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CAPÍTULO VI – DIREITOS FUNDAMENTAIS NA RELAÇÃO DE EMPREGO

3. Origem da teoria acerca da eficácia dos Direitos Fundamentais entre os particulares

3.3. Teoria da eficácia direta

De acordo com a teoria da eficácia direta ou imediata dos Direitos Fundamentais, também conhecida como teoria monista372, todos estes direitos, por serem concebidos segundo a sua subjetividade, têm como destinatário o Estado e também os particulares, principalmente se a entidade privada detém um poder privado ou social, mas

369

ANDRADE, José Carlos Vieira. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, 4. ed., Coimbra: Almedina, 2008, p. 253-254.

370

Op. cit., p. 288.

371

BRAGA, Paula Sarno. Direitos fundamentais como limites à autonomia privada. Salvador: Editora Jus Podium, 2008, p. 138.

372

MAC CROIE, Benedita Ferreira da Silva. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Coimbra: Almedina, 2005, p. 21.

todos os seus defensores possuem sempre um argumento em comum, constituído em torno da necessidade de ponderação373 no caso concreto com o princípio da autonomia privada, tendo- se que este é um princípio reconhecidamente constitucional. Isso porque a conclusão acerca da permeação direta dos Direitos Fundamentais nas relações privadas atenta sempre para o fato de que esse tipo de fenômeno não se dá da mesma forma em que ocorre quando o destinatário é o Estado, sendo necessária uma ponderação de princípios que informam o caso concreto.

Atribui-se a Hans Carl Nipperdey a tese inicial sobre a eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas, tendo o referido autor afirmado que “não é necessário, para a validez de direitos fundamentais como normas objetivas para o direito privado, nenhum ‘meio’, ‘lugares de invasão’, como devem ser as cláusulas gerais”, prosseguindo para concluir que:

o efeito jurídico é, ao contrário, em normativo imediato que modifica ou cria de novo normas de direito privado existentes, independente se de direito coercitivo ou dispositivo, se de cláusulas gerais ou normas jurídicas determinadas, sejam proibições, mandamentos, direitos subjetivos, leis de proteção ou fundamentos de justificação374.

A teoria da eficácia direta dos Direitos Fundamentais foi estimulada pelo próprio desenvolvimento da Constituição como ordem aberta de valores375 e princípios provenientes da sociedade. É dizer, se a Constituição ocupa o mais alto patamar do regramento de um Estado, o Direito Privado não figura como refúgio ou fuga às normas fundamentais, que, ao revés, passeiam por todas as searas do Direito, não só sob a dimensão objetiva, mas também diretamente, impondo-se de modo subjetivo nas relações privadas, “precipuamente como uma sentença, e não como um mero critério interpretativo”376.

373

Virgílio Afonso da Silva (op. cit., p. 153) afronta terminantemente esse ponto de vista, acreditando que uma ponderação entre o direito fundamental e o princípio da autonomia: O grande problema é que, para que a autonomia privada não seja ameaçada, costuma-se fazer menção a uma necessidade de se sopesar, em cada caso concreto, o direito fundamental atingido e a própria autonomia privada. Parece-me duvidoso, no entanto, que um sopesamento como esse seja possível ou até mesmo necessário”.

374

NIPPERDEY, Hans Carl. Direitos fundamentais e Direito privado. Tradução de Waldir Alves. In: Direitos

Fundamentais e Direito Privado: textos clássicos. HECK, Luiz Afonso (org). Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris Editor, 2011, p. 62.

375

Virgílio Afonso da Silva (op. cit., p. 146), na contramão das opiniões a esse respeito, assevera que “o recurso a uma ordem objetiva de valores, da forma como ocorre na doutrina e na jurisprudência alemãs, não é necessário. [...] A resposta está no conceito de direitos fundamentais como princípios. [...] Fundamentar os efeitos dos direitos fundamentais nas relações entre particulares com base na ideia de otimização e não na ideia de ordem objetiva de valores tem pelo menos duas vantagens: (1) exime o modelo das principais críticas feitas a essa ordem de valores; (2) não implica uma dominação do direito infraconstitucional por parte dos valores constitucionais, pois o próprio conceito de otimização já enuncia que a produção de efeitos é condicionada às condições fáticas e jurídicas existentes”.

376

A teoria é justificada, principalmente, com base no poder, pois os perigos que permeiam os direitos fundamentais não proveem apenas do Estado, mas também dos poderes sociais e de terceiros em geral, como sói ocorrer na relação de emprego, onde, como se observou no item 2 desse capítulo, há forte assimetria entre as partes convenentes e concentração de poder nas mãos do empregador, sendo a contratação de emprego campo fértil para o semear e florescer dos direitos fundamentais. Tanto é assim que a nossa Constituição consagrou um capítulo inteiro (II) para tratar dos direitos fundamentais sociais na relação de emprego, a fim de fazer com que as normas fundamentais se façam incidir diretamente na relação privada travada entre empregado e empregador.

A teoria da eficácia imediata não gerou grande aceitação na Alemanha, como se observou no item anterior. Em Portugal, como é explícito na Carta Política (artigo 18, I)377, a adesão à teoria imediata é majoritária, assim como na Espanha, apesar de neste país não haver regramento constitucional expresso sobre o tema378, mas tão-somente em relação à eficácia clássica dos Direitos Fundamentais quando o destinatário é o Estado.

Jorge Miranda, embora não tenha se manifestado explicitamente sobre a adesão a quaisquer das teorias, explica o alcance do artigo 18º, I da Constituição portuguesa – fazendo, inclusive, uma referência na nota de rodapé à Constituição brasileira, que, segundo o autor, possui regramento semelhante –, apontando que o essencial para a interpretação do referido dispositivo é: i) salientar o caráter preceptivo, e não programático, das normas sobre direitos, liberdades e garantias; ii) afirmar que estes direitos se fundam na Constituição, e não na lei; iii) sublinhar que não são os direitos fundamentais que se movem no âmbito da lei, mas a lei que deve mover-se no âmbito dos direitos fundamentais379.

O referido publicista, filiando-se à teoria ora analisada, doutrina que, em se tratando de poder privado ou social, a aplicação dos Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais será direta, valendo ditos direitos de modo “absoluto” nas aludidas relações de poder, mas “nos restantes casos, poderá haver graus de vinculatividade”380.

O indigitado autor parece ter encontrado adesão também na doutrina de Vieira de Andrade, quando este apresenta a preocupação de se aplicar a teoria da eficácia imediata de forma absoluta, pois, a vinculação dos particulares aos Direitos Fundamentais somente

377

Art. 18, I: “os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”.

378378

A Carta Política espanhola de 1978 assim dispõe em seu art. 53.1: “Los derechos y liberdades reconocidos

en el Capítulo segundo del presente Título vinculan a todos los poderes públicos. Sólo por ley, que en todo caso deberá respetar su contenido esencial, podrá regularse el ejercicio de tales derecho y liberdades, que se tutelán de acuerdo con lo previsto en al artículo 161.1.a”.

379

Op. cit., p. 276.

380

seria dessa forma quando se tratasse de evidente relação de poder, tendo-se que em casos como tais, a parte subjugada possui direito subjetivo fundamental em face do destinatário, detentor do poder privado ou social, mas, como ambos os sujeitos são titulares de Direitos Fundamentais, o conflito no caso concreto é inevitável, devendo ser resolvido à luz da ponderação de princípios. Entretanto, em não se apresentando o dito poder privado, a aplicação dos Direitos Fundamentais segue a lógica da teoria da eficácia indireta381.

Ou seja, os Direitos Fundamentais não se infiltrariam na relação privada como direitos subjetivos, mas apenas como ordem de valores, objetivamente, indicando o caminho a ser seguido pelo Juiz, máxime quando este tem por missão a interpretação de conceitos jurídicos indeterminados e as cláusulas gerais.

Desse entendimento não se dispersa totalmente Ubillos, apontando que a solução mais correta é a aplicação dos Direitos Fundamentais de forma direta nas relações privadas, o que tem sido perpetrado pelos tribunais civis espanhóis (segundo o autor) que, apesar disso, não deixam de aplicar a ponderação de interesses constitucionais em conflito382.

Em idêntico sentido parece ser a posição de Mac Croie, para quem as relações entre iguais são sempre um problema de colisão de Direitos Fundamentais nas relações privadas, dependendo a aplicação de tais direitos muito mais de como se apresenta o conflito concretamente do que a filiação a uma ou outra teoria, pois ambos os particulares são titulares de direitos provenientes da Constituição, sendo tudo, “no fundo, uma escolha entre direitos ou liberdades que competem”383.

À mesma conclusão chegou Vieira de Andrade, quando, articulando acerca do dever de proteção, atesta que uma das limitações substanciais de tal dever estatal diz respeito ao que ele chamou de “direito dos outros”, pois, “quando a proteção dos direitos de uma pessoa possa pôr em causa a esfera jurídica de terceiros, exige-se que essa proteção seja medida por uma ponderação dos bens ou valores em presença e que respeite o princípio da proporcionalidade”384.

Filiando-se à teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas, assegurou Daniel Sarmento que “nada há no texto constitucional brasileiro que sugira a ideia de vinculação direta aos direitos fundamentais apenas dos poderes públicos”385, invocando o sempre lembrado § 1º do artigo 5º da nossa Constituição, que não distingue entre

381 Op. cit., p. 290. 382 Op. cit. 383 Op. cit., p. 94-95. 384 Op. cit., p. 141. 385 Op. cit., p. 198.

a aplicação das normas fundamentais nas relações havidas com o Estado ou com as entidades particulares.

Também se filia à teoria da eficácia direta Ingo Sarlet, ao afirmar que se a tese diametralmente oposta segue dominante na doutrina e jurisprudência alemãs, inclina-se “hoje em prol de uma necessária vinculação direta prima facie também dos particulares aos direitos fundamentais”386.

Porém, mais adiante o mesmo doutrinador pontifica que “no âmbito da problemática da vinculação dos particulares, as hipóteses de um conflito entre os direitos fundamentais e o princípio da autonomia privada pressupõem sempre uma análise tópico- sistemática, calcada nas circunstâncias específicas do caso concreto”387, sendo a conclusão de Steinmetz bem semelhante, para quem os melhores argumentos sobre as teorias debatidas ratificam a por ele chamada de “intermediária”, sendo o problema da eficácia de normas de direitos fundamentais entre particulares “um problema de colisão de direitos fundamentais”, pois “a autonomia privada, princípio fundamental do direito privado, é também um bem constitucionalmente protegido; e, em razão do alcance, a medida da eficácia imediata em cada caso concreto deve resultar de uma justificada ponderação dos direitos, interesses ou bens em jogo”388.

Seguindo praticamente o mesmo raciocínio, Thiago Sombra assegura que os Direitos Fundamentais “não são direitos públicos subjetivos rígidos” exercidos somente em face do Estado, “senão também em face dos particulares” e as tensões firmadas entre direitos fundamentais, “enquanto resultado de uma eficácia direta, pode resultar na necessidade de imposição de limites, os quais, via de regra, poderão ser definidos pelo processo de concretização hermenêutica”389, o que, em outras palavras, significa ponderação de interesses constitucionalmente assegurados.