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Marco Civil da Internet

No documento Caio Cesar Carvalho Lima (páginas 129-134)

CAPÍTULO 03 COMPETÊNCIA NA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES

1 OS TRIBUNAIS BRASILEIROS E O ENFRENTAMENTO DE QUESTÕES

1.2 Previsões de lege ferenda

1.2.2 Marco Civil da Internet

Verificadas as prescrições que, provavelmente, constarão do novo Código de Processo Civil, fundamental observar os detalhes que envolvem o Projeto de Lei 2.126/2011, mais conhecido pelo nome de Marco Civil da Internet, por estar diretamente relacionado ao tema endereçado no presente trabalho, principalmente os artigos 11 e 12 do diploma, que, em razão disso, serão abordados separadamente.

A primeira versão do Projeto foi apresentada em 24 de agosto de 2011, tendo sido propostas diversas modificações em seus dispositivos, desde então, conforme se pode observar dos Substitutivos I (datado de 04 de julho de 2012), II (datado de 07 de novembro de 2012), III (datado de 05 de novembro de 2013) e IV (datado de 11 de dezembro de 2013), versão atualmente em debate no Legislativo e que será analisada no neste trabalho.

Por meio do Marco Civil da Internet, pretendem-se estabelecer os princípios, garantias e deveres para o uso da Internet no Brasil, tendo como fundamento, entre outros: o respeito à liberdade de expressão e o reconhecimento da escala mundial da Rede; bem como os direitos humanos e a finalidade social da Internet, nos termos traçados nos artigos 1º a 4º.

Já resta confirmada, pois, a relevância da análise do diploma para os fins do presente trabalho, sob a consideração de que a norma foi idealizada tomando por base o fato de que a Internet apresenta escala mundial334, fator até então considerado basicamente em tratados e convenções internacionais.

Apesar dos avanços, fundamental trazerem-se algumas críticas em relação ao disposto no diploma, principiando-se pelo caput do artigo 2º do Projeto, conforme alteração trazida pelo Substitutivo II e, até então, mantida, em que se parece dar maior ênfase à liberdade de expressão, do que a outros direitos previstos pela norma, tais como os direitos humanos, a privacidade, proteção de dados pessoais, pluralidade, diversidade e livre concorrência, por exemplo.

Isso pode ser decorrente da influência dos grandes provedores de Internet, cujas sedes ficam principalmente nos Estados Unidos, nação conhecida pela forte proteção à liberdade de expressão, em vista da previsão constante na Primeira Emenda à Constituição norte-americana.

Deve-se deixar claro que não se está dizendo que a liberdade de expressão não é relevante. Pelo contrário: o que se sustenta é que não há motivo para se destacar com tanta veemência esse direito em detrimento de outros igualmente importantes, visto que isto pode, inclusive, ser entendido como inconstitucional, na medida em que a Constituição Federal não prevê nenhuma ordem de importância entre os direitos que prescreve335.

Relevante observar, também, alguns dos conceitos trazidos no artigo 5º da norma, que colaborarão para reduzir inseguranças e dúvidas em diversos dos operadores do direito, que não apresentam profunda intimidade com os aspectos técnicos. Deve-se estar atento, no entanto, para evitar a inserção de conceitos muito fechados, uma vez que o desenvolvimento tecnológico tem ocorrido em velocidade superior à capacidade de modificação dos diplomas legais.

334 Nesse sentido, destaca-se o inciso I do artigo 2o do Projeto do Marco Civil: “Art. 2º A disciplina do uso da Internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como: I - o reconhecimento da escala mundial da Rede”.

335 “Este ponto é invariavelmente perdido pelos críticos de controle do governo sobre a Net, que acreditam que a Primeira Emenda [da Constituição] dos EUA reflete valores universais e de alguma forma está escrita na arquitetura da Internet. Mas a Primeira Emenda não reflete valores universais; ao contrário, nenhuma outra nação abraça esses valores, e eles certamente não estão escritos na arquitetura da Internet”. Tradução livre do original em português: “This point is invariably missed by the critics of

government control over the Net, who believe that the U.S First Amendment reflects universal values and is somehow written into the architecture of the Internet. But the First Amendment does not reflect universal values; to the contrary, no other nation embraces these values, and they are certainly not written into the Internet’s architecture”. (GOLDSMITH, Jack; WU, Tim. Who controls the Internet?

As considerações dos artigos 6º e 7º também são igualmente relevantes, na medida em que confirmam, respectivamente, a existência de costumes próprios à Internet, os quais devem ser levados em conta, bem como que o acesso à Internet é essencial para o exercício da cidadania, devendo ser preservada a privacidade e a intimidade dos seus usuários.

O artigo 9º do Projeto, ao tratar sobre neutralidade da Rede, expressa-se no sentido de que os provedores não podem, a seu livre arbítrio, tratar de forma antiisonômica os pacotes de dados que, eventualmente, trafeguem pela Rede, sendo vedada qualquer forma de discriminação ou degradação do tráfego.

Eventuais tratamentos que violem a esperada isonomia somente podem ser realizados em situações nas quais haja expressa autorização de Decreto a ser expedido, e desde que em razão de requisitos técnicos indispensáveis e para priorizar serviços de emergência, não podendo causar danos aos usuários, que devem ser previamente informados, de forma a prezar pela transparência dos provedores.

Em complementação ao disposto no inciso VIII do artigo 7º, nos artigo 10 a 13, constam previsões acerca da coleta, do uso, armazenamento, tratamento e da proteção dos dados pessoais dos usuários, bem como sobre sigilo das comunicações privadas. Ademais, para a coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais, necessário que o usuário dê consentimento expresso, por meio de cláusula em destaque, conforme descrito no inciso IX do artigo 7o.

Traça-se como regra a necessidade de ordem judicial para que tais dados sejam fornecidos, mantendo-se acesso mais facilitado às meras informações cadastrais. Há, inclusive, a estipulação de sanções, para o descumprimento das prescrições do diploma, conforme se observa do artigo 13, o qual prescreve a possibilidade de multa no valor de até dez por cento do faturamento do grupo econômico no Brasil (o que pode ser de pouca utilidade, se a empresa não for constituída no Brasil, no que ressurgem as dificuldade de executar ordem judicial em desfavor de empresa estrangeira), bem como suspensão das atividades.

Tais previsões são sobremodo basilares e, certamente, não abordam o assunto com a especificidade que o tema reclama. Assim, importante observar que já se encontra em discussão pela sociedade civil brasileira o Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais336, oriundo do trabalho conjunto da Fundação Getúlio Vargas e do

336 Já se teve a oportunidade de realizar análise do Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais, documento cuja leitura se recomenda àqueles que almejam verificar diversas questões relevantes sobre o

Ministério da Justiça, que tomou por base diversos diplomas semelhantes em vigor, tais como a Diretiva Europeia de Proteção de Dados Pessoais (EC 95/46) e a Lei de Proteção de Dados Canadense, tendo procedido a ampla atualização das previsões dessas normas.

No artigo 14 do diploma, deixa-se claro que os provedores de conexão à Internet têm a obrigação de manter os registros dos acessos dos usuários pelo prazo de um ano; já os provedores de aplicações de Internet, constituídos na forma de pessoa jurídica e organizados profissionalmente337, também denominados de provedores de conteúdo (no que se incluem as redes sociais), têm que guardar tais dados pelo período de seis meses.

Dessa forma, será mitigada certa insegurança jurídica que, até então, paira sobre o tema, em vista da ausência de obrigatoriedade legal para que os provedores guardem os logs de acesso de seus usuários. Critica-se, no entanto, que tal previsão pode ser entendida como contrária à jurisprudência que vinha se firmando nos tribunais, inclusive no Superior Tribunal de Justiça338, de que o prazo de guarda dessas informações é de três anos, independentemente da categoria do provedor.

Particularmente, entende-se que os prazos propostos no Marco Civil são sobremodo curtos, principalmente levando-se em consideração os procedimentos processuais que precisam ser efetivados, a fim de obter tais informações, conforme já referido neste trabalho. Ademais, o prazo mais dilatado apresenta direta correlação, por

Anteprojeto, cuja análise mais detida ultrapassa o escopo do presente estudo: MONTEIRO, Renato Leite; LIMA, Caio César Carvalho. Comentário ao Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais. Disponível em: http://bit.ly/APLDadosPessoais. Último acesso em: 11 jan. 2014. Igualmente, foi publicado artigo tratando sobre os principais aspectos do Anteprojeto de Lei de Dados Pessoais: LIMA, Caio César Carvalho Lima; MONTEIRO, Renato Leite. Panorama brasileiro sobre a proteção de dados pessoais: discussão e análise comparada. In AtoZ: novas práticas em informação e conhecimento, Curitiba, v. 2, n. 1, p. 60-76, jan./jun. 2013.

337 Excepcionalmente, conforme prescrito no §1º do artigo 16, os provedores de conexão não constituídos sob essa conformação societária poderão ser solicitados a guardar os dados. Tal parece não ser a melhor forma de tratar da situação, pois, a solicitação para guarda das informações a posteriori, isto é, após a ocorrência do fato ilícito que se almeja investigar, não garante que o usuário-vítima obterá as informações de que necessita.

338 Apenas à guisa de ilustração, observe-se o seguinte julgado proferido pelo STJ: CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. CDC. INCIDÊNCIA. PROVEDOR DE CONTEÚDO. USUÁRIOS. IDENTIFICAÇÃO. DEVER. GUARDA DOS DADOS. OBRIGAÇÃO. PRAZO. 03 ANOS APÓS CANCELAMENTO DO SERVIÇO. OBTENÇÃO DE DADOS FRENTE A TERCEIROS. DESCABIMENTO. DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 5º, IV, DA CF/88; 6º, III, e 17 DO CDC; 206, §3º, V, E 1.194 DO CC/02; E 358, I, DO CPC. (...) 6. As informações necessárias à identificação do usuário devem ser armazenadas pelo provedor de conteúdo por um prazo mínimo de 03 anos, a contar do dia em que o usuário cancela o serviço. (...) (REsp 1398985/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/11/2013, DJe 26/11/2013).

exemplo, com o disposto no artigo 206, §3º, V, do Código Civil, no qual consta que o prazo de prescrição da reparação civil é de três anos.

Nos artigos 19 a 24, esclarece-se sobre a responsabilidade dos provedores por danos decorrentes dos conteúdos gerados por terceiros, tendo-se disciplinado basicamente que o usuário autor do conteúdo é que terá responsabilidade pelo conteúdo postado. O provedor, no entanto, responderá nas situações em que, tendo recebido ordem judicial, com clara e inequívoca indicação do conteúdo infringente, não empreender todos os esforços para o cumprimento do mandamento judicial.

Isto porque se entende que tal dispositivo não se coaduna com a celeridade que as situações que se passam na Rede mundial de computadores exigem. Assim, por exemplo, é possível vislumbrar diversos casos de pessoas que ceifaram suas vidas, após postagens, feitas por terceiros, de imagens ou de vídeos contendo cenas de nudez339 que os envolvessem.

Em situações como tal, caso seja necessário aguardar todo o trâmite compreendido entre o ajuizamento do processo judicial, obtenção de ordem liminar e intimação do provedor para seu cumprimento, no mínimo, serão necessários alguns dias, o que pode tornar já praticamente ineficiente a ordem, em vista da disseminação do material.

Nos artigos 23 e 24, há esclarecimento acerca da forma para requisição judicial dos registros de conexão, a qual deve conter, dentre outros, fundados indícios da ocorrência de ilícito, justificativa motivada da utilidade dos registros e o período abrangido pela solicitação.

Nos artigos 24 a 29, são traçadas as diretrizes para atuação do poder público, contendo os principais aspectos que precisam ser observados pela União, pelos Estados, o Distrito Federal e os Municípios para o desenvolvimento e a popularização da Internet, com o objetivo de promoção da cultura e da cidadania e inclusão digital, mantida a preocupação com a acessibilidade aos que apresentam quaisquer deficiências.

Por fim, nos artigos 30 a 32, são traçadas as disposições finais, devendo-se observar especialmente o que consta no artigo 31, no qual há disposição sobre a forma como devem ser tratadas as questões jurídicas envolvendo a infração de direitos de autor ou conexos. Tal previsão vem na esteira da propalada modernização da Lei de

339 Apenas à guisa de ilustração, observe-se a seguinte notícia: BOCCHINI, Lino. Quem é o culpado pelo suicídio da garota de Veranópolis? In Revista Carta Capital (Blog do Lino), 21/11/2013.

Direitos Autorais, que, datada de 1998, mostra-se insuficiente para contemplar diversas novas situações decorrentes da sociedade da informação tecnológica.

Em linhas gerais, os principais pontos abordados no Projeto de Lei do Marco Civil são: neutralidade da Rede, tratamento de dados pessoais, retirada de conteúdo ilícito, marketing dirigido, liberdade de expressão, velocidade contratada e localização de datacenters. Foge ao escopo da presente Dissertação análise aprofundada de todos esses aspectos, salvo o que diz respeito à coleta de dados e servidores localizados territorialmente no Brasil, que merece tratamento aprofundado.

Como se observa, pois, apesar de representar avanço em relação ao tratamento de alguns dos aspectos enfrentados como decorrência da sociedade tecnológica, alguns aspectos precisam ser melhor abordados pelo Marco Civil da Internet, sendo relevante destacar que, apesar de trazer previsões sobre proteção de dados pessoais, tais são sobremodo basilares e não são hábeis a suplantar a necessidade de aprovação de legislação específica.

Vistos esses aspectos, adiante passa-se à verificação do que diz respeito à coleta de dados e servidores em território nacional, prescrição constante do Marco Civil, mas que, por ser sobremodo relevante para os fins do presente trabalho, suscitou análise em apartado.

No documento Caio Cesar Carvalho Lima (páginas 129-134)