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Cidadania e práticas educacionais: uma leitura a partir da obra de Paulo Freire

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Academic year: 2021

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Departamento de Ciências Administrativas, Contábeis, Econômicas e da Comunicação

Departamento de Estudos Agrários Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO

LUCINEIDE ORSOLIN

CIDADANIA E PRÁTICAS EDUCACIONAIS: UMA LEITURA A PARTIR DA OBRA DE PAULO FREIRE

Ijuí (RS) 2013

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LUCINEIDE ORSOLIN

CIDADANIA E PRÁTICAS EDUCACIONAIS: UMA LEITURA A PARTIR DA OBRA DE PAULO FREIRE

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado) em Desenvolvimento, área de concentração: Direitos Humanos e Desenvolvimento, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimetno.

Orientador: Professor Dr. Daniel Rubes Cenci

Ijuí (RS) 2013

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O76c Orsolin, Lucineide.

Cidadania e práticas educacionais : uma leitura a partir da obra de Paulo Freire / Lucineide Orsolin. – Ijuí, 2013. –

104 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Desenvolvimento.

“Orientador: Daniel Rubens Cenci”.

1. Educação. 2. Cidadania. 3. Práticas educacionais. 4. Emancipação. I. Cenci, Daniel Rubens. II. Título. III. Título: Uma leitura a partir da obra de Paulo Freire.

CDU: 37.01 37.013 371.4FREIRE Catalogação na Publicação

Tania Maria Kalaitzis Lima CRB 10 / 1561

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

C CIIDDAADDAANNIIAAEEPPRRÁÁTTIICCAASSEEDDUUCCAACCIIOONNAAIISS::UUMMAALLEEIITTUURRAAAAPPAARRTTIIRRDDAA O OBBRRAADDEEPPAAUULLOOFFRREEIIRRE E elaborada por LUCINEIDE ORSOLIN

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Daniel Rubens Cenci (UNIJUÍ): _________________________________________

Prof. Dr. Cenio Back Weyh (URI/SA): ___________________________________________

Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): ________________________________________

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A meus pais, Virgínio e Lourdes, que, mesmo sem escolaridade, com lucidez e Graça, do alto de sua sabedoria, educaram seus filhos sempre valorizando os estudos acadêmicos, e por isso me fazem, agora, Mestre.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao orientador do meu Projeto de Dissertação, Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin, que com sua peculiar lucidez, atenção, cordialidade de sempre e troca de idéias, oportunizou (re)organizar minha primeira proposta de investigação e com isso aprofundar a temática em discussão.

Meu agradecimento especial ao Prof. Dr. Daniel Rubens Cenci, que, ao assumir minha orientação, com atenção, dedicação e despreendimento, me provocou a reflexões que, mesmo não estando todas no corpo do texto, me fizeram e fazem pensar a Cidadania e as Práticas Educacionais, a partir de Paulo Freire, com muito mais crítica e desejo de aprofundar tão instigante assunto.

Ao Prof. Dr. Cênio Back Weyh, que tenho o prazer e o privilégio de conhecer, a partir de suas contribuições na Banca Avaliativa, por sua disponibilidade.

A todos os professores do Programa de Pós-Graduação do Mestrado em Desenvolvimento da UNIJUÍ, especialmente aos professores Darcísio Corrêa, Doglas Cesar Lucas, Gilmar Antonio Bedin, Daniel Rubens Cenci e Argemiro Brun, pelos debates e reflexões que provocaram, bem como por seu comprometimento com o processo de qualificação teórico-metodológica dos alunos do Programa de Mestrado.

Aos colegas do curso de mestrado, pelos debates, trabalhos em grupo, parcerias, trocas de experiências, longas e exaustivas, mas nunca cansativas discussões, por me fazerem colocar em dúvida minhas “convicções” e, a partir disso, me proporcionar a incomparável e inesquecível oportunidade de “aperfeiçoamento” acadêmico, assim como de desenvolvimento humano-pessoal.

Meu agradecimento mais que especial à amiga, colega de trabalho e de Curso de Mestrado, Frida Dinareli, pelas “provocações”, discussões, socialização das

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viagens, dificuldades, companheirismo, amizade, e sobre tudo esperança em dias melhores...

À Márcia Cerdote, uma colega e amiga que conheci e conquistei no mestrado, pelo aprendizado acadêmico, por seu despreendimento e atenção de sempre.

À Janete, secretária do Curso de Mestrado em Desenvolvimento, por mostrar-se constantemente prestativa, e pela simpatia de mostrar-sempre. À Elisa, pela atenção e cordialidade.

Aos meus familiares, pela torcida, apoio, força, incentivo, credibilidade e orações de sempre. Sem cada um e cada uma de vocês, a tia Nene não estaria “onde está”, nem seria “quem é”.

À Néinha que, sempre “na parceria”, talvez nem imagine o quanto sua compania, sorriso, bom humor, incentivo, admiração, jeito de dizer/chamar “Tiaa”, me alegram e deixam feliz. “NÉ”, eu não seria “Mestre” sem tua contribuição. Agradeço também as “minhas sobrinhas” que, fazendo compania à sua amiga, me permitiam sair para estudar com tranquilidade.

Ao mais simpático e elegante ”Gordito” que conheço, porque sempre torceu e acreditou na “Tia Nene”.

Aos queridos amigos Luciéli e Jardel, faço um agradecimento cujas palavras não são capazes de dizer o quanto contribuíram comigo, mas que mesmo assim ouso falar: MUITO OBRIGADA! Vossa acolhida mostra que a vida sempre nos reserva encontros e contatos com pessoas sinceras, prestativas, simpáticas, fiéis, incomparáveis, inesquecíveis e dispostas a contribuir com o outro. Á pequena Lavínia, pelos lindos e inesquecíveis sorrisos, e pela simpatia.

Aos meus colegas de trabalho da URI, pelo incentivo e apoio de sempre, assim como pela torcida e desejos de sorte e felicidades. À Aline pela torcida e por acreditar em mim. Às colegas Luci, Lizandra e Carmem, porque seus gestos e palavras me fazem ser mais feliz no trabalho e na vida.

Aos meus alunos e alunas da URI/SLG, pela torcida e compreensão. Sou feliz porque são exatamente vocês que me fazem professora!

Ao Leonardo, meu “assessor para assuntos tecnológicos”, pela contribuição “metodológica”, discussões teóricas e pelos bem humorados e-mails que trocamos.

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É porque amo as pessoas e amo o mundo, que eu brigo para que a justiça social se implante antes

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RESUMO

A presente dissertação, que se constitui em uma pesquisa bibliográfica, destaca as principais contribuições de Paulo Freire relacionadas ao processo de construção e consolidação da cidadania, e faz isso a partir de práticas educacionais que, criticamente e de forma teórico-prática, pensam e dialogam com os conceitos de conscientização, emancipação, politização, educação e liberdade, os quais exigem, por parte do profissional educador, que sejam materializados. Este processo, refletido e articulado a um só tempo com os aspectos históricos e teóricos da cidadania, considerando seus princípios fundamentais, alicerçados na liberdade, igualdade e dignidade humana, bem como com os conceitos freireanos de mudança, compromisso com a mudança, profissional progressista, prática educativa e prática profissional transformadora, catarcteriza-se, ao perpassar também pela construção histórica da cidadania no Brasil, tanto em seu período anterior, quanto posterior a Constituição Federal de 1988, como um desafio histórico que aponta para movimentos de avanços e recuos em sua construção e consolidação. Tal processo, articulado ao desejo humano de ser mais e a clareza ideológica de que é preciso fazer uma opção política, destaca a necessidade de práticas profissionais e sociais comprometidas com a mudança. A síntese das principais contribuições de Paulo Freire, a partir de uma perspectiva de práticas que educam, concebidas como ações possíveis para a construção e consolidação da cidadania, constitue-se como tema central desta dissertação.

Palavras-chave: Cidadania. Emancipação. Educação. Conscientização. Práticas Educacionais.

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ABSTRACT

This dissertation highlights the main contributions of Paulo Freire related to the process of construction and consolidation of citizenship, doing this from educational practices that critically and in a theoretical-practical way, think and interact with the concepts of awareness, empowerment, politicization , education and freedom, which require, by the professional educator, which are materialized. This process reflected and articulated at the same time with the historical and theoretical aspects of citizenship, considering its fundamental principles, grounded in freedom, equality and human dignity, as well as with Freire's concepts of change, commitment to change, professional progressive, educational practice and professional transformative practice, characterized, to pervade also the historical construction of citizenship in Brazil, both in its earlier period, as later the Federal Constitution of 1988, as a historic challenge that points to moves forward and back in its construction and consolidation. This process, articulated the human desire to be more and ideological clarity that is necessary to make a political choice, highlights the need for professional and social practices committed to the change. A summary of the main contributions of Paulo Freire, from a practical perspective that educate, conceived as possible actions for the construction and consolidation of citizenship, constitute the central theme of this dissertation.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO I - ASPECTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS DA CIDADANIA ... 14

1.1 CIDADANIA E SEUS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS: DIGNIDADE HUMANA, LIBERDADE E IGUALDADE ... 24

1.1.1 Dignidade Humana ... 25

1.1.2 Liberdade ... 27

1.1.3 Igualdade ... 28

1.2 ALICERCES HISTÓRICOS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA ... 30

1.3 CIDADANIA NO BRASIL: CONSTRUÇÃO HISTÓRICA ... 32

1.3.1 Cidadania no Brasil Pós Constituição Federal de 1988 ... 40

1.4. CIDADANIA EM PAULO FREIRE ... 43

CAPÍTULO II - CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE SOBRE: CONSCEIENTIZAÇÃO, LIBERDADE, EDUCAÇÃO EMANCIPAÇÃO E CIDADANIA ... 46

2. PAULO FREIRE: ASPECTOS GERAIS DE SUA OBRA ... 46

2.1 CONSCIENTIZAÇÃO E LIBERDADE EM PAULO FREIRE ... 53

2.1.1 Conscientização em Paulo Freire ... 53

2.1.2 Liberdade em Paulo Freire ... 57

2.2. EDUCAÇÃO, EMANCIPAÇÃO E CIDADANIA EM PAULO FREIRE ... 60

2.2.1 Educação em Paulo Freire ... 61

2.2.2 Paulo Freire e a Emancipação ... 64

2.2.3 Conceito de Cidadania em Freire ... 67

CAPÍTULO III PAULO FREIRE E AS PRÁTICAS EDUCACIONAIS: UMA PROPOSTA DE EMANCIPAÇÃO ... 70

3. PRÁTICA EDUCACIONAL EM PAULO FREIRE ... 70

3.1 PAULO FREIRE E A PRÁTICA PROFISSIONAL TRANSFORMADORA ... 79

3.1.1 Paulo Freire e as Exigências para uma Prática Profissional Transformadora ... 83

3.2 PRÁTICAS EDUCACIONAIS E CIDADANIA EM FREIRE ... 87

3.2.1 Paulo Freire e a Prática Educativa que Gera Cidadania ... 89

3.3 PAULO FREIRE, AS PRÁTICAS EDUCACIONAIS E A CIDADANIA ... 94

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 98

REFERÊNCIAS ... 101

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INTRODUÇÃO

A produção de novos conhecimentos do ponto de vista acadêmico demanda uma análise metódica, perpassando por um processo de buscas, reflexões e observações criteriosas, acerca do já produzido em relação à temática a ser investigada. O tratamento que se dá ao tema em estudo é um recorte da literatura nos aspectos históricos e teóricos do processo de construção e consolidação da cidadania, objetivando resgatar a trajetória humana de construção teórico-prática deste conceito, articulando o mesmo às contribuições de Paulo Freire no que tange sua prática educativa.

A partir desta opção, faz-se necessário dizer que os conceitos constituem-se em um conjunto de ideias que se pretende estudar e compreender a realidade a partir da própria realidade. Ou seja, sua materialidade somente pode ser apreendida, considerando as questões pertinentes à própria agenda de estudos, a sua compreensão, bem como a relação concreta com as possibilidades de sua materialização.

É importante ressaltar que toda e qualquer tentativa de reconstrução de processos históricos, seja ela elaborada de forma complexa, ou não, constitui-se em uma tarefa difícil, incompleta e inconclusa. Isto, por tratar-se de processos históricos construídos dialeticamente, por pessoas que se movem de acordo com suas crenças, concepções, descrenças, convicções, verdades, inverdades, virtudes e limitações.

Nesse sentido, o conceito de cidadania, conforme se pretende tratar ao longo desta produção, não foge à regra, tanto por sua complexidade, quanto por sua evolução histórica e condição de conceito sempre em construção. Não possui uma concepção precisa e unânime, produzindo-se e reproduzindo-se, portanto, de acordo com diferentes teorias e práticas desenvolvidas por diferentes sociedades nas diferentes épocas históricas.

Identificar as principais contribuições de Paulo Freire em relação às práticas educacionais, no processo de construção e consolidação da cidadania e dar visibilidade aos fundamentos teórico-metodológicos dos conceitos educação, cidadania, liberdade, conscientização e emancipação, configura-se como uma investigação que exige olhar atento a um só tempo para o significado atual dos conceitos e as condições históricas em que foram produzidos e reproduzidos.

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Considera-se que os mesmos resultam dos diferentes e contraditórios movimentos que a humanidade faz, de modo especial, no que tange os avanços e recuos em relação à sua concepção de ser humano e de vida em sociedade.

Para a produção de novos saberes, neste campo, faz-se aqui, primeiramente, uma busca pela origem do conceito cidadania. Para tanto, perpassa-se por sua trajetória histórica procurando seus sinais mais remotos e por seus aspectos históricos e teóricos. Dá-se ênfase a seus princípios fundamentais: liberdade, dignidade humana e igualdade. São observados, ainda, os alicerces históricos de sua construção e faz-se uma abordagem acerca do processo histórico de construção da cidadania no Brasil, observando os períodos antes e pós Constituição Federal de 1988.

Há destaque, ainda, para o que se compreenda por cidadania em Paulo Freire para que, em um segundo momento, possa observar sua concepção de cidadania e a partir dela sua contribuição às práticas educacionais, no sentido da sua construção e consolidação.

As contribuições de Paulo Freire sobre conscientização, liberdade, educação, emancipação e cidadania perpassam por uma sistematização acerca do que o autor concebe por cada um dos conceitos. Destacam-se os aspectos gerais de sua obra no sentido de compreender de que lugar o autor fala - seu compromisso histórico de educador progressista - e de quem concebe a educação como ato eminentemente político.

Em Paulo Freire e as práticas educacionais: uma proposta de emancipação, ao conceituar prática educacional e suas exigências de concepção e de clareza política, procura-se destacar quem o autor compreende como educador progressista e comprometido com “o que faz”. Destaca-se as contribuições de Freire quanto o coompromisso político que o ato de educar exige, bem como o processo de mudança. As práticas educacionais em Freire ganham sentido e significado à medida que podem e devem ser instrumento de conscientização, liberdade e emancipação, elementos indispensáveis para a construção e consolidação da cidadania.

As concepções de Paulo Freire acerca de cada conceito trabalhado, assim como de prática educativa são tomados e articulados à ideia de que o autor é considerado um dos maiores educadores e intelectuais brasileiro. E, a partir de sua prática e de sua obra, deixa um legado histórico capaz de contribuir para com o

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desenvolvimento de práticas educativas que objetivam trabalhar na perspectiva de construção e consolidação da cidadania.

Articular o conceito de cidadania às práticas educacionais de Freire constitui-se em uma proposta reflexiva que deconstitui-seja olhar as práticas profissionais para além de seu fazer teórico-metodológico. Isto é, objetiva problematizar as diferentes concepções ético-políticas dos diferentes “fazeres” profissionais, para que a partir delas haja uma profunda compreensão acerca da concepção individual de cada profissional, bem como da categoria profissional, em relação a sociedade, ao ser humano e a profissão propriamente dita.

Neste processo considera-se ainda a transitoriedade e as contradições da realidade, pois são frutos das relações econômicas, sociais, ambientais, culturais, religiosas, políticas, interpessoais, trabalhistas e afetivas, que as pessoas a partir de sua inconclusão humana estabelecem. A inconclusão humana, segundo Paulo Freire, existe porque o homem sempre busca ser mais – desenvolver-se: humanamente, afetivamente, emocionalmente, espiritualmente, psicologicamente e socialmente.

O compromisso profissional, neste sentido, perpassa primeiramente pela clareza ideológica que o profissional deve ter. Ele precisa compreender o sentido e o significado dos conceitos que operacionaliza, bem como dos preconceitos que os envolve, para que, a partir de uma prática consciente, saiba identificar se seu fazer profissional provoca mudança ou a simples manutenção da ordem vigente.

Práticas educacionais que geram mudança, somente são possíveis quando há compromisso teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo do profissional com os sujeitos com quem atua, com a sociedade e com a profissão pela qual optou. É a partir disso, (e sem isso não há como), diz Paulo Freire, que o profissional-educador conscientiza, politiza e contribui no processo de construção e consolidação da cidadania.

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CAPÍTULO I - ASPECTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS DA CIDADANIA

Neste capítulo, a partir de uma trajetória histórica acerca do processo de construção e consolidação do conceito de cidadania, procura-se buscar ao longo do processo civilizatório, elementos que possam indicar a existência de cidadania, e, então, considerando o que se “encontrou”, construir um conceito de cidadania.

Inicialmente cidadania pode ser concebida como o exercício de direitos e deveres; como vida digna; participação política em determinado processo social; como espaço político comum onde cada indivíduo pode viver e se realizar com igualdade, a partir de sua participação; entre outras definições. Isto é, trata-se de uma concepção política do ser humano e sociedade que, a um só tempo, acredita na vida digna, na participação social e na igualdade. Contudo, nem sempre foi assim. Tampouco, é assim.

Ao estudar a trajetória histórica acerca do processo de construção da cidadania, pode-se observar que antes de ter o sentido e o significado político que ela tem, ou que possa ter, a mesma é fruto de uma construção humana. E, justamente por ser humana constitui-se em uma experiência por si só inconclusa, sempre aberta, sempre em construção.

O conceito de cidadão, do qual mais tarde deriva o termo e também o conceito de cidadania, tem sua origem na Grécia Clássica, ainda nos séculos V e IV a.C. Pode-se dizer, assim, que os gregos plantaram as próprias raízes da cidadania. Todavia, como a universalidade não fazia parte da cidadania grega, esta pertencia à esfera pública, sendo que a privada estava a ela subordinada. Já o status de cidadania relacionada a direitos e deveres e a “res pública” – coisa pública, república – tem origem romana (CORRÊA, 2010).

Darcísio Corrêa (2010), na obra: Estado, Cidadania e Espaço Público: as

contradições da trajetória humana, por meio de uma averiguação

histórico-sociológica dos fundamentos e da evolução da cidadania, ao fazer um resgate da trajetória humana, no sentido de buscar as origens e os fundamentos da cidadania, faz uma longa viagem. Bem como, visita os processos históricos e, por isso contraditório, de construção da cidadania. Busca os mais remotos pensadores e obras literárias publicadas acerca do tema.

Na busca pelas raízes da cidadania, tem por base a ideia de que os valores, ou princípios éticos da cooperação e solidariedade se constituíram – ou se constituem - como pressupostos originários da cidadania e do espaço público. O

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referido autor destaca a organização social das comunidades primitivas em formação, ao longo da Pré-História, para observar se já, neste período, havia “condições necessárias características da democracia e da cidadania”. (Corrêa, 2010, p. 65). Neste momento da história humana ocorreu o processo de instituição da família e da religião, assim como o desenvolvimento da agricultura, do artesanato e a institucionalização do Estado. Vale lembrar que o surgimento do estado dá-se muito mais por necessidades militares, em função das invasões de outros povos, mais do que por questões ou concepções políticas de soberania.

Os fatores mencionados provocaram um célere processo de urbanização. Transformaram as aldeias em cidades populosas, ainda no final do Período Neolítico. Este fenômeno faz existir a precisão de uma organização política da sociedade.

A partir disso, Corrêa, ao apropriar-se do que havia escrito (Aquino et al., 1982, p. 70), destaca:

Respeitadas as especificidades próprias da época em um grau de consciência bastante limitado, é possível falar em cidadania já no Período Neolítico ao se colocar o foco central na solidariedade do grupo, presente desde a configuração dos primeiros agrupamentos humanos, antes mesmo do período de sedentarização. No longo processo em que o homem dedicou-se gradativamente a construir seu próprio mundo, dando nova forma ao que encontrava na Natureza, a comunidade primitiva adotava o regime de propriedade coletiva dos meios de produção. Todos se sentiam iguais no processo de transformação e de apropriação dos bens da Natureza: lagos, rios e florestas eram considerados propriedade de todos (AQUINO apud CORRÊA, 2010, p.73).

É importante enfatizar a advertência que o autor faz ao mencionar a possibilidade de falar em cidadania, ainda no Período Neolítico. Ele se refere especificamente às questões da solidariedade e de que “todos se sintam iguais no processo de informação e apropriação dos bens da natureza”. Sendo assim, não se trata de um conceito ou de uma noção de cidadania conforme podemos conceber atualmente. Corrêa salienta o processo humano de construção do mundo, para além daquilo que a natureza oferecia ao homem. Em relação a isso, também aborda sobre solidariedade e primeiros fundamentos de cidadania. Por outro lado, não se pode ignorar que, mesmo havendo nas Sociedades Primitivas a presença de um embrião de organização social, política e democrática e esses elementos servirem de fonte para a democracia moderna, ocorre nesse período, um processo em que a convivência democrática “foi sendo gradativamente substituída pela dominação de

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um indivíduo ou um grupo de indivíduos imposta a seus pares pela força, passando a fonte do ordenamento jurídico a ser privatizada” (CORRÊA, 2010, p. 81).

Ainda, conforme destaca Corrêa (2010, p. 92-102) é possível notar que na civilização do Antigo Egito instituiu-se uma forma de governo monárquico de origem divina. O próprio soberano era considerado um deus e o despotismo imperialista dos Faraós era legitimado pela ideologia religiosa. Também, todas as civilizações/sociedades analisadas apresentavam estratificação social e um dos principais fatores das desigualdades sociais constituia-se na posição religiosa privilegiada da nobreza, que monopolizava certas práticas rituais. Observa-se, ainda, que na sociedade hebraica, considerada “povo escolhido de Deus”, as desigualdades sociais eram altamente visíveis.

O exposto permite compreender que durante o Período Neolítico, às primeiras civilizações, a cidadania era concebida, conforme o autor em destaque, “como um processo de construção do espaço público de vida digna para todos os cidadãos que integram uma organização político-estatal” (p.104). O que prevaleceu foi “uma certa ordenação familiar com base no espírito de solidariedade e de cooperação, mesmo que o senso de liberdade individual e a compreensão ética tenha sido incipiente”(CORRÊA, 2010, p.107).

A Grécia, com sua filosofia, instituiu a razão política. Deu-lhe “uma nova concepção de poder, substituindo a figura de um senhor onipotente por uma concepção mais abstrata da organização da vida comum, em que estão presentes a discussão e as regras coletivas” (Corrêa, 2010, p.122). Ali teve origem, também, o termo política, o qual derivou do termo polis, que concebia o homem como cidadão: indivíduos considerados iguais no plano político e por tanto titulares de direitos e deveres em relação à comunidade (CORRÊA, 2010, p. 112-129).

Nesta linha de raciocínio, Corrêa (2010, p. 124) cita dois autores: Nay (2007) e Roberts (2005). Para Nay, o primeiro modelo de cidadania surgiu em Esparta. Contudo, este modelo não surgiu sob a forma de democracia política, mas como forma de exercício militar e disciplina coletiva. Já, para Roberts (p.175-177), a origem de uma primeira estrutura de cidadania caracteriza-se pela consideração de cidadãos, como indivíduos que podiam comprar armas para integrar as fileiras dos

hoplitase. Lutar para defender sua herança. Mesmo diante da cidadania guerreira

dos espartanos, Atenas constitui-se como a cidade-Estado grega considerada o berço da cidadania.

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Convém, por fim, realçar que a cidadania, enquanto uma invenção da sociedade grega, apesar de influenciar profundamente a formação do pensamento ocidental, coloca toda a sua ênfase na comunidade política em desfavor da individualidade dos cidadãos, num modelo em que a comunidade prevalece sobre o indivíduo (CORRÊA, 2010, p. 128).

Entre todos os pensadores gregos, os quais não cabem citar aqui, ainda segundo Corrêa (2010), pode-se dizer que Aristóteles foi um dos principais teóricos da cidadania na Grécia clássica, uma vez que ele defendeu a polis como espaço de realização da felicidade de todos os seus integrantes. Por outro lado, há um equívoco Aristotélico. Ele se relaciona com a democracia, propriamente dita, pois a considerou que,

[...] somente um governo dos pobres, em contraposição à oligarquia, defendida como o governo dos ricos, pode assegurá-la. Com isso condiciona a existência da democracia ao contexto de uma sociedade estratificada em maioria de pobres e minoria de ricos e nobres, com as outras constituindo apenas variações suas (CORRÊA, 2010, p.179).

Em relação à cidadania romana, pode-se dizer que os cidadãos típicos eram camponeses com pequenas propriedades e que somente no século II a.C. é que se tornou comum a existência de grandes propriedades. Os donos viviam nas cidades e dependiam do trabalho escravo. À classe dos patrícios, formada por aristocratas e ricos proprietários, reservavam-se os cargos no Senado e na Magistratura, enquanto que aos plebeus, que formavam o povo comum, integrada por agricultores, artífices e comerciantes, o trabalho braçal. A cidadania, que a princípio era garantida aos camponeses, com direito a votar e de apelar às Cortes Judiciais, mas que tinham o dever de servir ao exército foi estendida, também, a pessoas que viviam fora dos territórios romanos originais (CORRÊA, 2010).

A Idade Média, com duração aproximada de mil anos, entre a Antiguidade clássica e o Renascimento, ou seja, entre os séculos X e XV, situa-se entre dois grandes períodos de progresso: o dos gregos e romanos e o das invenções modernas. Em termos de construção da cidadania, na Idade Média, como foi (e continua sendo) considerado o período das trevas, da escuridão e da ignorância, não houve avanços. Tanto pela dominação do poder civil e religioso, o qual não deixava resquícios para a liberdade individual, quanto pela forte desigualdade que havia no espaço das aldeias. Tudo o que se constitui como processo histórico se transforma. Portanto, não se pode deixar de destacar que durante o processo de decadência do feudalismo, o Estado nacional passa a se legitimar a partir de uma população que desenvolve o sentimento de pertencimento a “uma comunidade de

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destino”; a um território com fronteiras e a existência de um “governo soberano que reina sobre esse território” (CORRÊA, 2010, p. 296).

No que diz respeito aos elementos, ou principais pré-requisitos para a formação do conceito moderno de Estado, Corrêa (2010, p.336), utilizando-se do pensamento de Quentin Skinner (1996, p.616-620), relata que se constituíram nos seguintes: a esfera política tornou-se distinta da filosofia moral, uma disciplina independente enquanto ciência; as civitates italianas foram justificadas como independentes do Sacro Império Romano-Germânico; a contestação dos conceitos de jurisdição senhorial e eclesiástica, própria da lógica feudal da Idade Média, que contestava a estrutura dos direitos senhoriais defendendo a autoridade absoluta da Coroa; o reconhecimento de que a sociedade política existe exclusivamente para fins políticos, sendo que esta tese confirmou ao longo das convulsões religiosas da Reforma.

Outro olhar sobre a trajetória histórica dos processos de construção da cidadania se pode ter, a partir do trabalho de Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky (2010), no livro intitulado História da Cidadania. Os autores reservam a primeira parte da obra, denominada de Pré-História da Cidadania, para tratar, desde os Hebreus, passando pela Grécia, Roma, pelo Cristianismo e pelo Renascimento. Abordam antes de chegar às Revoluções Inglesa e Francesa e à Independência dos Estados Unidos da América. Também, destacam os principais fenômenos sociais, culturais, políticos, econômicos e éticos, que ao longo do processo civilizatório serviram como elementos de contribuição capazes de provocar movimentos de ruptura e, por consequência, de construção das primeiras noções de cidadania.

A trajetória histórica mostra que a humanidade ao avançar em relação á concepção de Estado, estende a mesma em relação às concepções políticas que envolvem a sociedade e o ser humano, portanto, em analogia a própria cidadania. Isso mostra que por se tratar de processo histórico, a cidadania foi sendo pensada, idealizada e vivenciada, entre movimentos de avanços e retrocessos, os quais efetivamente tomaram novas formas, direções e concepções políticas a partir do Estado Moderno.

A observação aos precedentes históricos da cidadania, no sentido de sua construção e efetivação, aponta para um processo de avanço a partir do Estado moderno. Maria da Glória Ghon (2005), na obra O Protagonismo da Sociedade Civil:

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na busca por esse conceito. Perpassa pela concepção liberal de cidadania e pelas concepções de cidadania coletiva, multicultural ou diferenciada, política, cosmopolita e planetária. A autora destaca os sentidos e significados do conceito em questão e o faz a partir de uma perspectiva crítico-reflexiva.

Assim, o pensamento de Ghon (2005) possibilita fazer uma primeira aproximação contemporânea ao conceito de cidadania, compreendendo-a como um processo que envolve uma complexa relação entre indivíduo e Estado.

O que irá definir a cidadania é um processo onde se encontram redes de relação, conjuntos de práticas (sociais, econômicas, políticas e culturais), tramas de articulações que explicam e ao mesmo tempo sempre estão abertas para que se redefinam as relações dos indivíduos e grupos com o Estado. O Estado é sempre elemento referencial definidor porque é sempre na esfera pública que se asseguram os direitos, da promulgação à garantia do acesso, e as sanções cabíveis pelo descumprimento dos direitos já normatizados e institucionalizados (GHON, 2005, p. 30).

Esta concepção de cidadania dá a ideia de que se está diante de algo para ser vivido no espaço das relações da sociedade: indivíduos, Estado e grupos sociais, e, que tal relação estabelece-se a partir dos direitos. Sendo assim, ao fazer uma busca pela origem dos direitos, se está buscando, também, conceituar a própria ideia de cidadania, sendo que o processo inverso também é verdadeiro, uma vez que os conceitos somente existem a partir de sua relação com outros.

Gohn (2005) refere que os direitos civis surgem com o advento do liberalismo no momento em que a cidadania tornou-se uma questão social. Tratava-se, portanto, de duas ordens de direito: os direitos naturais e imprescritíveis do ser humano: liberdade de pensamento e de expressão, igualdade perante a lei e direito à propriedade; e os direitos da nação, compreendidos como soberania nacional e separação dos poderes executivos, legislativo e judiciário. A Declaração dos Direitos do Homem de 1789 assegurou a propriedade como direito supremo, ou seja, como algo que está à cima de qualquer outro direito. Isso fez nascer o sujeito político burguês, o cidadão, que necessariamente deveria ser um proprietário. É por isso que se pode afirmar que naquele período a cidadania estava atrelada a propriedade privada. O exercício de direitos aqui está condicionado à propriedade e não ao foto de o sujeito ser membro ou participar da polis (cidade), como ocorreu na Grécia clássica.

Esta abordagem faz perceber que os direitos civis foram criados para o cidadão proprietário, condicionando assim a própria cidadania à propriedade, o que, em última análise, acaba por limitar o poder do Estado sobre o cidadão: e sua vida

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privada, uma vez que ele possui o direito à propriedade e, por consequência, o direito de pensar sua vida privada. Por outro lado, o povo que se constituía evidentemente na grande maioria da população, não era considerado cidadão porque não possuía propriedade privada.

A concepção liberal de cidadania, segundo Gohn (2005, p. 22), “trata os direitos como direitos contratuais onde as relações sempre contemplam reciprocidades: a cada direito corresponde uma obrigação, seguindo a tradição do modelo da Roma antiga e do Direito Romano”. A autora ainda diz que o século XVIII e o racionalismo ilustrado muda a concepção acerca do que é ser cidadão, uma vez que a valorização da razão abriu espaço para a criação dos direitos sociais via educação. Isso fez com que a cidadania deixasse de estar associada ao fato de ser ou não proprietário e passasse a ser uma questão educativa. No século XIX, através do direito à educação e a cidadania são estendidas às massas.

No século XX surgiram teorias democráticas sobre a cidadania. Entre elas, Gohn (2005, p. 24-25) destaca o estudo de Marshall, elaborado na Inglaterra em 1949. Este foi considerado a primeira teoria sociológica sobre cidadania, uma vez que até aquele momento o referido pensador havia permanecido no âmbito da teoria política e da filosofia política.

Marshall, segundo a aurora mencionada, em sua primeira teoria sociológica sobre cidadania, estabeleceu uma tipologia dos direitos, denominando-os como: Direitos Civis, relativos às liberdades individuais, considerados fundamentais para a ação dos indivíduos. São compreendidos como o direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. Eles foram conquistados na Inglaterra, no século XVIII; Direitos Políticos, relativos ao direito de votar e ser votado; direito à participação em organizações e de organiza-se conforme afinidade de interesses e opiniões. Estes foram conquistados no século XX. Os direitos civis e políticos são chamados de direitos de primeira geração; e os Direito Sociais, relativos aos direitos trabalhistas, greves, direito a um salário, educação pública universal, laica e gratuita, à saúde, à habitação, à assistência, etc. são considerados direitos de segunda geração. Os conquistados no século XX são tidos como modernos. Neste século observa-se, ainda, uma mobilização planetária no sentido de construir e conquistar os direitos de terceira geração. São compreendidos como o direito à paz, à autodeterminação dos povos, á solidariedade e ao meio ambiente.

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Ainda conforme Ghon (2005), Marshall acreditava que a maioria dos direitos deveria ser assegurada por um estado de bem estar social. O pensador acreditava, também, que o acesso aos direito se daria de forma linear e por etapas. Isto é, primeiro o cidadão acessaria os direitos de primeira geração e, na seqüência, os da segunda geração. Significa dizer que se está diante de uma hierarquização dos direitos. Marshall condicionava a materialização da cidadania à existência de um povo popularmente educado, concebendo assim a educação como algo determinante no processo de produção e consolidação da cidadania.

Nas últimas décadas do século XX foram produzidas algumas conceituações diferenciadas acerca do próprio conceito de cidadania. Entre elas, Gohn (2005) destaca as que seguem. Cidadania coletiva: caracteriza-se por uma concepção que abandona a centralidade do indivíduo em relação aos direitos civis e políticos e avança para uma concepção de cidadania de grupos coletivos que vivem em situações similares. Nesta perspectiva, a cidadania coletiva une coletivos sociais da sociedade civil para pressionar o Estado no sentido de regulamentar, implementar e vigiar a aplicabilidade de direitos conquistados. Como exemplo disso cita-se: “Os movimentos sociais, populares e não populares; rurais e urbanos, como sujeitos históricos que construíram e expressam a cidadania coletiva” (Gohn, 2005, p. 26).

Quanto à Cidadania multicultural ou diferenciada: esta dimensão de cidadania, Maria da Glória Gonh buscou em Kymlicka (1995). Ela focaliza a diversidade étnica entre grupos de uma mesma sociedade. Como exemplo cita os imigrantes, destacando que eles fizeram surgir uma nova geração de direitos: os direitos culturais de cidadania, os quais são fruto e produtos da identidade dos grupos e povos.

Cidadania política, segundo a autora anteriormente mencionada e que se em trabalhando ao longo do texto, trata-se de um conceito originalmente concebido por Walzer (1992). O referido autor, que buscou no modelo grego, a inspiração, diz que a participação política constitui-se na mais alta forma de humanização dos indivíduos e como caminho que conduz à unidade e incorporação social (GOHN, 2005, p. 27).

Cidadania cosmopolita: em uma era de enfraquecimento das soberanias nacionais e com o surgimento dos nacionalismos nos países europeu, Delanty (2000) citado por Gohn (2005), acredita que o processo de deslocamento global dá origem a um novo conceito de cidadania. Este conceito diz respeito a uma cidadania

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baseada em “um nacionalismo dos excluídos, dos descontentes, das camadas afetadas pela globalização econômica, lastreado na sociedade civil local que resiste à homogeneidade cultural” (GOHN, 2005, p.27). Isto é, atualmente os imigrantes buscam garantir seus direitos culturais, empregos e os direitos sociais na perspectiva de usufruí-los a partir do lugar onde estão. A concepção em questão está relaciona à ideia de que uma sociedade civil global será o panorama do cidadão cosmopolita.

Cidadania planetária: refere-se a uma teoria que surge a partir da era da globalização. Diz respeito à prática de grupos sociais que não possuem mais um Estado, uma Nação como referência, nem mesmo uma determinada identidade, mas valores humanos que devem ser universais – universalmente definidos. Exemplo disso é o movimento antiglobalização, uma vez que ele, através de redes de comunicação, articula-se globalmente.

Os aspectos históricos e teóricos da cidadania apontados acima, por seus pensadores e suas teorias, tornam possível encontrar elementos das seguintes perspectivas: jurídica, normativa e sociológica. A perspectiva jurídica caracteriza-se por uma concepção de cidadania baseada no que diz a legislação. Compreende que a lei, a partir das ações do Estado, ao determinar a ordem social, econômica, política e cultural de uma sociedade, “garante” a existência da cidadania. Na perspectiva normativa de cidadania está presente a ideia de que o comportamento dos cidadãos vai, ou não, assegurar seu acesso à cidadania. Portanto, a norma estabelece como o indivíduo deve comportar-se – quais são seus direitos e quais deveres deve cumprir, para acessar a cidadania. Já a perspectiva sociológica, concebida e trabalhada por teóricos das ciências sociais, apresenta elementos que dizem respeito a valores humanos universais: igualdade, liberdade, participação política, dignidade humana, sentimento de pertencimento, direito à diferença e à singularidade.

Diante do exposto é posível retomar o pensamento de Darcísio Corrêa (2010, p.27), para ele: “A cidadania é fundamentalmente o processo de construção de um espaço público que propicie as condições necessárias para a vivência e a realização de cada ser humano, em efetiva igualdade básica, mas respeitadas as diferenças próprias de cada um”. O espaço público a que se refere o autor, não diz respeito, necessariamente, a um espaço estatal, mas a um espaço/lugar onde o indivíduo possa viver suas relações sociais. Todavia, diante de uma sociedade moderna

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politicamente organizada, parece que a efetiva existência deste espaço está condicionada à presença do estado. Sendo assim, parece possível inferir que o estado seja o ente responsável para assegurar a efetiva existência deste lugar, a partir de princípios e valores socialmente aceitos.

Deste modo, partindo da ideia de cidadania como processo de construção de um espaço público: político, econômico, cultural, social e ambiental, onde cada um possa realizar com dignidade a sua vida, conforme afirma Corrêa (2010), e considerando a concepção de espaço público, do mesmo autor, elaborada a partir de análise da trajetória histórica de construção da cidadania, observa-se que “o público diz respeito às condições externas, comuns a todas as pessoas, e que permitem a efetivação da trajetória de cada ser humano, respeitando as diferenças e as especificidades constitutivas da personalidade individualizada” (CORRÊA, 2010, p. 27).

Por este viés, para compreender melhor em que consiste a cidadania, julga-se necessário objulga-servar que a mesma julga-se materializa a partir da existência e do respeito efetivo aos seguintes princípios: liberdade, igualdade e dignidade humana. Assim, para evidenciar a importância dos mesmos, no processo de construção e consolidação da cidadania, novamente faz-se referência ao que argumenta Darcísio Corrêa (2010, p. 43), quando trata do tema da igualdade, da liberdade e da dignidade humana, sem deixar de considerar sua materialidade.

O primado da liberdade e da igualdade, formalmente garantido no Estado de Direito, não pode, por sua vez, dispensar as condições e exigências básicas indispensáveis à realização da dignidade humana em todas as suas esferas (material, espiritual, social, política, cultural, etc.). Mesmo assim como já afirmado anteriormente, esse princípio não é absoluto, podendo haver colisão com outros. É, por isso, acima de tudo um mandado de otimização dentro dos limites da ponderação (CORRÊA, 2010, p. 43).

A respeito do que pensa o autor, pode-se notar a existência de uma determinada condicionalidade para que haja dignidade humana. Ele refere liberdade e igualdade, como meras garantias do Estado de Direito, não contribuição para a construção de dignidade. Ao contrário, se tais princípios estiverem associados às condições e exigências básicas de acesso a bens materiais, bem como produções culturais, políticas, sociais, etc., certamente, estariam diante daquilo que se pode definir como dignidade humana. Com isso, evidenciou-se, para além da indissociabilidade dos conceitos dignidade, liberdade e igualdade, uma vez que um não existe sem os outros. A concepção dos mesmos, enquanto princípios

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fundamentais de cidadania são garantidos pelo Estado Democrático de Direito. Concilia-se, com isso, a noção de que liberdade, dignidade humana e igualdade são condições necessárias para a existência concreta dos direitos humanos.

Esta reflexão parece evidenciar que as categorias igualdade, liberdade e dignidade humana, assim como cidadania, são conceitos que isoladamente parecem estéreis. Ficam apenas no mundo das ideias porque não se materializam. Ou seja, no mundo cotidiano das relações humanas, espaço onde se vive a cidadania. De forma isolada, eles não existem. Por outro lado, há evidência de que os conceitos são complementares, atravessam-se e estabelecem entre si uma condição de interdependência. Assim, parece ser possível deduzir que sem observação aos princípios que a fundamentam, a cidadania não existe.

A compreensão desta temática exige, ainda, que sejam observadas todas as tramas e relações sociais, econômicas, políticas, ambientais e culturais. Eles mostram a complexidade, a profundidade e as contradições que movem a sociedade nos processos de construção e consolidação da cidadania. Sendo assim, Manzini-Covre (1991, p. 11) afirma-se que:

Penso que a cidadania é o próprio direito à vida no sentido pleno. Trata-se de um direito que precisa ser construído coletivamente, não só em termos de atendimento às necessidades básicas, mas de acesso a todos os níveis de existência, incluindo o mais abrangente, o papel do(s) homem(s) no universo.

É possível constatar, que o exposto, ao considerar a coletividade está em consonância com o modo de pensar de Dallari (1998). Por sua vez, argumenta que cidadania constitui-se como expressão de um conjunto de direitos que permite a pessoa participar de forma efetiva da vida e também do governo de seu povo. Acrescenta que “quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social”. (DALLARI, 1998. p. 14).

1.1 CIDADANIA E SEUS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS: DIGNIDADE HUMANA,

LIBERDADE E IGUALDADE

Tanto a noção de cidadania quanto de espaço público, conforme se observa acima, permitem trabalhar agora com os princípios da cidadania. Diante disso, conceituam-se liberdade, igualdade e dignidade, princípios sem os quais não haveria cidadania. Mesmo sabendo que dar noções a princípios que fundamentam tão complexo conceito, constitui-se como um fazer, no mínimo, desafiador. É preciso

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fazer isso para que se possa partir de um determinado parâmetro, de uma determinada ideia ou noção, a fim de aprofundar a compreensão acerca do saber que já se tem. A tarefa é desafiante, justamente, porque sua trajetória histórica, de conceito sempre em construção, encontra limites práticos tanto no processo de sua construção teórica, quanto de sua materialização propriamente dita.

Parece oportuno lembrar que para entender princípios, precisa-se antes trabalhar com pressupostos. Deste modo, compreende-se, de acordo com o pensamento de Corrêa (2010) que a ética constitui-se como pressuposto da cidadania e que esta se configura como um dos direitos humanos. E, cidadania pode ser apreendida como algo que dá sentido à vida. Está, antes de tudo, diante da necessidade de compreender os pressupostos que garantem a existência e a materialidade dos princípios, os quais devem garantir a existência e a materialidade da cidadania.

Partindo deste modo de pensar, parece que há lógica na ideia de que a compreensão do conceito de cidadania deve perpassar antes pelo entendimento dos princípios que a fundamentam. Entender os princípios da liberdade, da igualdade e da dignidade da pessoa humana constitui-se, assim, como base necessária à compreensão da própria cidadania, tendo em vista seu pressuposto ético: o direito à vida. Na verdade, pode-se dizer que mais do que o direito à vida, há o direito à vida com dignidade. Todavia, o direito à vida, por si só, não é capaz de garantir que a vida exista e nem que seja vivida com dignidade. Isso, além de provocar a compreensão de que um conceito não existe sem um atravessamento com outros conceitos, faz perceber que em relação aos princípios que fundamentam a cidadania a situação não é diferente. Portanto, o que se expôs até aqui mostra a necessidade de observar cada um dos três princípios da cidadania.

1.1.1 Dignidade Humana

Conforme Ingo Wolfgang Sarlet (2005, p.427) a dignidade humana exige que haja satisfação por parte do Estado das condições necessárias a sua existência. Para isso, o autor lembra que o estado deve agir por meio de prestações positivas, portanto, de direitos fundamentais sociais, garantindo deste modo uma existência condigna para todos.

No pensamento de Darcísio Corrêa (2010, p.34) “o princípio/valor da dignidade da pessoa humana deve ser considerado como “fonte jurídico-positiva dos

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direitos fundamentais”, dando-lhes unidade e coerência”. Nesta perspectiva, o autor ao trabalhar a temática, ensina que a concretização do princípio da dignidade perpassa pelo acesso da pessoa a direitos civis, políticos, econômicos-sociais e de solidariedade. Lembra ainda, que o direito à vida “tem precedência sobre o exercício dos demais” (2010, p.34) e que a vida digna da pessoa configura-se como condição de cidadania. Desse modo, observa-se que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui-se como garantia constitucional do Estado Democrático de Direito.

Enquanto garantia constitucional, ao analisar a Constituição Brasileira nota-se que, em relação ao Título II, o qual trata dos Direitos e Garantias Fundamentais: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do Direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, Art. 5º, nos termos da (EC nº 45/2204). Essa referência toma mais sentido e significado quando se atenta, a um só tempo, para o princípio da dignidade da pessoa humana e para o da garantia da igualdade, uma vez que eles próprios se constituem acompanhados do princípio de liberdade, como o de cidadania.

Nessa lógica de pensamento e reflexão, ao olhar para o Capítulo II, da mesma Lei, a qual trata dos Direito Sociais, o seu Art. 6º assim garante: “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição, (EC nº 26/2000)”. Portanto, observa-se que a Legislação evidencia os direitos sociais justamente na perspectiva de que os mesmos podem garantir o princípio da dignidade humana, uma vez que eles, em tese, asseguram o acesso do indivíduo às condições necessárias para viver e desenvolver-se dignamente. Isto é, ser livre e considerado humanamente igual, assim como ter saúde, educação, moradia, lazer, trabalho, previdência social, amparo social, entre outros direitos, teoricamente constitui-se como condição para viver com dignidade e usufruir concretamente da cidadania.

Ingo Wolfgang Sarlet (2002) assim se refere quando fala do princípio da dignidade humana:

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover

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sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2002, p.62).

Observa-se, a partir disso, que a dignidade humana não se constitui como algo que pode ser simplesmente “dado” ou concedido a alguém. Por ser expressão própria do ser humano, ela é algo que deve, sobretudo, ser reconhecida e promovida, tanto pelo estado quanto pela comunidade, em relação ao indivíduo.

Entende-se que nenhum conceito existe de forma descontextualizada e sem dialogar com outros conceitos. Por isso, considerando o que já foi exposto, busca-se neste espaço construir uma noção do que seja liberdade, pois a mesma também se caracteriza por ser um dos princípios que fundamentam a cidadania.

1.1.2 Liberdade

Como proposta inicial e como tentativa de construir uma conceituação teórica de liberdade, sem, no entanto, esquecer da necessidade de materializá-la, uma vez que os conceitos, verdadeiramente, existem quando podem ser visualizados e vivenciados de forma concreta. A princípio, pode-se entender por liberdade, conforme Hilton Japiassú (1996, p.163), a “condição daquele que é livre. Capacidade de agir por si mesmo. Autodeterminação. Independência. Autonomia”.

Para dar conta do objetivo desta análise reflexiva parece que a concepção do pensador mencionado seria suficiente. Ele considera e valoriza a capacidade humana de agir por si mesmo e os conceitos de autodeterminação, autonomia e independência, os quais, mais do que considerações, propriamente ditas, traduzem a ideia de uma pessoa que tem a faculdade, ou seja, a capacidade de decidir por si próprio. Também, possui meios de subsistência capazes de lhe assegurar autonomia. Isto que dizer, de se reger por leis próprias. Contudo, liberdade não é uma categoria, um conceito ou uma noção de fácil e simples definição. Ela exige profundidade tanto no processo de sua conceituação teórica propriamente dita, quanto no processo de sua concepção prática, ou seja, concreta.

Diante disso, entende-se que não se constitui como inoportuno, mas ao contrário, configura-se como necessário e contributivo, atentar para a ampliação da definição acerca do que seja liberdade, que o autor anteriormente mencionado afirma. Isto é, a observação da sequência do pensamento de Hilton Japiassú (1996, p. 163) faz perceber que ao conceito de liberdade ele acrescenta:

Em um sentido político, a liberdade civil ou individual é o exercício, por um indivíduo, de sua cidadania dentro dos limites da lei e respeitando

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aos direitos dos outros. “A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro” (Spencer). Mais especificamente, a liberdade política é a possibilidade de o indivíduo exercer, em uma sociedade, os chamados direitos individuais clássicos, como direito de voto, liberdade de opinião e de culto, etc.

O autor procura dar um sentido teórico ao conceito, mas sobretudo de possibilidade prática à medida que sustenta a ideia de que a liberdade perpassa pela possibilidade efetiva de exercer os direitos individuais e políticos. Esta assertiva chama a atenção para duas situações. À primeira, o fato de que a liberdade verdadeiramente existe quando pode ser efetivamente exercida. E à segunda que mais uma vez se está diante da indissociabilidade da teoria e da prática, haja vista que a liberdade somente existe se, na sua concretude e no seu atravessamento com os outros princípios, puder, assim como a própria cidadania, ser reivindicada, exigida, desejada, exercitada e vivenciada com todos os seus melhores e piores atributo. Ou então, suas melhores e piores conseqüências, sejam elas políticas, sociais, culturais, de orientação sexual, econômicas, ambientais ou religiosas.

Diante do que se viu, em relação à liberdade, e considerando, obviamente, que aqui fez-se apenas uma breve incursão acerca da mesma, tem-se em vista a complexidade de entendê-la, de modo especial, vivê-la. Há muitos pensadores que pesquisam e escrevem abordando este instigante assunto. Eles podem contribuir para um maior aprofundamento do tema, o qual não se constitui como objetivo principal deste estudo. Assim pode-se considerar o que se apreendeu, sobre o que cada um pensa e sente quando fala em liberdade ou quando deseja ser livre, ou mais livre do que sente ser. Para avançar no processo de compreensão da cidadania, faz-se necessário articular este conceito às noções de dignidade humana e de igualdade.

1.1.3 Igualdade

Nos termos aqui propostos torna-se necessário, por ora, abordar, para efeitos de compreensão, mesmo que de forma sucinta, uma noção ou um conceito de igualdade. Esta, por sua vez, contribui no processo de formação do tripé da cidadania. Ou seja, juntamente com a dignidade humana e a liberdade, a igualdade constitui-se como fundamento da cidadania.

A igualdade, observada sem crítica e proposição, com certa dose de simplificação, parece ser algo tão ingênuo. Porém, não o é. Ao conceituá-la de

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forma crítica e propositiva considera-se como uma “questão” de cidadania, pode-se observar a complexidade, bem como heterogeneidade que envolve este conceito.

Mais uma vez, a partir de Hilton Japiassú, nota-se que a igualdade figura, a princípio, como uma “noção lógica ou matemática, significando a equivalência entre duas grandezas”. Todavia, para o referido autor isso não é tudo. No mesmo lugar, ele objetivamente acrescenta:

O termo “igualdade” aparece ainda na expressão “igualdade entre os homens” e possui várias concepções: a) a igualdade jurídica ou civil significa que a lei é a mesma para todos; b) a igualdade política significa que todos os cidadãos têm o mesmo acesso a todos os cargos públicos, sendo escolhidos em função de sua competência; c) a igualdade material significa que todos os homens dispõem dos mesmos recursos. As duas primeiras igualdades, igualdades de princípio, constituem a base das democracias. De fato, as desigualdades materiais geram desigualdade políticas e jurídicas (JAPIASSÚ, 1996, p. 137).

O primeiro passo, após uma leitura atenta do pensamento do autor, direciona-se à percepção de que, ou por força do próprio conceito, ou de sua natureza contraditória, não é possível falar em igualdade sem fazer referência à desigualdade. Sendo exatamente assim, (ou não), o fato é que a igualdade ou a condição de igual, a princípio, destina-se a algo ou alguém idêntico; que tem a mesma aparência, grandeza, valor ou alguma coisa do gênero. Representa, dessa forma, o que de fato é igual e, na verdade, mostra que se pode igualar, ou não, a partir da existência do desigual. Ou, quem sabe, fosse melhor definir a partir da existência da diferença. Talvez seja por isso que igualdade, assim como liberdade e dignidade humana constitui-se como princípio fundamental da cidadania.

Sem dúvida, o autor mencionado, ao destacar três concepções de igualdade, sendo elas: jurídica, política e material direciona o raciocínio, de quem se atenta para isso, no sentido de compreender a complexidade que permeia este conceito e que consequentemente diz respeito à sua acepção. Disso, pode-se compreender que, se não há uma única desigualdade, nem mesmo uma única diferença, não pode existir uma única igualdade. Vale lembrar, porém, que tanto a complexidade do conceito, quanto a ideia de que, talvez não pudesse haver uma única igualdade, não significa que a pessoa humana, na sua diferença, não deva ser tratada de forma igual ou com igualdade.

Destaca-se, isso por que ao falar em cidadania, se está, justamente, trabalhando a questão de que todos têm direito de serem tratados igualmente. Portanto, isso constrói a condição de, ao observar os princípios da dignidade da

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pessoa humana, da liberdade e da própria igualdade haver então a possibilidade de materializar aquilo que se concebe por cidadania.

Através da revisão bibliográfica realizada, bem como pela leitura e concepção de sociedade e ser humano que se tem, é possível dizer, não de forma conclusiva ou verdadeira, evidentemente, mas a título de constatação, que há uma justa e democrática articulação política entre os princípios da cidadania. Isto é, o direito à liberdade, à igualdade e à dignidade humana, respeitadas todas as condições socioeconômicas, culturais, religiosas, políticas, éticas e ambientais para sua existência, assegurados pelo Estado e, portanto, materializados através daquilo que a legislação já assegura, não haveria como não existir cidadania.

Fez-se uma breve tratativa sobre este tema, bem como uma rápida trajetória histórica na busca pelos aspectos históricos e teóricos do processo de construção da cidadania. Considera-se que a mesma, exatamente por seus aspectos teóricos, políticos, culturais, econômicos, ambientais, sociais e religiosos pode ser desdobrada em muitos outros recortes teóricos. Pois, ao pensar, analisar, criticar, refletir, enfim pesquisar acerca de um determinado tema, sempre envolve o sentido e o significado que se atribui aos conceitos – e também aos preconceitos. A reflexão que se produziu contribui para a compreensão, a um só tempo, do conceito de cidadania propriamente dita e dos conceitos que a envolve.

1.2 ALICERCES HISTÓRICOS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA

CIDADANIA

É importante ressaltar e considerar o pensamento dos diversos autores citados, em relação à variação histórica dos aspectos que constituem o processo de construção da cidadania, perpassando pelos seus princípios. Além disso, cabe retomá-la, por um instante, a partir de Pinsky (2010), pois em a História da

Cidadania, obra anteriormente citada, encontra-se a “Pré-História da Cidadania”. Há

uma busca pela compreensão deste conceito partindo, primeiramente, da noção de que sua abrangência perpassa antes pela abrangência do que é ser cidadão, o qual se caracteriza com alicerce da cidadania.

Na busca pelos “alicerces da cidadania”, Pinsky afirma que a mesma se instaura a partir dos processos históricos que provocaram a Revolução Inglesa, a Revolução Americana e a Revolução Francesa. A Revolução Inglesa de 1640 e 1688 caracterizada pela transição do capitalismo liberal, provoca uma mudança no

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poder estatal, que passou para as mãos de uma nova classe social (Pinsky 2010, p. 120-121). Já, a Independência dos Estados Unidos da América do Norte e a Revolução Francesa são dois fenômenos que provocaram a ruptura do princípio de legitimidade que historicamente determinava os deveres dos súditos, fazendo assim emergir uma estrutura que passa a operar a partir dos direitos do cidadão. Isso implicou em uma nova concepção política e, por consequência, em uma transformação do modo de ver e compreender os conceitos de cidadania e liberdade.

Ultrapassar, ou talvez seja melhor o termo superar, a concepção vigente de indivíduo portador apenas de deveres, para indivíduo portador, também, de direitos. Por mais que isso representasse uma tradição liberal de indivíduo e de cidadania, significava, de qualquer forma, observar estes dois conceitos a partir de novas concepções. É bom lembrara que, como se sabe, atualmente, a concepção de indivíduo traz em si a ideia de um ser autônomo. Isso quer dizer que, hoje, quando falamos em dignidade, igualdade e liberdade, ou seja, em cidadania, estamos falando de autonomia.

Esta análise ajuda a compreender porque ao observar a trajetória histórica da construção da cidadania, Pinsky escreve que para falar dela, primeiramente, deve-se entender o que significa deve-ser cidadão. Nesta perspectiva, deve-ser cidadão é ter direito à liberdade, à propriedade, à vida e à igualdade, uma vez que os debates políticos buscavam construir uma nova noção sobre os direitos dos indivíduos, sua liberdade e a liberdade coletiva. Disso se pode observar que a cidadania foi se constituindo historicamente como um processo construído pelos indivíduos a partir de seus avanços em relação aos direitos, primeiramente, os individuais: vida, liberdade, propriedade, igualdade.

O exposto faz notar que toda e qualquer temática envolvendo discussões e reflexões acerca da cidadania constitui-se em uma análise complexa, uma vez que a mesma, caso não esteja banhada por uma leitura histórica de realidade, não se faz compreender. Ela, necessariamente, perpassa por um processo teórico-prático de conceituação/definição e, acima de tudo, compreensão do que são os princípios que a fundamentam.

Isso sugere uma compreensão de que cidadania não é um conceito pronto, mas em constante processo de construção. Sempre de novo em construção, até porque, conforme foi trabalhado no subtítulo anterior, a partir de Ghon (2005), não

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há um único conceito de cidadania. De qualquer forma, pode-se entender que é um conceito que traz em si o direito à dignidade, liberdade e igualdade humana, em suma, à vida plena.

1.3 CIDADANIA NO BRASIL: CONSTRUÇÃO HISTÓRICA

A revisão bibliográfica até aqui trabalhada aponta para a complexidade e heterogeneidade do conceito de cidadania, bem como dos princípios que a envolve e que foram, mesmo de forma sucinta, abordados. As possibilidades e limites dos processos de materialização e garantia da cidadania, conforme pesquisas realizadas pelos autores estudados constituem-se de processos sociais históricos, e, justamente por isso, contraditórios. Perpassam, necessariamente, pela análise de outros conceitos, uma vez que, como se pode observar, por si só, a cidadania não existe. Trata-se de uma construção humana que foi edificando-se e materializando-se a medida que materializando-se avançava em direção a conquistas dos diferentes direitos.

A história mostra o quanto foi necessário ampliar horizontes em relação às atribuições do Estado. Bem como, ultrapassar uma concepção de direitos puramente individuas e avançar em direção aos direitos coletivos. Assim como, a própria concepção de cidadão, conforme aponta Pinsky (2010), para que fosse possível conceber o conceito de cidadania como direito do cidadão e dever do Estado e assim materializá-lo.

Assim, objetiva-se, neste subtítulo, fazer algumas considerações históricas e teóricas acerca dos processos de construção da cidadania no Brasil. As mesmas envolvem uma revisão bibliográfica que perpassa, para além da construção dos direitos políticos, civis e sociais, os quais se constituem como alicerçada na cidadania, propriamente dita. Também, pela ideia de que a mesma se constrói por processos educativos históricos, uma vez que a educação pode provocar participação política, compreendida, neste caso, como condição necessária para o exercício pleno da cidadania. Para tanto, a partir de uma trajetória histórica fundamentada de modo especial, em Murilo José de Carvalho (2005), busca-se movimentos de ruptura de modos de conceber a sociedade, o estado e o ser humano. Além dos direitos sociais, políticos e civis, em uma perspectiva de “avanços” e “recuos” em relação aos processos históricos que “permitiram” construir a cidadania no Brasil.

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