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Paulo Freire e as Exigências para uma Prática Profissional

CAPÍTULO III PAULO FREIRE E AS PRÁTICAS EDUCACIONAIS: UMA

3. PRÁTICA EDUCACIONAL EM PAULO FREIRE

3.1 PAULO FREIRE E A PRÁTICA PROFISSIONAL TRANSFORMADORA

3.1.1 Paulo Freire e as Exigências para uma Prática Profissional

O exposto exige que mais uma vez se faça uma retomada acerca da concepção freireana de prática profissional. Freire (1979) ao conceber a prática como práxis, em nenhum momento a dissocia da teoria. Práxis não é a prática pela prática, mas a ação reflexiva sobre a prática: ação-reflexão-ação. Sendo assim, pode-se observar que a principal contribuição do autor às diferentes práticas profissionais está na própria concepção de prática que o profissional possui, ou deveria possuir. Todo o profissional que trabalha com o povo, nas diferentes áreas do saber, são educadores. Daí a prática profissional como instrumento de educação, de conscientização, de mudança e de possibilidade de construção e consolidação da emancipação política e por consequência da cidadania. É por isso que Freire lembra que primeiro o profissional conscientiza-se e emancipa-se e depois contribui para a conscientização e emancipação do outro.

A ideia de educação e de educador concebidas e defendida por Paulo Freire (1989) também contribui com as práticas profissionais. A “educação problematizadora” é aquela fundamentada na criatividade e reflexão. Ela provoca diálogo porque se vê como processo e instrumento de conscientização e de construção de uma sociedade sem opressores e oprimidos. Pressupõe, além de uma relação dialógica e politizadora, uma relação de liberdade e de respeito entre os diferentes saberes, tanto do profissional quanto do sujeito com quem e para quem ele trabalha. O diálogo, nesta lógica de pensamento, provoca emancipação. É a partir disso que se pode observar o “peso” teórico-prático que os conceitos e a prática profissional possuem em Paulo Freire.

Este modo de pensar faz com que o educador, com “claridade política”, tenha “autoridade” para propor e fazer entender que todas as práticas profissionais podem contribuir com o processo de emancipação política, o qual pressupõe acesso aos direitos de cidadania: educação, habitação, trabalho, saúde, previdência social e amparo assistencial. Isso, dito de outra forma, significa que todos têm direito à liberdade, à igualdade e à dignidade humana.

Na teoria de Paulo Freire as palavras não são meros vocábulos, mas como instrumento de comunicação são conceitos teórico-práticos em permanente construção e se materializam no coletivo. Este modo de pensar e “ler o mundo” fazem com que o educador conceba o diálogo como fonte de produção de

conhecimento e como instrumento de formação de seres humanos em constante processo de humanização. “É porque amo as pessoas e amo o mundo que brigo para que a justiça social se implante antes da caridade” (Paulo Freire). Esta expressão evidencia que o autor é movido pelo desejo de que os homens sintam-se sujeitos, seres autônomos. Também, que busquem ”ser mais” e não indivíduos que, por “não saber” ler o mundo – a realidade – vivam a partir da caridade, ou seja, sem se sentir no mundo e parte do mundo.

Da mesma forma, observa-se que as práticas profissionais e sociais também precisam passar por um processo de “tomada de consciência”, uma vez que o profissional, também, mediatizado pela realidade e pela relação que estabelece com os sujeitos sociais. Desta forma, precisa dar-se conta de que seu fazer “não pode reduzir-se ao nível de pura opinião”, simplificando os processos sociais. Contudo, faz-se necessário avançar e alcançar o “saber” que permite a percepção da “essência da realidade”, sendo que tal “movimento” só é possível a partir da “indivisibilidade da reflexão e da ação da práxis humana” (Freire, 1979).

Aqui, é viável retomar ao livro Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa (1996), em função da forma como Paulo Freire aborda a temática educacional. Ele se constitui em um referencial teórico que se pode sugerir uma atenta leitura a todos profissionais. Freire, de forma clara e objetiva, ao mesmo tempo em que mostra tudo o que o ato de “ensinar exige”, provoca o educador para uma autorreflexão acerca de sua prática política. Na obra, o autor diz que ensinar exige: rigorosidade metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos educandos, criatividade, estética e ética. Bem como, corporeificação das palavras pelo exemplo, risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação. Assim como, reflexão crítica sobre a prática e o reconhecimento e a assunção da identidade cultural.

Nota-se evidentemente que, para uma melhor compreensão do que se está abordando, talvez fosse necessário dissertar sobre todas as exigências acima elencadas. Contudo, mesmo sem fazer isso, é possível observar e destacar a importância que cada uma delas possui no processo de educação, uma vez que Freire as coloca no lugar e na condição de conceitos de fácil compreensão. Para ensinar é necessário que o educador, sendo ele professor ou não, antes se aproprie de saberes necessários à prática educativa, construindo acerca dos mesmos uma concepção dialética e compreenda o sentido e o significado político dos mesmos.

Primeiramente, na própria vida, para que seja possível compreendê-los e concebê-los a partir daquilo que os conceitos vão significar e representar para o outro. Isso faz perceber a insistência do autor em relação à ideia de que o conhecimento é algo de que se adquire “com ciência” e com o outro. Isto é, nas relações dialógicas que as pessoas estabelecem entre si e com o meio onde vivem, sendo mediatizadas pelo amor que sentem umas pelas outras.

Faz-se necessário observar que ao falar de amor ou de relação amorosa, o autor não o faz de forma simplificada ou ingênua. Aliás, chama atenção de seu leitor para esta questão. No decorrer de sua obra, por várias vezes, declara-se apaixonado pela humanidade e movido por um profundo amor por ela. Também, deixa claro que as pessoas necessitam ser humanizadas e educadas para a solidariedade humana. Ou seja, evidencia-se que Freire não desconhece os limites e a inconclusão humana. Muito pelo contrário, conhece-as e sugere o que fazer para superá-las. Talvez seja por isso que ele aposta no diálogo e na educação como instrumentos de humanização e de solidariedade.

A contribuição freireana vai além. Afirma que ensinar não é transmitir conhecimento. O educador em estudo lembra que no exercício profissional, aquele que está no lugar de “quem ensina”, deve ter consciência do inacabado, assim como ter respeito à autonomia do ser do educando. Ter bom senso, humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores. Precisa ainda ter capacidade de apreensão da realidade alegria, esperança e convicção de que a mudança é algo difícil, mas possível. Somente quem está convencido disso ensina com liberdade e paixão, sustenta Freire.

Partindo do pressuposto freireano de que o educador “deve” ser alguém que fundamenta sua pedagogia na ética e no respeito, bem como à dignidade e à autonomia do educando, sentindo-se e assumindo-se como sujeito sócio-histórico e cultural do ato de conhecer. Também, na crença de que o testemunho prático (exemplo) move e contribui para a formação de pessoas humanizadas e solidárias. Observa-se que, munido ainda de sensibilidade, alegria e sonhos, o educador, a educação e o ato de educar não é o que acontece “apenas” no espaço da escola. Constituem-se em processos políticos educativos presentes em todas as relações sociais, protagonizadas por todas as pessoas, e, delas são resultantes os processos de conscientização e a emancipação política, os quais são pressupostos da cidadania.

Desta forma, a educação para a humanização e para a solidariedade, assim como para a existência e consolidação da cidadania, a partir da existência de um povo “consciente” e emancipado politicamente são processos que podem ser provocados e produzidos por profissionais de várias áreas do saber. Obviamente que para isso acontecer é preciso que haja compromisso político do profissional com a sociedade. O profissional é comprometido quando se sente protagonista, pois o comprometimento perpassa pela ação e reflexão do ser; pela conscientização: sentir-se no mundo. É por isso que somente um ser histórico – sujeito – é capaz de comprometer-se (FREIRE, 2011).

Faz-se necessário retomar aqui o pensamento de Freire, em relação à neutralidade ou não-neutralidade, uma vez que para o autor, comprometido é o profissional que não é neutro e não vê seu fazer com neutralidade, mas se sabe e se sente “ser político” porque educar é um ato político. O verdadeiro compromisso profissional é o compromisso com a solidariedade (FREIRE, 2011).

O verdadeiro compromisso do profissional com a sociedade diz respeito, primeiramente, pelo compromisso consigo mesmo, pois “antes de ser profissional, é homem” e o homem deve ser comprometido consigo mesmo (FREIRE, 2011, p. 23). Quanto mais capacitado profissionalmente o homem é, mais compromisso cultural ele tem. E cultura se constitui como patrimônio de todos. Compromisso é práxis, é inserção e conhecimento da realidade e é válido quando carregado de humanismo e quando fundado cientificamente.

No livro Educação e Mudança, Paulo Freire articula a prática educativa ao trabalhador social, desmistificando a ideia de que educador é somente o professor, mesmo este sendo educador por excelência. Ao trabalhador social, Freire faz algumas advertências, pois considera educadores, uma vez que trabalham essencial e especificamente com “gente”, ou seja, suas ações são desenvolvidas a partir da relação que estabelecem com os sujeitos sociais.

Ao tratar do papel do trabalhador social no processo de mudança, Paulo Freire diz que o mesmo precisa fazer uma opção política em relação à sua prática, uma vez que se declarar politicamente neutro já significa optar pela “antimudança”; ao passo que fazer uma opção política significa (não impor vontades e verdades), mas compreender que isso determina concepções e metodologias de trabalho. Até por que as metodologias, ou técnicas de trabalho, para Freire tem sentido quando provocam/produzem promoção humana. O trabalhador social precisa ainda ver que

a estrutura social é obra dos homens, o que significa que a transformação social também será obras dos homens e que a esperança crítica move os homens para a transformação (FREIRE, 2011).

Freire lembra ainda que a mudança social não é e não pode ser trabalho de alguns, mas de quem a escolha e politicamente opta por ela. Em relação a isso afirma:

O papel do trabalhador social que opta pela mudança, num momento histórico como este, não é propriamente o de criar mitos contrários, mas o de problematizar a realidade aos homens, proporcionar a desmistificação da realidade mitificada (FREIRE, 2011, p. 71).

Desta forma, pode-se observar que, para Freire educadores são todos aqueles que desenvolvem práticas profissionais junto aos sujeitos sociais. E, que toda e qualquer prática educacional exige que se faça uma opção política, uma vez que o não fazer já se constitui como uma prática que opta pela manutenção da ordem vigente.