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3.2 Categorias de Análise

3.2.2 Consequências do assédio moral

As consequências do assédio moral no trabalho, bem como suas causas, não ocorrem via fluxo único, apresentando impactos coletivos e multidirecionais; afinal, toda força tem uma reação. A priori, o olhar está sobre as vítimas, até mesmo devido às agressões diretas que essas sofrem; entretanto, os limites dessa violência são difíceis de medir, pois ultrapassam o outro (testemunha), o grupo, a organização, a família, expandindo-se para a sociedade em um ciclo perverso de retroalimentação.

Quanto aos agravos à saúde das vítimas, o trecho a seguir evoca a especificidade da dor moral, uma dor atrelada à alma como uma ferida em um longo processo de cicatrização, o que, muitas vezes, não ocorre.

Eu passei por problemas de saúde, em virtude desse assédio moral, por pressão por vendas. As metas eram absurdas, que eu cheguei a fazer tratamento psiquiátrico, eu cheguei a tomar remédio tarja preta para poder dormir, [...] do nada chorava. [...] trabalhar, você dar o sangue, você vestir a camisa, e você só levar pancada! [...] Afeta tudo, tem a depressão, afeta o seu libido, você fica nervoso. [...] Eu fui atingido na minha honra, na minha dignidade [...] (SANCHES; MOTA; COSTA, 2011 p. 11).

A dor sentida pela vítima, no desempenho do papel de funcionária, amplia-se nos demais papéis em que esta atua (BARRETO, 2006), potencialmente, o de esposa, mãe, amiga, filha, voluntária, entre outros. Esse resultado foi encontrado na pesquisa de Sanches, Mota e Costa (2011), pois as vítimas revelaram, como consequência do assédio, um desequilíbrio nas relações sociais. Assim, até mesmo a solidariedade no âmbito familiar pode ser expropriada. Em algumas ocorrências, as vítimas se sentem humilhadas porque são taxadas de preguiçosas por ficarem em casa devido à necessidade de licença médica. Essa situação encontra espaço na sociedade autoritária que prega a coisificação do sujeito e, nesse sentido, Barreto (2006, p. 185, grifo nosso) explica: “nascemos colônia, submetida e sujeitada aos interesses de fora. O ideário autoritário impôs desmandos, que naturalizados socialmente se fizeram ação: humilha- se o pobre, o negro, a mulher, o mais velho [...]”. Não se tolera, portanto, aqueles que são diferentes de nós “porque têm uma cor diferente de pele, porque falam uma língua que não entendemos, porque comem rã, cachorro, macaco, porco, alho, porque usam tatuagem [...]” (ECO, 2000, p. 17).

Dessa maneira, é preciso entender que, apesar de esse tipo de violência não ser freada por barreiras geográficas (BRADASCHIA, 2007), cada cultura, tendo em vista suas

particularidades, pode promover/estimular em graus diferentes tal anomalia, da mesma forma com que pode buscar antídotos ou mecanismos atenuantes para frea-la de modo diferenciado.

Um exemplo são os países da Escandinávia, semelhantes em suas culturas e economias, onde as organizações apregoam um alto valor sobre o bem-estar do trabalhador e uma atitude negativa em relação a qualquer sinal de abuso de poder. Além disso, nesses países, os trabalhadores têm maior respaldo legal no caso da incidência do assédio (EINARSEN, 2000).

Como mencionado anteriormente, além das vítimas, as testemunhas, mesmo que indiretamente, também sofrem com as experiências do psicoterror, pois aquelas que silenciam sobre o que observam não são poupadas de seus impactos, estando expostas a um ambiente de temor frequente (SALIN, 2003b; AGERVOLD, 2007; AMAZARRAY, 2010). As testemunhas sentem medo de perder o emprego e de ocuparem o lugar de vítimas.

Em uma visão panorâmica sobre o mal-estar no trabalho, a partir de uma pesquisa quantitativa realizada com 1.164 bancários do serviço público nacional, foram identificados cinco núcleos temáticos relacionados aos traços da cultura organizacional estudada, a saber: ociosidade, salário e reciprocidade; hostilidade e condições físicas; discriminação para com os terceiros; carreira e estilo de chefia; e trabalho repetitivo, controle e divisão de tarefas. O núcleo mais citado pelos funcionários, carreira e estilo de chefia, revelou indícios de assédio moral que, potencialmente, levariam a um revés do comprometimento organizacional afetivo (FERREIRA; SEIDL, 2009).

Dessa forma, a patologia desse mal traz impactos negativos, também, para as organizações, tendo em vista o descompromisso com o trabalho em razão do sofrimento causado pela violência que encurrala a vítima, de tal maneira, que essa passa a duvidar de suas capacidades profissionais. Ainda, a vítima é submetida a um exílio interior que acaba por afetar, negativamente, diversas áreas de sua vida, inclusive, suas perspectivas de carreira (HIRIGOYEN, 2010a).

Um exemplo é expresso por Hirigoyen (2010a), ao revelar uma tática do perverso:

Não fornecer a uma pessoa conscienciosa os meios de trabalhar é uma maneira eficaz, se for feito sutilmente, de lhe passar a imagem que ela é uma nulidade e que é incompetente. A vítima acaba acreditando, porque, de fato, não consegue mais executar seu trabalho corretamente (HIRIGOYEN, 2010a, p. 55).

Como o ambiente do trabalho é o palco da violência moral, o mal-estar se instala devido à desintegração da satisfação relacionada ao labor, o que ameaça o vínculo positivo

anterior, e as sensações de desprazer são cada vez mais contínuas. Outro prejuízo para a empresa, oriundo do assédio, é a potencial perda de profissionais capacitados, pois as vítimas trocam de emprego mais frequentemente do que as não vítimas (BERTHELSEN et al., 2011).

Fonte: Elaborada pela autora a partir de Bradaschia (2007)

É notória, portanto, a dinamicidade entre os antecedentes e os desdobramentos do assédio moral no trabalho, como ilustrado pela Figura 3, que compreende as interações entre os indivíduos, organizações e o contexto mutável no mundo do trabalho.

Considerando-se a dificuldade em separar as consequências do assédio moral dos seus custos, pois a própria ideia de custo caracteriza-se como um tipo de consequência, propõe-se, neste estudo, alocar a categoria custos (“7”), apresentada por Bradaschia (2007), como subitem da categoria consequência, também entendida como desdobramentos. Rodrigues (2009) também compreende custos como um elemento dentro de consequências.

3.2.2.1 Custos do assédio moral

O consenso relacionado a este tópico diz respeito ao efeito cascata dos custos do assédio moral, visto que as pessoas exercem na sociedade múltiplos papéis, ou seja, o funcionário também é cliente, contribuinte e membro de uma família. Nessa ótica, os custos se espalham e se multiplicam (MARTININGO FILHO; SIQUEIRA, 2008).

Contudo, é patente a dificuldade de se calcularem os custos atrelados ao assédio moral no trabalho devido à subjetividade ligada ao assunto. Para as vítimas, os custos são

Antecedentes Assédio Moral Desdobramentos

Perplexidades no mundo do trabalho – Fatores sociais em fluxo Sociais Fatores Organizacionais - Cultura e clima organizacional. - Lideranças. - Organização do trabalho. - Mudanças dentro da organização. - Afetar a capacidade de fazer o trabalho. - Isolamento. - Ataques pessoais. - Ameaças verbais. - Assédio sexual. Individuais Organizacionais Fatores Individuais

inexprimíveis. Quanto às empresas, essas precisam conhecer melhor esses custos, que podem ser refletidos em: maior absenteísmo, maior turnover, queda na produtividade, queda no comprometimento organizacional, piora no ambiente de trabalho e da imagem, perda de clientes, entre outros (BRADASCHIA, 2007).

Zanetti (2008) argumenta que o assédio moral é um problema de saúde pública. Nos Estados Unidos, o custo anual oriundo dessa violência, para os empregadores, foi estimado em 250 milhões de dólares, incluindo despesas relacionadas aos cuidados de saúde, litígios, rotatividade de pessoal, treinamentos, entre outras (DUFFY, 2009). Já na Europa, o custo é estimado em 20 bilhões de dólares (ZANETTI, 2008).

O custo econômico-financeiro do assédio moral é muito alto; consequentemente, parece que nenhum dirigente prudente o queira pagar, sendo necessário, para isso, que o assédio seja prevenido antes de ser tratado (ZANETTI, 2008). Entretanto, essa afirmação talvez não seja válida para muitas organizações que, às vezes, institucionalizam o assédio moral, e a prudência acaba ganhando outros significados quando os fins costumam justificar os meios (HELOANI, 2004; FREITAS, 2007a; NUNES; TOLFO, 2011).

Para as vítimas, medir os custos do assédio é extremamente difícil, pois é complexo avaliar o preço da saúde e do bem-estar. Dessa forma, em conformidade com o Direito, há distinções entre o dano material e dano imaterial (conhecido como extrapatrimonial). A diferença entre essas lesões reside, substancialmente, na forma em que se opera a reparação:

Enquanto no caso dos danos materiais a reparação tem como finalidade repor os bens lesionados ao seu status quo ante, ou possibilitar à vítima a aquisição de outro bem semelhante ao destruído, o mesmo não ocorre, no entanto, com relação aos danos extrapatrimoniais. Neste é impossível repor as coisas ao seu estado original. A reparação, em tais, casos, reside no pagamento de uma soma pecuniária, fixada em face do arbitrium boni iuris do magistrado, de forma a possibilidade à vítima uma compensação em decorrência da dor íntima vivenciada (REIS, 2010, p. 7).

Bradaschia (2007) elenca alguns efeitos resultantes dessa violência, como: post- traumatic stress disorder - PTSD, dificuldade de concentração, ataques de pânico, reação exagerada a estímulos, sentimentos (ideias) suicidas ou homicidas, paranoia, ansiedade, depressão, aumento no nível de stress, problemas psicossomáticos, insônia e isolamento social. Keashly e Neuman (2004) mencionam que o bullying também está relacionado aos sintomas de hipervigilância, ruminação e pesadelos, correspondentes ao PTSD. Da mesma forma, essa violência, se prolongada na vida do sujeito, associa-se ao stress psicológico, podendo induzir pensamentos suicidas e, por fim, representar, até mesmo, a morte do sujeito.

Além disso, as mudanças comportamentais, devido à convivência tóxica no ambiente de trabalho, podem levar o indivíduo, por exemplo, ao alcoolismo e ao abuso de drogas.

Os custos individuais refletem-se na organização no que se refere à redução da satisfação das vítimas com o trabalho, o que, por sua vez, pode reduzir o comprometimento do funcionário com a empresa (KEASHLY; NEUMAN, 2004; BERTHELSEN et al., 2011). Em situações em que há convívio com chefes tiranos, a ansiedade predominante no local de trabalho pode originar níveis substanciais de medo entre os potenciais alvos do agressor, com graves impactos para a eficiência e a eficácia do trabalho do grupo.

Desse modo, o clima “tóxico” no trabalho emana emoções negativas entre os funcionários, e o medo, a desconfiança e a raiva passam a reinar (KEASHLY; NEUMAN, 2004; ADORIC; KVARTUC, 2007). Assim, os reflexos dos custos individuais e organizacionais aglomeram-se sobre a sociedade. Exemplos de ônus podem ser citados: maiores custos relativos a aposentadorias precoces, custos relacionados à perda da produtividade e custos relacionados aos tratamentos médicos (FREITAS, 2007a).

Nesse sentido, torna-se míope a visão daqueles que focalizam apenas no agressor e na vítima. Freitas (2007a) confronta esse entendimento bidimensional:

O assédio moral tem sido estudado basicamente como uma questão individual, na qual um indivíduo submete o outro e o infelicita, levando-o a desenvolver problemas de saúde ou a perder o emprego. É certo que este é o ponto de partida do evento quando ele já se tornou uma causa médica ou jurídica, ou seja, a doença e o desemprego são resultantes diretas no nível individual. Todavia, acreditamos que as consequências nefastas do assédio moral no ambiente de trabalho são ainda mais amplas, mais graves e mais complexas (FREITAS, 2007a, p. 5).

Devido à gravidade dos possíveis custos ilustrados, o assédio moral no trabalho deve ser combatido e sentenciado como crime, pois representa um atentado à vida social. Ademais, torna-se fundamental a realização de pesquisas que mapeiem e monitorem a realidade nacional, por meio de esclarecimentos sobre o perfil da vítima, direções do assédio, perfil do agressor, entre outros elementos que compõem o assédio moral.

A seguir, discussões nacionais e internacionais sobre o perfil da vítima são evidenciadas no intuito de mostrar a variedade dos resultados que se relacionam com outros fatores, como, por exemplo, os aspectos socioculturais.