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3.2 O sagrado e o profano no imaginário da comunidade escolar

3.2.6 Confraternização – Oração

Uma outra série de desenhos nos remete ao apelo pela paz e a harmonia, constelando com a imagem da casa-escola enquanto lugar do acolhimento e do aconchego, o que revigora um imaginário noturno. São desenhos que representam os momentos de confraternização, de amizade e de união vivenciados no espaço escolar. Momentos em que se festeja, se celebra, se reflete, se agradece, enfim, faz- se oração. É o que explicitamente diz o texto explicativo da figura 16:

O desenho representa uma confraternização entre alunos, professores e diretores. Momento em que todos fazem uma oração agradecendo a Deus por tudo, pela vida, pela paz e pela oportunidade de estarem compartilhando esse evento, também se faz uma reflexão sobre o dia-a-dia na escola. Verifica-se a importância da escola para as suas vidas, vendo se os objetivos foram ou não alcançados. Neste momento de confraternização procura-se elevar a auto-estima das pessoas levando-as a acreditar num futuro melhor, aumentando sua fé, esperança e capacidade de lutar por seus ideais (PROFESSORA).

O texto da professora acima citado é bastante rico e por si só revelador dos rituais existentes na escola e que será tratado no próximo capítulo. Por ora, quero ater-me à interpretação dos desenhos e textos que fazem emergir um imaginário religioso presente na comunidade escolar. Vejamos então o desenho ao qual o texto acima remete:

FIGURA 16: Confraternização, desenho de professora.

O simbolismo da figura 16 é riquíssimo. Pessoas de mãos dadas em volta de uma mesa farta de alimentos, sobre as suas cabeças flores ornamentando o ambiente, abaixo a frase do Salmo 23, “O Senhor é meu pastor e nada me faltará”. A citação desse salmo apenas reforça a análise anteriormente feita, no entanto, desta vez a imagem que parece sugerir não é tanto aquela do pastor, mas a do hospedeiro que acolhe, fornece abrigo e faz o estrangeiro sentar-se à mesa para refeição. Voltamos de certa forma à imagem da escola-casa, enquanto escola-hospedaria, anteriormente já presente na análise da figura 2, onde o seu autor esclarecia: “A escola é uma casa que abriga os alunos, mas só por tempo determinado, deveria abrigar por mais tempo” (PEDAGOGO).

A imagem da confraternização é que sobressai, estando presente em outros desenhos e textos. A confraternização na escola é representada como um momento de alegria, de jubilo, de festa17 (figura 17). “A festa é ao mesmo tempo momento negativo em que normas são abolidas, mas também alegre promessa

17

vindoura da ordem ressuscitada” (DURAND, 1997, p. 312). Momento em que se quebra a rigidez da disciplina escolar, da segmentação e do isolamento do espaço da escola (uma vez que todos são chamados a partilhar de um mesmo espaço, a sair das salas e encontrarem-se, inclusive com os familiares, com pessoas de fora dos muros da escola). A figura 16 e o texto correlato é um indicativo de que a confraternização no espaço-tempo da escola é festa com desejo de união, de “caminhar de mãos dadas em busca de uma escola mais organizada” (PROFESSOR), promessa da ordem ressuscitada.

FIGURA 17: União de todos, desenho de professor de 43 anos.

O desenho representa a união de todos os segmentos ligados à escola e como a própria faixa diz Jesus nos ensina a viver em solidariedade. Qualquer instituição só consegue avançar e vencer se tiver a colaboração e a participação de todos.

Na escola não é diferente para que tenhamos uma educação com mais qualidade é necessário que diretores, professores, funcionários, alunos e principalmente a família possam caminhar de mãos dadas em busca de uma escola mais organizada, mais solidária, mais fraterna e que todos consigam alcançar os seus objetivos (PROFESSOR).

A confraternização torna-se celebração, relaciona-se à imagem de um culto (figura 18), de acordo com o seu autor “[...] um culto com seis crentes e um pastor gritando aleluia, aleluia irmãos, vamos orar e falar em Deus” (ALUNO). Culto que por sua vez lembra uma festa, com a rítmica corporal, com som e dança puxados do alto de uma espécie de palanque ou altar. Há sem dúvida um isomorfismo que ligando as imagens das mãos estendidas para o alto, do som e do alto do palanque ao esquema da elevação, como a querer atingir o céu, tocar e ser

escutado pelo Altíssimo. “O ser ‘altíssimo’ é algo que se torna necessariamente um atributo da divindade” (ELIADE, 2002, p. 40). Sob novas imagens retornamos ao simbolismo da ascensão, constelando com as imagens já analisadas do caminho para o alto; do templo simulacro da montanha sagrada; da palavra, da luz e da paz que vêm do alto.

FIGURA 18: Culto, desenho de aluno de 15 anos.

Mas aquele que eleva as mãos para o alto é também quem se ajoelha ante a manifestação do sagrado. Dois gestos diferentes - elevar as mãos (figuras 18 e 21) e curvar os joelhos (figuras 20, 25 e 26) - que traduzem simbolicamente a mesma reverência do homo religiosus perante o transcendente, o altíssimo. A oração de mãos elevadas para o alto (figuras 18 e 21) num ritual de louvor, facilmente é assimilada à oração de mãos dadas (figuras 16 e 19) ou ainda à oração de mãos postas (figura 20) num ritual de agradecimento. As mãos, portanto, o gesto, soma-se à palavra no ritual da oração. Segundo a professora que desenhou a figura 19: “A intenção era demonstrar uma situação típica da demonstração do sagrado na escola. Isso acontece quando todos estão reunidos e dão as mãos para fazer uma oração” (PROFESSORA). Também um diretor de outra escola que preferiu não fazer o desenho, expressou a sua opinião sobre o sagrado na escola relatando o momento de oração feito no pátio e na sala de aula:

O espaço diário onde todos no pátio fazem uma oração e em seguida na turma o professor torna a fazê-la, demonstra o ato de religiosidade, embora para algumas crianças e jovens é apenas um ato automático e obrigatório, mas no geral todos têm respeito pelo momento (DIRETOR).

FIGURA 19: Oração de mãos dadas, desenho de professora de 30 anos.

Os dois depoimentos da professora e do diretor são por si reveladores do caráter religioso que alguns eventos assumem na escola, o que tratarei no capítulo seguinte procurando identificar os rituais presentes no espaço-tempo da escola. Por ora chamo apenas a atenção para o fato de muitos aspectos que estão presentes nos desenhos e no texto explicativo reaparecerão no próprio espaço e nos rituais da escola, o que sem dúvida é um forte indicativo de que o imaginário religioso que neste capítulo levantei por meio de desenhos e textos não é algo isolado senão presente no espaço escolar como um todo. Mas voltemos aos desenhos.

FIGURA 21: Amizade, desenho de aluno de 17 anos.