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Consequências da abordagem das sentenças-Ramsey

3.3 Sentenças-Ramsey

3.3.1 Consequências da abordagem das sentenças-Ramsey

A redescoberta das sentenças-Rasmey ocorre em meio a tentativa de distinguir verdades analíticas e verdades sintéticas para a linguagem teórica. Um problema decisivo para Carnap (cf. 1959, p. 162). Ele precisa compatibilizar a atitude empirista tradicional a respeito da vinculação de todo conhecimento à experiência com a da falta de conteúdo empírico da matemática. Ou seja, ela é relevante para a metodo- logia da ciência no que diz respeito à necessidade de explicar a distinção entre matemática pura e a física, que faz uso da matemática aplicada.126 Essas motivações são claramente expressas em “T. Concepts” [1959]:

[…] queremos fazer uma distinção entre verdade lógica e verdade factual. Acredito que tal distinção é muito importante para a metodologia da ciência. Acredito que para entender a distinção entre matemática pura de um lado e física, que contém matemática, mas de forma aplicada, do outro lado, só pode ser entendida se tivermos uma explicação clara da

125“any statement about the world that does not contain theoretical terms — that is, any statement capable of empirical

confirmation” (Phil. Found. [1966], p. 252).

126E, portanto, “In my opinion, a sharp analytic-synthetic distinction is of supreme importance for the philosophy of

distinção que na filosofia tradicional é conhecida sob os termos analítico e sintético, ou verdade necessária e verdade contingente, ou de qualquer maneira você queira expressar. (1959, pp. 159–160)

Carnap certamente está impressionado com o sucesso da teoria da relatividade e os então recentes desenvolvimentos da teoria quântica. Nos parágrafos introdutórios do cap. 27 de Phil. Found. [1966] ele menciona que o desenvolvimento da teoria de Einstein só fora possível pela percepção de que a estrutura do espaço físico e do tempo só poderiam ser determinados por testes físicos. Einstein teria reconhecido a distinção entre matemática pura — onde há a possibilidade de escolha entre diversas geometrias logicamente consistentes —, e a física — onde apenas a observação e a experimentação podem determinar qual a geometria mais adequadamente aplica-se ao mundo físico. O reconhecimento da separação entre a “geometria prática” e “geometria puramente axiomática” em Einstein (1921, p. 6) é assumida como uma corroboração da importância de uma distinção clara entre verdades analíticas e verdades factuais.

Muito embora Carnap tenha mudado de opinião sobre diversos problemas particulares, sua convicção sobre a importância, a centralidade, e a sua solução para a explicação do caráter das verdades matemáticas e lógicas por meio da distinção entre verdades formais e factuais, analíticas e sintéticas, nunca foi abandonada (cf. Friedman, 1988). Em Phil. Found. [1966], contudo, ele faz uma apresentação diferenciada (e em capítulo próprio). Isto causa dificuldades sobre como a abordagem das sentenças- Ramsey devem ser interpretadas e para qual função. Em Phil. Found. [1966], ao menos, ela está vinculada ao problema de entendimento dos termos teóricos.127Nesse caso, a redescoberta das sentenças-Ramsey pode ser compreendida como método para explicar o uso feito de termos teóricos [nas teorias] para prever e explicar fenômenos. O que, por sua vez, estaria em consonância com o que Carnap está fazendo desde Found. Log. Math. [1939] e, dessa forma, provê explicações para certas passagens que, de outro modo, pareceriam estar em desarmonia com o resto do texto. Diz Carnap:

É fácil mostrar que qualquer afirmação sobre o mundo real que não contenha termos teóri- cos — isto é, qualquer afirmação capaz de confirmação empírica — que se segue da teoria também se seguirá da sentença de Ramsey. Em outras palavras, a sentença de Ramsey tem precisamente o mesmo poder explicativo e preditivo que o sistema original de postulados. Ramsey foi o primeiro a ver isso. Foi um insight importante, embora poucos de seus colegas tenham prestado muita atenção. (Phil. Found. [1966], p. 252)

Vimos como em “Meth. Character” [1956] ele despende grandes esforços para evitar os compromissos vinculados a forma como a apresentação das teorias apresenta com o uso de uma lingua- gem realista. Vimos também como um dos problemas emergentes do conjunto geral dos compromissos de Carnap reivindicava a possibilidade de escolhas entre as linguagens para a ciência e como, na falta de uma alternativa razoável, ele se via (quase) obrigado a aceitar o realismo, por mais que reconhecesse que essa concessão era apenas sobre os benefícios pragmáticos, ou sobre a superioridade pragmática da linguagem realista. Com as sentenças-Ramsey, Carnap tem agora outra ferramenta em mãos. As sentenças-Ramsey proporcionam a captura das mesmas consequências observacionais que o sistema de

127As páginas sequentes aos parágrafos introdutórios do cap. 27 têm conteúdo muito semelhante, quase idêntico, ao

de “T. Concepts” [1959], que trata basicamente do problema da determinação de um critério de analiticidade para as linguagens teóricas.

postulados original [𝑇 𝐶]. O fato importante, prossegue Carnap, é que com o seu uso “pode-se evitar todas as questões metafísicas problemáticas que infectam [plague] a formulação original das teorias” (p. 252), ao mesmo tempo em que se providencia uma forma simplificada da sua formulação. É por esse motivo, creio, que Carnap acredita que agora [com a forma existencializada] estamos de posse de uma possibilidade de formulação das teorias que não seja necessariamente refém da forma da linguagem realista.

Quais são essas “questões metafísicas problemáticas” que a sentença-Ramsey evita? Anteri- ormente, diz Carnap,

tínhamos termos teóricos, como “elétron”, de “realidade” duvidosa [dubious] porque eles estavam muito distantes do mundo observável. Qualquer significado empírico parcial que pudesse ser dado a esses termos poderia ser dado apenas pelo procedimento indireto de estabelecer um sistema de postulados teóricos e conectar esses postulados a observações empíricas por meio de regras de correspondência. (Phil. Found. [1966], p. 252)

Ou seja, o reconhecimento da interpretação parcial dos termos teóricos, sua construção através de postulados teóricos, faz com que toda a interpretação seja dada através da relação mantida com as regras de correspondência, e por seu intermédio, pela ligação inferencial com as sentenças e termos observacionais. Assim distantes da observação e apenas parcialmente interpretados, eles estão sujeitos a não possuírem uma diferenciação significativa dos termos metafísicos. A “realidade dúbia”, diz claramente respeito a distância mantida com a observação.

Perceba-se — e isso é importante — a proximidade entre “realidade” com o “significado (parcial) empírico”. Carnap não está pressupondo nenhuma realidade estendida para os termos teóricos para além da sua participação no sistema de postulados. Ou seja, como em ESO [1950], e “Meth. Cha- racter” [1956], qualquer realidade que possa ser adjudicada a tais termos é a realidade empírica, a “boa realidade”, derivada da sua capacidade de negociar com outros termos. Ou seja, os “termos teóricos pro- blemáticos” são “problemáticos” porque são necessariamente introduzidos por postulados e não podem ser traduzidos perfeitamente na linguagem observacional. Mas, na linguagem Ramsey, ou “na maneira de Ramsey de falar sobre o mundo externo, um termo como “elétron” desaparece”...

[…] Isso não significa que os elétrons desapareçam, ou, mais precisamente, que o que quer que esteja no mundo externo que é simbolizado pela palavra “elétron” desapareça. A sentença-Ramsey continua a afirmar, através de seus quantificadores existenciais, que existe algo no mundo externo que possui todas aquelas propriedades que os físicos atribuem ao elétron. Não questiona a existência — a “realidade” — deste algo. Apenas propõe uma maneira diferente de falar sobre esse algo. (Phil. Found. [1966], p. 252)

Perceba agora que Carnap se permite inclusive falar sobre “mundo externo”. Isto significa que finalmente Carnap adotou o realismo metafísico? Não é o caso. Carnap prossegue:

A questão problemática que ele evita não é: “Existem elétrons?”, mas “qual é o significado exato do termo ‘elétron’?” No modo de falar de Ramsey sobre o mundo, essa questão não surge. Não é mais necessário indagar sobre o significado de “elétron”, porque o próprio termo não aparece na linguagem de Ramsey. (Phil. Found. [1966], p. 252)

Agora a situação parece mais clara: Carnap afirma que a “questão complicada” não é “elé- trons existe?”, mas como entendê-los na dinâmica do sistema de postulados. Todo o significado pro-

porcionado pela teoria é restrito à suas consequências observacionais [relativas, sempre à teoria]. Ou seja, a sua capacidade de representar, por meio dos postulados, o significado atribuído a eles. A questão é uma questão de entendimento, não, necessariamente, de existência. Qualquer existência atribuída a eles é restrita à sua relação com outros termos, nada mais. Para ele, a questão da existência já tinha sido resolvida em ESO [1950], e ali existência interna, como vimos, é restrita à quantificação.

De posse das sentenças-Ramsey e sua capacidade salutar de resolver certas questões me- tafísicas, Carnap agora exige substituir a linguagem realista por ela? Também não é caso. A razão é a inconveniência derivada da complexidade de expôr uma teoria pelo mecanismo das sentenças-Ramsey:

Ramsey certamente não quis dizer — e ninguém sugeriu — que os físicos devessem aban- donar termos teóricos em sua fala e escrita. Fazer isso exigiria declarações enormemente complicadas. (Phil. Found. [1966], p. 253)

[…]

É evidente que seria inconveniente substituir o modo de falar de Ramsey pelo discurso comum da física em que os termos teóricos são usados. Ramsey apenas pretendia deixar claro que era possível formular qualquer teoria em uma linguagem que não exigisse termos teóricos, mas que dissesse o mesmo que a linguagem convencional. (Phil. Found. [1966], p. 254)

Para uma simples frase que inclua o termo teórico “temperatura”, no vocabulário de Ramsey, toda a ocorrência teria que ser substituída por uma sentença [enorme] correspondente a todos os pos- tulados e todas as regras de correspondência. Para além disso, a sentença-Ramsey é uma reconstrução minimalista de uma teoria, um exemplo de como poderia ser feita. Ela não entrega um bolo, mas uma receita. Essa receita não exige que o bolo seja feito com ela, apenas que, caso necessário, possa ser feito. Carnap acaba de dizer que a linguagem convencional, o “modo de falar de Ramsey”, diz o mesmo que a teoria original. Ele, contudo, alerta o leitor com a ressalva:

Quando falamos “diz a mesma coisa”, queremos dizer isso apenas a medida que concerne todas as consequências observáveis. Obviamente, ela não diz exatamente a mesma coisa. A linguagem anterior pressupõe que termos teóricos, como “elétron” e “massa”, apontam para algo que de alguma forma é mais do que o que é fornecido pelo contexto da própria teoria. Alguns escritores chamam isso de “significado excedente” [surplus meaning] de um termo. Quando esse significado excedente é levado em consideração, as duas linguagens certamente não são equivalentes. A sentença-Ramsey representa o conteúdo observacional

completo de uma teoria. Foi o grande insight de Ramsey que esse conteúdo observacional é

tudo o que é necessário para que a teoria funcione como teoria, isto é, para explicar fatos conhecidos e prever novos. (Phil. Found. [1966], p. 254)

Nessa passagem duas coisas ficam claras: Carnap não está assumindo que as duas linguagens sejam idênticas.128 A teoria original, formulada na linguagem realista [Carnap também a chama de “linguagem convencional”], contêm termos teóricos; e termos teóricos possuem aquela “realidade dúbia” — por estarem distantes da observação e serem parcialmente interpretados. Essa característica, ou seja, a sua participação na formulação das teorias, pode levar à compreensão que eles “apontam para algo mais do que o que é fornecido pelo contexto da teoria”.129 Aceitar que os termos teóricos têm algo

128Isso parece ser trivial de ser falado agora, mas veremos logo adiante como isso ajuda a entender a frase que o conflito

dentre as duas versões é “essencialmente linguística”.

129Veremos a seguir que Carnap considera que a atribuição desse “mais” é uma forma “ psicologicamente reconfortante”

além do que é derivado das suas relações com o resto da teoria seria o equivalente a reconhecer que eles possuem uma “realidade independente”, um significado adicional que, ao final, seria capturado pela teoria; e isso é abrir o flanco ao realismo metafísico. Esta é uma compreensão que Carnap busca impedir. Dispor das sentenças-Ramsey, é dispor de uma alternativa — que por mais que não seja recomendada na prática — que demonstre que não há a obrigação com a linguagem convencional. Até a introdução da forma existencializada de teoria (sentenças-Ramsey), Carnap era obrigado a aceitar a situação como uma dificuldade não resolvida e ressalvar, quando necessário, que essa interpretação era, ao limite, enganosa. Vimos, por exemplo, como ele tinha dificuldades em contabilizar esse papel em “Meth. Character” [1956], a saber, utilizando a linguagem realista e ressalvando imediatamente. Outro ponto claro é que a sentença-Ramsey representa todo o conteúdo observacional de uma teoria e ele é todo o necessário para uma teoria “funcionar como teoria, isto é, para explicar fatos conhecidos e prever novos”. Em resumo, a sentença-Ramsey possui a função de evitar que se derive da utilização da linguagem realista, ou dos termos teóricos, qualquer “excesso de significado”. Pode-se então demonstrar que o “significado empírico exato” deles é derivado do contexto da teoria, nada mais, nada menos. Trataremos do “excesso de significado” em uma seção específica.

Apesar de parecer complexo, o mecanismo das sentenças-Ramsey é, ao final, extremamente simples; é a substituição de todos os termos teóricos da formulação original por variáveis quantificadas. Ela resolve as dificuldades em relação a interpretação dos termos teóricos pela sua eliminação da reestru- turação da teoria, ao mesmo tempo que restringe seu significado empírico ao conjunto das consequências observacionais em uma linguagem observacional estendida:

Não se pode dizer que a abordagem de Ramsey traga teorias para a linguagem observacional se “linguagem observacional” signifique (como costuma ser o caso) uma linguagem que contém apenas termos observacionais e os termos da lógica e da matemática elementares. A física moderna exige matemática extremamente complicada e de alto nível. A teoria da relatividade, por exemplo, exige geometria não-euclidiana e cálculo de tensores, e a mecânica quântica exige conceitos matemáticos igualmente sofisticados. Não se pode dizer, portanto, que uma teoria física, expressa como uma sentença-Ramsey, seja uma sentença em uma linguagem observacional simples. Ela requer uma linguagem observacional estendida, que é observacional porque não contém termos teóricos, mas foi estendida para incluir uma lógica avançada e complicada, abrangendo praticamente toda a matemática. (Phil. Found. [1966], p. 253)

desse “surplus meaning”. Sobre essa mesma característica reconfortante, Carnap menciona em R. Carnap (“Pseudopro- blems” [1928], p. 335): “here confronted with two different languages, one of them psychological and one physical; we maintain that they both express the same theoretical content. It will be objected that in the statement “A is joyful” we express more than in the corresponding physical statement. This is indeed the case. Aside from having the advantage of much greater simplicity, the psychological language also expresses more than the physical language, but this more does not

consist of additional theoretical content; it expresses only accompanying representations; these are merely object representations, that is, representations which do not stand for any fact, and hence which cannot form the content of a statement. They are expressed

by choosing a certain language (while other accompanying features, which also do not belong to the theoretical content, are expressed, e.g., by the intonation, gestures, etc.). For by saying “A is joyful” and not merely “A shows facial expres- sions of such and such a form”, I express that I have a representation of a feeling of joy, although a feeling of joy in the autopsychological sense, since I cannot know any other. However, to assume that by using the psychological instead of the physical language, that is to say, by using the expression “joy” instead of “facial expressions of such and such a form”, we express a fact which goes beyond the physical state of affairs, is to confuse the theoretical content of the statement with an accompanying representation.” (“Pseudoproblems” [1928], 355, [destaque adicionado])

E aqui, finalmente, chegamos ao ponto em que a concepção desenvolvida de teoria encontra o irenismo de Carnap. O trecho de Phil. Found. [1966] em que isso é feito é importante para defender sua postura; cito-o, então, longamente:

É verdade que os físicos acham muito mais conveniente falar em uma linguagem abreviada que inclua termos teóricos como “prótons”, “elétrons” e “nêutrons”. Mas quando são pergun- tados sobre se elétrons “realmente existem”, eles podem responder de diferentes maneiras. Alguns físicos estão satisfeitos em pensar em termos como “elétrons” à maneira de Ramsey. Eles evitam a pergunta sobre a existência, afirmando que há certos eventos observáveis, em câmaras de bolha etc., que podem ser descritas por certas funções matemáticas, dentro do

framework de um determinado sistema teórico. Para além disso, eles não afirmarão nada.

Perguntar se elétrons realmente existem é o mesmo — do ponto de vista de Ramsey — que perguntar se a física quântica é verdadeira. A resposta é que, na medida em que a física quântica tem sido confirmada por testes, é justificável dizer que há instâncias de certos tipos de eventos que, na linguagem da teoria, são chamados “elétrons”.

Esse ponto de vista é às vezes chamado de visão “instrumentalista” de teorias. […] Deste ponto de vista, as teorias não dizem respeito a “realidade”. Elas são simplesmente ferramen- tas de linguagem para organizar os fenômenos observacionais da experiência em algum tipo de padrão que vai funcionar de forma eficiente na previsão de novos observáveis. Os termos teóricos são símbolos convenientes. Os postulados que os contêm são adotados porque são úteis, não porque são “verdadeiros”. Eles não possuem significado excedente [surplus

meaning] para além da forma em que eles funcionam no sistema. Não faz sentido falar sobre

o elétron “real” ou o campo eletromagnético “real”.

Oposta a essa concepção está a concepção “descritiva” ou “realista” das teorias. […] De- fensores dessa abordagem acham conveniente e psicologicamente reconfortante pensar em elétrons, campos magnéticos e ondas gravitacionais como entidades reais sobre as quais a ciência aprende cada vez mais. Eles destacam que não há nenhuma linha nítida que separa um observável, como uma maçã, de um não-observável, como um nêutron. […] Os defen- sores da concepção descritiva nos lembram que as entidades não observáveis têm o hábito de passar para o reino observável quando são desenvolvidos instrumentos de observação mais poderosos. […]

Obviamente há uma diferença entre os significados da maneira instrumentalista e realista de falar. Minha própria opinião, que eu não elaborarei aqui, é que o conflito entre as duas abordagens é essencialmente linguístico. É uma questão de qual modo de falar é preferível sob um determinado conjunto de circunstâncias. Dizer que uma teoria é um instrumento confiável — isto é, que as previsões de eventos observáveis que ela produz serão confirmados — é essencialmente o mesmo que dizer que a teoria é verdadeira e que as entidades teóricas, não-observáveis, que ela trata existem. Assim, não há incompatibilidade entre a tese do instrumentista e a do realista. Ao menos, não existe incompatibilidade desde que aqueles evitem afirmações negativas tais como, “[…] mas a teoria não consiste em sentenças que são verdadeiras ou falsas, e os átomos, elétrons, e similares não existem realmente”. (Phil.

Found. [1966], pp. 254–256)

Esta, então, é a passagem onde Carnap afirma o seu irenismo. Primeiro Carnap alia a con- cepção de Ramsey com o instrumentalismo; depois ele apresenta a concepção realista e, ao final, afirma a compatibilidade entre as duas formas: com a ressalva de que elas são compatíveis conquanto o ins- trumentalista evite a afirmação de que as entidades teóricas não existem. MAs, claramente há aqui um problema. Parece que a compatibilidade é afirmada com uma ressalva que a trivializa: se o instrumenta- lista evita sua afirmação característica de negar a existências de entidades, isso restringe sua postura e, à primeira vista, trivializa a situação. Esse problema é aludido por Salmon (1994, p. 283) e também chamou a atenção de Psillos (1999, p. 56). Carnap estaria afirmando, na última frase da versão de 66, que o ins-

trumentalismo seria compatível com realismo conquanto o instrumentalista evitasse justamente o que em grande medida determina sua posição. Nesse caso, obviamente, as duas formas seriam compatíveis. Conforme o prefácio da segunda edição R. Carnap (1974, pp. v–vi), mas principalmente o relato histórico apresentado por Salmon (1994), essa passagem foi reformulada. Carnap retira algumas afirmações sobre a compatibilização das tuas formas de falar sobre as teorias e adiciona uma referência ao seu ESO [1950]; texto esse que até o momento não tinha sido explicitamente vinculado à discussão. Essa modificação é feita em resposta aos questionamentos feitos, em carta, por Grover Maxwell. Maxwell questiona a associação feita entre o uso do termo “instrumentalismo” e o modo de interpretação dos termos teóricos por meio das sentenças-Ramsey. Carnap admite a confusão e reformula a passagem na segunda edição (R. Carnap, 1974, p. 256). A resposta à carta de Maxwell é documentada por Salmon (1994, p. 283) e explica a confusão:

Em uma versão anterior do manuscrito, eu havia distinguido três, em vez de duas, concep- ções sobre a realidade das entidades, dividindo o instrumentalismo em duas formas, uma