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Conformação dos institutos na sociedade da informação tecnológica

No documento Caio Cesar Carvalho Lima (páginas 45-49)

CAPÍTULO 01 – COMPETÊNCIA: CONCEITO CALCADO EM FRONTEIRAS

2 JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA – CONCEITOS TERRITORIALMENTE

2.1 Conformação dos institutos na sociedade da informação tecnológica

Passa-se à verificação da adequação do instituto da competência, em relação às específicas demandas que podem surgir na sociedade da informação.

Para tanto, parte-se do exemplo a seguir proposto unicamente para fins didáticos: criou-se perfil em uma rede social, cuja sede da empresa responsável por sua administração está fisicamente localizada fora do território nacional, no qual são

103“1.O Tribunal da Comarca de Düsseldorf, República Federal da Alemanha, solicita, mediante esta carta rogatória, que a empresa ‘Universo On Line’ informe os dados da pessoa que, em 25 de fevereiro de 2004, às 3:20 hs (hora da Europa Central), a partir do IP n. 200.98.154.187, bloqueou o acesso aos sites atendidos pela empresa ‘Online-forum’; (...) 2. Intimada previamente, a interessada apresentou impugnação (fls. 43/47), sob o argumento de que é necessário, primeiramente, homologação da sentença prolatada pela Justiça rogante, para que possa prestar as informações relativas ao usuário em questão. Invoca o princípio constitucional da inviolabilidade de dados, previsto no art. 5º, XII, da CF/88, que, segundo alega, impede a quebra do sigilo de dados cadastrais. (...); 3. A carta rogatória em tela encontra- se devidamente motivada, contendo a exposição dos atos ilícitos praticados bem como a conduta da pessoa envolvida. No tocante à diligência requerida, verifica-se não haver caráter constritivo na medida, vez que visa somente obter os dados do usuário conectado ao IP n. 200.98.154.187, no dia e hora mencionados, a fim de instruir investigação instaurada perante a Justiça estrangeira. (...); 4. Posto isso, satisfeitos os pressupostos necessários, concedo o exequatur”. (STJ CR 297 (2005/0010755-8), Ministro Barros Monteiro, julgado em 18 de setembro de 2006, DJ 29/09/2006).

104 “Aqui, mais que em alguma outra parte de nosso estudo, mostra-se evidente que muitas vezes os institutos jurídicos não se prestam a ser enquadrados em abstratas simetrias dogmáticas, nem podem ser entendidos senão relacionados às mutáveis contingências históricas que sucessivamente concorreram para moldá-lo”. (CALAMANDREI, Piero. Instituições de Direito Processual Civil. Tradução: Douglas Dias Ferreira. Vol. 2. 2. ed. Campinas Bookseller, 2003, p. 105).

publicados textos que atentam contra a dignidade e a honra dos habitantes da Região Nordeste do Brasil105, em exacerbação a todos os limites plausíveis e aceitáveis de liberdade de expressão.

Diante disso, alguém localizado fisicamente no Brasil e com acesso à referida comunidade, seja cidadão brasileiro, ou não, mas se sentindo prejudicado com os insultos, resolve iniciar as medidas para tratamento da questão, almejando, além de excluir tal perfil e todas as postagens ofensivas, identificar o criador106, para fins de responsabilizá-lo civilmente, inclusive pleiteando a obtenção de ordem que iniba os usuários de continuarem com as condutas ilícitas107.

Primeiramente, é recomendável que se preserve a página da comunidade por ata notarial108 e 109, a fim de que não se fique suscetível à possibilidade de que o conteúdo seja excluído110 da Internet. Caso ocorra essa eliminação precoce, isso pode implicar até mesmo na impossibilidade do atendimento dos pleitos solicitados ao julgador da futura ação judicial, bem como na perda da demanda, vez que o Juiz não terá provas suficientes da existência do teor ofensivo alegado.

105 Já houve casos semelhantes ao exemplo fictício acima proposto, em que indivíduos postaram em redes

sociais ofensas aos habitantes da Região Nordeste:

http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/05/16/justica-condena-universitaria-por-preconceito- contra-nordestinos-no-twitter.htm.

106 Destaque-se a importância do ato de identificar os indivíduos que perpetuam ilícitos na Rede mundial de computadores, uma vez que, a simples remoção da página pode ser inócua, tendo em vista que nada impede que sejam replicadas as postagens, tendo em vista a essência libertária que permeia a Internet e que não perderá a sua identidade, pelo simples fato de serem extirpados os ilícitos ou combatidos os seus maus usuários. Ao contrário, será reforçada.

107 Aqui se toma por conta o conceito de ato ilícito trazido no art. 186 do Código Civil, na medida em que o criador da comunidade e os demais usuários que publicaram conteúdo violando direitos e causaram danos. Em razão disso, entende-se que a prolação de tal ordem não exacerba a competência da justiça civil, sem prejuízo de eventual e posterior instauração de procedimentos nas searas penal ou trabalhista, se assim se desejar, após identificação dos responsáveis.

108 “Com o avanço da tecnologia e o crescimento da Internet, há uma enorme quantidade de relações, de documentos e contratos realizados por via digital. A ata notarial possibilita comprovar a integridade e veracidade de fatos em meio digital, ou atribuir a eles autenticidade. O tabelião acessa o endereço da página ou site e verifica o conteúdo, relatando fielmente tudo aquilo que presencia. A constatação abrange não só o conteúdo existente, mas também o acesso, a data, o horário e o endereço http”. (FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger; RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata Notarial: Doutrina, prática e meio de prova. São Paulo: Quartier Latin, 2010, pp. 163/164)

109 Importa observar as discussões que já vêm sendo trazidas pela atribuição de valor absoluto às atas notariais. Não é disso que se trata. Entende-se que esses documentos servem como mais uma evidência, a ser considerada pelo Magistrado, quando do julgamento da causa, devendo ser observada em conjunto com os demais elementos carreados aos autos, não podendo ser interpretada como absoluta.

110 Trata-se de mais um fator que se destaca na Internet, caracterizada pela dinamicidade e rapidez das comunicações. Assim, há o risco de que tão logo tome ciência de que foi ajuizada demanda em seu desfavor, o usuário exclua o conteúdo indicado, tornando difícil, por exemplo, comprovar ao Julgador da causa a existência do conteúdo, o que é fundamental para que ele entenda pela relevância da concessão dos pleitos a ele solicitados.

Observe-se que a juntada no processo de impressão simples ou de “cópia de tela” (print screen) de portais da Internet, para fins de instrução probatória, já foi tida pelo Poder Judiciário como insuficiente111. Assim, “sem a prova, não existe processo”112 – convém atentar para situações que são apenas de direito e que não exigem qualquer demonstração113, não sendo dessa modalidade o caso prático em análise.

A respeito da validade dos documentos eletrônicos114, convém verificar que o CPC não tratou taxativamente de todos os meios de provas, havendo entendimento de que não o fez até mesmo em consideração a possíveis mudanças que a tecnologia poderia trazer115. Conforme prescrição do artigo 332 do Código, admite-se a produção de prova, desde que se trate de meio legal e moralmente legítimo. O artigo 225 do

111 Nesse sentido, observe-se a seguinte decisão, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, manifestando-se no sentido da impossibilidade de se ter como prova válida a simples impressão obtida, a partir de portal da Internet. Certamente, a decisão tomou por consideração que, por não se tratarem de documentos originais, não possibilitam a realização de perícia, hábil a confirmar a integridade deles, no caso de impugnação fundamentada.: “Apelação cível. Ação de indenização. Publicação de página da Internet com conteúdo ofensivo à honra do autor. No caso concreto, não há prova de que a página efetivamente esteve hospedada no site do réu, que é provedor de serviço na Internet. Além disso, em contrato de hospedagem de página na Internet o provedor não interfere no seu conteúdo, salvo flagrante ilegalidade, sendo subjetiva a sua responsabilidade. Caberia ser notificado pelo lesado para retirar a página, sendo responsabilizado na hipótese de sua inércia. No caso concreto, tal hipótese não se configurou. Sentença reformada para julgar improcedente o pedido. Apelo do réu provido. Apelo do autor prejudicado.” (Apelação Cível Nº 70011258027, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 20/04/2006).

112 Nesse sentido, observe-se: GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 11. ed. São Paulo: Rideel, 2008, p.468.

113“Se as questões suscitadas pelas partes forem exclusivamente de direito (v.g., interpretação da lei, aplicação de súmulas, princípios gerais do direito etc.), caberá ao juiz resolvê-las logo após a fase postulatória, sem maiores delongas. Diversamente, se as questões discutidas nos autos estiverem escoradas em fatos (isto é, acontecimentos da vida de que decorrem consequências jurídicas), poderá ser necessário demonstrar-lhes a existência, quando negada.” (LOPES, João Batista. A prova no direito

processual civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 25)

114 Sobre o assunto, fundamental entender que se encontra como base para a segurança das tratativas em ambiente eletrônico, partir-se do pressuposto da equivalência do documento eletrônico ao papel, apresentando segurança em tal substituição, o que guardaria similitudes com o propalado princípio da instrumentalidade das formas: “Basicamente, todo o problema de introduzir meios eletrônicos no processo pode ser resumido à questão da substituição segura do meio papel pelo meio digital. (...) No sentido de lançar as diretrizes fundamentais que possam orientar a migração para o formato eletrônico, um princípio inicial há de ser formulado, podendo ser batizado como princípio da equivalência instrumental ao papel”. (MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Intimações judiciais por meio eletrônico: riscos e alternativas. In: COSTA, Marcos da. MARCACINI, Augusto Tavares Rosa (Orgs.). Direito em

bits. São Paulo: Fiuza, 2004. pp. 35-61).

115 “O vigente Código de Processo Civil preferiu não indicar taxativamente os meios de prova admissíveis no processo certamente porque o avanço da tecnologia pode trazer, como tem trazido, novidades na captação e na reprodução dos fatos”. (LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 95).

Código Civil reconhece a possibilidade do uso de documentos eletrônicos para a prova dos fatos alegados, desde que não haja impugnação em relação à validade deles116.

Preservada a prova do modo referido, passam-se às comunicações aos entes responsáveis pela manutenção da plataforma em que o conteúdo foi postado. Algumas redes sociais disponibilizam canais próprios para denúncias de violações, cujo uso, até o momento, não tem apresentado resultado satisfatório, salvo para questões que envolvam violações de Direitos Autorais117.

Dessa forma, recomenda-se o envio de interpelação extrajudicial, por meio da qual se deve solicitar formalmente ao responsável pela rede social que entregue ao solicitante os dados fornecidos pelo criador do conteúdo ao se cadastrar na Rede, bem como as informações de acesso do usuário, incluindo o número de IP118. Deve-se requisitar também que sejam excluídas todas as postagens ilícitas mencionadas.

Esse documento deve ser enviado de modo que depois se consiga comprovar a remessa dele, no caso de não atendimento do pedido via solicitação extrajudicial, pois, assim, conseguir-se-á demonstrar que a rede social teve, a partir do recebimento do documento, conhecimento inequívoco da ilicitude levada a efeito em suas Redes.

Destarte, caso a Rede opte por manter o conteúdo e ele venha a ser tido posteriormente como ilícito, isto possibilitará que ela seja responsabilizada subjetivamente119, passando a responder de forma solidária com o autor, em razão do conteúdo postado120.

116 Tal impugnação deve ser motivada e fundamentada, não bastando a mera negativa geral de validade da prova, sem exposição dos motivos, pelos quais se entende não ser ela válida. Nesse sentido, observe-se o que prescreve o art. §1º do art. 11 da Lei Nº 11.419/2006, “Lei do Processo Eletrônico”, na qual se traça a necessidade de que haja justificativa para se levantar a invalidade de documento eletrônico: “Os extratos digitais e os documentos digitalizados e juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas autoridades policiais, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos e privados têm a mesma força probante dos originais,

ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de

digitalização.”

117 Essa proteção específica decorre das prescrições do Digital Millennium Copyright Act (DMCA), em vigor nos Estados Unidos da América, que traz prescrições rígidas acerca da proteção que se faz necessária para a proteção de Direitos Autorais. Em razão disso, os provedores parecem estar mais atentos a temas envolvendo tais direitos, do que o diz respeito às proteção da imagem e da honra.

118 Aqui se faz referência à necessidade de que a rede social informe os dados de IP do usuário (Internet Protocol), com o dia e hora exatos, pois dessa forma se alcançará a identificação dele.

119 Nesse sentido, observe-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. INTERNET. (...) PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO TEOR DAS INFORMAÇÕES POSTADAS NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA IMEDIATA DO AR. DEVER. DISPONIBILIZAÇÃO DE MEIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DE CADA USUÁRIO. DEVER. REGISTRO DO NÚMERO DE IP. SUFICIÊNCIA.

Da mesma forma, caso não forneça os dados solicitados, mesmo diante de ordem judicial, abre-se espaço para que se possa pedir a conversão da futura decisão judicial em perdas e danos, tendo em vista que, por culpa exclusiva do provedor de hospedagem do conteúdo, não se conseguirá chegar até o usuário.

Sendo inefetivo o envio da notificação extrajudicial, mormente em vista do fato de que a maioria dos provedores alega o sigilo dos dados solicitados, não os fornecendo sem ordem judicial, nem removendo o conteúdo indevido, deve-se ingressar com ação perante o Poder Judiciário, requisitando ordem judicial em tal sentido.

No documento Caio Cesar Carvalho Lima (páginas 45-49)