• Nenhum resultado encontrado

3.2 O sagrado e o profano no imaginário da comunidade escolar

3.2.10 A epifania das imagens

Ao chegar ao final desse capítulo uma pergunta me persegue: qual a importância das imagens aqui apresentadas e interpretadas? Ou em outros termos, o que nos revelam essas imagens, qual a sua epifania? Primeiramente penso que tais imagens revelam de fato a existência de um imaginário religioso que permeia o universo simbólico da comunidade escolar. Constato com os dados obtidos e analisados nesse capítulo que tal imaginário religioso é fortemente marcado pelo simbolismo judaico-cristão, o que obviamente é compreensível em vista de ser esse universo religioso predominante culturalmente na formação brasileira, além da maioria dos participantes da pesquisa ter se declarada cristã, seja de confissão católica ou evangélica.

É surpreendente a riqueza de simbolismo explicitamente relacionado ao campo religioso e não menos surpreendente a relação que os participantes da pesquisa fizeram entre o universo escolar e o universo religioso. E a sacralidade de ambos parece residir no que torna a vida significativa, com sentido, com valores. Ensinar e aprender para “ser alguém na vida” parece ser a grande crença que alimenta a escola e a reveste de uma importância, de uma sacralidade.

A interpretação das imagens de acordo com a teoria durandiana evidencia a existência de um imaginário religioso no universo escolar oscilante, que ora tende para o Regime Diurno, ora para o Regime Noturno. Contudo, com conotações mais

diurnas, revelando uma forte presença da estrutura heróica. A imagem noturna mais forte é a da escola enquanto casa, lugar de acolhimento e refúgio para os alunos e alunas. Lugar do encontro e da confraternização, onde as relações de amizade têm o seu peso. Mas a imagem noturna da escola-casa cede facilmente espaço para a imagem diurna da escola-templo. E a escola revela-se como o templo do conhecimento. É bastante forte o simbolismo da palavra associado ao livro didático e ao livro sagrado. A palavra que ilumina, revela e salva e que é referendada pelos rituais da escola (aulas, palestras, encontros e reuniões).

O portão e o porteiro, a crença nos estudos, o livro, o quadro, a palavra, a sala de aula e o “ritual da alumiação” desnudam a verdadeira natureza desse espaço sagrado dedicado ao culto do conhecimento. Passar pela porta da escola, adentrar naquele espaço, dirigir-se à sala de aula para participar do “ritual da alumiação” onde - com reverência, silêncio e disciplina - se recebe a palavra iluminada, escrita e falada, do professor - ministro e mensageiro do conhecimento. Conhecimento salvador que segundo a crença na escola fará daqueles alunos e daquelas alunas “alguém na vida”. Antes de passar por esse templo do conhecimento parece não ser possível em nossa sociedade “ser alguém na vida”. Assim a escola como um todo surge como um grande rito de passagem e iniciação para o mundo social.

Por fim, quero ressaltar com relação a este capítulo o aspecto do procedimento metodológico e de como ele foi construído. Confesso da minha admiração ao constatar como a perspectiva de se trabalhar com imagens, por meio de desenhos e textos, pode fazer aflorar tantos dados, elementos e informações numa pesquisa, o que talvez um outro procedimento não tivesse logrado o mesmo êxito. Foi uma opção de pesquisa que fiz e que certamente em alguns momentos me deixou inseguro, devido ao aspecto um tanto quanto inovador de não usar simplesmente procedimentos e instrumentos já consagrados, como por exemplo, o questionário. Fui a campo realmente sem saber o que me aguardava e o que sairia dali em termos de informações e dados coletados.

Foram as imagens, desenho e textos, produzidos pelos participantes que foram a mola propulsora para a pesquisa teórica. À medida que as imagens eram identificadas por mim, buscava no quadro de referencial teórico a chave de leitura para compreender e interpretar as imagens. Ou seja, procurei fazer do referencial teórico a luz para iluminar o que recebia, não partir do referencial teórico para as

imagens, mas das imagens para o referencial. De tal forma, fui obrigado a reconhecer que nem tudo que está nas imagens pode ser referendado teoricamente por uma única fonte, o que me obrigou a alargar a minha pesquisa e quadro de referências.

O que acima afirmei deixa evidente o caráter interpretativo do que aqui apresento. Todo o esforço que empreendo nessa pesquisa se faz no sentido de captar a dimensão do imaginário e do simbólico na escola. Por isso, parto do princípio antropológico de que o ser humano é um ser com grande capacidade de simbolizar, de estabelecer relações entre elementos que não são significativos. De criar símbolos, de atribuir sentido e dar significado às coisas, aos fenômenos humanos e naturais.

Os significados são coletivos e arbitrariamente colocados pelos grupos humanos, ou seja, são tipicamente culturais. De tal forma, por serem coletivos e arbitrários, podem ser lidos, ou seja, interpretados por outros que convivam com determinado grupo humano e consiga decifrar-lhe o código. Portanto, o trabalho aqui empreendido com base numa antropologia simbólica constitui na leitura dos símbolos fornecidos pela comunidade escolar, o grupo humano que tenho contato. Trata-se, assim, de uma interpretação dos dados obtidos junto à comunidade escolar mediante o desenho e o texto. Como observa Geertz, “o que chamamos de nossos dados são realmente nossa própria construção das construções de outras pessoas, do que elas e seus compatriotas se propõem” (GEERTZ, 1989, p. 19).

Em sendo interpretação, trata-se de uma interpretação dentre uma gama de possibilidades interpretativas. Portanto, em absoluto o que apresento aqui não tem a pretensão de ser a “verdade” única sobre o que é estudado, mas sem dúvida uma possibilidade verdadeira e válida de se olhar para a escola e para a comunidade escolar, desde a sua dimensão antropológica e simbólica.

4 O SAGRADO E O PROFANO NO ESPAÇO E TEMPO ESCOLAR

No capítulo anterior detive-me exclusivamente no mapeamento e na interpretação das imagens advindas de desenhos e textos produzidos pelos membros da comunidade escolar participantes da pesquisa. Parece não haver dúvida a partir desse levantamento junto à comunidade escolar da persistência de um imaginário religioso rico e complexo a povoar o universo simbólico daqueles que fazem o cotidiano da escola. No entanto, seguindo a noção durandiana de trajeto antropológico - ou seja, “[...] a incessante troca que existe ao nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do meio cósmico e social” (DURAND, 1997, p. 41) - é necessário dar um passo a mais e passar a observar as intimações objetivas que emanam do meio cósmico e social. De tal forma, neste capítulo volto o meu olhar para a escola, considerando-a enquanto o meio cósmico e social daqueles que lá estão durante boa parte do seu tempo e da sua vida.

Para se evitar possíveis equívocos na leitura do que aqui apresento, esclareço que para Durand, o “meio cósmico e social” não se reduz a uma determinada instituição, diz mais respeito às sociedades humanas e à natureza como um todo nas quais o homo sapiens está inserido e interage. Portanto, a própria escola é parte desse meio cósmico e social. Ao considerar a escola enquanto o meio cósmico e social de professores/as, alunos/as, diretores/as, pedagogos/as e funcionários em geral não desconsidero o fato da escola fazer parte e estar inserida num todo social mais amplo e complexo, ou seja, tenho clareza que a escola faz parte da sociedade, sofrendo, portando, as múltiplas determinações históricas, sociais, culturais, econômicas e políticas dessa mesma sociedade.

Assim sendo, tomo emprestado a noção de trajeto antropológico em Durand, adaptando-o para os limites dessa pesquisa que tem um olhar fenomenológico voltado para duas escolas situadas no município de São Luís do Maranhão. Nesse sentido, é que passo a considerar essas escolas como o meio cósmico e social das pessoas que lá estão durante considerável tempo de suas vidas, interagindo entre elas mesmas e com o meio ambiente escolar. São essas escolas, o locus da minha observação das intimações objetivas que emanam do meio cósmico e social.