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CAPÍTULO V – O “ESTADO DE ARTE” DO DIREITO BRASILEIRO SOBRE O

2. O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

A Lei n. 5.107, de 13/09/1966 abalou significativamente o regime da estabilidade decenal, pois assegurou aos empregados a opção entre o novo regime (FGTS), ou

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CAMPANHOLE, Adriano. CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Todas as Constituições do Brasil. São Paulo: Atlas, 1971. p. 323.

o antigo sistema da estabilidade após dez anos de serviço, tendo a doutrina da época afirmado quase em uníssono, que a opção pelo primeiro gerava automaticamente a não observância do segundo, mesmo que a Constituição Federal da época assegurasse a estabilidade, o que levou o próprio Süssekind a testificar que tais regimes se “excluíam reciprocamente”238.

Ou seja, estabelecida restou, segundo doutrina e jurisprudência dominantes de outrora, com o advento da lei do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, a troca do sistema de garantia no emprego pela reposição econômica, tendo o Legislador de então já relegado o valor trabalho, metamorfoseando “o direito unilateral ao emprego, pelo direito à indenização correspondente”239, tendo Russomano afirmado que “a lei, fazendo distinção, usou um expediente ardiloso: utilizou as fragilidades do trabalhador, jogando com elas, para compeli- los a optar pelo nôvo regime jurídico. As fraquezas, as necessidades e a própria ignorância do operariado foram trunfos para a grande cartada do FGTS”240.

Não obstante o entendimento dominante de antanho, vozes posteriores discordaram da certeza em relação à exclusão dos institutos, tendo Maciel afirmado que o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, criado sob a égide da Constituição de 1946, que previa o instituto da estabilidade, apenas passou a “substituir a indenização decorrente da incompatibilidade que impossibilitava a reintegração do trabalhador estável, mas não a própria estabilidade”, em face do princípio da “hierarquia das normas”241.

Embora a conclusão pareça até óbvia, esse não foi o entendimento que prevaleceu e, com o tempo, o que era para ser opção se tornou imposição do empregador em relação ao empregado, que, já no ato de admissão, somente era integrado à empresa, se optasse automaticamente pelo regime do FGTS, pois somente assim o empregador poderia fazer uso ilimitado do seu suposto direito potestativo de despedir.

Nesse sentido, doutrina Roland Hasson que o FGTS surgiu como um sistema alternativo, mas mascarado pela realidade imposta pelos empregadores, no sentido de obrigar os empregados à “aceitação”: “Tratava-se de um brinde à classe trabalhadora que ganhava o

direito de optar entre a estabilidade decenal ou o sistema fundiário (sic)”, mas, isso

rapidamenta se revelou um engodo, muito bem resumido pelo referido autor: “o FGTS opcional mostrou-se rapidamente uma mentira, pois a opção passou a ser pré-requisito para uma contratação ou mesmo para a permanência no emprego. Em pouco tempo multiplicaram-

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SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. VIANNA, Segadas. TEIXEIRA, Lima. Instituições de

Direito do Trabalho. 18. ed. Atual. por Arnaldo Süssekind e Lima Teixeira. V. I. São Paulo: LTr, 1999, p. 689. 239

MACIEL, José Alberto Couto. Garantia no emprego já em vigor. São Paulo: LTr, 1994, p. 21.

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RUSSOMANO, Mozart Victor. A estabilidade do trabalhador na emprêsa. Rio de Janeiro: José Konfino editor, 197, p. 141.

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se as decisões judiciais autorizando as empresas a legitimamente impor como regra a admissão somente de optantes”242.

Analisando o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, José Alberto Couto Maciel explica que o referido instituto foi elaborado no auge da revolução e tinha como intuito cimentar a estrada por onde passariam as empresas nacionais que desejassem a injeção do capital estrangeiro, pois no caminho da clareira aberta à facão, desvelava o livre acesso à diminuição das imensas indenizações decorrentes das resilições contratuais sem justo motivo:

mas o sistema, com a aplicação ao longo do tempo, desvirtuou-se com a opção coativa, porque obrigatória, para o empregado que ingressa na empresa, oito por cento do depósito mensal sobre o salário, dez por cento da indenização sobre o valor depositado, e a liberdade de demitir mediante vontade do empregador. Admitiu-se, ainda, a venda do tempo anterior do estável, mediante acordo em até sessenta por cento da indenização devida, e, assim, estavam escancaradas as portas da a instalação das grandes empresas no País, iniciando-se, em consequência, a maior rotatividade de mão-de-obra existente no Brasil até os dias atuais”243.

Era tão evidente que o empregado, embora formalmente dispusesse de opção entre o sistema da estabilidade ou o do FGTS – teoricamente equivalente financeiramente àquele –, materialmente fosse obrigado pelo empregador a aderir a este, que o C. Tribunal Superior do Trabalho, publicou a súmula 98, cujo teor consignava que a equivalência entre o regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e da estabilidade prevista na CLT é meramente jurídica e não econômica, sendo indevidos valores a título de reposição de diferenças, uma vez que diversos empregados insatisfeitos com a “opção”, ingressavam com ações perante a Justiça do Trabalho, tentando reaver a diferença supostamente prometida pela equivalência de regimes quando o FGTS foi instituído.

A Lei n. 5.107/66, malgrado tenha ferido drasticamente o sistema de estabilidade decenal244, houve por bem estabelecer o primeiro tipo de garantia provisória no emprego, tendo previsto em seu artigo 25 que ficava vedada “a dispensa do empregado sindicalizado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação sindical, até o final do seu mandado, caso seja eleito, inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos têrmos da CLT”, talvez até para apaziguar os ânimos dos dirigentes sindicais, que, amordaçados, não podiam sequer se insurgir fortemente em face de algo que já havia chegado para ficar, uma vez que o projeto da

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HASSON, Roland. Desemprego & desproteção. Curitiba: Juruá, 2006, p. 35.

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Op. cit. p. 33-34.

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São sábias e precisas as palavras de Russomano: “A questão medular, na crítica que opomos ao sistema do Fundo de garantia , portanto, é de ordem doutrinária: tal sistema, abolindo a estabilidade, representa, a um só tempo, o retrocesso do direito positivo nacional e a lamentável flexão de um princípio luminoso do Direito do Trabalho nesta segunda metade do nosso século. Nesse sentido, aquêle sistema não merece aplausos e, no exato sentido da palavra, é tremendamente reacionário” (Op. cit., p. 140).

Lei n. 5.107/66 sequer fora discutido no Ministério do Trabalho, passando somente pelos corredores do Ministério do Planejamento, sendo extremamente contaminado pela nova ideologia ditatorial e patronal.

Como bem explicou Arouca, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço “não custou nada para as empresas”245, pois significou 8% da folha de pagamento, mas, em contrapartida, ficaram as mesmas livres de diversos encargos, tais como 2% para o Fundo de Indenizações Trabalhistas, 1% para o Fundo de Assistência ao Desempregado, 1% para o BNH, 0,5% para a Legião Brasileira de Assistência (antiga LBA), 0,5% de redução da contribuição para o SESI/SESC, tendo sido os 3% remanescentes repassados para os custos da empresa.

Ou seja, não houve qualquer vantagem para o empregado, já que as empresas já detinham as obrigações tributárias que foram cambiadas pelo novo sistema do FGTS. A grande e significativa mudança é que o empregado, a partir de então, deixou de se vincular à relação de emprego, sendo mero produto do capitalismo, o que levou José Martins Catharino, lembrando o óbvio olvidado, a afirmar que “se uma grande empresa com uns 10.000 dependentes perde um trabalhador, perde um duodécimo de sua força de trabalho, o trabalhador perde 100% de seu emprego”246.

Aclarando esse momento da nossa história e explicando como foi orquestrada a mudança da estabilidade pelo novo sistema indenizatório do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, Arouca ainda salientou que foi “para atender às pressões do capitalismo americano que a ditadura militar de 1964 liquidou a estabilidade, substituindo-a por um Fundo que, à evidência, não garantia o emprego”247 e, citando Evaristo de Morais Filho, dá conta de que a Missão Abbink foi enviada ao Brasil pelo governo norte-americano com o fim de estudar as causas de nossas crises financeiras e prescrever os remédios necessários. Para isso, empenhou-se em duas importantes reivindicações: a) abolir a estabilidade, substituindo-a por um seguro-desemprego; b) abolir a exigência de 2/3 de empregados brasileiros em casa empresa.

Tentando amenizar os efeitos provocados pelo advento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o governo Geisel, com a Lei n. 6.514, de dezembro de 1977, instituiu a garantia no emprego para os titulares da representação dos empregados nas CIPAs, não

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AROUCA, José Carlos. A garantia de emprego vinte anos após. In: MONTESSO, Cláudio José. FREITAS, Marco Antônio de. STERN, Maria de Fátima Coêlho Borges (orgs.). Direitos Sociais na Constituição de 1988.

Uma análise crítica vinte anos depois. São Paulo: LTr, 2008, p. 239. 246

CATHARINO, José Martins. Em defesa da estabilidade. Despedida x estabilidade. São Paulo: LTr, 1968, p. 64.

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podendo estes sofrer despedida arbitrária, entendendo-se como tal a que não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro, embora a intenção não fosse a reintegração, mas sim a mera indenização pelo período hoje reconhecido como “estabilitário”, tendo-se que o instituto da tutela antecipada, na época, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, sequer encontrava previsão no ordenamento jurídico pátrio, o que levava ao trâmite processual moroso, onde restava evidente que o emprego não era garantido, mas tão- somente a indenização pelo decurso do período de garantia.

É de notar, no entanto, que a referida Lei tratou pela primeira vez no ordenamento jurídico pátrio sobre o que vem a ser a despedida arbitrária, como sendo aquela que não apresenta qualquer motivo dentre os previstos no art. 165 da CLT. Consequentemente, o ato patronal da despedida que não se pretende arbitrário, deve ser, necessariamente motivado por qualquer um dos aludidos motivos, não podendo ser vazia.