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Uma gema dentro do território Pitaguary: a terra dos Façanha

Mapa 2: Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) Fortaleza, Maracanaú e Pacatuba em destaque Fonte: IPE-

2. ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO POLÍTICA NO TERRITÓRIO: as “retomadas" e as ações de autodemarcação

2.3 Uma gema dentro do território Pitaguary: a terra dos Façanha

Dentre os 118 ocupantes não indígenas da Terra Indígena Pitaguary em 1997 (BRITO; LYRA, 2000), dois posseiros se destacaram pela extensão de área ocupada por hectares: EPACE (com 721 ha) e Fernando Mendes Chaves Façanha (com 375 ha). Como o Ministro da Justiça assinou a portaria declaratória da Terra Indígena Pitaguary em 2006 (BRASIL, Porta- ria N. 2.366, 2006), o prédio da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Ceará que, posteriormente, foi cedido à Polícia Militar, constituía-se na época como patrimônio da União Federal e, portanto, deveria ser de usufruto exclusivo dos índios Pitaguary. Como vimos ante- riormente, o que parecia ser um trâmite fácil foi conturbado pela cessão da grande área de ter- ra para a PM. Com a saída do quartel e da cavalaria da PM do território Pitaguary, o posseiro com mais terra e benfeitorias dentro da TI ficou sendo “os Façanha”, como são conhecidos. Por isso, Madalena me disse uma vez que “a terra dos Façanha era como se fosse uma

gema” no meio do território Pitaguary.

Vejamos, através dos relatos do pajé Barbosa e de Maurício Ferreira Lima, como os Fa- çanha chegam no território,

Pajé Barbosa: Analisa bem, se essa área de terra é dos Pitaguary… E o coronel do

Aquiraz, o Barão de Aquiraz vem pra essa área aqui e fica alguns tempos, faz a casa dele e ele lança a terra como deles… Ora, já ficou bem claro que ele veio do Aquiraz e ficou aqui. Mais tarde ele começa a nomear a terra como dele e começa a nos ex- pulsar. Então já fica bem claro aqui que a terra é nossa. Ficou bem claro que ele veio do Aquiraz pra cá, já fica claro!!! Ai, vamos dar uma carreira aqui… Mais tarde, a esposa do Miguel Barão, que era a dona Angelina, dá essa área da terra conhecida

como Atoledo para um sobrinho dela, os dois sobrinhos, pra eles fazerem a planta- ção deles, que são o Isaías e o outro é o Sebastião, não Sebastiaã não… Daqui a pouco eu vou lembrar o nome do outro, não sei se era Geraldo… Bom… Mais tarde o que é que acontece? Os índios vai trabalhar pro Isaías, por exemplo o vovô foi trabalhar pra ele, o papai, o tio João… Porque naquele tempo era algodão e bananei- ras. Bom, mais tarde eles morrem e os filhos deles ficam… O que é que acontece? Esse filho, ele no interesse de criar gado né, esse filho do Isaías, ele vai no Banco Nordeste na época e faz um empréstimo e compra esse gado. E lá se vai, lá se vai… Diz aí, o acaso… Ele vinha de Fortaleza e quando ele chega na ponte do Bom Jar- dim houve um acidente com ele e ele foi pro hospital muito mal. É ai que entra os Façanha, porque na família dos Facanha tinha médico, tem ainda né… e eles vão cuidar… E naquela ocasião eles ajudam de fato esse cidadão e ai sabendo que ele tinha feito um empréstimo hipotecado do terreno, eles falam pra ele que dariam uma quantidade de dinheiro e ele ficava com a conta que ia tentar tirar do banco… E ai eles precisavam e ai concordou. O que é que os Facanha lança? Que aí nunca existiu índio e que eles têm uma existência de mais de 100 anos. E essa minha historia num tá dentro desses 100 anos, né não?! Ora, se só nessa minha historia aqui ja aparece- ram os índios que são os donos oficial, ai tem o Miguel Barão de Aquiraz né, que é o coronel, ai vem a esposa dele que cede essa área de terra pro Isaías e o irmão dele, mais tarde essas terras passa pros filho do Isaías que por conta do empréstimo é que vem passar pros Façanha… E eles alegam que toda vida moraram aí. Mas rapaz… E agora quando foi pra tirar os pontos eles não sabiam onde era… (Raimundo Carlos/ Barbosa - pajé - Monguba - 01/06/2017).

[…]

Meire: Antes do Dr. Araripe era o Valdo [filho do Isaías], Mauricio… Maurício: Não, o Valdo era antes dos Façanha… Que ele era o dono da… Meire: Era não… Já ouvi que antes do doutor Araripe era esse tal de Valdo… Maurício: Nao!!! O Valdo era o que era o dono desse [terreno] que vendeu a fazen-

da pro Façanha. Que não foi nem vendida, foi uma negociação. Esse homem, o Val- do, quando teve um tempo ruim ne… Que o negocio tava ruim, porque tinha tempo bom e tempo ruim ne. Ai a coisa arruinou […]. Ai o Façanha.. Porque essa fazenda ai era do governo ne, era negociação de governo. Quando o Façanha veio praí ele trouxe um gado, um gado que não se habitou aqui por causa do sol. Ai a maioria desse gado morreu…

Cayo: O Façanha que trouxe?

Maurício: O Façanha! Porque o negocio da fazenda não é dele. O negocio é tipo de

coisa com banco, entendeu. Você compra a casa e não paga ai o banco toma né. Ai nesse tempo ele ia tomar, ai o Façanha veio e negociou a fazenda com o banco ne, trouxe um gado, e ate hoje tá ai. (Meire e Maurício - lideranças - Olho D’Água - 10/05/17).

Apesar do levantamento fundiário do GT da FUNAI constatar a terra dos Façanha como uma posse não-indígena, a gleba foi retirada do processo de regularização da TI. Ou seja, os Façanha recorreram na justiça de modo que o juiz federal Alcides Saldanha Lima (10ª Vara/ CE) julgou procedente a demanda judicial da família Façanha de excluir sua propriedade, a “Fazenda Pouso Alegre” (antigo “Sítio Latoeiros”) da demarcação da terra indígena Pitaguary. No processo, foi alegado pelos advogados da família Façanha que era necessário a comprova- ção da posse permanente dos índios na terra para que ela pudesse ser considerada “tradicio- nalmente ocupada”: “[…] não há prova ou qualquer evidência de que se trata de terras tradi- cionalmente ocupada por índios. [Sendo] necessária a comprovação da posse permanente dos índios na terra para que possam ser consideradas 'tradicionalmente ocupadas', nos termos e

para os fins do art. 231 da Constituição Federal” (BRASIL, processo de apelação cível Nº 419332/CE, 2008).

Por outro lado, destaco uma passagem da apelação interposta pela União e pelo Ministé- rio Público Federal ao julgamento em relação à gleba dos Façanha. Um dos argumentos le- vantados foi que, “[…] Os índios, mesmo misturados aos brancos e adotando costumes co- muns a toda a comunidade em que residem, não deixam de ser índios. […] Demais disso, os estudos antropológicos realizados indicam que os índios Pitaguarys, ainda com todas as mu- danças a que foram obrigados a se submeter, mantiveram costumes de seus ancestrais, desta- cando-se a agricultura de subsistência, a pesca, o extrativismo vegetal, o artesanato e diversas manifestações culturais, tais como a dança do Toré, a união em torno da mangueira e a crença no poder milagreiro da água que brota do buraco de Santo Antônio” . 69

Esta situação me fez recordar, guardadas as devidas proporções, o caso dos índios Mashpee, etnografados por James Clifford em Identity in Mashpee (1988). Nele, o autor aborda a batalha judicial ocorrida em 1976, quando os índios Mashpee de Cape Cod (USA) disputavam a posse de 16.000 hectares de terra (os quais compunham cerca de três quartos de suas terras) com a New Seabury Corporation. É interessante notar como, no decorrer do jul- gamento, o objetivo em questão passou a ser menos a questão territorial e sim a veracidade ou autenticidade da identidade indígena dos Mashpee. Assim, a inautenticidade indígena passou a ser usada e disputada no tribunal como argumento central para questionar a vinculação dos índios ao território em questão. Desse modo, James Clifford deixa bastante claro como a no- ção e os significados de grupamento étnico estavam sendo acionados e disputados pelos en- volvidos no julgamento.Estava em questão quais eram os significados de uma continuidade histórica linear. Isso se constituiu um problema jurídico, mas também político e cultural na medida em que os índios Mashpee seriam o que Oliveira Filho (2004) denominou provocati- vamente de “misturados” (com brancos, negros e com outros grupos indígenas). Os habitantes de Cape Cod, incluindo os que se afirmavam índios, participavam ativamente da economia e da sociedade nacional em Massachusetts, pois muitos eram empresários, pescadores, etc., o que não condizia com a concepção de “índio" nos Estados Unidos. Para Clifford, os Mashpee seriam um caso fronteiriço. Embora eles não mantivessem, na época do julgamento, sua lín-

Transcrição de parte do processo de apelação cível Nº 419332/CE (2002.81.00.001593-7), do TRF da 5 re

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gua indígena ou religião ou uma organização política diferenciada, os Mashpee foram reco- nhecidos por séculos como um povo indígena. Dessa forma, podemos perceber no caso trata- do o paradoxo de uma população indígena que tem sua identidade étnica desconsiderada e desqualificada.

Reparem na apelação dos advogados da família Façanha no caso Pitaguary:

“A verdade é que, considerando os ancestrais comuns, brancos e índios, os residen- tes de Santo Antônio do Pitaguary em Maracanaú/CE, não são ‘índios’, muito menos ‘índios puros’. Admite-se-lhes descendência remota, assim como se verifica em grande parte da população brasileira (afinal não se pode negar a presença de forte miscigenação na nossa população). Assim, mestiços, residentes em Santo Antônio do Pitaguary vivem e viveram no último século plenamente integrados à sociedade nacional, sem qualquer distinção, não guardando relação imediata com qualquer grupo indígena denominado ‘pitaguary’ senão, como dito, em razão do genoma an- cestral (note-se que esta relação também válida quanto ao antepassado branco). Em síntese, [entendemos] que a ascendência indígena não legitima dos habitantes de Santo Antônio do Pitaguary a pleitear direitos indígenas, porque a sua cultura tradi- cional, a sua língua, os seus costumes mais antigos não teriam sido mantidos ao lon- go do século. Os índios atuais estariam tão integrados à sociedade que não poderiam ser diferenciados dos demais habitantes do lugar.” (Apelação cível Nº 419332/CE - 2002.81.00.001593-7)

É evidente a similaridade do caso dos índios Mashpee com a situação dos índios Pita- guary, primeiramente porque os territórios dos grupos foram colocados em questão. Em am- bas as situações, queriam uma comprovação de que as terras fossem “tradicionalmente ocu- padas”, para então admitirem a presença indígena. Para além disso, a própria identidade étnica dos sujeitos envolvidos foi posta a prova, pois nos dois casos os índios eram acusados de “misturados” em razão da falta de elementos diacríticos evidentes.

Mas voltemos à argumentação do pajé Barbosa sobre a vinda dos Façanha para as ter- ras dos Pitaguary. Segundo seu relato, eles teriam chegado após uma negociação feita com Valdo, que consequentemente era parente (neto ou bisneto) do Miguel Barão (de Aquiraz). Toda essa saga remonta, pelo menos, à segunda metade do século XX. Nesse sentido, Barbosa salientou que a história dos Façanha dentro do território não ultrapassava cem anos, enquanto a presença indígena na região seria secular. O pajé rechaça diretamente o registro de posse dos Façanha, que remontaria ao século XIX. Vejamos a consideração do desembargador federal Frederico Azevedo, relator do processo:

A questão é bastante complexa porque de um lado há os autores, ora apelados, que exibem o registro de propriedade da “Fazenda Pouso Alegre”, antigo “Sítio Latoei- ro”, situada no município de Maracanaú/CE. Tal registro fora efetivado no Cartório de Mamanguape, ainda no distante ano de 1854. De outro lado, existe um estudo antropológico realiado pelos técnicos da FUNAI, indicando que tal fazenda encon- tra-se inserida em área tradicionalmente ocupada por índios, para os fins da titulari- dade a que se refere o art. 231 da Constituição Federal. (Apelação cível Nº 419332/ CE - 2002.81.00.001593-7)

Devemos lembrar que Miguel Baptista Fernandes Vieira (Miguel Barão), tal como já indiquei no capítulo um, era socialmente reconhecido entre os Pitaguary como um dos primei- ros fazendeiros que se alocaram na região. Ele foi apontado por Barbosa (da mesma forma que também foi levantado o mesmo argumento na ação judicial) como o primeiro proprietário na cadeia dominial do imóvel em questão. Ora, não sendo da mesma família (os Façanha e os Fernandes Vieira), visto que os Façanha se tornaram proprietários do terreno após negocia- ções com os filhos de um sobrinho da família de Miguel Barão, é questionável a presença ale- gada no local desde 1854. Mesmo que este fosse um argumento válido, lembremos também, tal como ressaltei em capítulo anterior, como Miguel Barão exercia intenso controle fundiário na região, atuando com violência e explorando os habitantes locais, que, por consequência, levou à migração de muitos deles para longe da região hoje entendida como Pitaguary.

As alegações do advogado dos Façanha levam em consideração argumentos que hoje se encaixariam na tese do “marco temporal” (apesar dele não ter sido usado no julgamento da fazenda dos Façanha), diga-se: de que não haveriam provas de que aquelas terras são “tradici- onalmente ocupadas” pelos Pitaguary. Segundo essa tese, conforme adotada pela Segunda Turma do STF, os indígenas só teriam direito às terras que estivessem ocupando em 5 de ou- tubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A Constituição de fato diz que as terras indígenas são aquelas ocupadas em caráter permanente, contudo não exige que os índios estivessem ocupando a terra na data da promulgação da Constituição de 1988 (um mar- co/data aleatório, que não guarda qualquer vínculo racional com a situação jurídica analisada), justamente por conta de dois elementos: o marco da tradicionalidade da ocupação (que diz que os indígenas devem preencher dois elementos, um de origem material - como relação com o território, caça etc. - e um imaterial – cultural, vínculo ancestral etc.) e o esbulho renitente (as recorrentes situações que os indígenas foram expulsos de suas terras ou foram impedidos de regressarem por conta de um domínio violento do espaço por terceiros) (PEGORARI, 2017). Considerar apenas essa data, ignora séculos de expropriações e expulsões de terra, vio- lências diversas (inclusive do próprio Estado), processos de integração e de assimilação de populações etnicamente diferenciadas, etc.

A primeira utilização da tese do Marco Temporal foi feita durante o processo de de- marcação da TI Raposa Serra do Sol (em Roraima), por volta de 2009. Nesse processo, o STF (Supremo Tribunal Federal) foi um agente decisivo. Isso porque, em 15 de abril de 2005 saiu

a portaria n. 534/2005, do Ministro da Justiça, homologada pelo Presidente da República a qual promoveu a demarcação da TI Raposa Serra do Sol. Após 2005 diversas ações surgiram de modo a impugnar o ato demarcatório. Segundo Pegorari (2017), o Ministro do STF Carlos Ayres Britto decidiu pelo reconhecimento da legalidade do processo administrativo da demar- cação, contudo a decisão estabeleceu o chamado “Conteúdo Positivo do Ato de Demarcação das Terras Indígenas”, pelo qual inovou na ordem jurídica ao criar parâmetros para a demar- cação da terra naquele caso concreto .70

Apoiando-se nesse caso, a tese do marco temporal foi utilizada novamente, em 2014, nos casos da TI Guyraroká (do povo Kaiowá) e da TI Limão Verde (do povo Terena). O mes- mo ocorreu com os Canela Apãnjekra, no Caso da Terra Indígena Porquinhos, os Guarani Kaiwá, novamente, agora da Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica (em 2016) e, mais recente- mente, com os Gamela (MA).

Acredito que não é exagero dizer que há uma política de Estado de “deixar morrer” (FOUCAULT, 1988), ou seja, não se mata de modo direto populações inteiras (como foi feito no período colonial, sob pretextos de demonização desses indivíduos e de sua pericu- losidade), mas deixa-as morrer simplesmente, sem lhes dar condições mínimas de cidadania: seja pelas disputas de terra e interesses de “bancadas ruralistas”, pela morosidade nas demar- cações de terras indígenas, pelo falta de desenvolvimento e efetivação de políticas públicas específicas aos povos indígenas, através da tutela – que, acima de tudo, não dá espaço para a agência e o protagonismo indígena– etc. Michael Herzfeld (1993) fala de uma “produção so- cial da indiferença” - que pode ser resumida a partir da seguinte questão: “como e por que as entidades políticas que celebram os direitos dos indivíduos e dos pequenos grupos parecem tão cruelmente seletivas na aplicação desses direitos?” (SCHWARTZMAN, 1993). Para Herz- feld, as raízes simbólicas da indiferença na burocracia ocidental é formada, por exemplo, a partir do potencial dos estereótipos como modeladores das ações dos próprios burocratas. Se- gundo Durão (2013), “os limites das burocracias e dos burocratas "modernos" estão baseados num idioma da autoexoneração, isto é, na retirada e mesmo na libertação da obrigação e do dever associados ao cargo que assumem” (p. 287).

Esses “parâmetros” foram baseados em quatro critérios para o reconhecimento de uma terra como terra indí

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gena: (i) o marco da tradicionalidade da ocupação; (ii) marco temporal da ocupação; (iii) o marco da concreta abrangência fundiária e da nalidade prática da ocupação tradicional; (iv) o marco do conceito fundiariamente extensivo do chamado “princípio da proporcionalidade” (PEGORARI, 2017).

A morosidade na homologação da TI Pitaguary, marcada por uma “indiferença moral” nos termos de Herzfeld, deu condições sociais de possibilidade para que pessoas e agentes sociais se mobilizassem para minimizar os direitos originários indígenas. Vejamos, na apela- ção cível Nº 419332/CE (entre Fernando Antônio Façanha e o Ministério Público Federal), o advogado do posseiro levantou também que há “a ausência de interesse processual, pois ainda não há ato de demarcação das terras indígenas. [Defendendo, assim] a nulidade do título de propriedade dos apelados [índios Pitaguary]”.

Em 2008, o julgamento foi finalizado. A 1a Turma do Tribunal Regional Federal da 5a. Região, sediada em Recife, defendeu que a propriedade pertencia à família Façanha há mais de 150 anos e que nada indicava que a fazenda alguma vez tivesse ocupada por indígenas. As- sim, deveria prevalecer o título dominial exibido pela família e, portanto, foi determinada a retirada da Fazendo Pouso Alegre da área demarcável.

Com essa situação, o CDPDH começou a trabalhar judicialmente, alguns anos atrás, com os Pitaguary, enfocando o caso da Fazenda Pouso Alegre. Segundo o advogado do CDPDH, a FUNAI teria cometido erros jurídicos muito claros, pois a terra dos Façanha se encontra no interior da TI e foi retirada totalmente do processo de demarcação. A FUNAI não se manifestou, nem defendeu, além do fato dos índios não terem participado do processo e, portanto, o juiz julgou procedente o pedido de retirada da terra Façanha da área a ser demar- cada. Deve-se acrescentar que a família Façanha tem razoável capital político, pois um dos membros da família, Fernando Façanha, é partidário do PSDB e suplente do senador federal Tasso Jereissati (CE).

Lucas Guerra: A FUNAI perdeu o prazo e não recorreu… O tempo foi passando, o

tempo foi passando… Até que teve o trânsito em julgado da decisão. Quando teve o trânsito em julgado da decisão, a gente ficou, a FUNAI fez o compromisso com a gente, que entraria com uma ação rescisória. O que é uma ação rescisória? É uma ação em que eu pego o processo judicial e a decisão tem uma ilegalidade clara, que torna aquela ação totalmente ilegítima. E ai a gente ficou esperando, esperando, até que a FUNAI não fez isso. Quando a gente descobriu que a AGU não ia recorrer, porque segundo eles não tinha porque fazer isso, não tinha chance. A gente assumiu essa defesa. Foi a última coisa que o cacique Daniel fez. Ele assinou e morreu 1 se- mana depois. E o cacique Daniel e o pajé Barbosa assinaram uma procuração pra gente, dizendo que a gente poderia entrar com essa ação. Então, a gente entrou agora com essa ação rescisória, agora em 2016. Pedindo que o processo [judicial] recome- çasse, fosse pro zero. E que a decisão fosse invalidade e que o processo começasse depois, de novo, com a participação dos povos indígenas. […] Só que ai a gente precisa reconstituir os pólos do processo. As pessoas que participaram do primeiro processo, não podem participar desse agora. Quem era alvo agora é réu, entendeu?! Quem são os autores do outro processo, agora viraram réus. Porque a comunidade que entrou com o processo. Por exemplo, a FUNAI é réu, os Façanha é réu, todo mundo. E ai a gente se manifestou. A AGU e a União se manifestaram dizendo que não se opõem a nossa ação. Os Façanha se manifestaram, mas a gente está esperan- do a manifestação de um deles, que é o Marco Sátiro - que é o que derrubou a casa

da Madalena. E aí a gente descobriu o endereço novo dele, porque disseram que ele tinha se mudado, e vamos mandar pro tribunal… Pra ele ser citado novamente. (Lu- cas Guerra - advogado do CDPDH - 26/04/2017)

Em sua estratégia de defesa, o advogado Lucas Guerra alegou que a pericia não tinha sido realizada. Inspirando-se no caso da TI Raposa Serra do Sol, o esbulho renitente ocorre