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CAPÍTULO II CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE SOBRE:

2. PAULO FREIRE: ASPECTOS GERAIS DE SUA OBRA

2.1 CONSCIENTIZAÇÃO E LIBERDADE EM PAULO FREIRE

2.1.1 Conscientização em Paulo Freire

Dito isso, destaca-se que a conscientização é um dos principais conceitos trabalhados por Paulo Freire e constitui-se, a um só tempo, como observação objetiva da realidade e como concepção subjetiva – desejo – de mudança da realidade. Perceber isso, contudo, não representa ainda uma tomada de consciência no sentido de provocar o sujeito a uma mudança/transformação radical ou ingênua de sua condição. Significa e representa “apenas” a apreensão e compreensão do real e do que precisa ser feito para provocar mudança/transformação. Para isso, se faz necessário observar a contraditória relação que há entre os conceitos, para que não se caía em uma concepção distorcida e um debate vazio acerca dos mesmos (FREIRE, 1979).

A conscientização não é apenas apreensão espontânea da realidade, mas compreensão crítica desta. A realidade precisa ser observada como objeto de conhecimento em que o homem assume uma posição de estudo crítico e de reflexão, bem como de julgamento daquilo que vê e que observa. Isso faz compreender que os conscientizados apoderam-se de sua própria condição e buscam transformá-la, pois se sentem e sabem sujeitos dela (FREIRE, 2001).

A conscientização é o processo pelo qual, na relação sujeito-objeto, o sujeito consegue captar criticamente a unidade dialética entre o eu e o objeto. A conscientização provoca a desmistificação. Ou seja, as classes oprimidas conseguem enxergar como realmente são. É também observação aos limites que a realidade histórica impõe e a compreensão dos fatores históricos que produziram e produzem a unidade dialética: realidade objetiva e realidade subjetiva. Deste modo, a conscientização possibilita observar todos os elementos que constituem a realidade e também perceber a “relação totalidade-parcialidade, tática-estratégia, prática-teoria” (Freire 1979, p. 73).

Só quando entendemos a “dialética” entre a consciência e o mundo, isto é, quando soubermos que não temos uma consciência aqui e o mundo ali, ao contrário, as duas coisas, a objetividade e a subjetividade são encarnadas, dialeticamente, poderemos entender o que é conscientização e entender o papel de consciência na libertação do homem (FREIRE, 1979, p. 33).

Tomar consciência, para Freire (1987), significa também possibilidade de inserir-se no processo histórico como sujeito, uma vez que isso “inscreve” o ser humano na busca de sua própria afirmação. “Se a tomada de consciência abre o caminho à expressão das insatisfações sociais, se deve a que estas são componentes reais de uma situação de opressão” (Freire, 1987, P. 24). É possível observar que o autor caracteriza a tomada de consciência como uma condição para o desejo de deixar de ser oprimido e lutar pela liberdade. ”A consciência se reflete e vai para o mundo que conhece: é o processo de adaptação”. O homem é consciente e, na medida em que conhece, tende a se comprometer com a própria realidade e buscar a mudança (FREIRE, 1987, p. 39).

O conceito de conscientização, assim, como sugere o autor em estudo, representa, então, o processo pelo qual os indivíduos (sujeitos) tomam consciência de si e do mundo a partir de uma relação dialógica com o outro e com o meio onde estão vivendo (realidade). Desse modo, o processo de construção de uma concepção “consciente” de mundo, de ser humano e de sociedade, perpassa pela ideia de construir conhecimentos e saberes com o outro, isto é, construir ciência. O conhecimento, neste sentido, transforma-se em palavra e esta ajuda o homem a tornar-se humano e, por consequência, apropriar-se de uma nova linguagem que passa a ser cultura (Freire, 1987).

FREIRE (2011) lembra, ainda, que a conscientização perpassa pela busca da consciência crítica e, subsequentemente, por processos reflexivos questionadores, o

que implica ter uma visão concerta da realidade. Para compreender melhor em que consiste a consciência crítica, e por evidência, a própria conscientização, destaca-se as principais características da primeira. Assim, as principais características da consciência crítica são:

1. Anseio de profundidade na análise de problemas. Não se satisfaz com as aparências. Pode-se reconhecer desprovida de meios para análise do problema.

2 Reconhecer que a realidade é mutável.

3. Substitui situações ou explicações mágicas por princípios autênticos de causalidade.

4. Procura verificar e testar as descobertas. Está sempre disposta às revisões.

5. Ao se deparar com um fato, faz o possível para livrar-se de preconceitos. Não somente na captação, mas também na análise e na resposta.

6. Repele posições quietistas. É intensamente inquieta. Torna-se mais crítica quanto mais reconhece em sua quietude a inquietude, e vice- versa. Sabe que é na medida que é e não pelo que parece. O essencial para parecer algo é ser algo; é a base da autenticidade.

7.Repele toda transferência de responsabilidade e de autoridade e aceita a delegação das mesmas.

8. É indagadora, investiga, força, choca. 9. Ama o diálogo, nutre-se dele.

10. Face o novo, não repele o velho por ser velho, nem aceita o novo por ser novo, mas aceita-os na medida em que são válidos (FREIRE, 2011, p. 53-54).

O que se pode perceber é que a consciência crítica caracteriza-se pela percepção e análise de problemas. Para tanto, é necessário que haja um processo de reconhecimento dos mesmos. Nota-se, também, que a consciência crítica exige uma relação consciente entre sujeito do conhecimento e objeto a ser observado, analisado e conhecido. A consciência crítica, ao analisar a realidade sem preconceitos, pressupõe uma postura despida de olhares e conclusões precipitadas, assim como, de espírito investigativo, reflexivo e crítico. Sendo assim, pode-se dizer que a consciência crítica somente acontece quando há um processo educativo de conscientização.Se conscientizar significa despertar consciência para a realidade circundante, a tomada de consciência, por sua vez, resulta do confronto do homem com o mundo onde a realidade concreta de fato se objetiva (FREIRE apud VASCONCELOS, 2010).

Diante do que se vem abordando, pode-se evidenciar que em Freire, a conscientização se configura como um método pedagógico de libertação, uma vez que ela possibilita apreender novos jeitos de observar e compreender a realidade, a partir das relações estabelecidas em uma sociedade de classes. A conscientização corresponde, também, à passagem de uma visão simplificada para uma visão

complexa. Compreendendo-se que tudo aquilo que é complexo é contraditório. Diz respeito, ainda, a uma metodologia que, pelo fato de fazer refletir, provoca no sujeito desejo de participar ativamente da vida da sociedade e, por isso, provoca desejo, bem como necessidade de mudança e de ser livre.

Tem-se como fundamento o acima exposto, assim se materializa a ideia de que a conscientização pode ser idealizada como uma categoria teórico- metodológica. Conforme concebe Paulo Freire, ela contribui no processo de produção de novos conhecimentos, compreendidos como compreensão dos modos que se organiza na sociedade de classes. Para além de expressão teórica, a conscientização constitui-se como possibilidade de ação, uma vez que a tomada de consciência leva os sujeitos à ação propriamente dita, ou seja, a práticas sociais que desejam e provocam mudança da ordem vigente. Observa-se que é na conscientização que Freire sustenta sua posição do qual o sujeito social, ao sentir- se parte da realidade, sente-se também comprometido com ela. Assim, vai fazer parte do próprio processo de mudança da sociedade e de construção de processos capazes de promover a liberdade humana (FREIRE, 2011).

Outro fator importante a ser destacado em relação ao conceito que estamos abordando, ou seja, a conscientização e ao processo de tomada de consciência, refere-se ao conceito de utopia. “Somente os utópicos podem ser proféticos e portadores de esperança”, pois a conscientização está diretamente ligada a utopia, uma vez que esta, ao exigir conhecimento crítico, significa “o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão a utopia é também um compromisso histórico” (FREIRE, 2201, p. 32).

A conscientização está devidamente ligada à utopia, implica em utopia. Quanto mais conscientizados nos tornamos, mais capacitados estamos para ser anunciadores e denunciadores, graças ao compromisso de transformação que assumimos (FREIRE, 2001, p. 32-33).

Diante do que se viu até aqui, não é difícil identificar que a participação dos sujeitos sociais é fruto de sua tomada de consciência. Assim, é verdade também, conforme argumenta Freire, que as práticas profissionais e sociais precisam passar por um processo de tomada de consciência. E, neste ponto, o autor lembra que o profissional social, mediatizado pela realidade e pela relação que estabelece com os sujeitos sociais, precisa dar-se conta de que,

Não pode reduzir-se ao nível de pura opinião”, simplificando os processos sociais. Mas se faz necessário avançar e alcançar o “saber” que permite a percepção da “essência da realidade”. Tal “movimento” só é

possível a partir da “indivisibilidade da reflexão e da ação da práxis humana(Freire,1979, p. 55).

Se por um lado, acompanhando o pensamento de Freire, pode-se fazer uma leitura, a qual permite observar a conscientização e, ato contínuo, a tomada de consciência como conceitos teórico-metodológicos capazes de provocar as pessoas à participação. Por outro lado, o não estar consciente pode significar a não- participação, o não-desejo por liberdade e por mudança, uma vez que isto implica diretamente na possibilidade de a pessoa, não conhecendo a realidade em que vive, o mundo, a sociedade moderna, digitalizada, de economia e relações sociais informatizadas. Por isso, não se sentirá a ela pertencente, nem mesmo um ser que tem o direito de se sentir e ser livre. Neste processo de análise e reflexão acerca da obra de Paulo Freire, na perspectiva de observar as práticas educacionais e suas contribuições na construção e consolidação da cidadania, a liberdade constitui-se como o próximo conceito a ser investigado. Ressalta-se, contudo, que a concepção de prática profissional, bem como sua relação com os processos de tomada de consciência e de compromisso político, conforme concebidos por Paulo Freire, são temáticas que serão abordadas no próximo capítulo.