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Decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal

No documento Caio Cesar Carvalho Lima (páginas 82-86)

CAPÍTULO 03 COMPETÊNCIA NA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES

1 OS TRIBUNAIS BRASILEIROS E O ENFRENTAMENTO DE QUESTÕES

1.1 Decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal

215 A opção consciente de restringir o objeto de análise aos tribunais superiores tem o objetivo de tornar o trabalho factível, tendo em vista a dificuldade que representaria ter de verificar todos os tribunais, nas distintas jurisdições, para verificação do enfrentamento por eles da matéria em foco.

A primeira decisão proferida pelo STF que tratou especificamente sobre temas envolvendo aspectos tecnológicos, segundo as pesquisas realizadas, data de 1991, pelo Ministro Moreira Alves, em relação a processo ajuizado ainda na década de 80 do século passado. Na oportunidade, discutiu-se acerca da validade das informações prestadas pelos sistemas de computação das cortes216, tendo entendido o Ministro que elas não seriam aptas a superar intimação pelo Diário da Justiça217, esta sim a forma oficial de comunicação processual, por serem os andamentos processuais disponibilizados online meramente informativos218.

Em 1994, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se acerca da invalidade da coleta de provas eletrônicas, em vista de no caso específico a memória ter sido “degravada em arrepio da garantia da inviolabilidade da intimidade das pessoas”219,

216“(…) Não nega o recorrente que foi regularmente intimado pelo Diário da Justiça a providenciar a extração do mandado de citação, intimação essa que saiu publicada em seu próprio nome. Para os efeitos legais, é essa a intimação que é válida. As informações prestadas pelos sistemas de computação da Corte são meros subsídios aos advogados, não tendo a finalidade de se substituírem às formas previstas na lei. Por isso mesmo, essas informações são sumárias, não reproduzindo necessariamente o texto da intimação feita no Diário. No caso, aliás, o computador consignou o despacho que ordenou a citação, o que bastava para que a parte observasse o disposto no §2o do art. 219 do CPC”. (Supremo Tribunal Federal, Embargos de Declaração na Ação Rescisória 1.323-9, Relator Ministro Moreira Alves, julgado em 02 de maio de 1991).

217 Em 1994, o STJ também foi suscitado a se manifestar sobre assunto semelhante, oportunidade em que decidiu, de forma diversa ao entendido pelo STF no ano de 1991, ao defender que “é suscetível de ocasionar a suspensão do prazo o embaraço processual proveniente de informação equivocada prestada pela Secretaria do Juízo”, aí se considerando “inclusive via sistema de computador”. (REsp 49456/DF, Rel. Ministro Barros Monteiro, Quarta Turma, julgado em 25/10/1994, DJ 19/12/1994, p. 35321). 218 Destaque-se que, por longo tempo, foi mantido o entendimento de que as informações sobre andamento processual disponibilizadas nos portais eletrônicos dos tribunais de justiça não eram oficiais, logo, não sendo justa causa para devolução de prazo qualquer dado equivocado lá disponibilizado. Esse entendimento, contudo, começou a ser alterado quando a Terceira Turma do STJ decidiu que divergências entre as informações prestadas pelo tribunal e o efetivo andamento do processo seriam causa suficiente para devolução de prazo processual (REsp 1186276/RS, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 16/12/2010, DJe 03/02/2011). Posteriormente, a Corte Especial do STJ ratificou o acertado entendimento da Turma, conforme se observa do Informativo de Jurisprudência 513: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PRAZOS. POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DE JUSTA CAUSA NO DESCUMPRIMENTO DE PRAZO RECURSAL. É possível reconhecer a existência de justa causa no descumprimento de prazo recursal no caso em que o recorrente tenha considerado como termo inicial do prazo a data indicada equivocadamente pelo Tribunal em seu sistema de acompanhamento processual disponibilizado na Internet. O artigo 183, §§ 1º e 2º, do CPC determina o afastamento do rigor na contagem dos prazos processuais quando o descumprimento se der por justa causa. Nesse contexto, o equívoco nas informações processuais prestadas na página eletrônica dos tribunais configura a justa causa prevista no referido artigo, o que autoriza a prática posterior do ato sem prejuízo da parte, uma vez que, nesse caso, o descumprimento do prazo decorre diretamente de erro do Judiciário. Ademais, a alegação de que os dados disponibilizados pelos Tribunais na Internet são meramente informativos e não substituem a publicação oficial não impede o reconhecimento da justa causa no descumprimento do prazo recursal pela parte. Além disso, a confiabilidade das informações prestadas por meio eletrônico é essencial à preservação da boa-fé objetiva, que deve orientar a relação entre o poder público e os cidadãos. Precedentes citados: REsp 960.280-RS, DJe 14/6/2011, e REsp 1.186.276-RS, DJe 3/2/2011. REsp 1.324.432-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 17/12/2012”.

219 STF - AÇÃO PENAL. CASO COLLOR E P.C. FARIAS. CORRUPÇÃO PASSIVA. CORRUPÇÃO ATIVA DE TESTEMUNHA. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. SUPRESSÃO DE

conforme prescrição da Constituição Federal. Parecem não remanescer dúvidas, no entanto, acerca da validade da coleta de provas em dispositivos eletrônicos, inclusive com a possibilidade de realização de busca e apreensão, mesmo nos âmbitos cível e trabalhista, para obtenção de provas eletrônicas220, sendo farta a jurisprudência nesse sentido221, e necessária, por certo, uma prévia ordem judicial. Além de que todos os direitos da parte sejam respeitados.

Especificamente sobre a coleta de provas em ambiente trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho, desde 2005, já possui posicionamento favorável sobre o assunto222. Autoriza-se a coleta de evidências em dispositivos eletrônicos, de

DOCUMENTO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. PROVA ILÍCITA. DEGRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA. PRELIMINARES. CP, ARTS. 299 E 317, CAPUT. CF/88, ART. 5º, X . XI E LVI. (...)1.1 - Inadmissibilidade, como prova, de laudos de degravação de conversa telefônica e de registros contidos na memória e micro computador, obtidos por meios ilícitos (CF/88, art. 5º, LVI); no primeiro caso por se tratar de gravação realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, havendo a degravação sido feita com inobservância do princípio do contraditório, e utilizada com violação à privacidade alheia (CF/88, art. 5º, X); e, no segundo caso, por estar-se diante de micro computador que, além de ter sido apreendido com violação de domicílio, teve a memória nele contida sido degravada ao arrepio da garantia da inviolabilidade da intimidade das pessoas (CF/88, art. 5º, X e XI). (STF - Ação penal 307/3/1995 - DF - Rel.: Min. Ilmar Galvão - J. em 13/12/1994 - DJ 13/10/1995)

220 Em vista da especificidade do tema de provas eletrônicas, o Ministro Sepúlveda Pertence, em 1998, manifestou-se acerca da necessidade de realização de estudos periciais, quando diante de tal modalidade probatória, sob a consideração de que “informações técnicas de telemática ainda pairam acima do conhecimento do homem comum”. (HC 76689, Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 22/09/1998, DJ 06-11-1998 PP-00003 EMENT VOL-01930-01 PP-00070).

221 Observe-se a seguinte decisão que segue em tal sentido, cuja essência é seguida pelos demais tribunais: TJRJ - Ap. Cív. 21.239/2001 - Rio de Janeiro - Rel.: Des. Laerson Mauro - J. em 10/04/2001 - DJ 04/10/2001.

222 Nesse sentido, segue íntegra do acórdão mencionado: PROVA ILÍCITA. E-MAIL CORPORATIVO. JUSTA CAUSA. DIVULGAÇÃO DE MATERIAL PORNOGRÁFICO. 1. Os sacrossantos direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados, concernem à comunicação estritamente pessoal, ainda que virtual (e-mail particular). Assim, apenas o e-mail pessoal ou particular do empregado, socorrendo-se de provedor próprio, desfruta da proteção constitucional e legal de inviolabilidade. 2. Solução diversa impõe-se em se tratando do chamado e-mail corporativo, instrumento de comunicação virtual mediante o qual o empregado louva-se de terminal de computador e de provedor da empresa, bem assim do próprio endereço eletrônico que lhe é disponibilizado igualmente pela empresa. Destina-se este a que nele trafeguem mensagens de cunho estritamente profissional. Em princípio, é de uso corporativo, salvo consentimento do empregador. Ostenta, pois, natureza jurídica equivalente à de uma ferramenta de trabalho proporcionada pelo empregador ao empregado para a consecução do serviço. 3. A estreita e cada vez mais intensa vinculação que passou a existir, de uns tempos a esta parte, entre Internet e/ou correspondência eletrônica e justa causa e/ou crime exige muita parcimônia dos órgãos jurisdicionais na qualificação da ilicitude da prova referente ao desvio de finalidade na utilização dessa tecnologia, tomando-se em conta, inclusive, o princípio da proporcionalidade e, pois, os diversos valores jurídicos tutelados pela lei e pela Constituição Federal. A experiência subministrada ao magistrado pela observação do que ordinariamente acontece revela que, notadamente o -e-mail- corporativo, não raro sofre acentuado desvio de finalidade, mediante a utilização abusiva ou ilegal, de que é exemplo o envio de fotos pornográficas. Constitui, assim, em última análise, expediente pelo qual o empregado pode provocar expressivo prejuízo ao empregador. 4. Se se cuida de -

e-mail- corporativo, declaradamente destinado somente para assuntos e matérias afetas ao serviço, o que

está em jogo, antes de tudo, é o exercício do direito de propriedade do empregador sobre o computador capaz de acessar à INTERNET e sobre o próprio provedor. Insta ter presente também a responsabilidade do empregador, perante terceiros, pelos atos de seus empregados em serviço (Código Civil, art. 932, inc. III), bem como que está em xeque o direito à imagem do empregador, igualmente merecedor de tutela

propriedade da empresa, aí se incluindo os e-mails corporativos, não sendo diferente o entendimento majoritário da doutrina223. Para tanto, necessário que os empregados estejam cientes acerca dessa possibilidade, tendo a expectativa de privacidade reduzida, o que se dá por meio da assinatura de Políticas de Segurança da Informação específicas. Destaque-se, inclusive, que Tribunais do Trabalho já têm políticas de segurança em que tratam expressamente sobre a possibilidade de monitoramento dos acessos eletrônicos dos funcionários do órgão224.

Em 1998, foi a primeira vez em que o STF foi instado a se manifestar sobre temas relacionados especificamente a programas de computador, abrangendo questões

constitucional. Sobretudo, imperativo considerar que o empregado, ao receber uma caixa de -e-mail- de seu empregador para uso corporativo, mediante ciência prévia de que nele somente podem transitar mensagens profissionais, não tem razoável expectativa de privacidade quanto a esta, como se vem entendendo no Direito Comparado (EUA e Reino Unido). 5. Pode o empregador monitorar e rastrear a atividade do empregado no ambiente de trabalho, em e-mail corporativo, isto é, checar suas mensagens, tanto do ponto de vista formal quanto sob o ângulo material ou de conteúdo. Não é ilícita a prova assim obtida, visando a demonstrar justa causa para a despedida decorrente do envio de material pornográfico a colega de trabalho. Inexistência de afronta ao art. 5º, incisos X, XII e LVI, da Constituição Federal. 6. Agravo de Instrumento do Reclamante a que se nega provimento. (RR - 61300-23.2000.5.10.0013 , Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 18/05/2005, 1ª Turma, Data de Publicação: 10/06/2005)

223 De forma semelhante, colhem-se os ensinamentos do Professor José Carlos Barbosa Moreira, quando tratou acerca da ausência de direito absoluto no que concerne ao sigilo das comunicações, o que, alargando, pode ser aplicado aos e-mails e acessos à Internet: “O direito ao sigilo das comunicações é, como qualquer outro, limitado, e não se pode sobrepor de maneira absoluta a todos os restantes interesses dignos de tutela jurídica, por mais relevantes que se mostrem. Aqui tem igualmente lugar a valoração comparativa dos interesses em conflito e a aplicação do princípio da proporcionalidade. Sobre o da preservação da intimidade, prevalecem, em linha de princípio, os interesses ligados à reta administração da justiça. Aquele não pode ter a virtude de obstar ao pleno atendimento destes. Deve atuar aqui, todavia, como alhures, o princípio de que os meios se proporcionam de modo necessário aos fins colimados. O direito á preservação da intimidade sujeita-se ao sacrifício na medida em que a sua proteção seja incompatível com a realização dos objetivos que se têm primariamente em vista. Nessa medida, o ordenamento o tolera ou mesmo o impõe; além dela, não. Cumpre observar um critério de proporcionalidade com o auxílio do qual se possa estabelecer adequado ‘sistema de limites’ à atuação das normas suscetíveis de pôr em xeque a integridade da esfera íntima de alguém, participante ou não do processo”. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Direito aplicado: acórdãos e votos. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 170).

224 O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas), por exemplo, publicou o Ato n.º 06/2002, em 18 de novembro de 2002, logo, há mais de dez anos, estipulando o regulamento de utilização dos recursos de informática, dando ciência aos usuários do monitoramento dos acessos à Internet e das mensagens de correio eletrônico: “Art. 16º - Fica vedado o acesso por qualquer usuário a sítios que: (...) Parágrafo 1º. A Secretaria de Informática fica autorizada a rastrear, se necessário for, os acessos dos usuários à Rede Internet e aos sítios acima elencados, seja por meio direto ou por aplicativos específicos, em tempo real ou posteriormente ao uso, nos moldes que entender mais convenientes, mediante reclamação formalizada e dirigida a esta entidade.; Art. 22º - A Secretaria de Informática fica autorizada a rastrear a origem e o destino de mensagens do correio eletrônico, ficando vedada a pesquisa aleatória do seu conteúdo, desde que não importe em uma das situações do artigo anterior, quando um ou mais destinatários revelem à Secretaria de Informática seu conteúdo em reclamação formalizada e dirigida a esta entidade”. Íntegra do Ato disponível em: <http://portal.trt15.jus.br/ato-gp-06/2002>. Último acesso em: 25 ago. 2013.

relativas à tributação, em acórdão lavrado pelo Ministro Sepúlveda Pertence225, que entendeu acertadamente o programa de computador como bem incorpóreo para fins tributários.

Em fevereiro de 1999, foi proferida pelo Ministro Néri da Silveira decisão com menção específica à Rede Mundial de Computadores226. Na ocasião, debateu-se acerca de ordem inibitória para o envio de “correspondência sob a forma de correio eletrônico”. O Ministro entendeu, sem entrar no mérito da questão, pela incompetência do Supremo para apreciar a demanda, por não caber à Corte “processar e julgar, originariamente, mandados de segurança contra ato ou decisão de Tribunais de Justiça dos Estados, ou do Distrito Federal”227.

No documento Caio Cesar Carvalho Lima (páginas 82-86)