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Os conselhos Pitaguary: organização política e conflitos internos

Mapa 2: Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) Fortaleza, Maracanaú e Pacatuba em destaque Fonte: IPE-

1. TERRITORIALIZAÇÃO, MEDIAÇÃO E INVESTIMENTOS ÉTNI COS: as dinâmicas sociais e políticas Pitaguary

1.5 Os conselhos Pitaguary: organização política e conflitos internos

Este capítulo tem o objetivo de abordar o processo de organização política dos índios Pitaguary, na forma dos conselhos das aldeias. Além disso, esboçarei algumas versões sobre as origens do faccionalismo na etnia: algumas recaem sobre o fato que as aldeias se tornaram mais independentes (pois cada uma criou um conselho político), uma outra recai sobre as in- denizações de duas torres de transmissão elétrica que cortou a TI. Pretendo, portanto, demons-

trar ao leitor que o faccionalismo Pitaguary é um processo dinâmico e histórico, que não se iniciou a partir da morte do cacique Daniel em 2016. Da mesma forma, também quero desta- car que as lideranças que hoje conformam o grupo autodenominado tradicional nem sempre foram isentas de conflitos entre si. Os conselhos Pitaguary expressam muito bem a complexi- dade social, política e conflituosa da etnia. Se o movimento indígena se constitui como a are- na societária e política crucial para legitimação de lideranças indígenas, tal como veremos nos capítulos quatro e cinco, os conflitos sociais Pitaguary mostram como os atores sociais estão construindo suas legitimidades para além do caminho mais comum em que isto é feito.

Em 1996, organizou-se o Conselho Comunitário do Povo Indígena Pitaguary de Mara- canaú (COIPY), quando os índios estavam mais organizados social e politicamente, tendo participado da primeira assembleia estadual indígena (em 1994) e estarem aguardando tam- bém que o GT da Funai iniciasse a primeira etapa correspondente ao processo de regulariza- ção de suas terras. Esse conselho tinha como objetivo atender a todo o povo, sem distinção entre as localidades. Ele foi um um elemento importante no processo de organização política indígena. Segundo Ceiça Pitaguary, sua função “[…] era a de reunir, de organizar. De ter reu- niões sistemáticas. ‘Ah tem reunião do conselho’… Essa figura jurídica. A outra, era a de você minimamente buscar projetos de fomento, de sustentabilidade. E por fim, emitir declara- ções”. Nesse primeiro momento, Daniel ficou como presidente por um curto período, tendo a seu lado outros dois indígenas à frente da organização: Zé Adriano e Eduardo. A partir dos anos 2000, as aldeias Pitaguary começaram a criar seus Conselhos separadamente, cada qual especifico de cada localidade.

Cayo: E tinham disputas pra ser presidente desse conselho? Kauã: Sim, do único conselho né?! Era bem acirrado. Cayo: E como se definia quem era o presidente?

Kauã: Era por votação né. Aquele que atingisse o maior numero de votos era eleito

o presidente do conselho. E ai ele ia trabalhar pela etnia toda. Pelo povo todo. Ai não existia divisão por comunidade. Existia suas lideranças de cada comunidade, mas a representação jurídica de projetos quem trazia era esse conselho do povo. (Kauã - cacique - Olho D‟água - 05/05/17).

A primeira divisão surge em 2002 a partir da aldeia da Monguba por sugestão do, en- tão, pajé Barbosa. Por ser em outro município (Pacatuba), a Monguba sofria por não ter um conselho próprio - consequentemente, a falta de uma organização com CNPJ e afins impedia que os indígenas da localidade concorressem à projetos. Somado a isso, havia o fato de que se tornava penoso para os índios da Monguba terem de se deslocar para a aldeia Santo Antônio dos Pitaguary (no município de Maracanaú) para participar das reuniões do COIPY. Assim, os

índios da Monguba criaram o COIPYM (Conselho Comunitário do Povo Indígena Pitaguary de Monguba). Em 2003, os indígenas da aldeia Santo Antônio criam o CAINPY (Conselho de Articulação Indígena do Povo Pitaguary). Dessa forma, o COIPY (que antes representava todo o povo, independente de qual aldeia) ficou representando a aldeia do Horto. Por último, a aldeia do Olho D’Água criou em 2008 o COIPOD (Conselho do Povo Indígena Pitaguary do Olho D'Água Maracanaú-CE).

Gostaria de destacar que, apesar do cacique Daniel ter sido presidente na formação inicial do COIPY, ele nunca mais assumiria uma presidência de Conselho depois daquele momento. Entretanto, o cacique e o pajé tinham influência nas decisões tomadas: “o Daniel

era conselheiro nato” (entrevista com Cláudia, aldeia Santo Antônio, 16/06/2017). O cacique

e o pajé eram “natos" no Conselho no sentido de terem cadeiras permanente nas reuniões e não tinham de passar por um processo de eleição. A estrutura organizacional dos conselhos (presidente, vice-presidente, tesoureiro e secretário) poderia mudar , mas cacique e pajé per63 - maneciam.

Embora os conselhos começassem a ser criados em cada aldeia Pitaguary a fim de ajudar à organização interna de cada aldeia (pois seria mais fácil de controlar demandas, de manter reuniões sistemáticas, elencar os problemas e as dificuldades especificas da aldeia etc), há um aspecto que considero central no processo de criação desses outros conselhos: a busca por projetos. Assim, os conselhos passaram a demarcar fronteiras faccionais no povo Pitaguary a partir das disputas pela verba da “renda indígena”, acessada através de projetos. De fato, as principais funções ou atividades de um conselho é servir como representação polí- tico-jurídica e, assim, minimamente buscar projetos, além de ter reuniões sistemáticas para resolver questões locais e específicas. Este ponto é muito interessante, pois nos revela que apesar da autonomia das lideranças indígenas no Ceará, ela ainda é parcial ou relativa.

No caso dos Pitaguary, as aldeias contam com o apoio das ONGs no que tange aos proje- tos maiores (que destinam financiamento para a organização e realização de eventos, viagens etc.). Os projetos capitaneados pelos Conselhos locais Pitaguary têm uma área de abrangência bastante limitada (a da sua aldeia correspondente) e financiamentos de valores bastante redu- zidos se comparados aos projetos de ONGs. Mesmo assim, os projetos capitaneados pelos

A diretoria do conselho era eleita em assembleia a cada dois anos, com possibilidade de uma reeleição, pelos 63

conselhos locais expressam um importante passo na autonomia e no processo de legitimação das lideranças locais. Apesar das ONGs contribuirem instrumentalmente para que as comuni- dades tenham acesso a projetos e, consequentemente, a dinheiro, apoio, capacitações, etc., isso não significa que esses projetos sempre foram aceitos de bom-grado pelos Pitaguary. Por bastante tempo, muitos deles foram desenvolvidos sem diálogo com as necessidades reais das

aldeias. Dessa forma, não tinham muita reverberação ou participação local . Nesse sentido, 64 que os projetos desenvolvidos pelos conselhos Pitaguary fortaleceram a organização política interna do grupo, apesar dos conflitos internos gerados.

Os Pitaguary contam com recursos monetários provenientes das indenizações decor- rentes das linhas de transmissão elétrica que cortaram a TI no início da década de 2000. A primeira torre elétrica foi instalada ainda quando a EPACE estava funcionando, de modo que ela deu o aval para o empreendimento. Os indígenas sequer foram consultados. Só posterior- mente que eles entraram com uma ação no Ministério Público Federal (MPF). Quem tomou a frente nas negociações naquele momento foi a liderança Madalena . Esse primeiro acordo 65 feito com a CHESF (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) envolveu um total de 150 mil reais, complementados por alguns milheiros de tijolos. Mas a proposta inicial dos índios in- cluía também a concessão de energia gratuita por um prazo indeterminado:

Cayo: Isso foi em que época?

Ceiça: Isso foi 2004… Porque em 2005 eu estava… Foi entre 2002 e 2005, que logo

em seguida ja veio mais duas torres, que nao era mais CHESF, era STN - Sistema Transmissão Nordeste, era outra empresa. […]Ai, ja começou as desconfianças. Começaram a dizer: “ja gastaram os 50 mil e não fizeram nada, agora vem mais dinheiro”. Ai começou o faccionalismo, ele começa ai, na desconfiança pelo dinhei- ro! Começa a se dividir. Divide Olho D’água e Horto no Ministério Publico com uma ação pra dividir o recurso…

Cayo: Que tu tinha dito mais cedo que Olho D’água e Horto eram…

Ceiça: Era uma aldeia. Ai, divide. O Mauricio surge lá no Olho D’água, bem mais

forte com essa questão de dividir o dinheiro, tem que dividir o dinheiro. Então a parte que cabia… E ai a FUNAI a meu ver fez errado, quando dividiu o dinheiro por aldeia. “Vamos dividir por aldeia pra não dar briga”, em vez de “uma conta especifi- ca do povo, vamos fazer essas ações aqui”, não foi feito dessa forma. Então tinha

Atualmente a principal ONG que atua nos Pitaguary é a ADELCO (Associação para desenvolvimento local 64

co-produzido) com o projeto “Etnodesenvolvimento - Ceará Indígena”, o qual tem como principais objetivos: dinamizar a economia solidária local, fortalecer o turismo comunitário e favorecer melhores condições de segu- rança alimentar. Segundo Ceiça, em meados dos anos 2000 ONG chamada ADER (Association for economic and regional development) desenvolveu um projeto com alguns povos do Ceará, inclusive com os Pitaguary. Um desses projetos era uma capacitação jurídica para as lideranças. Apesar da importância do tema para os indíge- nas, Ceiça relatou que por conta do desenvolvimento e execução do projeto ter sido “pensado de cima pra baixo, sem diálogo com o povo”, chegou um momento que os Pitaguary não quiseram mais participar. Gestões anterio- res do CDPDH (Centro de Defesa) também foram criticadas por esse pouco diálogo com os povos, o que não acontece com a gestão atual.

Cayo: "E tu se lembra como ele [cacique Daniel] atuava nas negociações da CHESF… Se ele tomou a frente 65

um recurso pra ser gasto do Santo Antonio, um recurso pra ser gasto no olho D’a- gua, um recurso pra ser gasto no Horto, um recurso pra ser gasto na Monguba…

Cayo: Ficou na conta de quem?

Ceiça: […] a primeira ainda foi uma coisa esdrúxula né, além de ter sido pouca [a

indenização], ficou na conta da CHESF. Eu fazia aqui uma ligação, eu a liderança fazia a ligação, “Alô, eu to precisando de tanto….”. Lá no Santo Antônio, por exem- plo, resolveram reformar a casa que a gente chamava de casa de apoio e um prédio pra ser local de reuniões sabe, a sede do conselho. “To precisando de tantos sacos de cimento”. Ai, encostava o caminhão com saco de cimento… “To precisando de tanto pra pagar o pessoal”, ai o cara vinha e pagava. Nem FUNAI, nem índio, nem nin- guém pegou em dinheiro. E eu fiquei a parte dessa discussão, “eu não quero discutir essa questão de dinheiro”. Eu disse, “minha proposta era que ou se faz o cadastro das famílias e cada família recebe uma quantia ou então zera energia aqui, ninguém paga energia.”. “naaaaaao, num pode e tal”. Então eu saio dessa discussão. Ai vem a discussão da STN. Ai eu coloquei a mesma coisa. “Pelo que eu entendi é uma com- pensação ambiental, então nos temos que trabalhar o meio ambiente. Nos estamos perdendo áreas, pois onde passam as torres aquela área ela não é mais terra indigena, é da empresa… Então pra compensar vamos fazer que a empresa compre áreas que estão fora da demarcação.”. Não foi aceita a proposta…

Cayo: Ah então se a empresa coloca la as torres dela mesmo sendo dentro da terra

indígena…

Ceiça: Ali fica área de servidão dela, você não pode plantar, você não pode construir

ne… Então sugeri que a empresa comprasse áreas, "não pode".. Beleza… Então eu volto a colocar, paga uma indenização pra cada família indígena como nos moldes que foi feito nos Tuxá na Bahia… Ai eu ja estava na APOINME então ja conhecia alguns processos, né. Na Bahia, foi paga uma indenização pra cada família indígena que foi retirada do seu território, pra inundar com a usina hidrelétrica. E eles não pagam energia… “Tu é doido, isso não acontece não, e não sei mais o que… Não queremos que o dinheiro fique na conta de ninguem… o dinheiro vai ficar na funai!”… Pronto. Dinheiro na FUNAI, orçamento da FUNAI. (Ceiça - liderança - Santo Antônio - 12/04/2017)

No caso da primeira indenização, realizada pela CHESF, os indígenas não tinham acesso direto ao dinheiro, visto que ele ficava em uma conta da Companhia Hidrelétrica. Des- sa forma, sempre que os índios precisavam do recursos, eles ligavam para a secretária da CHESF e informavam a quantia que precisavam. A própria empresa se responsabilizava de contratar ou comprar o que era pedido e dava baixa na quantia.

Ana Clécia: […] Então esse recurso ficou com a CHESF, ai ficou assim… A gente

fazia o projeto, naquele tempo não foi muito complicado não, foi coisa simples…

Cayo: Aquele historia da indenização, ne?

Ana Clécia: É, isso… Ai o que acontece? O seu Zé Adriano… foi 50 mil que veio

pra Monbuba… Ai, “vamos decidir o que vamos fazer.”. Ai se sentou todo mundo a noite e conversamos bastante, foi ate no Ari de Sa Moriz, na escola. Decidimos em consenso nosso que a gente ia construir uma casa de apoio. Ai vamos fazer o dese- nho… Sentamos varias vezes pra fazer esse desenho, ate que chegou no desenho que todo mundo gostou… Ai a CHESF, através da secretária de lá ne, “pronto é isso?!; pois agora vamos fazer as compras pra construir a casa”. Ai a gente ia e dizia “Regi- na, pra começar a gente tem que mandar fazer a terraplanagem do local”. Ai ele con- tratava o trator…

Cayo: Tudo era por intermédio da CHESF? vocês não pegavam nesse dinheiro e

fazia…

Ana Clécia: Era, era intermédio da CHESF. Ai pegava o trator e ele vinha… Com-

prava material, ai o pedreiro dizia “compra isso, isso e isso…”. Ai botava a relação e mandava pra ela… (Ana Clécia - liderança - Monguba - 17/05/2017)

A partir da primeira indenização, cada uma das três aldeias destinou seus 50 mil para algo especifico, anteriormente acordado nas reuniões dos conselhos locais. Os presidentes dos

conselhos ficavam responsáveis por esses recursos, que eram pedidos diretamente para a CHESF e depois prestado contas com a FUNAI. Na aldeia Monguba, que tinha como presi- dentes à época o pajé Barbosa e o Zé Adriano (presidente e vice, respectivamente), o recurso foi gasto especificamente na construção da casa de apoio da referida aldeia. Já a aldeia do Santo Antônio, que tinha como presidente Cláudia, o dinheiro foi investido na reforma da casa de apoio (que já existia mas que se encontrava bastante deteriorada) e de um prédio no Esta-

do, além de ter sido comprado mesas e cadeiras para a sede do conselho. Por sua vez, na al- deia Horto é onde mais existe desconfiança sobre sobre a destinação da verba. Com os usos e

destinações das quantias indenizadas, iniciaram as desconfianças e as acusações entre as lide- ranças, dentre elas o boato de desvio de verbas de alguns presidentes de conselho. Maurício, que estava ganhando legitimidade como liderança na aldeia Olho D’Água, começa a entrar em conflito com Venâncio e, assim, houve a separação política das duas aldeias. A aldeia Olho D’Água passou a ser representada pelo COIPOD e não mais pelo COIPY. Somente após a segunda indenização, realizada pela STN, que a aldeia Olho D’Água entra nas negociações financeiras.

Em 2005, a STN faz o acordo de indenização com os representantes (presidentes) dos conselhos COIPY, CAINPY e CAIPYM a respeito da linha de transmissão de energia elétrica Teresina II/Sobral III/Fortaleza II, que ocupou 4,96 hectares da Terra Indígena (perfazendo quase um quilometro e meio de extensão e quarenta metros de largura) (BRASIL, contrato N. 098/2005, 2005). Este acordo estabeleceu, a titulo de compensação financeira, o valor de 500 mil reais em parcela única, mais a importância anual de 75 mil reais durante vinte anos (prazo do contrato, mas podendo ser renovado). Com esse dinheiro, os presidentes dos conselhos in- vestiram nos mais diversos fins. Um dos gastos em comum entre as aldeias foram automó- veis: as aldeias Santo Antonio e o Olho d’água compraram Kombis, enquanto a aldeia Mon- guba adquiriu uma van. Esses conselhos dispunham de uma quantia fixa para poderem traba- lhar e financiar projetos. Porém, quando o conselho da aldeia Olho d’água foi criado, a quan- tia que era destinada inteiramente para o conselho da aldeia Horto agora ficou repartida para as duas aldeias Pitaguary, o que acabou por gerar atrito entre suas lideranças. Vejamos a se- guir uma descrição do período feita pela liderança que “levantou o Olho d’água" (como di- zem), Maurício Ferreira de Lima:

Maurício: Ai veio a STN né, com mais uma indenização maior. E ai começou vir…

E eles [pessoal do Horto] começaram a tirar esse dinheiro “ah, eu vou fazer o proje- to tal”… E ninguém via, ficava só no papel. O dinheiro vinha, se acabava e pronto.

Ai nos [Olho D’Água] entramos na briga. Fomos na procuradoria, pedimos pra que o dinheiro prendesse ate se resolver…

Cayo: Ai nessa historia surge o conselho de vocês…?

Maurício: Pronto.. Ai a gente fomos, sentamos e fizemos a reunião… Fomos pra

discussão ai o presidente [do conselho do Horto - COIPY] não era mais o Venâncio, era o Jeová [filho de Venâncio]. Ai o procurador… Ai aquela briga, aquela discus- são, a negada quase se pegando mesmo pra brigar dentro da sala do procurador, e eu calado olhando. Ai o procurador olhou pra mim né e disse desse jeito “eu vi toda briga aqui e você não falou nada, e eu to olhando pra você e parece que você tem uma solução, e eu quero saber da sua proposta”. Ai eu “pois eu vou dar a minha pro- posta. Quando é que tem o valor? Pois divida no meio, divida e deixe uma parte pro Olho D'água e a parte do Horto eles se viram, ai eles podem gastar no que eles qui- serem, a nossa parte nós vamos procurar trabalhar”. Ai o procurador, “pois boa op- ção”…

Cayo: Nessa época ele também dividiu pro Santo Antônio e pra Monguba?

Maurício: Santo Antonio ja tinha! Porque tinha o do Santo Antonio, tinha do Horto

e tinha o da Monguba né! Entendeu? Só não tinha aqui [Olho D'Água], só nós que não tinha… Tinha só o Horto.

Cayo: Vocês aqui como é perto do Horto, dependia do Horto?

Maurício: Isso, dependia do Horto e não caía nada pra nós! Ai o procurador deixou

essa a decisão. Isso nos sentamos 14 hrs e ja era 17 hrs só de discussão e não entrava num acordo. Quando um ia falar o outro se metia e o procurador olhando, as vezes batia na mesa e eu só na minha. Ai quando eu falei foi a ideia. Ai foi pra FUNAI… (…)

Maurício: […] antigamente o Pitaguary que começava do Horto, Monguba e Santo

Antonio. Olho D’água nunca foi falado. E eu participava muito, eu andava ne. Ai a gente via as falcatrua de algumas liderança né que tinha, que toda vida teve proble- mas. Ai ali eu entrei na questão, batalhei por essa aldeia, porque ela não tinha nada. Era só lama aqui. Só lama. Não tinha uma casa. Porque quando era no tempo do… Ainda, nos ja dentro… Porque eu morava ali. Ai eu entrei aqui, tinha uma cerca… Tinha muito bode que tinha ficado da EPACE, e tinha um homem que cuidava ne. Esse homem, hoje onde é o posto de saúde dos índios, ele morava la. Ai eu sei que nos tiramos a cerca e entramos ne. Quem primeiro fez casa aqui dentro fui eu. Ai nos comecemos a lutar, comecemos aqui com seis pessoas ne… Aqui tudo era na mão do Venâncio, do pai do Jeová. Tudo era na mão dele, ele mandava e desmanda- va. Ai quando a gente retomou, porque eu questionava o que ele fazia de errado ne… Porque a coisa pra andar direito a pessoa tinha que ter justiça. Por isso que hoje ele não gosta muito de mim, porque eu combati. Eu comecei a tomar de conta dessa aldeia, o povo começou a acreditar e ver… Ai nos trouxemos projeto, porque é o único canto que hoje se você for andar é a aldeia mais desenvolvida de projeto é essa. Ai as outras só conflito, conflito, briga…

(…)

Cayo: Ouvi dizer que ele [Venâncio] foi presidente do Conselho, teve um negocio

assim?

Maurício: Teve… Quando no começo, tudo era com o Daniel e era bom! Não tinha

esse negocio de questão, de briga, de confusão, não tinha. Tudo era bom, porque era só ele. Ai formaram o conselho… o COIPY. Ai foi o tempo que começou a entrar a política. Porque os políticos eles não olhavam pra esse povo. Ate que existia essas eleições, o povo descia de dentro da serra pra ir votar né, não tinha esse negocio de ter titulo, eles só davam um papelzinho e você botava numa urnazinha e pronto. Quem levasse mais ganhava. Ai a política começou a vim, ate comício la dentro eles