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CAPÍTULO III – O DEVER DE PROTEÇÃO

2. Conflitos entre regras

Diante do conteúdo definitivo das regras, estas, quando conflitantes, somente podem ter a querela jurídica resolvida à luz da cláusula de exceção218, limitando o conflito, ou pela declaração de invalidade de qualquer delas219. É dizer, em havendo conflito regra/regra, a solução será dada se houver uma cláusula de exceção, mas, se não houver previsão de tal cláusula, impõe-se a declaração de invalidade de uma das regras, pois ambas não podem ao mesmo tempo ser aplicadas para o mesmo caso concreto.

Alexy indica novamente o caminho a ser percorrido diante de tal conflito: a solução para o problema será feita através das regras como Lex posterior derogat legi priori e

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BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 341.

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Bonavides (op. cit., p. 294) resume os resultados obtidos pela teoria dos princípios diante do pós-positivismo: “a passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade normativa; a transição crucial da ordem jusprivatista (sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita juspublicística (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência jurídica; a proclamação de sua normatividade; a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios”.

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Alexy (op. cit. p. 92) explica, com um singelo exemplo, o que vem a ser cláusula de exceção: “um exemplo para um conflito entre regras que pode ser resolvido por meio da introdução de uma cláusula de exceção é aquele entre a proibição de sair da sala de aula antes que o sinal toque e o dever de deixar a sala se soar o alarme de incêndio. Se o sinal ainda não tiver sido tocado, mas o alarme de incêndio tiver soado, essas regras conduzem a juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si. Esse conflito deve ser solucionado por meio da inclusão, na primeira regra, de uma cláusula de exceção para o caso do alarme de incêndio”.

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Lex specialis derogat legi generali, mas ratifica que o mais importante a saber é que a decisão

sempre se dará no plano da validade e não do peso que cada regra tem no caso concreto. Essa é também a doutrina de Dworkin, para quem: “dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão”220. Ou seja, a convivência de regras “é antinômica”221, pois estas se excluem.

2.1. Conflitos entre princípios.

Ante ao conteúdo aberto dos princípios, estes podem se atritar com outros, vez que ambos teoricamente são aplicáveis ao caso concreto. Quando isso acontece, há o que a doutrina222 costuma chamar de colisão entre princípios e, como todos ocupam o mesmo patamar e não se submetem à regra da subsunção, a solução apontada não é a mesma da indicada para as regras, pois um dos princípios colidentes há de ceder, dando espaço para o outro, no caso concreto com mais peso, não significando, porém, que o princípio cedente não seja válido, apenas não será aplicável para aquele caso concreto, diante das condições lá postas, mas, sob outras condições, o resultado pode ser bem diferente: “Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta”223.

Os princípios, ao contrário das regras, analisadas no plano da validade, são dotados de uma dimensão de peso, sendo a análise de tal peso perpetrada diante das circunstâncias que se apresentam no determinado caso concreto.

É dizer: “é possível que um princípio seja válido e pertinente a determinado caso concreto, mas que suas consequências jurídicas não sejam deflagradas naquele caso, ou não o sejam inteiramente, em razão da incidência de outros princípios também aplicáveis”224. Isso ocorre porque há sempre a necessidade de ponderação entre princípios colidentes e não a exclusão de um em detrimento do outro.

Alexy estabeleceu o que ele intitulou de “lei de colisão”, afirmando que há “precedências condicionantes” que determinam o resultado do sopesamento entre princípios colidentes:

220

Op. cit., p. 39.

221

CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. cit., p. 1145.

222

Por todos, ALEXY, Robert. Op. cit., p. 91.

223

ALEXY, Robert. Op. cit., p. 93.

224

SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesse na Constituição Federal. 1. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2005, p. 45.

levando-se em consideração o caso concreto, o estabelecimento de relações de precedências condicionadas consiste na fixação de condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro. Sob outras condições, é possível que a questão da precedência seja resolvida de forma contrária225.

A fórmula elaborada pelo citado publicista e agora destrinchada pode ser assim posta: Um princípio (P1) colide com outro princípio (P2) e, como não há prevalência de um em relação ao outro, sendo ambos válidos e aplicáveis àquele determinado caso, para a análise e a resolução de qual dos princípios será concretamente aplicável, é necessário que se saiba quais as condições apresentadas nessa querela e isso é justamente a “precedência condicionante”, que, dependendo do peso que possa dar a um dos princípios, acarreta o resultado pela aplicação de P1 ou de P2, embora a solução por um ou outro princípio não signifique dizer que sempre o resultado vá ser esse, pois se a “precedência condicionante” for diversa, diverso também poderá ser o resultado.

Isso ocorre porque, ao contrário das regras, os princípios “exigem que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes” e, nesse sentido, eles “não contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie”226.

Com isso não se quer dizer que as regras também não tenham caráter prima

facie. É que tal característica é muito mais presente nos princípios, pelo conteúdo de abstração

e abertura dos mesmos.

Dependendo do tipo de Constituição de um determinado Estado, é possível se dizer que as regras se vinculam ou não ao caráter prima facie. Sem embargo, cada regra, ao ser estabelecida, deve passar sempre pelo crivo do procedimento legislativo, atendendo a todas as formalidades que lhe são próprias, ou melhor, aos “princípios formais”227. Assim, se o respectivo Estado relegar bastante atenção e importância a tais princípios, forte será a vinculação das regras ao caráter prima facie, sendo o contrário também verdadeiro.