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Capítulo I Projetos de cidades modernas e projetos de habitação popular: das reações à

I.1. Projetos de Cidade Moderna

I.1.2. Projetos de cidades no Brasil

I.1.2.3. Sanitarismo e Embelezamento

Os projetos urbanísticos realizados em finais do século XIX e no início do século XX no Brasil referem-se especialmente, como já identificamos, à necessidade de melhores condições de higiene e circulação nos núcleos urbanos, conformados originalmente sem um planejamento adequado ao crescente número de habitantes e às novas atividades que se desenvolviam nas cidades. Diferentemente do que ocorrera na Europa, a preocupação quanto ao alojamento da população menos favorecida ainda não estava entre as causas que levariam às reformas urbanas, no Brasil estas se referiam à organização que propunha a elite brasileira, em acordo com seus interesses e soluções específicas, em oposição à preocupação social europeia. Esses projetos carregavam o ideário que procurava estabelecer o lugar dos ricos e o lugar dos pobres, sobretudo nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo, mais intensamente relacionadas à principal atividade econômica da época, o café, e desse modo excluíam a maioria da população dos benefícios gerados pelas obras urbanísticas, conferindo às áreas centrais o grau de representatividade conveniente com o poder e a riqueza das elites e expulsando daí os pobres.

Somam-se a estas questões os conceitos de inovação e modernização – que se faria conservadora, conforme Gorelik (In MIRANDA, 1999) – trazidos pela nova ordem liberal republicana, o que implicou na construção de uma série de novas capitais para os estados federados, em busca da confirmação de sua importância política dentro do quadro nacional. Sobre estes primeiros projetos recai a importância de servirem de referência para outros planos, fossem remodelações urbanas ou construções de cidades inteiramente novas.

24 Não faz parte do escopo deste trabalho abordar o terceiro momento de urbanização descrito pelos autores. 25 Salientamos que o caso da cidade de São Paulo será tratado separadamente no Capítulo II.

Belo Horizonte – Aarão Reis – 1897

A nova ordem republicana, bem como o que ela representava, foi acatada pelo estado de Minas Gerais que procurava vincular-se “como um todo à economia nacional e superar a desigualdade entre as diversas regiões mineiras, refreando tendências separatistas das regiões mais prósperas, incorporadas à zona cafeeira” e, para tanto, três medidas foram tomadas pelo governo: “expansão da rede de transporte existente (ferroviária e fluvial); atração de imigrantes europeus e sua fixação em colônias organizadas e tuteladas pelo governo (mão de obra para a cafeicultura - modernização agrária); construção da nova capital” (AGUIAR, 2006:31).

A proposta de mudança da capital de Minas Gerais, há muito cogitada, ressurgiu fortalecida por representar a viabilidade de um projeto pioneiro: a construção de toda uma cidade que, sob a égide da República e seu ideário, se apresentasse como um centro irradiador de progresso e expressão de um novo modelo de vida urbano. (MORAES, 2011:03).

A capital, Ouro Preto, representava o passado e tudo o que fora a ordem colonial, de modo que foi decidida a criação de uma nova cidade capaz de “integrar as varias regiões do estado e promover a modernização regional” (AGUIAR, 2006:31). Em 1892 diante da incerteza quanto ao local de implantação da nova capital, envolvendo interesses políticos conflitantes, o presidente do Estado de Minas Gerais, Afonso Pena, determinou a convocação de uma comissão a ser presidida pelo engenheiro Aarão Reis para escolher a localização ideal. A comissão realizaria um estudo sobre as cinco localidades previamente selecionadas, buscando um local onde pudesse ser erguida a capital com capacidade para 150 a 200 mil habitantes, inicialmente abrigando 30 mil pessoas. Foram designados dois possíveis lugares para a implantação, sendo escolhido pelo Congresso o local denominado Curral D’El-Rey, onde se encontrava o Arraial de Belo Horizonte, para onde se determinou a transferência da capital em um prazo de quatro anos. O local ficava idealmente próximo ao centro do estado e era facilmente acessível por todas as direções, embora circundado por montanhas. A partir de 1894, Aarão Reis inicia a elaboração do Plano para Belo Horizonte, que seria implantado até 1987, quando da inauguração da nova capital mineira.

Dentro de princípios positivistas, Aarão Reis “pretendia construir uma cidade protótipo do urbanismo mais avançado da época, cuja concepção [...] moderna, organizada, com funções definidas e espacialmente localizadas”, seria a base da nova sociedade que desejava constituir (GUIMARÃES In RIBEIRO&PECHMAN, 1996:127). Conforme Leme (1999:222) o projeto para Belo Horizonte resumiria “boa parte da cultura técnica e das preocupações estéticas do século XIX relativas à cidade”, denotando o conhecimento de L’Enfant e Haussmann por parte de seu criador.

Propondo novas condições de vida a Cidade de Minas [Belo Horizonte] transformaria a sociedade mineira. Para viver nos espaços da nova cidade, homens e mulheres deveriam mudar, adquirir novos hábitos, criando novas formas de morar,

circular, se comportar, estabelecendo novas relações sociais e novos laços com o poder, ou seja, transformando-se em cidadãos do novo estado federado. À nova cidade caberia formar esse novo cidadão. (AGUIAR, 2006:60).

O plano da cidade, segundo Guimarães (In RIBEIRO&PECHMAN, 1996:131) era composto por três setores concêntricos: uma zona urbana central, com traçado em tabuleiro rígido, e dividida em seções a serem ocupadas “pelo aparato burocrático-administrativo do governo e por residências de funcionários públicos, proprietários de Ouro Preto e ex-proprietários do arraial”; uma zona suburbana de transição entre campo e cidade, com ruas mais estreitas e quadras menos regulares, mais em conformidade com a topografia, onde se daria a construção de chácaras e casas de campo, além do hipódromo e outras edificações menos nobres, como o reservatório de água; e por fim uma zona rural, para o estabelecimento de núcleos agrícolas que conformariam um cinturão verde que abasteceria a cidade. A região central foi dotada de um bulevar circundante, a Avenida de Contorno, destinado a evitar o rompimento entre a cidade e seu subúrbio.

O plano viário do setor urbano (Figura 17), o mais detalhado pelo engenheiro, foi composto por duas tramas ortogonais superpostas. O tecido de base possuía ruas com 20m de largura e canteiros centrais e se destinava ao tráfego menos intenso, conformando quarteirões quadrados e idênticos. A segunda malha, embora também em tabuleiro de xadrez, configurava quadrados muito maiores e era rotacionada em 45 graus em relação à primeira trama e só então era sobreposta, compondo-se de avenidas amplas com 35m de largura e arborizadas, que cortavam os quarteirões sugeridos pelo tecido de base. A sobreposição das duas tramas destinava-se a remediar quaisquer inconvenientes do traçado em xadrez simples:

a multiplicação dos eixos de direção reduzia as distâncias e evitava deslocamentos em linha quebrada; a variedade de combinações possíveis quebrava a monotonia absoluta do xadrez puro sem alterar a perfeição da figura geométrica global, esta era mesmo reforçada pela operação. (BRUAND, 2002:347).

O traçado, além de permitir a circulação facilitada de veículos, deveria distribuir os diversos sistemas de abastecimento da cidade e proporcionar também maior circulação de ar, demonstrando a preocupação do autor quanto à higiene da nova aglomeração, num momento em que conforme afirma Andrade (1992), obras de embelezamento e saneamento se confundiam nos projetos urbanos brasileiros. De acordo com Guimarães (In RIBEIRO&PECHMAN, 1996) a principal preocupação do projeto eram os problemas técnicos, como abastecimento de água, eletricidade, esgotos e circulação, e em segundo plano figurava a questão estética de formas, linhas, eixos visuais e articulação de setores. Nas artérias diagonais criaram-se perspectivas e marcos, especialmente na conformação de largos, nos encontros de um grande número de vias. Foram previstos jardins públicos, praças e um grande parque, cujo tamanho equivalia ao quadrado formado pelo tecido diagonal, contudo deslocado da trama de avenidas. O projeto do parque se destaca não apenas pela

magnitude, mas pela inspiração europeia, com traçado orgânico e adaptado ao sítio, em contraste com o tecido viário ortogonal. “Sua localização, na área central da cidade, seguia os princípios de salubridade nos quais os parques constituíam o pulmão da cidade, purificando o ar, dando vitalidade aos habitantes e revigorando o organismo social” (MORAES, 2011:04).

“A idéia de ordem e funcionalidade é imprimida ao espaço urbano, bem como a monumentalidade, a simetria e a grandiosidade, simbolizando a autoridade e o poder do governo” (GUIMARÃES In RIBEIRO&PECHMAN, 1996:127). Todo o arranjo urbano é realizado de modo a enfatizar os grandes edifícios públicos, fazendo do poder a grande referência espacial. Segundo Aguiar (2006:103), Aarão Reis associa a “concepção arquitetônica dos edifícios principais ao estudo do traçado das ruas, praças e avenidas, fazendo destes prédios pontos focais, relação com o meio físico permitida por um estudo topográfico minucioso.” Sobre essa questão o autor enumera similaridades entre o plano de Belo Horizonte e o plano de L’Enfant para Washington como o próprio uso de edifícios como focos visuais de longas perspectivas, apontando ainda a existência de avenidas que se irradiam de praças formando pattes-d’oie, caso da grande praça circular (14 de Setembro) para a qual convergem 4 grandes avenidas.

Os edifícios do Palácio Presidencial (do Governo), das Secretarias de Estado, Congresso e Palácio da Justiça figuravam no plano junto a diferentes praças: Liberdade, do Progresso e da República, que configuravam um grande conjunto político/administrativo, mas terminaram todos sendo construídos na Praça Liberdade, a única implantada. Os edifícios que compreendiam os poderes municipais ficavam num grande carrefour circular na parte baixa da cidade e, portanto, separados do espaço destinado ao governo do estado (AGUIAR, 2006). O cuidado na localização dos edifícios públicos demonstra que a função política era a mais relevante na constituição do plano da nova capital, sendo os aspectos econômico e social pouco discutidos no projeto. A localização da estação ferroviária e do mercado municipal demarcava um setor comercial separado das demais zonas urbanas, havendo na planta uma “Avenida do Comércio” com “visível concentração de lotes destinados aos ex-proprietários de Ouro Preto, comerciantes na época” (GUIMARÃES In RIBEIRO&PECHMAN, 1996:131), porém sendo estas as únicas referências quanto à localização desta atividade no plano.

Caberia ao governo “a responsabilidade pela construção das casas destinadas aos diversos escalões do funcionalismo público” (GUIMARÃES In RIBEIRO&PECHMAN, 1996:132), sendo estas localizadas num setor específico, o Bairro Funcionários. O autor indica a disposição de todas as residências no mesmo espaço, sem separação hierárquica quanto a sua localização, apresentando, no entanto, seis diferentes padrões para as casas conforme a função do servidor, o que identificava o nível social das famílias. Somado a estas considerações, sugeria que ao menos metade da área de cada lote deveria ser ocupada por jardins e hortas.

Críticas recaem sobre o projeto de Aarão Reis pelo fato de ter ignorado completamente o antigo arraial, demolindo o existente e “remodelando o sítio numa clara superação do ‘espontâneo’ pelo racional/projetado” (MORAES, 2011:04). Além disso, a extremada confiança na técnica adotada pelo autor ao projetar as malhas ortogonais sem, contudo, levar em consideração o relevo acidentado e a futura expansão do núcleo urbano, resultou na construção de vias com declividades consideradas altas e que se tornaram relativamente perigosas com a utilização massiva dos automóveis.

A nova capital atrairia grande população, ultrapassando o adensamento previsto em muitas vezes (98% de aumento populacional entre 1950 e 1960) de modo que o plano de Aarão Reis transformou-se no centro da aglomeração e constituiu uma parte mínima da superfície total da cidade (5% aproximadamente) (Bruand, 2002). A ausência de lugar para os trabalhadores logo deu início ao problema da moradia, com a ocupação irregular de terrenos públicos e a construção de abrigos precários, acarretando alterações no projeto original ainda durante a construção.

Figura 17: Planta para Belo Horizonte, 1894. Fonte: ANDRADE, Carlos R.M. A Peste e o Plano: O Urbanismo Sanitarista do Engenheiro Saturnino de Brito. Dissertação (Mestrado), FAU-USP, São Paulo, 1992, vol. II., s/p.

Rio de Janeiro – Pereira Passos – 1903-1906

No início do século XX a cidade do Rio de Janeiro enfrentava graves problemas sociais, decorrentes principalmente de seu crescimento rápido e desordenado. Com o fim da escravidão, grandes contingentes de ex-escravos, além de imigrantes, procuravam alojar-se na cidade em busca de oportunidades de trabalho assalariado. “Entre 1872 e 1890, a população duplicou, passando de 274 mil para 522 mil habitantes” (PEREIRA PASSOS..., 2006). O aumento da população pobre tornava evidente a condição de crise habitacional, posto que a falta de moradias fosse um problema constante na cidade desde meados do século XIX. Na área central multiplicavam-se as moradias coletivas e proliferavam doenças como febre amarela, varíola e cólera, ocasionando que os

engenheiros sanitaristas fossem os primeiros a elaborar um discurso consciente sobre as condições miseráveis em que vivia a população (OSWALDO CRUZ..., 2011).

A estabilidade político-econômica alcançada na presidência de Campos Sales (1898-1902), permitiu a seu sucessor Rodrigues Alves, empossado em 1903, obter créditos no exterior para financiar a remodelação urbanística e o saneamento da capital federal, pontos básicos de seu programa de governo. As condições sanitárias da cidade, que desde meados do século anterior convivia com sucessivos surtos de doenças infecciosas, vinham ameaçando a política de estímulo à imigração, indispensável para o suprimento de mão-de-obra após o declínio do trabalho escravo, e acarretando enormes prejuízos à economia nacional, dado que os navios que atracavam na capital eram submetidos a frequentes quarentenas (OSWALDO CRUZ..., 2011).

Oswaldo Cruz, chefe da Diretoria Geral de Saúde Pública passou a defender a reforma dos serviços de saúde e, já em abril de 1903, deu início à campanha contra a febre amarela e, no começo de 1904, ao combate à peste bubônica. Em 1906, ao encerrar-se o mandato de Rodrigues Alves, a diminuição da mortalidade causada por essas doenças indicaria a eficácia de suas campanhas. A suspensão da lei que determinava a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola em fins de 1904, após a Revolta da Vacina, seria sentida em 1908, quando violento surto da doença assolou a capital.

Afora as campanhas em prol da saúde pública foi também durante a presidência de Rodrigues Alves que ocorreu a remodelação urbana do Rio de Janeiro, empreendida pelo prefeito do Distrito Federal, o engenheiro Francisco Pereira Passos. “Apoiada nas idéias de civilização e beleza, de regeneração física e moral, a reforma urbana, tratada como questão nacional, sustentou-se no tripé saneamento, abertura de ruas e embelezamento” (PEREIRA PASSOS..., 2006:04). De modo geral a ação buscava não apenas livrar a capital federal das doenças, mas também impor novos hábitos e atitudes à população através da criação de novos espaços urbanos, amplos e modernos, em referência às grandes reformas realizadas nas cidades europeias, especialmente a Paris de Haussmann. É importante ter em mente que o estado precário da capital atrapalhava eventuais negociações entre o Brasil e empresas estrangeiras, de modo que a reforma efetuada por Pereira Passos interessava aos negócios da elite.

A concepção do Plano de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro se deu cerca de trinta anos antes de sua implementação, quando Pereira Passos dirigiu a Comissão de Melhoramentos da cidade. “As avenidas tornaram-se o principal instrumento da remodelação da cidade, atendendo a dois objetivos: a circulação urbana e a transformação das formas sociais de ocupação dos espaços abertos pelas novas artérias” (PEREIRA PASSOS..., 2006:07).

O plano de reforma previa a abertura de grandes vias de circulação, mais amplas e arejadas, pavimentadas e munidas de canalizações de água, gás e esgotos. O traçado proposto apresentava artérias monumentais que facilitariam as comunicações e romperiam o sistema irregular do tecido

anterior. Dessa forma foram abertas duas diagonais dispostas em “V”, a Avenida Central (hoje Avenida Rio Branco) e a Avenida Mem de Sá, que cortaram o xadrez em clara referência ao princípio haussmanniano da abertura de ruas que se superpunham ao traçado existente, demolindo o que fosse preciso para melhorar a imagem da cidade e desembocando em monumentos dispostos como perspectivas finais (Figura 18). Além dessas avenidas, outras ruas de menor porte foram abertas, construídos praças e jardins e realizada a modernização do porto.

Com a abertura de novas ruas e a construção de novos prédios, a reforma promoveu uma intensa valorização do solo urbano da área central, atingindo diretamente a população de baixa renda que ali se concentrava. Cerca de 1.600 prédios residenciais, além de casebres construídos precariamente, foram demolidos e seus moradores repentinamente precisaram encontrar outros locais para viver (OSWALDO CRUZ..., 2011). Embora a cidade crescesse em direção ao norte, somente parte da população seguiria este rumo, parcela considerável, com salários insuficientes para pagar despesas de transporte e de construção, aluguel ou aquisição de nova moradia, se estabeleceria em alojamentos precários construídos próximos ao centro. Em 1905 o governo federal nomeou uma comissão para examinar a condição das moradias populares na cidade e o que se constatou foi que o problema causado pelas demolições excedia em muito as expectativas: a população pobre, desprovida de sua antiga residência, em condição de “vagabundo errante” construía novos barracos, configurando uma nova cidade irregular, notada principalmente no Morro da Favela (Providência). “A partir de então, o termo favela designaria, de forma genérica, o mais destacado ícone da segregação social no espaço urbano da cidade” (PEREIRA PASSOS..., 2006: 05).

Ainda em busca do ideal de embelezamento da capital foram proibidos no centro da cidade estabelecimentos rurais como hortas, estábulos e criadouros, e também o comércio de alimentos expostos em barracas. A imposição de novos hábitos de vida modernos levou a prefeitura a coibir uma série de costumes: “urinar e cuspir nas ruas; embaralhar cabos de energia elétrica; acender fogueiras, soltar fogos de artifício, pipas e balões”, reprimindo ainda a realização de festas populares, sagradas e profanas como: carnavais, serenatas, cultos afro-brasileiros e bumba-meu-boi (PEREIRA PASSOS..., 2006:08).

A remodelação urbana promovida pelo governo federal e pela prefeitura de Pereira Passos entre 1903 e 1906 rompeu com a cidade colonial existente, conferindo aparência europeia (francesa) à região central, mais moderna e saneada, adequando-se à sua função de capital federal e servindo de referência para planos de melhoramentos de outras cidades brasileiras, tal como São Paulo.

Figura 18: Planta da cidade do Rio de Janeiro indicando os melhoramentos em execução em 1905 durante a administração do prefeito Pereira Passos. Assinaladas em laranja as intervenções urbanas, com destaque para: 1- Rua Mem de Sá; 2- Av. Beira Mar; e 3- Av. Central. Fonte: FERREIRA DA ROSA, Francisco. Rio de Janeiro, 1905. Disponível em: <http://cristovao1.wordpress.com/2010/05/23/la pa-abrigo-refugio-cultura-popular-carioca/> Acesso em 03 nov. 2011.

Santos – Saturnino de Brito – 1905-1914

Estabelecido por volta de 1531, o porto de Santos cresceu relativamente em tamanho ao longo de três séculos sem, contudo, desenvolver-se em termos tecnológicos ou construtivos, permanecendo conformado por trapiches de madeira até o final do século XIX. Além da comprometedora situação física do próprio porto, também as condições higiênicas do cais e da cidade assolada periodicamente por enchentes eram extremamente precárias, o que propiciou um quadro constante de epidemias principalmente após 1850, quando aumentou o fluxo de imigrantes europeus que aportavam na cidade, devido à proibição do tráfico negreiro naquele ano. No início do século XX a melhoria das condições sanitárias da cidade balizaria o plano elaborado pelo engenheiro Francisco Saturnino de Brito, cujas obras se estenderiam desde 1905 até 1914.

Dentro da proposta de saneamento da cidade o plano de Saturnino de Brito previa a execução de 80 km de rede subterrânea de esgotos e 17 km de canais de superfície para águas pluviais, executados a partir do uso do concreto armado. O projeto indicava a separação da contribuição pluviométrica das colinas que circundavam a cidade daquela do próprio núcleo urbano, localizado na planície, prevendo para tanto um canal de contorno em formato semi-hexagonal que se estendia pelo sopé do morro. Para garantir a limpeza permanente da cidade canais que iam desde o estuário até a baía garantiriam o enxugamento da planície e a conformação de ampla área de expansão do núcleo (Figura 19). Junto aos canais foram criados passeios laterais e pontes que, conforme descreve Andrade (1992), remetiam aos bulevares parisienses e indicavam novas práticas sociais e formas de sensibilidade modernas, baseadas no exercício da observação.

Brito elaborou ainda novo traçado geométrico de ruas para a área de expansão da cidade, até então desocupada, entre a baía e o estuário. Afirmava que

nas cidades planas os traçados retilíneos mais regulares e simples são os mais convenientes para a economia da cidade, [...]; são também os mais convenientes ao policiamento e ao trânsito, desde que sejam traçadas as avenidas diagonais, ou em direções que encurtem as distâncias nas comunicações entre as diferentes zonas da cidade. (BRITO, 1915:11 apud ANDRADE, 1992:139)26.

Como forma de evitar longas ruas retilíneas o plano contava com “avenidas-parque” (parkways) que cortavam diagonalmente a trama urbana existente, com praças e jardins localizados