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Mapa 2: Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) Fortaleza, Maracanaú e Pacatuba em destaque Fonte: IPE-

2. ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO POLÍTICA NO TERRITÓRIO: as “retomadas" e as ações de autodemarcação

2.2 Conflitos com a Polícia Militar

Com a saída da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Ceará (EPACE) de uma área do território Pitaguary (por volta de 1998) e quando o processo de identificação in- dígena já tinha iniciado, a Polícia Militar se aloca no território ocupando os prédios deixados pela antiga empresa. Segundo Eloi Magalhães, pesquisador que realizou trabalho de campo entre os Pitaguary , a policia militar (PM) não deixou o território de “uma hora para outra”. 68 Na verdade, foi saindo aos poucos. Havia um contrato de quatro anos assinado pelo governo do estado que declarava que, por aquele tempo, a PM deveria manter uma sede na localidade. Suas habitações e escritórios se localizavam no Estado, da mesma forma que também manti- nham sua cavalaria no lugar. Completado os quatro anos, a policia não saiu de imediato, sen- do necessários anos de pressão dos indígenas para que eles deixassem o território. Assim, aos poucos, foram saindo uma parcela da corporação, enquanto outros ficavam. Somado a isso, momentos de tensão e desentendimento entre os indígenas e a polícia deixavam a situação ainda mais delicada e insustentável. Vejamos,

Manuel da Silva: Eles vieram com a ordem do governo, pra tomar conta daqui pra

não haver coisa de briga e tal. Agora só que na época que eles chegaram aqui os índios já tavam, já tinha índio... Só que os índio não aceitaram. Aí foram levando, levando mas aí teve uma briga com um policial, aí os índio botaram pra irem embo- ra. Aí saiu os policias daqui de dentro aí começou a acontecer coisas… [Quando tinha polícia aqui] era do mesmo jeito, não melhorou nada. Eles mesmos faziam baderna. Mas tudo que acontecia aqui dava uma baderna, desciam bêbados, aí era maior confusão ali embaixo. Bem ali fizeram uma delegacia, naquele pé de jambo ali... Não tinha como escapar ninguém aqui dentro não… (Manuel da Silva- agricul- tor - Santo Antônio - 26.11.2014)

Agradeço ao antropólogo pelas diversas conversas sobre aquele período da história do grupo. 68

O que merece ser destacado é que, por conta desta relação delicada com os indígenas, a policia militar geralmente não se mostra disponível para resolver os problemas na área. Ou seja, quando os índios Pitaguary precisam da presença da polícia (em casos de roubos, furtos etc. dentro da área), muitas vezes ela não atende aos chamados - em boa parte dos casos, afirmando que a policia militar não pode entrar em área federal. Atualmente, a área ocupada pelos índios enfrenta dificuldades com os casos de violência e do uso de drogas, dilemas que dizem respeito a sociedade como um todo.

De acordo com o Mapa da Violência de 2016, o qual faz um comparativo entre os dados de 2004 a 2014, Fortaleza passou da 19a posição para o 1o lugar entre as capitais brasileiras com maior taxa de morte por armas de fogo, um crescimento de 342%. Também podemos le- vantar a hipótese de uma “interiorização da violência”, onde cidades menores comparadas às capitais passam a ter elevados índices de violência e conflitos sociais, principalmente quando compõem as regiões metropolitanas. Maracanaú, cidade que compõe a “Grande Fortaleza” e onde se localiza parte da terra indígena Pitaguary, não fica de fora deste quadro. Conforme o Atlas da Violência (IPEA, 2017), Maracanaú despontava até 2016 como a 6a cidade mais vio- lenta do Brasil com população superior a 100 mil habitantes, segundo as taxas de homicídios e mortes violentas com causa indeterminada (MVCI). Dessa forma, a sensação de insegurança e medo vivida pelos Pitaguary tem, de fato, fundamentos corroborados por dados estatísticos. A partir das conversas com os índios, podemos notar a sensação de insegurança que eles têm em circular na região, dado o aumento significativo de homicídios e assaltos - e recentemente também ao fato do acirramento das disputas faccionais internas. Este quadro se torna ainda mais sintomático quando observamos os casos em que eles acionam a polícia por conta de algum crime e estes muitas vezes negam ajudar.

Maurício: Polícia... Se a briga começar agora, eles vem só no outro dia... Só pra

pegar o cadáver se der tempo do outro matar...

Rosa: Lá na Monguba eles dizem assim: “Ah, eu não posso entrar aí porque aí é

área indígena e aí pertence a polícia federal”. Aí já teve reunião lá com os coman- dos. Ficou tudo certo que eles iam entrar. Mas eles nunca entraram... Já tem docu- mento do procurador autorizando a polícia a entrar... E fazer as abordagens e tudo... Mas nunca entraram, morre tudinho lá e eles não entram. (Entrevista realizada em 26.02.2015)

O documento que Rosa se refere foi produzido a partir da demanda indígena sob me- diação do Ministério Público Federal/CE. Os problemas relativos à segurança pública dentro da terra indígena não são recentes.Na verdade, em 2008, o Ministério Público Federal (MPF) encarregou o perito em antropologia Sérgio Brissac para avaliar a questão da violência e da

insegurança dentro do território (BRASIL, Relatório Técnico N° 11/10, 2010). Como resulta- do desse processo de acompanhamento da questão, foi realizada uma reunião, em 2010, do Dr. Oscar Costa Filho (procurador da república) com o comandante da Polícia Militar do Cea- rá, da qual também participou uma liderança Pitaguary e o antropólogo do MP. Consequente- mente, foi realizada uma reunião entre o comando de polícia e os índios. Nesta reunião, foi esclarecido para a polícia que eles sempre poderiam adentrar no território e que os indígenas que estiverem no "portão" no momento em que as viaturas estivessem chegando, seriam ori- entados para que as deixassem passar. Do mesmo modo, o Tenente-Coronel Oscar Barroso Pimentel, Comandante da 3a. Cia/6° BPM prometeu maior policiamento da área e disponibi- lizou telefones para denúncia. Em seguida, os policiais foram conduzidos por alguns indíge- nas ate os pontos críticos no quesito segurança.