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Parte da “história a ser contada” sobre as consequências do problema de Newman relativa ao programa de Carnap, requisitada por Psillos, está contida nas contribuições recentes de Friedman e Uebel [e no verbete, ainda não publicado, da The Stanford Encyclopedia of Philosophy por Andre Carus e Hannes Leitgeb.]. O ponto geral dessa reação é que, em seu ânimo de estabelecer o realismo como a postura filosófica inevitável, Psillos está exigindo algo que a abordagem de Carnap não pretendeu reivindicar.

O primeiro problema a ser respondido é se Carnap é, ou é obrigado a ser, um realista estru- tural. Se ele já afirmou, como o fez Russell, que somente podemos conhecer a estrutura, mas nada das qualidades de seus objetos.

Chalmers (2012, p. 46) — reconstruindo a mesma discussão de Demopoulos e Friedman (1985, p. 636) — alegou recentemente que Carnap percebe uma das consequências do “problema de Newman” quase ao final de Aufbau [1928] [§§153–155], ao cogitar a possível eliminação da única relação básica usada no projeto, a saber, a relação de similaridade [recollection of similarity, Rs]. Carnap, de fato,

sugere uma solução, mas cogita a remoção daquelas seções para o texto final, assinalando-as com “pode ser omitida”.193No cap. A de Aufbau [1928], há o anúncio que se vai tentar fundamentar a tese de que a

190O alcance do problema é também diagnosticada por Uebel: “If the reconstruction of empirical theories by ramseyfi-

cation in Carnap’s fashion is unacceptable, then all of his explications that build on this are called into question (Uebel, 2010b, p. 76).

191Muito embora talvez fosse possível indiciá-lo por “domínio do fato”.

192Uma inconveniência seria a necessidade de apresentação de todas as variáveis quantificadas, todos os postulados

teóricos e regras de correspondência a cada ocasião de emprego de um termo teórico para a produção de uma sentença significativa (“T. Concepts” [1959], p. 167).

193Com vistas a alcançar uma reconstrução puramente estrutural, expressando que “all objects and statements of the constructional system in a purely logical way” (Aufbau [1928], p. 238), e ficar em completa consonância com a tese inicial do

projeto de que todos as proposições da ciência poderiam ser transformadas em proposições estruturais, Carnap cogita a possibilidade de substituição da relação básica assumida para tal construção. Ele percebe, contudo, que a substituição um-por-um do conjunto de relações básicas [por outras] levaria ao problema de desvinculação da base em relação a estrutura: “we can then not find any sense for the new basic relations; they are lists of pairs of basic elements without any (experienceable) connection.” Como possível solução para essa falta de conexão, Carnap sugere a consideração de um tipo especial de conceito básico, o de “foundness”, ou “relação experienciável”, “natural”, como sendo, por si, lógico. O novo conjunto de relações básicas precisaria respeitar certa correspondência com “some experienciable, ‘natural’ relations”

“ciência trata apenas com a descrição das propriedades estruturais dos objetos”. A linguagem construída ali flerta, de fato, com uma forma de estruturalismo:

[…] nossa tese, a saber, que afirmações científicas dizem respeito apenas a propriedades estruturais, equivale à afirmação de que afirmações científicas falam apenas de formas sem declarar quais são os elementos e as relações dessas formas. Superficialmente, isso parece ser uma afirmação paradoxal. Whitehead e Russell, ao derivar as disciplinas matemáticas da logística, deram uma demonstração estrita de que a matemática (a saber, não apenas aritmética e análise, mas também geometria) está preocupada com nada além de declarações de estrutura (Aufbau [1928], p. 28)

A proposta parece idêntica àquela de Russell (1927); e o caso de flerte e compromisso de Carnap com o estruturalismo, decidido. Ele, no entanto, prossegue o trecho com uma ressalva:

No entanto, as ciências empíricas parecem ser de um tipo totalmente diferente: em uma ciência empírica, é preciso saber se se fala de pessoas ou aldeias. Este é o ponto decisivo:

a ciência empírica deve estar em posição de distinguir essas várias entidades; inicialmente, isso

ocorre principalmente através de descrições definidas utilizando outras entidades. Mas, em última análise, as descrições definidas são realizadas apenas com a descrição das estruturas. (Aufbau [1928], p. 23)194

Outra pista de uma postura semelhante é encontrada na primeira frase de ESO [1950], onde Carnap destaca que os empiristas “são em geral bastante suspeitos com relação a qualquer tipo de entidades abstratas” e tendem a evitar, o tanto quanto possível, a referência a elas. Mas, prossegue, é muito difícil, ou quase impossível, evitá-las em alguns contextos científicos. Para o caso específico da matemática é possível recorrer a estratégia de tratá-la como um mero cálculo, mas para uma ciência empírica, como a física, é mais difícil, visto que a sua linguagem serve para a “comunicação de relatórios e previsões” (p. 205).

Bastante claro, Carnap está ciente que um tratamento adequado da linguagem da ciência empírica não pode abrir mão completamente de uma interpretação empírica e não pode, portanto, ser tomada como um cálculo puro. Nesse caso, uma concepção completamente estruturalista seria inadequada por não respeitar a natureza da investigação. Ou seja, mesmo em Aufbau [1928], passando por ESO [1950], apesar de flertar com uma posição estruturalista, ele estava ciente do descolamento

Aufbau [1928], p. 236. Para Chalmers (2012, p. 46) esse mecanismo estranho é muito pouco convincente; e, de fato, nunca

mais foi usado por Carnap.

194Essa última afirmação parece ir contra a nossa tese. Essa generalização, contudo, não deixa de ser também contabili-

zada, por um lado, pelo fato de que a construção realizada em Aufbau é abstraída, ou seja, é tomada como dizendo respeito a um domínio fixo de conhecimento, em um determinado corte temporal. Carnap está qualificando, em última análise, o que pode ser expresso na ciência de modo objetivo a partir de um conjunto de informações prefixadas. O mecanismo de construção realizado em Aufbau, idealmente, não difere completamente da proposta, mais tarde, das sentenças-Ramsey (cf. Friedman, 2012a, p. 108). “For science wants to speak about what is objective, and whatever does not belong to the structure but to the material (i.e., anything that can be pointed out in a concrete ostensive definition) is, in the final analysis, subjective. One can easily see that physics is almost altogether desubjectivized, since almost all physical concepts have been transformed into purely structural concepts.” (Aufbau [1928], p. 29). Destaque-se o “quase” nas duas observações. Por outro lado, é interessante notar que também em Aufbau, a validade de uma descrição estrutural exige um complemento, “it is not only required that the describing structure statements be consistent, but, in addition, the following empirical requirements must also be fulfilled: in the object domain in question, at least one object must exist which answers the description, and at most one such object must exist. Further statements about the object which has thus been described are then not all of them analytic, that is, deducible from the defining statements, as is the case with implicitly defined objects, but some of them are synthetic, namely, empirical findings within the object domain in question.” (Aufbau [1928], p. 28)

entre teoria e observação promovido nessa situação. Creio, portanto, que, por mais que esteja próximo a uma posição que vê os termos teóricos como cumprindo um papel funcional de estruturação dos dados empíricos, e da constatação de que a ciência está em busca de uma quase completa desubjetivação, classificar Carnap como um estruturalista, embora seja parcialmente correto, é um tanto apressado.

Outro filósofo concentrado na reavaliação e desenvolvimento da filosofia de Carnap que busca resguardar o projeto carnapiano das consequências da objeção de Newman [e Psillos] é Friedman: “O problema de Newman não é uma objeção para Carnap”, pontifica Friedman (2011, p. 256), baseando

sua defesa na resposta que Carnap dá a Hempel (Replies [1963], p. 963). Nela Carnap reitera que a sentença-Ramsey, apesar de referirem-se a entidades teóricas pelo uso de variáveis abstratas [e que podemos entendê-las como “entidades puramente lógico-matemáticas”], é “obviamente uma sentença factual”.195

A sentença-Ramsey afirma que os eventos observáveis no mundo estão relacionados de modo tal que há números e classes de números que são correlacionados a tais eventos de modo de- terminado (Replies [1963], p. 963). Para Friedman esse é o ponto determinante: a sentença-Ramsey possui “conteúdo sintético ou factual, simplesmente porque restringe assim os fenômenos observáveis de modos definidos” (Friedman, 2011, p. 256). Isso mostra que Carnap não está supondo que uma teoria tenha “qualquer conteúdo sintético ou factual para além de sua adequação empírica (tanto dedutiva e indutiva)” (2011, p. 256). Friedman prossegue em nota de rodapé:

Em particular, Demopoulos critica o uso da sentença-Ramsey por Carnap por exigir ape- nas a existência de uma estrutura matemática apropriada — que, como disse Demopoulos, é “quase analítica”, na medida em que segue logicamente da totalidade das consequências observacionais de 𝑇, em conjunto com uma suposição de cardinalidade. A opinião de Car- nap, no entanto, é que o conteúdo sintético de 𝑇 não excede seu conteúdo empírico, e ele pretende defender essa concepção, ademais, contra os excessos metafísicos do “realismo” e do “instrumentalismo”. Demopoulos, deste ponto de vista, está confiando em uma intuição fundamentalmente “realista” sobre o que deve ser considerado o conteúdo (sintético) de uma teoria científica (Friedman, 2011, p. 256)

A afirmação de Friedman, como vemos, é breve. Ele não é, por exemplo, particularmente específico sobre o que considera uma “intuição fundamentalmente realista”. Como a entendo, ela diz respeito a imposição realista de que os termos teóricos tenham um “excesso de conteúdo” para além do seu comportamento metodológico no contexto das teorias científicas. Ou seja, é justamente aquilo que Psillos chama de “intuição pré-filosófica [apesar de que, nesse caso, o trecho ser direcionado a Demo- poulos e não diretamente a Psillos]. O comentário de Friedman sugere a possibilidade de questionar a necessidade do respeito a tal intuição. O realista defende que as teorias fazem “afirmações substan- tivas sobre o mundo” (Psillos, 1999, p. 60), e o faz [no caso de Psillos] recorrendo a uma “concepção de que o mundo é já ‘esculpido’ em tipos naturais” (p. 30). Um termo teórico possuiria uma espécie de interpretação anterior a qualquer papel desempenhado na teoria, e uma teoria científica adequada teria a obrigação de desvendar e capturar esse papel na forma de uma imagem (mesmo que aproximada) de uma “realidade independente”. Resgatando, desse modo, aquela intuição pré-filosófica. Mas isto é

195Ou seja, a resposta — e a solução [ao problema de Newman, ao que diz respeito a posição de Carnap] — está vinculada

precisamente o que Carnap não se sente obrigado a assumir e é “agnóstico” sobre. Em verdade, a maior parte da contribuição de Carnap ao debate sobre a linguagem teórica trabalha em função de evitar pre- cisamente qualquer obrigação com esse suposto compromisso intrínseco. Resguardando, por meio do Princípio de Tolerância, a possibilidade de uma suspensão de juízo a respeito de qualquer obrigação ao compromisso realista. Essa postura, vale dizer, independe e é mesmo compatível com a possibilidade de possuirmos interpretações pretendidas anteriores à construção de uma teoria; ou melhor, que uma teoria [ou porção de uma] possa ser construída com base em alguma intuição pressistemática (ou ainda não sistematizada) sobre o comportamento esperado para certa entidade postulada. Isso é possível de ser adotado, para Carnap, sem o apelo a qualquer realidade independente específica.196

Em “Carnap’s Logico-Mathematical Neutrality between Realism and Instrumentalism” [que é uma apresentação oral do texto de Friedman (2011) no MCMP Workshop sobre Carnap], Fri- edman adiciona um comentário ao texto publicado [seguinte a nossa citação anterior]. Afirmando que o problema de Newman[-Demopoulos,-Psillos,-Friedman de 85] não é uma objeção a Carnap porque “essa é justamente a sua concepção” — “é o que estamos fazendo; não existe conteúdo para além do

conteúdo observacional”.197

Em consonância, “Carnap on the reconstruction of scientific theories” [conteúdo da SEP ainda não publicado online, por Andre Carus e Hannes Leitgeb] adiciona: “O que realmente está em questão aqui, porém, é se o significado de 𝑇 é determinado por Th ou não: quando Raatikainen pensa que Th poderia ser empiricamente desconfirmada, ele assume que foi atribuído a 𝑇 uma interpretação anterior ou independentemente da função que 𝑇 desempenha em Th” (p. 32). Apesar de ser especí- fica a discussão de outro autor, essa passagem esclarece razoavelmente o que se pretende dizer sobre o conteúdo sintético da sentença-Ramsey e como a suposição sobre o conteúdo sintético anterior a participação de um termo teórico 𝑇 em uma teoria Th. A suposição “essencialmente” realista, portanto, vem em prejuízo à compreensão do que Carnap pretende com o conteúdo sintético relativo aos termos teóricos; ao pressupor que há conteúdo sintético para além da teoria que a sentença-Ramsey necessitaria capturar.

Para Friedman, as semelhanças, por um lado, com o realismo, e por outro com o “instru- mentalismo” de Van Fraassen — que, para ele, tem a mesma concepção a respeito do conteúdo sintético ou empírico de uma teoria que o produzido na concepção de Carnap das sentenças-Ramsey —, sugerem, ao final, que Carnap consegue acomodar ambas, e:

pelo menos para mim, que a tentativa de neutralidade de Carnap possa ter sido, afinal, bem- sucedida. De fato, ele pode ter articulado uma versão do estruturalismo que reconhece os pontos fortes do instrumentalismo e do realismo, ao mesmo tempo em que evita as “pseudoperguntas” filosóficas nas quais elas parecem divergir substancialmente. (Friedman,

2011, p. 98)

196Creio que isso é [ou pode ser] chamado de uma espécie de realismo provisional. Ou seja, o praticante da ciência pode

manter a crença de estar descobrindo aspectos fundamentais da realidade, retirando possíveis motivações psicológicas para a sua pesquisa, sem que isso signifique, necessariamente, um compromisso irrevogável com as interpretações metafísicas da tese realista.

Friedman, na minha opinião, identificou corretamente um dos pontos de inflexão do debate. Carnap defende essa posição [sobre a interpretação dos termos teóricos] explicitamente em ao menos dois outros textos. Um deles é em “Meth. Character” [1956]: “Toda interpretação (no sentido estrito desse termo, i.e., interpretação observacional) que pode ser dada para 𝐿𝑇é dada nas regras-𝐶” (p. 46).198

O que, obviamente, está restringindo o conteúdo factual de uma teoria à sua interpretação observacional, e, indiretamente, a interpretação dos termos teóricos descritivos à mesma. Tal restrição é afirmada no contexto de resguardar que o domínio da linguagem teórica possa ser compreendida como constituída por números naturais, embora isso seja apenas uma forma didática de apresentar um certo tipo de estru- tura pretendida, um modo de falar, que dispõe um auxílio psicológico ao conectar certas imagens a certas expressões, mas que, de todo modo, não deve ser incluído na interpretação da linguagem teórica, 𝐿𝑇

(ou especificando parte da interpretação). Carnap é particularmente enfático ao destacar que a função das expressões “O, O′...” [que designam, respectivamente o número 0, o número 1,...] consistem na representação de um tipo particular de estrutura sequencial. Visto que a sequência dos números naturais é o exemplo mais elementar e familiar desse tipo de estrutura, ele entende, portanto, que não há maiores problemas em assumir os números naturais como designando tais entidades, conquanto, prossegue, “não sejamos enganados por essas formulações a fazer pseudoperguntas metafísicas” (p. 46).

Espelhando essa mesma concepção de “Meth. Character” [1956], Carnap volta ao ponto em “T. Concepts” [1959], agora no contexto de discussão das sentenças-Ramsey:

[…] são então os postulados-𝑇, juntamente com os postulados-𝐶, que dão interpretação, toda a interpretação que os termos-𝑇 possuem, que não é uma interpretação completa. Te- mos que ter isso em mente. Mas a interpretação que eles têm, eles recebem pelos postulados e pelos postulados desses dois tipos em conjunto. (p. 161)199

Qualquer interpretação, e, portanto, qualquer significado que possa ser atribuído aos termos teóricos, diz respeito apenas a sua relação intrateórica. Essa relação intrateórica é composta, por sua vez, pelos postulados teóricos que os introduzem, e pelas regras de correspondência, que intermediam e administram sua relação com a observação. Bem como Friedman afirma, não há interpretação adicional à colaboração que os termos teóricos possam proporcionar a uma teoria científica que aquela determinada pelas suas regras de introdução e transformação e o respectivo teste empírico, ou seja, sua colaboração na derivação de sentenças empiricamente testáveis.200 Como podemos observar, o mesmo ponto é

198“and their function is essentially the interpretation of certain sentences containing descriptive terms, and thereby

indirectly the interpretation of the descriptive terms of 𝑉𝑇. On the other hand, the essential service that the expressions

“O” etc. give, consists in the fact that they represent a particular kind of structure (viz., a sequence with an initial member but no terminal member). Thus the structure can be uniquely specified but the elements of the structure cannot. Not because we are ignorant of their nature; rather, there is no question of their nature. But then, since the sequence of natural numbers is the most elementary and familiar example of the sequential structure here in question, no harm is done in saying that those expressions designate entities and that these entities are the natural numbers, as long as we are not misled by these formulations into asking metaphysical pseudo questions.” (p. 46)

199E, mais adiante: “The essential characteristics of ‘temperature’ come from the combinations and connections with

other theoretical terms which are expressed in the 𝑇-postulates, and the combinations and connections with the observa- tion terms, which are expressed in the 𝐶-postulates” (“T. Concepts” [1959], p. 165)

200Outra indicação de que Carnap esteja restrito a compreensão relativa ao significado empírico dos termos teóricos é

que, invariavelmente, ao falar sobre “significado”, Carnap ressalva que está falando sempre sobre o significado empírico, como por exemplo, em R. Carnap (“Meth. Character” [1956], p. 49).

defendido tanto em textos que empregam as sentenças-Ramsey [em “T. Concepts” [1959]], como os que não empregam [em “Meth. Character” [1956]]. Nesse caso, é possível concordar com a afirmação de Psillos de que o melhor caso para o empirismo de Carnap talvez seja apresentado com o endosso das sentenças-Ramsey, muito embora a concepção geral de Carnap sobre o significado empírico dos termos teóricos não é, a meu ver, essencialmente modificada com o seu uso. O mecanismo das sentenças-Ramsey é, afinal, uma proposta de representação das teorias entre outras. Isso, por sua vez, sugere, mas apenas isso, que a concepção geral de teoria de Carnap [ou uma semelhante a ela] possa mesmo sobreviver por mais que se demonstre uma inadequação, ou um problema insuperável, com a abordagem das sentenças- Ramsey.

Outro ponto relevante de destaque de Friedman é que a reconstrução da teoria por Carnap não é feita a restringindo à sentença-Ramsey, mas pela combinação da sentença-Ramsey (carregando o conteúdo observacional da teoria original) e a sentença-Carnap (que representa o conteúdo analítico da mesma). A opção de Carnap, assim como em Found. Log. Math. [1939], agora também com a abordagem Ramsey, é manter os termos teóricos como inicialmente não diretamente interpretados, atribuindo sua interpretação por meio de regras de designação. Ou seja, a alternativa de Friedman consiste, no caso da objeção de Newman, em distanciar Carnap da interpretação realista e aproximá-la, de certo modo, da perspectiva instrumentalista.201 De todo modo, ela parece bastante endógena aos textos de Carnap: “O problema de Newman não é uma objeção para Carnap” […] “Isso não deveria surpreender se mantivermos firmemente em mente o fato de que termos teóricos, para Carnap, são semanticamente não interpretados. Não atribuímos nenhum designata a eles em nossa meta-linguagem semântica” (Friedman, 2011, p. 256)

Antes, na segunda método de Found. Log. Math. [1939], Carnap não provê interpretação semântica direta aos termos teóricos (abstratos, no vocabulário específico do texto), apenas, no conjunto da linguagem da ciência, por meio de definições implícitas. Ancorando, finalmente, e providenciando interpretação semântica, por meio de regras de designação para os termos observacionais (concretos, elementares, no vocabulário do texto).202 Agora, na abordagem Ramsey, para Friedman, o mesmo processo é mantido:

Não lhes atribuímos designata em nossa meta-linguagem semântica, e assim a semântica tarskiana (como Carnap a entende) não atribui valores de verdade a sentenças puramente teóricas. No entanto, atribui valores de verdade à sentença-Ramsey correspondente; e a sentença-Ramsey, como acabamos de ver, estabelece conexões indutivas muito significativas entre sentenças observacionais (totalmente interpretadas) — conexões que de maneira alguma podem ser recuperadas em uma reformulação (como a re-axiomatização de Craig) que simplesmente dispensa a estrutura teórica inteiramente. É precisamente isso, ao final, que é garantido por uma interpretação parcial dos termos teóricos por meio de regras de correspondência. (Friedman, 2011, p. 102)

201Friedman diz: “in this respect, he (as I have suggested) is in agreement with van Fraassen but not with contemporary

scientific realists like Psillos.” (Friedman, 2011, p. 256) e (Friedman, 2012a, p. 102)

202“the alternative is to give no direct semantic interpretation at all for the abstract terms; view them as having only