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Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna Os CIAM

Capítulo I Projetos de cidades modernas e projetos de habitação popular: das reações à

I.1. Projetos de Cidade Moderna

I.1.1. Da crítica à cidade industrial ao modernismo dos CIAM

I.1.1.5. Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna Os CIAM

Essencialmente a partir de 1928, quando do concurso para o edifício sede da Liga das Nações e da Exposição em Stuttgart, foi possível observar linhas de trabalho muito próximas entre arquitetos e urbanistas de diversas nacionalidades, bem como certa conexão entre os resultados alcançados por cada um deles. No mesmo ano, o imperativo de reunir esses pensamentos numa espécie de congregação ou associação leva os profissionais, que já incorporavam em suas pesquisas a preocupação em gerar uma nova arquitetura e um novo urbanismo adaptados à nova época, a se reunirem em La Sarraz, na Suíça, no primeiro dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, os CIAM, e aí discutiram as bases, os princípios e o futuro da arquitetura e do urbanismo modernos.

Seis pontos foram levados em consideração nessa primeira reunião, que teve Le Corbusier como mestre de cerimônias: 1. a técnica moderna e suas consequências; 2. a padronização; 3. a economia; 4. a urbanística; 5. a educação dos jovens; 6. a realização: a arquitetura e o Estado. Quanto à arquitetura, considerou-se que deveria servir-se dos recursos provenientes da técnica industrial, exprimindo o espírito da época. Grande resolução, porém, pareceu vir da urbanística: de natureza funcional, deveria zelar por três principais funções essenciais da sociedade: morar, trabalhar e recrear, ocupando-se da destinação do solo, da organização dos transportes e da

legislação. Quanto ao último ponto, da relação com o Estado, não houve consenso: Le Corbusier acreditava num Estado forte como meio para realizar a obra arquitetônica, mas muitos discordavam deste princípio (BENÉVOLO, 2009).

Em 1930 a arquitetura moderna atingiria o auge de prestígio e popularidade, difundindo-se entre profissionais de outras partes do mundo e em 1933 ocorreria o quarto CIAM cujo tema foi a cidade moderna, a partir do qual surgem os escritos reunidos e divulgados por Le Corbusier na obra que se tornaria uma cartilha para os seguidores do Movimento Moderno em Arquitetura e Urbanismo, “A Carta de Atenas”, divulgada em 1943.

O tema do maquinismo e das alterações que causou à cidade perpassa os tópicos abordados por Le Corbusier na “Carta de Atenas”, onde afirma que:

[...] o advento da era da máquina provocou imensas perturbações no comportamento dos homens, em sua distribuição sobre a terra, em seus empreendimentos, movimento desenfreado de concentração nas cidades a favor das velocidades mecânicas, evolução brutal e universal sem precedentes na história. (LE CORBUSIER, 1993:s/p)18.

A máquina havia alterado as condições de trabalho, “esvaziando o campo, entupindo as cidades e ao desprezar harmonias seculares, perturbando as relações naturais que existiam entre a casa e os locais de trabalho” (LE CORBUSIER, 1993:s/p). Na cidade antiga o trabalhador se deslocava até a oficina, próxima de sua moradia, e lá executava seu trabalho, mas na cidade industrial os locais de trabalho se tornaram distantes das residências dos operários. Isso ocasionou um dos grandes males da época segundo o autor: “o nomadismo da população operária”.

Enquanto as moradias na cidade industrial encontravam-se em locais onde não recebiam luz ou ventilação, desconsiderando quaisquer padrões de higiene, “o quarto congresso CIAM, realizado em Atenas, chegou ao seguinte postulado: o sol, a vegetação e o espaço são as três matérias primas do urbanismo” (LE CORBUSIER, 1993:s/p) e, levando isso em consideração, os bairros residenciais deveriam estar nos locais mais privilegiados das cidades, podendo usufruir de insolação e ventilação adequadas e de grandes superfícies verdes. Cada casa é considerada uma célula social e, como tal, formando um agrupamento de proporções adequadas se torna a base do urbanismo. As células habitacionais poderiam ser de três tipos diferentes: “a casa individual da cidade-jardim, a casa individual junto de uma pequena exploração rural e o imóvel coletivo, provido de todos os serviços necessários ao bem estar dos ocupantes” (LE CORBUSIER, 1993:s/p).

Definidas as condições das residências, bem como da sua inserção na cidade moderna, a determinação quanto à localização dos locais de trabalho previa que seu distanciamento em relação aos locais das moradias deveria ser o mínimo possível, mas ao mesmo tempo cuidando para que os

setores industriais fossem independentes dos setores habitacionais, estando separados por uma faixa de vegetação. A questão da separação das funções urbanas é chave para a compreensão da proposta urbanística explorada em “A Carta de Atenas”. O zoneamento funcional, já divulgado anteriormente por Le Corbusier e outros profissionais consistia na “operação feita sobre um plano de cidade com o objetivo de atribuir a cada função e a cada individuo seu justo lugar” (LE CORBUSIER, 1993:s/p) e trabalhava com cada uma das quatro funções sobre as quais se apoiava o urbanismo moderno: habitar, trabalhar, recrear-se e circular. Tal operação consistia no próprio plano da cidade, que determinaria a “estrutura de cada um dos setores atribuídos às quatro funções-chave e fixaria suas respectivas localizações no conjunto” (LE CORBUSIER, 1993:s/p).

As quatro funções se complementavam, mas era a partir do estudo das residências inseridas em um plano de cidade que se podia proceder, não apenas à localização dos locais de trabalho, mas também das instalações utilizadas nas horas livres. A prática de esportes e atividades culturais seria realizada em espaços e edifícios de uso coletivo localizados próximos às moradias, atendendo a necessidade de vida social dos indivíduos. Estas construções eram prolongamentos das habitações e comportavam não só atividades lúdicas, como também equipamentos necessários à vida cotidiana, como serviços médicos, creches e escolas.

Também áreas verdes completavam as funções da moradia, servindo de base para a construção dos edifícios e se estendendo pelos espaços livres entre eles. Estando as construções em meio a espaços abertos, a solução de elevá-las sobre pilotis se apresenta como forma de extensão da superfície vegetada sem interrupções. A própria textura do tecido urbano, antes recortada por ruas, deveria mudar de modo a ampliar as áreas livres e favorecer a constituição de “cidades verdes.” A cidade sobre pilotis, conforme afirma Martins (1992), também tem congruências com os estudos de Hénard.

A questão da circulação perpassa todas as demais funções da cidade moderna e deve estabelecer a comunicação entre cada uma delas, tornando-se função primordial da vida urbana. Cada uma das vias de circulação deve ser classificada de acordo com a sua natureza em residencial, de passeio, de trânsito pesado ou via principal e, assim, “construída em função dos veículos e suas velocidades” (LE CORBUSIER, 1993:s/p), havendo, por exemplo, largas vias de percurso rápido para os automóveis e vias de percurso lento exclusivamente para os pedestres.

As vias de grande movimento deveriam ser isoladas das zonas residenciais através de massas de vegetação, só se aproximando ocasionalmente das habitações, pois a casa não estaria mais unida à rua por sua calçada, mas por espaços livres e verdes permeados por vias de pedestres. A tradicional rua-corredor deixaria de existir, pois só permite chegar luz e ar a uma pequena parte da moradia, sendo assim inadequada à nova cidade. Também é apresentada a grande vantagem de se utilizar

novos e modernos meios de transporte coletivos, como o ônibus e o metrô, que eliminariam a necessidade do automóvel para realizar atividades cotidianas.

Le Corbusier aborda ainda a questão da propriedade do solo ao descrever como, de um lado, “a escala de trabalho a empreender com urgência para organização das cidades, e de outro o estado infinitamente parcelado da propriedade territorial, são duas realidades antagônicas” (LE CORBUSIER, 1993:s/p), indicando a urgência de subordinar o interesse privado (diferente do interesse do indivíduo) ao interesse coletivo, colocando todo o solo à disposição da sociedade. Martins (1992:203, tradução nossa) assegura que, portanto, “sua oposição não é à propriedade e sim a uma de suas modalidades, marcada pelo arcaísmo e diretamente ligada a sua esfera de atuação. Ele se opõe aos privilégios do proprietário na medida em que estes ‘se opõem à transformação da cidade’,” entendendo que somente o solo livre possibilitaria as alterações necessárias para a realização do projeto moderno de cidade.