$996 - 1838 2.360 235$975 99$989 - 1839 6.497 649$691 99$999 - 1840 5.959 595$932 100$005 - 1841 8.187 900$533 109$995 - 1842 9.932 1:092$491 109$997 - 1843 13.910 1:669$152 119$997 - 1844 11.888 1:426$552 119$999 - 1845 33.963 4:528$442 133$335 135$853 1846 14.496 6:378$149 439$994 191$344 1847 14.671 6:455$351 440$008 193$660 1848 13.138 3:468$432 264$000 104$052 1849 6.318 1:338$090 211$790 50$042 1850 10.515 2:775$858 263$990 83$275 1851 12.386 3:269$819 263$993 98$094 1852 10.541 2:782$822 264$000 83$484 1853 17.128 4:521$764 263$998 135$652 1854 16.387 4:325$983 263$989 129$779 1855 16.617 4:386$895 264$000 131$606 1856 18.436 4:874$509 264$402 146$353 1857 21.930 5:918$862 269$898 180$312 1858 14.559 4:474$373 307$327 133$602 1859 25.433 2:662$674 104$694 79$880 1860 22.808 5:889$354 258$214 58$893 1861 29.956 5:940$415 198$305 59$404 1862 28.341 3:546$793 125$147 106$403 1863 30.171 3:620$508 120$000 108$615 1864 35.952 6:054$735 168$412 181$642 1865 31.518 3:826$323 121$401 114$789 1866 32.532 3:977$714 122$271 119$331 1867 33.315 6:205$710 186$274 186$171 1868 43.748 6:597$740 150$812 197$932 1869 21.406 5:568$102 260$119 167$043 1870 27.190 5:556$516 204$359 166$695 1871 16.394 5:784$343 352$833 173$530 1872 33.513 5:416$272 161$617 162$488 1873 30.087 4:626$360 153$766 138$790 1874 22.491 4:520$563 200$994 135$616 1875 25.937 5:556$433 214$228 166$693 1876 23.847 5:902$529 247$517 177$065 1877 29.734 7:956$163 267$578 238$684 1878 28.005 7:921$372 282$856 237$641 1879 23.709 6:786$564 286$244 203$596 (continua)

(31)

(continuação)

Ano Volume (t) Valor (Réis) Preço médio (Réis/tonelada) Imposto de exportação (Réis) 1880 24.575 7:617$018 309$950 228$510 1881 16.818 5:197$577 309$048 155$927 1882 19.130 4:781$670 249$957 143$450 1883 22.925 5:531$102 241$269 165$933 1884 22.644 5:018$435 221$623 150$553 1885 24.221 4:917$773 203$038 147$533 1886 22.659 8:297$638 366$196 248$935 1887 6.534 1:433$477 219$387 43$004 1888 27.670 4:732$210 171$023 141$966 1889 25.660 4:765$883 185$732 142$976 1890 26.000 5:223$186 200$892 156$695 1891 33.936 9:039$019 266$355 271$170 1892 35.707 11:813$685 330$851 354$410 1893 32.325 12:353$215 382$157 370$596 1894 28.382 11:633$371 409$886 349$111 1895 21.709 8:265$700 380$750 247$971 1896 18.794 7:107$944 378$203 213$238 1897 25.464 11:496$795 451$492 344$903 1898 28.544 16:667$453 583$921 500$023 1899 20.314 13:754$486 677$094 412$634 1900 21.462 15:002$431 699$023 450$072

Fonte: Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, n. 8, dez. 1922 (apud DALMAZO, 2004, p. 80).

Concorriam então, no mesmo mercado, o charque produzido por relações de produção escravagista e o charque de relações de produção capitalista. No Uruguai e na Argentina, o saladeiro era a principal atividade econômica e, consequentemente, o suporte da camada mais influente no poder, tendo seus interesses sempre defendidos. Já a camada dominante gaúcha tinha apenas a hegemonia no estado e não junto ao Império, sem conseguir, portanto, obter situações que eliminassem as desvantagens concorrenciais com o charque do Prata (DALMAZO, 2004).

Para Cardoso (1962 apud FONSECA, 1985 apud ALMEIDA, 1992) o modo de produção escravagista das charqueadas brasileiras justifica a sua reduzida competitividade em relação à charqueada platina capitalista, já que na primeira, havia menores condições de divisão do trabalho, custos elevados na manutenção do escravo e na repressão dos trabalhadores livres. Mesmo nesse contexto, em 1868, o Rio Grande do Sul exportou 43.748 toneladas, o maior volume até então.

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O cenário de incerteza criado pelas oscilantes exportações repercutia nos pecuaristas, na forma de baixa rentabilidade, inibindo a modernização das estâncias. Para reagir a este panorama, os estancieiros reduziram os custos, tornando-se o investimento de modernização que poderia gerar aumento da produtividade da terra, uma atitude economicamente antirracional (DALMAZO, 2004).

Após 1872, as exportações do charque do Rio Grande do Sul entraram em tendência decrescente que permaneceu até 1887. A partir de 1889, a pecuária gaúcha passou por alguns avanços como a importação de touros puros do Prata e da Europa, a separação em lotes de animais de reprodução e dos destinados à engorda, a construção de banheiros, aumentando o controle sanitário do rebanho, de currais e de bretes. A charqueada, assim como a estância, passou a ter mão de obra assalariada (DALMAZO, 2004).

Agravando ainda mais a situação das estâncias, a Reforma Tributária de 1902, a qual tinha o objetivo de incentivar a indústria, instituiu o Imposto Territorial, como compensação à perda de receita decorrente das taxas sobre produtos exportados. O Imposto Territorial, calculado de acordo com o tamanho da área e de seu valor venal, era cobrado somente sobre a propriedade rural e não sobre a urbana. Assim criava privilégio aos comerciantes e industriais, e por pesar mais sobre as grandes propriedades, dava privilégio aos colonos do norte e nordeste do Rio Grande do Sul. A maior parte dos pecuaristas, normalmente grandes proprietários, se opôs à reforma. Assim estimulavam-se as exportações e transferia renda que antes era apropriada pelos pecuaristas, para comerciantes e industriais (ALMEIDA, 1992).

O Brasil chamava a atenção do estrangeiro por seu potencial pecuário e pela inexistência da indústria frigorífica para explorá-la. Em 1905 e 1906, relatos enviados por cônsules dos Estados Unidos que atuavam no Brasil, incentivavam a instalação da moderna indústria de matadouros-frigoríficos de capital e tecnologia norte-americanos em território brasileiro. Ressaltavam que o clima, a grande extensão de terras e a produção de produtos cárneos de baixa qualidade, criavam um panorama excepcional para a indústria americana. Ademais, as elevadas tarifas aduaneiras eram impeditivas a uma importação de carne em conserva (CÔNSUL SEEGER, 1905 apud SUZIGAN, 2000, p. 351; CÔNSUL ANDERSON, 1905 apud SUZIGAN, 2000, p. 351).

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1.2 Antecedentes históricos no Estado de São Paulo e o entendimento de que a produção agrícola era sua base econômica (1830 a 1908)

De acordo com Martins (1991, p. 91), os relatórios da administração da província de São Paulo ao longo da década de trinta do século XIX, consideravam que sua base econômica estava assentada na produção agrícola, sendo do mesmo período a primeira iniciativa voltada para o desenvolvimento da pecuária, organizando, em 1836, a Fazenda Normal, a qual deveria, entre outras funções, reunir, melhorar, adaptar e distribuir as melhores raças de animais domésticos, além de capacitar a mão de obra (SÃO PAULO, 1836).

Cerca de sessenta anos depois, em 1899, foi organizado o Serviço Agronômico do Estado, o qual deveria, além de realizar estudos do solo, do clima, dividir o estado em distritos agronômicos; levantar dados estatísticos; publicar periódicos; e realizar diversas ações voltadas especificamente para a cultura vegetal; deveria também estudar o desenvolvimento dos sistemas de criação de gado e suas doenças. Para tanto, deveriam ser criados postos zootécnicos e campos de demonstração, como de fato ocorreu e que serão descritos na sequência desta seção (SÃO PAULO, 1899).

Em 1905, com o objetivo de estimular e divulgar a pecuária, o Governo de São Paulo determinou que era o momento de organizar a primeira Exposição Estadual de Animais, a primeira do gênero no país. A partir das exposições regionais em Pindamonhangaba, São Carlos, Batatais, Itapetininga e Campinas, que eram os centros dos cinco distritos agrícolas em que o estado fora dividido, foram selecionados e premiados os melhores exemplares e expostos na Exposição Estadual. A lavoura de café, no norte do estado, estava em decadência e o Governo via a pecuária como possibilidade de se tornar uma nova atividade para os produtores rurais da região, sendo aí realizada a primeira exposição regional. Outra forma encontrada pelo Governo de promover o desenvolvimento da pecuária, era arcar com as despesas relativas ao transporte na importação de reprodutores de raça realizada pelos criadores. O primeiro levantamento estatístico agrícola e zootécnico, ainda inédito no Brasil, foi também organizado nesse ano, com o objetivo de conhecer a real importância do setor agropecuário no estado. Ainda foi inaugurada a pesquisa zootécnica organizada no país, com a criação do Posto Zootécnico Central, voltado exclusivamente para a pecuária, com a função de aclimatar reprodutores importados e aprimorar o Caracu, em seguida vendendo-o aos criadores (MORETI & FONSECA, 2005; RELATÓRIO DOS PRESIDENTES DOS ESTADOS BRASILEIROS, 1906).

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No ano seguinte, o Governo do Estado criou a Comissão Consultiva de Criadores Paulistas junto à Secretaria de Agricultura, para tratar de assuntos relativos à criação animal, estímulo à indústria de derivados e de sistemas frigoríficos, abrangência de novos mercados e organização de exposições animais (MARTINS, 1991).

Referências