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O portão do Santo Antônio: demarcando fronteiras físicas e sociais

Mapa 2: Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) Fortaleza, Maracanaú e Pacatuba em destaque Fonte: IPE-

2. ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO POLÍTICA NO TERRITÓRIO: as “retomadas" e as ações de autodemarcação

2.5 O portão do Santo Antônio: demarcando fronteiras físicas e sociais

Na aldeia Santo Antônio dos Pitaguary encontra-se um açude que oferece aos visitantes uma paisagem belíssima, além de um local para diversão, o que atrai muitas pessoas nos fi- nais de semana. Ainda na década de 1990, o posseiro Cícero Nobre abriu nos arredores do açude a “Churrascaria do Ciço”, o que aumentava ainda mais a circulação de pessoas desco- nhecidas na região. Nos finais de semana, o açude era tomado por pessoas vindas não apenas de Maracanaú, mas de Fortaleza e cidades vizinhas a fim de tomar banho de açude, “beber”, ouvir música e dançar. A “curtição” dos domingos levava cerca de duas mil pessoas para aproveitar o açude, com direito a “paredões de som" e a poluição do local, não respeitando o meio ambiente e nem os índios. No início dos anos 2000, os confrontos com o posseiro Cíce- ro Nobre se tornaram mais delicados e como uma das medidas de controle do território foi

levantado um portão na estrada que leva ao Santo Antônio, impedindo assim o trânsito ilimi- tado de pessoas para dentro daquela aldeia. Dessa forma, sempre que as negociações entre os indígenas e o posseiro ficavam tensas ou quando iniciava-se os finais de semana, as lideranças Pitaguary bloqueavam a passagem. Este portão serviu e ainda serve como uma forma dos in- dígenas delimitarem tanto suas fronteiras sociais (BARTH, 2011) quanto espaciais. O posseiro chegou a construir até mesmo um muro no que afirmava ser sua propriedade, a fim de aumen- tar seu terreno, mas foi derrubado pelos índios.

Cláudia: No inicio, houve assim… As pessoa não entendiam muito bem né. Porque

quando aqui a gente descobriu que era terra indígena, nos tínhamos alguns costu- mes. E com a chegada desse movimento algumas coisas mudaram. Então quando você muda, ate você se adaptar aquela realidade… Que eram maus costumes né. Com a chegada do movimento as coisas tinham que mudar!

Cayo: Que tipo de mal costume?

Cláudia: Venda de bebida alcoólica, principalmente! O acesso a pessoas de fora a

esse açude… Isso eram os maus costumes. Tinha a festa tradicional, que é a festa do Santo Antônio, era uma festa religiosa… Com essa festa tinha essa grande festa no dia 12 de junho, quando tinha varias bandas, aqui era aberto e todo mundo entrava. A festa acontecia aqui na escola. Antes a escola não era murada e acontecia na qua- dra… (Cláudia - cacique - aldeia Santo Antônio - 16/06/2017)

Em setembro de 2002, a situação ficou ainda mais delicada quando os indígenas exigi- ram que Cícero deixasse o território. Para tanto, as outras etnias do Ceará se deslocaram para o local de modo a apoiar as ações Pitaguary. Na época, técnicos da FUNAI foram enviados de Brasilia para mediar a situação e verificar se as acusações feitas contra o posseiro procediam, sendo coordenado pelo técnico em indigenismo Lídio José dos Santos. As principais acusa- ções feitas pelos indígenas contra Cícero Nobre eram: venda de bebidas alcóolicas dentro da Terra Indígena, incentivar a prostituição no bar e crimes de degradação ambiental . Contudo, 77 a investigação tinha como ponto central analisar as denúncias contra crimes ambientais (visto que Cícero estava sendo acusado de construir sua churrascaria sob área do açude aterrada ir- regularmente) e, para tal, contou com a atuação da FUNAI, Ministério Público Federal, IBAMA e SEMACE. Em 2006, o processo de ação civil pública, tendo como autor o MPF e réu Cícero Nobre, foi julgado procedente e os fatos alegados pelo autor da ação foram toma- dos como verdadeiros visto que o réu não contestou o julgamento (BRASIL, Processo N. 2002.81.00.013675-3, 2002).

Nesse ínterim, um índio Pitaguary foi espancado a pauladas, agressão que foi atribuída a mando de Cícero Nobre. Com tal cenário, os indígenas determinaram o prazo de dois dias Ressaltava-se que, de acordo com o art. 58, inc. III, da Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio), tipifica como crime 77

"propiciar, por qualquer meio, a aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas, nos grupos tribais ou entre índios não integrados.” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6001.htm)

para o posseiro sair da terra indígena. Após o ocorrido, ele saiu do lugar, entretanto não reti- rou seus pertences do bar e nem da sua casa - de modo a voltar para a localidade quando a "poeira baixasse". Cumprindo a promessa, os índios Pitaguary, somados às lideranças do mo- vimento indígena cearense, atearam fogo na churrascaria, na pista de dança, no palco de shows e em quinze palhoças do bar, além da casa do posseiro.

Antes do ocorrido, o levantamento fundiário empreendido pelo GT de identificação Pitaguary (portaria 1.093/97) constatou a presença de 118 posseiros no território Pitaguary em 1997. À época, os conflitos mais acirrados já eram com Cícero Nobre.

Ceiça Pitaguary: No meu povo mesmo aconteceu isso em 2002. A gente tem um

açude dentro da terra e o pessoal tava transformando num balneário. Só nós, lideran- ças Pitaguary, não tínhamos condição de fazer um levante, de fazer uma retomada. Nós conversamos com o Dourado. O Dourado foi pra dentro da comunidade, junto com os outros coordenadores da APOINME e assim…[…] Fez a reunião, resolveu- se passar de casa em casa dos indígenas que estavam apoiando esse posseiro pra conversar, explicar a luta pela terra, pra se somar com o movimento… E ai o povo, teve algumas pessoas que aceitaram, teve outras que não…Como foi visto que não conseguiria no dialogo, resolveu-se então tirar o posseiro, e foi retirado o posseiro. E ai o povo Tapeba foi… Foram todos os povos. Todos os povos do estado do Ceará naquele período estiveram lá durante um mês, quando se retirou o posseiro…

Cayo: Era aquele Cícero, da churrascaria…?

Ceiça Pitagaury: É, o Ciço. Quando se retirou todo o material dele, foi feita uma

avaliação que não dava pra só o povo Pitaguary segurar. Que ele poderia voltar e poderia né, de uma certa forma, intimidar as lideranças… O coordenador [da APOINME] na época era o Dourado, e ele deixou 10 Tapeba pra dar apoio. Então ficou mais um mês. E depois que terminou o pessoal voltou, e ate hoje a gente ta nessa… E o posseiro foi embora, botou na justiça, não sei como é que tá… Mas é dessa maneira. As lutas são organizadas dessa maneira. Um povo… A organização do estado como um todo dando apoio aos povos. (Ceiça - liderança - Santo Antônio - 12/04/2017)

Como podemos ver na fala da liderança Ceiça Pitaguary, há um histórico de articula- ção entre os povos indígenas nos momentos de luta pelo controle da terra. Nesse caso, a orga- nização central de tais articulações foi a APOINME, que tinha, então, Dourado Tapeba como coordenador. Vale ressaltar que naquela retomada Pitaguary, índios de outros estados também haviam sido chamados para compor essa frente de resistência, como os de algumas etnias dos estados da Bahia, Alagoas e Paraíba. No processo de territorialização dos índios do Nordeste, e nos do Ceará, as chamadas “retomadas” marcam os confrontos pela (re)apropriação das ter- ras de seus territórios que estão sendo ocupadas irregularmente. O planejamento e desenvol- vimento dessas ações no âmbito da região Nordeste ganhou força a partir de 1995, com a cri- ação da APOINME. A partir daquele momento, os povos conseguiram ter maiores estratégias de articulação e apoio coletivo. Foi isso que também ocorreu para retirar o posseiro Cícero Nobre do local.

Ceiça Pitaguary, que foi coordenadora do Departamento de Mulheres de Jovens da APOINME de 2007 a 2010, ressaltou que, na época que a organização foi criada, ela ainda não tinha sede e, como as demarcações de terras indígenas no Nordeste eram numericamente insignificantes (comparadas as da região Norte, por exemplo), os coordenadores decidiram “descer para as micro-regiões”. Isso significou uma maior participação nas “bases”. Assim, iniciou-se um processo de maior realização de rodas de conversa, encontros, visitas nas etnias dos diversos estados que compunham a abrangência da APOINME. Dessa forma, as retoma- das passaram a ser uma estratégia usada pelas lideranças que estavam à frente do movimento indígena no Nordeste como forma de ganhar mais visibilidade e garantir direitos. Dessa for- ma, os coordenadores iam para determinada etnia que precisava de apoio político, avaliavam a situação, conversavam com as lideranças, marcavam um dia para iniciar a ação e, assim, pediam apoio para outros povos indígenas da região, que mandavam gente para o local a ser retomado. Posteriormente, as pessoas que participavam da retomada voltavam aos seus luga- res e povos de origem, enquanto a etnia que pertencia à área retomada assumia seu controle efetivo.

Figura 18: Pitaguarys bloqueiam em 2006 o acesso ao Santo Antônio na altura do Estado (local onde atualmente se localiza o segundo portão). Naquele momento tentavam controlar a onda de assaltos e de extração de areia das margens do açude. Foto reprodução: Nota Relatório técnico do MPF N 01/06. (maio de 2006).

Em 2006, os Pitaguarys pediram apoio da FUNAI, para poderem fechar o caminho de entrada que leva a aldeia Santo Antônio. Naquele caso, fizeram uma ação intensiva, permane- cendo diariamente no portão, sobretudo por conta dos assaltos que estavam acontecendo na área, mas também devido ao acesso do açude. Essa situação aumentava no período noturno por conta da precária iluminação (segundo os indígenas, ocasionado pelos “vândalos" que quebravam lâmpadas e roubavam cabos visando facilitar a ação). Naquele ano, a Companhia Energética do Ceará (COELCE) foi chamada para resolver o problema e fez pronunciamento público que a terra indígena Pitaguary tinha o maior índice de “vandalismo" registrado pela empresa, relatando que foram roubados dois transformadores, mais de vinte luminárias, além de cabos de baixa tensão.

Por volta de 2009, foi aberto um bar no entorno da terra indígena. Apesar de estar fora dos limites da área demarcada, o único acesso ao local com carros e motos se faz atravessan- do toda a TI Pitaguary . O terreno do bar teria cerca de 8 hectares e contava com as instala78 - ções do bar e uma piscina de água natural. Os atritos ocasionados pela situação, levaram os indígenas a procurarem o MPF e pedirem auxílio na questão. Em 2012, foi realizada uma reu- nião entre a comunidade e Evandro, o dono do bar, quando foi acordado que ele mantivesse o bar, mas atendesse apenas indígenas, além de fechar o estabelecimento mais cedo (BRASIL, Relatório Técnico N. 01/12, 2012). O acordo não foi, de fato, cumprido, pois o bar continuou a atender “pessoas de fora” até tarde da noite. Desse modo, os Pitaguary encaminharam uma carta em nome da comunidade inteira para a PR/CE através do ofício n° 029/2012/GAB/CRF- CE/FUNAI, de 31 de janeiro de 2012. Nela, eles salientam que,

"A estrada que dá acesso ao referido bar passa dentro da nossa aldeia Santo Antônio, ocasionando assim vários transtornos e prejuízos a nossa comunidade. Os clientes desse estabelecimento não tem horário de freqüenta..o […] motos e carros adentram nossa aldeia e se dirigem ao bar voltando altas horas da noite sem respeito e pudor, provocam barulho e medo na comunidade”. [Ressaltaram também que] […] “uma reunião no Ministério Público Federal foi promovida com a presença das lideranças indígenas, FUNAI e o referido dono do bar, o mesmo se comprometeu em fechar seu bar às dezoito horas e que apenas familiares freqüentariam, mas não foi o que se procedeu, desde esse dia, piorou a invasão de nossa comunidade, ficando nós reféns dentro de casa, pois não podemos sair à rua porque poderemos ser atropelados a qualquer momento. Pessoas armadas já foram presas nesse estabelecimento, mas o bar continua funcionando e perturbando nossa tranqüilidade e paz.” (Carta da comu- nidade Pitaguary encaminhada a Procuradoria da República/CE, em 31/01/2012).

Existe um outro caminho, uma trilha de acesso através de Maranguape. Contudo, a trilha segue em meio a 78

mata fechada, sendo que nem motos conseguem perfazê-la. Além disso, a mesma passa na propriedade do Sr. Alexandre Alencar, que tem um sítio denominado Gota D’Água, e não permite que seja construída uma estrada em sua propriedade em direção ao bar do Evandro. Portanto, o único caminho plausível e mais utilizado pelos frequentadores do bar é através da estrada que corta a TI.

Percebendo que a situação não mudava e contrariados pelo fato de que o dono do bar havia expandido a área do bar (com a construção de palhoça para colocar mesas e cadeiras, reforma da piscina etc.), em maio de 2012, os índios acionaram outra vez o MPF e encami- nharam outra carta, agora em um tom de denúncia muito mais aparente. Vejamos,

[Denunciam a] “passagem constante de pessoas alheias às nossas comunidades por via da referida estrada que também dá acesso a um ponto de lazer localizado na serra no entorno de nossa terra”. [Os frequentadores do bar] […] “passam na aldeia com seus veículos em grande velocidade, pondo em risco a vida de nossos parentes, oca- sionam algazarra dentro da comunidade, em alguns casos chegam a realizar atos libidinosos, além de ao passar no açude localizado na Aldeia Santo Antônio, muitos desses transeuntes acabam ficando no local, consumindo bebidas alcoólicas e em alguns casos consumindo drogas ilícitas, práticas também ocorridas no referido pon- to de lazer no entorno da nossa comunidade. Vale salientar que a Polícia Militar já realizou apreensão de armas nesse local. Também já foi noticiada a apreensão de motos roubadas no local e também o favorecimento de prostituição”. [Assim eles solicitam que] […] “o Ministério Público Federal possa garantir a proibição da en- trada de pessoas estranhas às nossas comunidades e recomende ao departamento de Polícia Federal a realização de intervenções junto à área que dá acesso à comunida- de de Santo Antônio, a fim de apurar as denúncias ora narradas”.

Dessa forma, as lideranças intensificaram a presença no portão, relatando momentos de tensão quando proibiram a entrada para a aldeia Santo Antônio - e consequentemente, a pas- sagem para o Bar do Evandro. Há relatos de indígenas presentes naquela ação de ameaças di- retas aos Pitaguary por estarem bloqueando o caminho, inclusive com intimidação por meio de armas de fogo:

Ceiça: Nós tínhamos um portão que, no inicio,... Fomos nós que compramos o por-

tão. Depois a prefeitura doou o portão pra comunidade. Aí, nós colocamos o portão na estrada e nos fazemos o controle. So entrava… Faziamos o controle toda semana. Só entrava quem previamente avisava. A gente mandava acompanhar. Se queria fa- zer a visita fazia, Se queria entrevistar, entrevistava. E a gente fazia esse trabalho. (Ceiça - liderança - Santo Antônio - 12/04/2017)

Em sua entrevista, Ceiça se referia ao tempo de vigência da Organização Mãe-Terra (OMT), que foi criada em setembro de 2012 e com previsão de quatro anos de permanência do núcleo gestor. A cacique Madalena, que era a então presidente da OMT, assumiu a perma- nência do primeiro portão, principalmente visando conter a passagem descontrolada de pes- soas e também reduzir a onda de insegurança (por conta de assaltos). Dessa forma, ela e ou- tras lideranças indígenas iam todo final de semana para o local e pediam que outros índios lhes ajudassem na tarefa. Segundo alguns indígenas, a OMT manteve uma política interna mais rígida com os próprios Pitaguary. Por exemplo, muitos índios não concordaram com o levantamento do portão e, assim mesmo, não foram ouvidos.

Manuel da Silva: Primeiramente, houve aí uma confusão que meu filho até se me-

teu... Que tinha um portão aí, derrubou o portão. Aí, pegou esse povo que tava na questão e botou na justiça e aí ele ganhou…

Manuel da Silva: Tem... Aí, o pessoal vinha. Aí, ele chegava no portão e barrava.

Primeira coisa que eles fizeram aqui foi chegar mentindo na rádio, pedindo uma ajuda de cestão, que os índio tava passando fome e etc... Aí veio mais de três tonela- das de alimento. Aí ficou naquele portão, aí disseram que só ganhava alguma coisa se fossem pro portão... Eu disse: “eu vou muito pro portão pra ganhar um cestão... Eu tendo condições de trabalhar e conseguir pra mim eu vou lá pra portão mostrar minha cara de ferro pros outro...”. Aí meu filho foi né, porque eles tavam empatando da nossa família passar pra cá, pra vir pra minha casa… Aí meu filho revoltou-se, foi na FUNAI e derrubou…

Cayo: Porque empatavam sua família?

Manuel da Silva: Porque era exigência deles, ta entendendo... Porque se nós fosse

pra lá, nós tinha direito de tudo. Cestão e facilidade do pessoal passar pra cá... Mas como nós não ia, eles não deixavam passar pra ver se a gente enterrava os pontos. Aí meu filho foi lá, derrubou o portão e botou o caso na justiça e ganhou. Aí não tem ninguém mais lá no portão. Agora ta passando todo mundo, não ta acontecendo nada graças a Deus… (Manuel da Silva - agricultor - Santo Antônio - 26.11.2014)

Em 2015, o “portão" da aldeia Santo Antonio foi levantado por um motivo semelhante . As festas e “bebedeiras” nas margens do açude foram alvo de uma série de 79 ações dos índios para inibir o trânsito indesejado e indeterminado de pessoas na terra indíge- na. As lideranças utilizaram as redes sociais para desestimular a circulação de pessoas, com- partilhando no Facebook que o acesso ao açude estava bloqueado, chegando até alertar para possíveis danos aos carros. Estabeleceram acordo para uma ação conjunta com a FUNAI, PF e DEMUTRAM (este último porque muitas motos e carros podiam ser veículos irregulares). Dessa forma, algumas lideranças promoveram uma ação concreta junto do portão a fim de (re)definir/demarcar/controlar a entrada e saída de pessoas na terra indígena. Contudo, havia indígenas que não concordavam com o fechamento do portão, pois alguns deles lucravam vendendo comida e bebida para os frequentadores da churrascaria e do açude. Além disso, outros Pitaguary diziam se sentir “presos" ou constrangidos quando recebiam parentes, o que tem gerado conflitos desde então.

Para mais informações, ver: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/online/indios-pita

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Figura 19: Banner desmentindo a "abertura do açude”, compartilhado através do Facebook das lideranças.

Dessa forma, não podemos deixar de frisar que há, entre os Pitaguary, inúmeras contra- dições internas, encabeçadas por lideranças das quatro aldeias. Em conversa informal com uma liderança sobre a ação de 2015 para impedir a entrada de pessoas “de fora”, foi ressalta- do em tom de crítica que até alguns Pitaguary iam para a “curtição” e para a bebedeira nos finais de semana.

Em assuntos que envolvem todas as aldeias, dificilmente os Pitaguary encontram um consenso de opiniões. Quando casos assim ocorrem, geralmente eles acionam o MPF como agência mediadora de conflitos, na forma de recomendações e acompanhamentos. Assim, o controle do acesso à própria churrascaria do Evandro não era consensual entre algumas lide- ranças centrais.

Após a morte por suicídio do cacique Daniel em abril de 2016, as disputas faccionais acirraram-se e um dos grupos expulsou o outro do controle do portão e continuou por longo tempo a agir no local especificamente nos finais de semana. Se antes, sob o controle de Mada- lena, o acesso de qualquer visitante à TI (seja para tomar banho do açude, para visitar familia- res ou mesmo fazer pesquisa e conhecer o local) era realizado mediante aprovação e conhe- cimento prévio dela, em seguida Manoel (cacique “oposicionista” que ficou responsável pelo

do, o que era alegado pelos indígenas que se opunham ao cacicado de Manoel, era que o gru-

po opositor cobrava pedágio para se acessar à aldeia Santo Antonio - prática que, até então,

nunca existira. Com isso, era “só pagar e entrar”, fato este que restabeleceu o antigo problema das festas e "bebedeiras" nas margens do açude.

Moacir Palmeira (2010) ressalta que nas disputas entre facções, formuladas a partir de diferentes objetivos e finalidades, geralmente observa-se essas segregações e uma distribuição espacial dos grupos em conflito. Da mesma forma, o autor também salienta que não menos importante são as disputas internas à cada grupo, as quais tentam permanecer como conflitos não públicos. Especialmente entre os Pitaguary, esse elemento tem de ser levado em conta, como já indiquei no tópico sobre os conselhos das aldeias. Portanto, irei delinear agora os processos políticos que se desenvolveram no território Pitaguary a partir do ano de 2016, momento em que conjuntura política interna da etnia se reconfigurou explicitamente em uma dimensão faccionalizada, com grupos de oposição claramente definidos.

3. A SUCESSÃO DO CACICADO ENQUANTO “DRAMA SOCIAL”: o